30.4.07

NÃO ESQUECER





Creio que foi Wilhelm Reich quem pôs o problema do fascismo em termos muito perturbadores: “ Mais do que enunciar as causas económicas do fascismo importa explicar porque é que, em determinado momento histórico, milhões de pessoas o apoiaram”. Hitler subiu ao poder através de eleições democráticas, escreveu um livro em que dizia claramente o que defendia e foi aclamado como um salvador. Mussolini começou por ser um herói para o povo italiano. Salazar foi acolhido de braços abertos quando prometeu salvar Portugal da bancarrota e do descrédito político nacional e internacional.
É verdade que desde o início tiveram opositores declarados mas estes eram uma minoria - e pagaram caro por isso. O que importa sublinhar é que o fascismo, com todo o seu cortejo de horror ideológico e práticas sinistras, foi um impressionante fenómeno de massas. Ainda hoje é uma experiência arrepiante ouvir as gravações dos discursos de Hitler nos gigantescos comícios na Alemanha dos anos 30. Gritos de entusiasmo, aplausos sem fim, ateados por uma retórica incendiária. Como foi possível? Como é que um povo evoluído se lançou numa guerra mundial a partir das teorias absurdas (para nós, hoje…) de um homenzinho ridículo (mas que despertava arroubos sensuais nas louras matronas alemãs)?
A verdade é que aconteceu e não foi há tanto tempo quanto isso.






Há 60 anos o mundo abriu os olhos de espanto perante a realidade inacreditável de Auschwitz, aquele campo de concentração que tinha sobre a porta de entrada uma inscrição cheia de sabedoria: “O trabalho liberta”.
Milhões de judeus, de ciganos, de deficientes, de militantes comunistas foram “libertos” nas câmaras de gás e volatilizados nos fornos crematórios. A questão mais perturbadora para nós é que o absurdo desta prática, que os nazis chamaram de “solução final”, parece tão inverosímil que as gerações mais novas têm dificuldade em acreditar que tenha sido possível. É certo que as imagens existem, os documentos estão publicados, há milhares de testemunhos produzidos, o julgamento de Nuremberga foi feito. Mas, uma pesquisa recente da BBC revelou que 40% dos ingleses com menos de 25 anos não sabem onde fica nem o que foi Auschwitz !
Será este apagamento da memória colectiva uma explicação para a marcha cega da História? É que a 2ª Grande Guerra começou 21 anos depois da 1ª, quando estavam ainda bem vivos os seus sobreviventes.

PORQUE SOU EUROPEÍSTA ?

A meu ver, a questão da União Europeia é vital. Está ainda sobre a mesa uma proposta de Constituição que deve ser divulgada, conhecida, discutida e referendada. E esta é uma questão que diz respeito a todos. A falta de solidariedade social, a rivalidade política entre Estados, os confrontos culturais e religiosos, tudo isso é um caldo de cultura extremamente perigoso que em qualquer altura pode desencadear a temível espiral de violência dos fascismos. E hoje sabemos que estes regimes surgem quando se instala a ideia de insegurança generalizada, de mistura com altas taxas de desemprego e desregulação económica.

Se a memória colectiva não nos dá garantias de opor uma barreira eficaz ao regresso da barbárie, então é urgente a construção de um edifício político novo, capaz de lançar cabos de amarração política que defenda a Europa dos cataclismos cíclicos que se abatem sobre ela.










27.4.07

A História ainda serve para alguma coisa?





Jacques Le Goff é um dos maiores historiadores de sempre. Especialista em Idade Média europeia, escreveu vários livros essenciais sobre este período histórico: " A Civilização do Ocidente Medieval"; "O Imaginário Medieval"; "Os Intelectuais na Idade Média". A Editora Temas e Debates vai agora publicar "A Idade Média Para Principiantes", deste autor. A Editora Teorema publicará "Por Amor das Cidades".

