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sábado, 31 de dezembro de 2011

BONECO EM FACE DO TEMPO

Tempo,
aonde pretendo chegar?
Ainda não sei, depois 
que virei gente grande. Cresci?
E o senhor não me dá tréguas, 
amolece a carne crua, nervos e ossos,
escava sulcos à flor da pele da gente,
transfigura, descasca o rosto 
depois de muitas luas,
devagar em vagão, aperta-me o cadarço
e no seu bater de cascos incansável
sequer me sobreavisa em alerta ao porvir
- ser outra vez boneco em tuas mãos molengas
quando no ato solene me roubas a cena,  
por trás da cortina, de pronto,  
ao me fazeres de gato e sapato,
 ao brincares de médico 
e o diabo a quatro fingindo-se deus,
sem apego, rótulo, bula ou manual, 
(in) justo comigo que nunca fui santo 
quando profano me velas pagão, boquiaberto,
ao criar no vão da penumbra um certo lume,
um clarão no espelho da sala de estar 
que só me dá 'indizentas' fugas, 
ao tentares ser outra vez da vogal consoante 
ou passatempo à lírica anarquia,  
em face do postiço pano de fundo 
que não se deslinda no outro 
a desmascarar outra vez afinal 
quem nunca soube ter alma um dia.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

S.O.S. MANGUE: A CORDA DO CARANGUEJO

Olha o caranguejo!
Meninos, eu vi seu Antonio Lunga passar
pelas quatro bocas de Várzea, na lida,
empunhando cordas de caranguejos 
que trazia do mangue de Arês 
ou de Baía Formosa.
Catava na cama larga do habitat,
onde havia tanto caranguejo arisco.
Sempre ele me contava 
como fazia para apanhar o bicho:
desbravando o mangue, 
embrenhando-se na lama,
destemido, enfiava a mão no barro,
no vai-e-vem da maré, elo-chave
cuidava com esmero da vida 
que sustém o mangue, 
sem atrapalhar ciclo algum.
E sempre trazia farta a panela,
dava tanto gosto de ver
a minha avó Dalila agarrada
nas patolas tão carnudas
de uçá e goiamum.
Quem nunca se deliciou 
com os pratos feitos 
à base dos frutos do mangue, 
caranguejos e goiamuns cevados, 
servidos fervidos na água e sal, 
com coentro e cebolinha ou com pirão 
ou, ainda ao molho de coco
e outros poucos temperos 
que não podem faltar 
no preparo dessa iguaria?
Hoje, a mão do homem
devasta, soterra o mangue.
Ecossistema à deriva, 
implorando por socorro.
Pouco caranguejo em corda
carregado pela devastação.
E o gostoso caranguejo, 
assim tão ameaçado, corre o risco 
de só existir naquela foto encardida
de algum turista de outrora.

domingo, 25 de dezembro de 2011

REGOZIJO (PECADO É NÃO SABER GOZAR A VIDA)

Estalido de nervos 
à flor da pele,
lábios ardentes 
à espera de um beijo,
tremor da carne, 
soar do coração aceso.
Sem pavor histérico nem medos,
agarro-me ao teu orgasmo múltiplo,
ando no prumo imaginário da razão.
Descalço já não estou elétrico,
adentro no clima, 
em êxtase pleno,
danço ao mover os músculos.
Boto o ouvido no teu peito em febre
e lá de dentro, alto 
eu escuto promessas
quando sinto um coração batendo forte
numa dança comedida do outro.
Explodimos em câmara lenta
num gozo esplêndido desde o céu
da boca onde acerto o passo 
a sentir gosto pela vida
onde tátil tento 
reescrever a lida.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

DE ANDRAJOS E ANDANÇAS

Ó rosa, porque trombuda
não percebes além do muro
que ora à rua perambulo
em andrajos
em andanças
trazendo a alma nos olhos,
qual é a sua?
Num cair de tarde desses à-toa
bem-te-vi numa boa onde moras
toda prosa, por cima do mundo.
Pensei em colhê-la só para mim,
mas matutei cá com meus botões,
como furtar o perfume da flor
se amanhã poderei vivê-la por inteiro
a me desabrochar em seus clarões
em forma de essências? 
- Mas o futuro vela... E, fielmente,
colhe as horas mais belas do presente
e delas tece o que fica além do efêmero! 
Pensei um pouco mais alto,
fiz-me girassol a entrar no clima,
despontando além do jardim
querendo acordar ensolarado,
revelando as pegadas e os passos
de um poeta louco de pedra
de se atirar na lua, em néctares
e uivar feito cão doido, não nego
confesso, feroz, furioso e feliz 
por saber que tenho uma casinha
como habitat: teu coração. 
E, assim, a gente poder ser cúmplice,
a domar a fera que nos traz no laço,
na régua e no compasso, 
o amor sem medida nem cortar fita
para desatar nós e cabrestos
que no peito apertam, 
de longe ou de  perto,
sem carecer encurtar as rédeas,
sem miserar o triunfo que sorri, incerto,
que logo será fumo, será pó, 
será cinza, e mais nada.

