Creio que foi Wilhelm Reich quem pôs o problema do fascismo em termos muito perturbadores: “ Mais do que enunciar as causas económicas do fascismo importa explicar porque é que, em determinado momento histórico, milhões de pessoas o apoiaram”. Hitler subiu ao poder através de eleições democráticas, escreveu um livro em que dizia claramente o que defendia e foi aclamado como um salvador. Mussolini começou por ser um herói para o povo italiano. Salazar foi acolhido de braços abertos quando prometeu salvar Portugal da bancarrota e do descrédito político nacional e internacional.
É verdade que desde o início tiveram opositores declarados mas estes eram uma minoria - e pagaram caro por isso. O que importa sublinhar é que o fascismo, com todo o seu cortejo de horror ideológico e práticas sinistras, foi um impressionante fenómeno de massas. Ainda hoje é uma experiência arrepiante ouvir as gravações dos discursos de Hitler nos gigantescos comícios na Alemanha dos anos 30. Gritos de entusiasmo, aplausos sem fim, ateados por uma retórica incendiária. Como foi possível? Como é que um povo evoluído se lançou numa guerra mundial a partir das teorias absurdas (para nós, hoje…) de um homenzinho ridículo (mas que despertava arroubos sensuais nas louras matronas alemãs)?
A verdade é que aconteceu e não foi há tanto tempo quanto isso.
Há 60 anos o mundo abriu os olhos de espanto perante a realidade inacreditável de Auschwitz, aquele campo de concentração que tinha sobre a porta de entrada uma inscrição cheia de sabedoria: “O trabalho liberta”.
Milhões de judeus, de ciganos, de deficientes, de militantes comunistas foram “libertos” nas câmaras de gás e volatilizados nos fornos crematórios. A questão mais perturbadora para nós é que o absurdo desta prática, que os nazis chamaram de “solução final”, parece tão inverosímil que as gerações mais novas têm dificuldade em acreditar que tenha sido possível. É certo que as imagens existem, os documentos estão publicados, há milhares de testemunhos produzidos, o julgamento de Nuremberga foi feito. Mas, uma pesquisa recente da BBC revelou que 40% dos ingleses com menos de 25 anos não sabem onde fica nem o que foi Auschwitz !
Será este apagamento da memória colectiva uma explicação para a marcha cega da História? É que a 2ª Grande Guerra começou 21 anos depois da 1ª, quando estavam ainda bem vivos os seus sobreviventes.
PORQUE SOU EUROPEÍSTA ?
A meu ver, a questão da União Europeia é vital. Está ainda sobre a mesa uma proposta de Constituição que deve ser divulgada, conhecida, discutida e referendada. E esta é uma questão que diz respeito a todos. A falta de solidariedade social, a rivalidade política entre Estados, os confrontos culturais e religiosos, tudo isso é um caldo de cultura extremamente perigoso que em qualquer altura pode desencadear a temível espiral de violência dos fascismos. E hoje sabemos que estes regimes surgem quando se instala a ideia de insegurança generalizada, de mistura com altas taxas de desemprego e desregulação económica.
Se a memória colectiva não nos dá garantias de opor uma barreira eficaz ao regresso da barbárie, então é urgente a construção de um edifício político novo, capaz de lançar cabos de amarração política que defenda a Europa dos cataclismos cíclicos que se abatem sobre ela.