À questão central de saber se a História e o seu estudo ainda servem para alguma coisa, Jacques Le Goff respondeu ( Ver : Jornal de Letras, 25 de Abril 2007 ):

«Temos de mostrar que a História existe, não devemos limitar-nos a contar História. Devemos mostrar que há uma relação entre o passado e o presente, devemos fazer com que os estudantes sintam o seu peso positivo ou negativo, sintam a presença da História na actualidade e, se possível, nas suas vidas pessoais.»

Sobre o papel dos professores de História:

« Parece-me que o papel do professor é, sobretudo, o de dar vontade aos estudantes de conhecer o essencial da História e de compreendê-la. E não obrigá-los a decorar factos e circunstâncias.»

Partilho esta perspectiva, que ouvi pela primeira vez, de forma desassombrada, a uma professora de História, já aposentada: "Não me interessa que os alunos saibam muita História. Prefiro que fiquem a gostar de História".

A maioria das pessoas que me dizem detestar a História explicam essa aversão pelo facto de terem sido obrigadas a decorar montes de factos e datas que esqueceram rapidamente.
Pelo contrário, os que gostam de História referem muitas vezes ter tido professores motivadores, aulas interessantes, debates frequentes, encorajamento de pesquisas pessoais.

A um professor de História pede-se que ajude os alunos a saberem procurar informação, a seleccioná-la, a entendê-la, a relacioná-la.

- Ah! Mas no meu tempo não era nada disso. Eu aprendi os reis todos de Portugal, com os cognomes e tudo!

Pois é. Mas infelizmente o saber histórico acaba aí. Estes adultos saudosos da sua aprendizagem tradicional, têm mas é saudades da infância. De um modo geral são tremendamente ignorantes àcerca dos mais triviais conhecimentos históricos. E não sabem onde procurá-los. No entanto, eles abundam por aí: nunca houve tantas enciclopédias, sites na Internet, livros, romances históricos, passeios turístico-culturais.

Só há um modo de compreender o presente em que vivemos: estudar a História que o explica.

Jacques Le Goff: um historiador a reler.

25.4.07

GLÓRIA A SALGUEIRO MAIA



MOMENTO DECISIVO

A principal força de Cavalaria 7, enviada pelo regime, passou para o lado da coluna da Escola Prática de Cavalaria e do Movimento das Forças Armadas, no Terreiro do Paço. Salgueiro Maia, o capitão de Abril que comandava a coluna vinda de Santarém, apercebeu-se aqui de que a Revolução estava ganha - e mordeu o lábio com força, para não chorar.


Revolução isto é: descobrimento
Mundo recomeçado a partir da praia pura
Como poema a partir da página em branco
- Catarsis emergir verdade exposta
Tempo terrestre a perguntar seu rosto

(Sophia de M. B Andresen)

23.4.07

DIA MUNDIAL DO LIVRO E DO DIREITO DE AUTOR






Basta imaginar: o que seria um mundo sem livros?

23 de Abril de 1616: morreram NESTE DIA : Cervantes e Shakespeare!

No mundo católico: 23 de Abril é o dia de S. Jorge.

Na Catalunha: dia da rosa e do livro. Rosa: símbolo do amor; livro: símbolo da cultura

22.4.07

Já que estamos nas artes plásticas...


Ontem estive na inaugaração da exposição do António Cavaco, em Tavira.

É bom ver os amigos, já aposentados, a trabalharem naquilo que gostam.

Para mais, a exposição está patente ao público no Edifício André Pilarte, um belo exemplar de arquitectura quinhentista - embora muito modificada ao longo de séculos - , que a Câmara Municipal recuperou.

Tavira é uma cidade muito bonita, de facto. Revi muitos recantos já esquecidos de anteriores visitas.





Casa André Pilarte







19.4.07

A. Ramos Rosa- artista plástico





É uma faceta menos conhecida do grande poeta.
Pintura, desenho...
A mesma expressividade dos poemas, a mesma procura dos traços essenciais.

LUGAR ONDE - Jornal BADALADAS - 20 ABRIL



Percurso de vida

António Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924. Publicou mais de 50 de volumes de poesia, para além de uma importantíssima reflexão crítica que entre artigos, recensões e prefácios ultrapassa largamente a centena, estudos imprescindíveis para o conhecimento da Arte e, ainda que de forma indirecta, da sua própria poesia. Acresce ainda a esta incomensurável produção a sua actividade incessante de tradutor. Foi fundador e director de revistas como a «Árvore» (1951-53), «Cassiopeia» (1955) ou os «Cadernos do Meio-dia» (1958), que se viram, as duas primeiras, a braços com a censura. Nestas revistas, norteadas pela fuga ao provincianismo – ou, se se preferir, a um certo “provincialismo presencista” (como diria Mourão Ferreira) - o eco das vanguardas na sua dimensão mais afirmativa foi uma meta procurada, convocando-se para as suas páginas vozes de dentro e de fora. A arte nunca teve fronteiras.Pelo mérito da sua obra e pelo seu perfil humano, António Ramos Rosa foi já objecto de importantíssimos prémios literários, nacionais e internacionais, como, por exemplo: Prémio de Tradução da Fondation de Hautvilliers (1976), Prémio do Centro Português da Associação de Críticos Literários e Prémio PEN Club de Poesia (1980), Prémio Pessoa (1988), Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores (1991), Prémio da Bienal de Poesia de Liège (1991), Prémio de Poeta Europeu da Década (1991), Prémio Jean Malrieu (1992), bem como lhe foram concedidas várias comendas: Mestre da Ordem Militar de Santiago de Espada (1992) e a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1997). ( Palavras da cerimónia de entrega a A. Ramos Rosa do doutoramento honoris causa pela Universidade do Algarve, 2003 )


POEMAS

Quando te vi senti um puro tremor de primavera
e a voluptuosa brancura de um perfume
No meu sangue vogavam levemente
anémonas estrelas barcarolas
O silêncio que te envolvia era um grande disco branco
e o teu rosto solar tinha a bondade de um barco
e a pureza do trigo e de suaves açucenas
Quando descobri o teu seio de luminosa lua
e vi o teu ventre largamente branco
senti que nunca tinha beijado a claridade da terra
nem acariciara jamais uma guitarra redonda
Quando toquei a trémula andorinha do teu sexo
a adolescência do mundo foi um relâmpago no meu corpo
E quando me deitei a teu lado foi como se todo o universo
se tornasse numa voluptuosa arca de veludo
Tão lentamente pura e suavemente sumptuosa
foi a tua entrega que eu renasci inteiro como um anjo do sol

António Ramos Rosa,
in "O teu rosto", 1994



Em qualquer parte um homem

Em qualquer parte um homem
discretamente morre.

Ergueu uma flor.
Levantou uma cidade.

Enquanto o sol perdura
ou uma nuvem passa
surge uma nova imagem.

Em qualquer parte um homem
abre o seu punho e ri.

António Ramos Rosa,
in "O grito claro", 1958



17.4.07

Estou vivo e escrevo sol: António Ramos Rosa





Candidato ao Nobel da literatura, quase 50 anos de vida literária e perto de uma centena de livros publicados. É o maior poeta português vivo, na opinião de muitos críticos. «Estou Vivo e Escrevo Sol» expressa a essência da sua arte poética: a vida humana é uma partícula do universo e ao poeta cabe procurar na linguagem a forma artística de o dizer.

O APARATO SILENCIOSO DAS COISAS

As coisas surgem vivas
obscuras nuas secas e marinhas
mar e som desveladas
são paredes redondas
e palmas e jarros no silêncio vivos jorros

surdas surdas mar silêncio
teclas quase pungentes brancas na memória
mais que serenas temperadas
trémulas imóveis altas impenetráveis rudes

presenças intocáveis sem espanto assombro puro
ó terra modelada a pão e vinho ó gérmenes
de água

o sol é fibra e fome alimento do olhar
feliz repouso apaixonada mão contida
e o espaço que limpais
respira ó profundas

teclas
temperadas trémulas


Entre múltiplas distinções:Prémio Pessoa 1988; Grande Prémio de Poesia da AssociaçãoPortuguesa de Escritores 2006.
António Ramos Rosa será o autor do LUGAR ONDE de Abril - dia 20 - no BADALADAS ( semanário de Torres Vedras)

Chiiiu !!!!



Hoje a música é outra...

16.4.07

Casas


Sempre que regressava a casa da minha avó paterna, em S. Vicente do Paúl, um dos meus fascínios era o ruído dos sapatos dela nos sobrados de madeira.
Acordei hoje com essa recordação, uma espécie de alucinação auditiva provocada - verifiquei depois - pelo batimento de um martelo no andar de cima...

Quase sempre a poesia é destronada pela trivialidade do quotidiano...

13.4.07

Incomensurável estupidez humana...


Há um dito espanhol que diz: "La inteligencia tiene límites, la estupidez, no."
No Marquês de Pombal surgiu esta noite, de novo, um cartaz do PRN, a mandar os emigrantes embora. E os militantes fizeram vigília para evitarem que fosse vandalizado...
Ficamos a saber que a Constituição Portuguesa é letra morta, inclisivamente para os senhores da Câmara Municipal que passam licenças para expor coisas destas.
De facto, "da estupidez humana até os deuses têm medo" (esta é dos antigos gregos...).
Fico à espera que o PRN passe à fase seguinte: incitar os milhões de portugueses emigrantes a regressarem à pátria.
E que a cáfila de energúmenos políticos que pululam por aí governem esta gente toda.
É a contemporização com os inimigos da democracia (veja-se o caso extremo da Madeira e do apoio que o maior partido da oposição lhe dá...- veja-se o concurso em que se promovem figuras do fascismo...) que cria o caldo de cultura onde germinam estes vermes.
PS.
- um dos grandes perigos da estupidez humana é que ela contagia de forma avassaladora. Como se prova por este "Post", provavelmente o mais estúpido que aqui pus - como se valesse a pena perder tempo com tal gente...


11.4.07

Alentejo: imagens do meu olhar - 4



Próximo de Terena há um conjunto de sepulcros medievais cavados na rocha. Como sentinela, este sobreiro...






Eça de Queirós, numa das suas "boutades", afirmou que o eucalipto era o mais feio bicho do reino vegetal. Bom, a maioria talvez seja. Mas um eucalipto só é belo quando tem algumas dezenas de anos. Como este, que vi no Convento de S. Paulo (transformado em Hotel ), na Serra de Ossa. Magnífico!







A licenciatura...





Há muita gente que começa a estar farta desta história. Por mim também estou.

Há que fazer perguntas. Quem está interessado nessa tal história?


Trancrevo um texto que encontrei na blogosfera, ( O JUMENTO ). Parece-me oportuno...


«Se há dois anos que alguns andavam a tentar suscitar dúvidas em torno da licenciatura de José Sócrates e nada de novo saiu durante esse tempo, porque motivo só agora o Público e o Expresso se interessaram sobre o tema? Se Sócrates não fez nenhuma cadeira durante este período o que mudou naqueles jornais para abordarem o tema?


Se a decisão e a escolha da localização do novo aeroporto foram decisões de um governo em que Marques Mendes era ministro e nunca se lhe conheceu qualquer opinião divergente em relação aos chefes que teve e entretanto não houve nenhum cataclismo que alterasse a morfologia dos terrenos da Ota o que levou o líder do PSD a tomar agora a iniciativa de lançar as dúvidas sobre a Ota, começando por envolver o Presidente da República nesta manobra?


É evidente que a licenciatura de Sócrates não lhe daria acesso a um doutoramento no MIT que ele tanto admira mas daí a pensar que o primeiro-ministro copiou no exame ou pediu a alguém que assinasse o livro de termos vai uma grande distância, mesmo nas universidades tidas por mais sérias o difícil é entrar, sair com o canudo é uma questão de tempo. Não sei porque motivo Sócrates optou pela Independente, imagino quais possam ser os motivos mas não me parecem relevantes, mas depois de ver tanto burro com canudo não me parece que Sócrates fosse idiota ao ponto de fazer uma falcatrua só por uma ou duas cadeiras.


Quanto ao novo aeroporto não tenho dúvidas de que é necessário, de que terá que ser construído em qualquer lado, que não vai ficar à borla, que não há nenhum terreno vocacionado para a construção de aeroportos, que onde quer que fique vai ficar longe da casa de alguém, eu quaisquer que seja o local onde seja construído vão haver beneficiados e que não faltarão engenheiros doutorados nas melhores escolas para chumbar qualquer localização.Então porque razão o país quase içou de pernas para o ar?


Coincidência ou não o jornal Público pertence a Belmiro de Azevedo, um empresário que ficou zangado com o Governo porque este não lhe estendeu o tapete na PT, coincidência ou não Belmiro de Azevedo, assim como Ricardo Salgado, teria muito a ganhar com uma localização do aeroporto a sul do TJ pois é nessa região que se localizam os seus investimentos políticos. Coincidência ou não o mesmo Marques Mendes que tentou relançar o debate da Ota foi o mesmo que poucos dias depois falou da privatização da RTP, coincidência ou não o número um do PSD é o dono do grupo empresarial que mais ganharia com a privatização da RTP, coincidência ou não pinto Balsemão é o dono do Expresso, o jornal que dias depois do Público lançou achas na fogueira da licenciatura de Sócrates com a SIC e a SIC Notícias da atribuir um destaque permanente ao assunto.


É evidente que são apenas coincidências, quem tem protagonizado os debates são jornalistas e engenheiros, só que muitos dos jornalistas que ouço por aí, para além de serem empregados exemplares de Pinto Balsemão ou de Belmiro de Azevedo, estão muito longe do meu conceito de jornalista sério e independente, da mesma forma que são raros os professores de engenharia que se limitam a dar aulas e não trabalham ou não desejem trabalhar para grandes grupos empresariais da construção.


Há qualquer coisa que não bate certo no meio disto tudo. Acho que as questões da localização da Ota ou a licenciatura de Sócrates devem ser discutida, mas seria uma grnade ingenuidade pensarmos que é apenas isso que está em causa. Esperemos para ver quem serão os "otários" no meio de todo este nevoeiro.»

Vantagens da Literatura...



Vasco Graça Moura, no Diário de Notícias de hoje:


(...)

Oxalá pois tudo fique esclarecido a favor de Sócrates. Há muito tempo, um primeiro-ministro, Sá Carneiro, violentamente acossado pela esquerda na célebre questão das suas hipotéticas dívidas à banca, saiu claramente vencedor, tanto na televisão como nos tribunais. Para já, Sócrates (que, ao contrário de Sá Carneiro, geriu mal a situação) não é acossado por acusações graves, mas por um conjunto de perguntas legítimas a que pode responder honestamente.Mas, se não o fizer com clareza, neste país um tanto ou quanto surrealista e dado a inexplicáveis singularidades, ocorre-me que o Alexandre O'Neill, se fosse vivo, murmuraria então com um brilho irónico a faiscar-lhe por detrás dos óculos de aro grosso, estes dois versos do seu poema "Se...", talvez substituindo nele a palavra "rapariga" pela palavra "democracia": "Se o engenheiro sempre não era engenheiro / E a rapariga ficou com uma engenhoca nos braços..." Ah, o poema concluía com esta pertinente interrogação: "... Acaso o nosso destino, tac!, vai mudar?"

IIIII RRRRR SSSSS


- Está na hora! Vamos lá entregar o IRS! Vá, não demora, olha o prazo!

E eu entreguei. Contas, papéis, horas no computador, dores de cabeça... No final, a simulação: quanto é que vou receber?
Daqui a dois ou três meses virão uns €s devolvidos e eu fico todo contentinho.

Quer dizer: eu e muitos tansos como eu faço, todos os anos, um empréstimo ao Estado, sem juros. E ainda fico agradecido!

9.4.07

Amar



Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente.

(Teixeira de Pascoaes)

8.4.07

"O sorriso de Deus indiferente !"



Não conheço ninguém que mais fundo tenha ido na expressão poética da lucidez: Teixeira de Pascoaes.


(...)


Ó gente enamorada! Ó gente moça!

Que, de repente, ao túmulo baixais,

Qual o vosso pecado? A culpa vossa?


Ó procissão das lágrimas, dos ais,

Diante de mim, passando, eternamente,

A caminho dos antros sepulcrais!


Dor sem fim, sem princípio, dor presente,

Martirizando as almas; e, sobre elas,

O sorriso de Deus indiferente!


(...)


O Deus aceso em raivas e furores,

Que mata as criancinhas sem pecado

E parece viver das nossas dores,


E fez do nosso pranto o mar salgado,

E fez da nossa angústia um ermo outeiro

E sobre ele, Jesus crucificado;


O Deus que me tornou prisioneiro,

E que transforma tudo quanto eu amo,

Em desfeita visão de nevoeiro;


Ah, esse Deus que, quando por Deus chamo,

É silêncio que, em neve, se condensa,

A própria sombra inerte que eu derramo...


(...)

(Poema: Canto heróico, do livro Elegias)




São de Pascoaes estes versos, último terceto do poema Poeta



Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.

7.4.07

Imagens do meu olhar - 3







Ponte romana de Terena (concelho de Alandroal). Um Presidente da Junta pouco esclarecido entendeu que ficaria melhor se fosse rebocada a cimento e caiada... Mesmo assim continua linda na sua funcionalidade e equilíbrio arquitectónico.





Castelo de Terena. Há mais "Torres Velhas" na terra...





Terena: Rua Direita. Um recanto do Alentejo profundo e genuino.





Terena: esta janela existe! A moradora tinha acabado de a cerrar...





...e acabou por sair pela porta ao lado, sorrindo para o meu ancantamento...

6.4.07

Imagens do meu olhar - 2





Passeando no concelho do Alandroal, chegamos à vila de Terena e encontramos a impressionante igreja / fortaleza da Senhora da Boa Nova.


Eça e a emigração


Eça de Queirós exerceu as funções de cônsul nas Antilhas, entre 1872 e 1874, tendo sido colocado em Havana. Aí teve ocasião de conhecer o fenómeno da emigração chinesa para aquelas paragens, feita muitas vezes em condições infra-humanas. Deste conhecimento Eça fez a base para a redacção de um importante "relatório / ensaio diplomático" pouco conhecido e que esteve inédito até 1979, ano em que Raul Rego o publicou pela primeira vez. Em 2000, no centenário da morte de Eça de Queirós, a Dom Quixote fez uma nova edição cujo título ( A Emigração Como Força Civilizadora )foi fixado por R. Rego que o tirou do último parágrafo do texto:


Neste ensaio o escritor diplomata faz a apologia da emigração, estudando as suas causas, características e efeitos sociais. Transcrevo exactamente a frase da conclusão:


« Estudadas as feições da emigração livre, a história dos seus movimentos, as suas causas, as suas consequências económicas, as suas relações com o Estado e a possibilidade da sua organização universal, discutida a emigração assalariada nas suas correntes e nos seus resultados sociais, eu julgo terminado este trabalho, que é a afirmação, e direi mesmo a apologia, da emigração como força civilizadora.»

Emigrantes ... imigrantes...




A melhor maneira de estar de acordo com um escrito é divulgá-lo.

Aqui fica, com a devida vénia, o "Editorial" de hoje do Diário de Notícias:






Cartaz e cartaz

O cartaz diz: "Basta de imigração." Se houvesse um erro de português - por "imigração" querer dizer-se "emigração" - seria uma boa frase. Emigrar quase nunca é desejado pelo próprio, é doloroso partir de casa e dos seus. Que portugueses protestassem por isso compreendia-se num país com milhões de emigrantes espalhados por França e Venezuela, para falar só de emigrações recentes. Infelizmente, aquele cartaz não faz erro de gramática. Ele quer dizer, mesmo, "imigração". Basta, diz, desses homens e mulheres estrangeiros que estão em Portugal. Expulsem-nos, diz o cartaz, que mostra um avião e esta frase terrível: "Façam boa viagem." O Diário Económico de ontem, num notável trabalho estatístico, explica do que os autores do cartaz estão a falar: basta de 7% da riqueza nacional (que é quanto valem os trabalhadores estrangeiros em Portugal). Esses 5% da po- pulação em Portugal e que são de 9 a 10% dos trabalhadores em Portugal (quer dizer, trabalhando o dobro dos cidadãos nacionais) geram uma riqueza de 11 mil milhões de euros por ano, tanto quanto a Portugal Telecom, a maior empresa nacional. Portanto, diz o cartaz: "Boa viagem PT, vai-te embora!"Houve vozes que exigiram a retirada do cartaz, único mas rapidamente famoso (destino fugaz de quem diz enormidades). Mas a forma mais inteligente de combater as ideias tolas é responder-lhes com factos, como fez aquele jornal económico. Nem sempre, porém, se pode ser só calmo e contabilístico para reagir a alguém que falando de gente maioritariamente pobre e honrada diz com ironia sem compaixão: "Boa viagem..." É preciso não saber o que é Portugal, não conhecer a Murtosa que foi para Nova Jérsia, a ilha de São Jorge que se transferiu para a Califórnia, os arredores do Funchal que se estabeleceram em Caracas, é preciso não ter um vizinho que foi para as obras no Luxem- burgo ou uma mãe que foi concierge em Paris para ousar ser tão mesquinho com imigrantes, a outra face de emigrantes.Há um senhor emproado que ousou dar a cara por essa ignorância e maldade. Há dias, ao DN, ele até disse que um imigrante só poderia ser português ao fim de cinco gerações. Isto é, ele expulsaria el-rei D. Duarte, D. Pedro, o infante D. Henrique, D. João e o Infante Santo, filhos da imigrante D. Filipa de Lancas- ter... Boa viagem, Ínclita Geração!Contra um emproado assim, em- proaram-se os Gato Fedorento, rindo- -se-lhe na cara. Dá gosto ser compatriota destes jovens inteligentes.




5.4.07

"Imagens do meu olhar..." 1


Monsaraz: sempre bonita!



Um portão de jardim, na vila do Redondo

1.4.07

D. Afonso V e a fonte





Para quem chegue ao Convento de Santo António do Varatojo há duas imagens que se impõem no lado exterior, junto ao acesso da Portaria.

Uma é a janela gótica no cunhal do edifício. A outra é a fonte rústica que fica no larguinho fronteiriço.

O fundador deste Convento foi o nosso rei D. Afonso V, que o mandou construir para nele albergar frades franciscanos, reservando para si um pequeno aposento a que pertenceria a tal janela.

Diz a tradição popular que o rei vinha à janela e saudava o povo que ali vinha encher as bilhas de água.


Ainda o velho Convento

Se quiser ser rigoroso terei de dizer que, afinal, já há uma flor no Claustro:







Na mata do Convento, as encostas, embora suaves, são vencidas por escadas singelas, cheias de encanto:








...E o tempo veio!








Mais depressa do que pensava, veio o tempo de subir ao velhinho Convento do Varatojo.

Que vi? Que vimos?


Este Inverno vai longo e a glicínia do claustro ainda não floriu.

O Panteão dos Soares, antigos alcaides de Torres Vedras, com seu túmulo manuelino e lages sepulcrais com inscrições ainda bem visíveis, está transformado numa arrecadação atravancada de trastes.

A mata, no seu abandono de braços que já não há para a limpar, é como as velhas damas que conservam toda a beleza por trás das rugas que lhes sulcam o rosto. Seculares escadas de pedra levam a lugares místicos onde as folhas e os troncos se misturam em magestosa arquitectura vegetal.

Painéis de azulejo na capelinha da Senhora do Sobreiro contam histórias improváveis. Um espaço circular confina pequenos ermitérios onde outrora os monges rezavam.

Acompanhando-nos os passos, os recitais de melros e rouxinóis.

Os nossos olhos ficaram lá... As imagens fotografadas que trouxemos, dizem tão pouco ...