domingo, 18 de dezembro de 2011

DE PASSAGEM, A VIDA

O tempo cava seus sulcos
crava seus dentes
erra veias e pulsos,
irriga ou seca vasos
enxuga lágrimas 
rasga pontes e pinguelas
de todas as bandas
de frente, tronco e versos
o tempo escancara janelas
abre portas, cancela outras cercas,
alarga e estreita caminhos e promessas
pinta sorrisos de chegada, 
amarela desencontros e partidas, 
tempera bem a carne do coração
que segue esticado no curtume
e o tal senhor tempo, arteiro e sagaz,
ao passar por mim sorrindo,
constrói redemoinhos,
atira-me rugas
sobre a flor da pele,
a frio, a ferro e a fogo desenha
marcas patentes que virão comigo,
tatuando minha alma desde a raiz
até o dia de voltar ao barro 
e fazer de novo parte desse chão,
até o instante de ganhar forma 
em novas digitais,
dentro doutra face,  
noutro verbo soprado 
nas entranhas da carne,
outro ser desnudo advindo da magia 
da vara de condão da terra-mãe. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

QUEM É A DONA DOS PÉS DO RIACHO DA SAUDADE?

Na minha Várzea das Acácias,
o rio Joca formava o poço dos Damas,
que ficava lá no riacho de água salobra.
parte da vida era levada na beira do rio
onde a gente lavava a alma
Ao dar mergulhos agarrados na coragem
de enfrentar a contra-corrente.
Num dia de chuva, por pouco não me deixei
levar pela enchente, por sorte
acho que a correnteza me era assim
tal qual uma conhecida amiga
que me empurrou para o outro lado do Joca.
De lá pra cá, me acostumei com as águas
e nunca mais tirei os pés do rio.
Por isso que ainda sinto salobra
a água morna molhar meu rosto:
É a saudade que se debulha
em meus olhos d'água.
Lembro quando minha mãe Maria
tocava seus pés na água rasa.
E, na memória ficou a doce lembrança
daquela terna imagem emoldurada.
Recordo-me que desde cedo
eu aprendi a nadar. Será?
Então se aprendi, porque que o meu peito insiste
em querer-me afogar nessas águas rasas?
Acabo assim marejado,
de olhar submerso em lágrimas,
pois sei que minha mãe Maria não vai mais voltar...
Mas quero guardar comigo aqueles instantes eternizados
em que a vi molhando os pés no riacho...
E, ao que parece, eles estarão lá para sempre,
porque sonho acordado com essa paisagem
que o rio emoldurou no cerne
do meu coração tão varzeano.

"quaedam"

Eu sou aquele que atravessa as sombras
eu tenho pressa de chegar, aonde?
eu não tenho nome próprio, trago codinome 
a título de empréstimo à rua perambulo
estou em qualquer lugar à-toa
em qualquer garganta entoo silêncio e grito,
falo em ti profundo a me expiar,
só calo se em tua boca me engasgar
enrosco-me a salivar incômodos venenos
no sorriso profano, escancarado  
enquanto o orbe se vira a desandar 
gira sem siso nem norte nem lado
a carregar ao futuro assombrações,
na fúria de pecar até cair o juízo e o pano 
em cada passo em falso a circular,
a encarnar a alma imortal que pena
levada ao cadafalso 'pari passu'
pelas quatro bocas da lida
ao açoite dos ventos tiranos
estampados nas faces anônimas
que se transfiguram noutras caras,
máscaras que riscam o concreto armado 
da multidão que atravessa solitária 
numa esquina de um lugar qualquer
e assim conduzem a procissão de marionetes,
um a um em andanças, andores e nichos
e até se esquecem de que estão só de passagem
a cultuar seus santos advindos do barro.
Ora são transeuntes, aqueles que dentro de nós 
ainda se autoflagelam cordatos, sentenciados, 
que gritam, cantam e sonham a sós,
apesar de trazerem a língua presa
ao que está escrito no ranço das celas 
das encardidas tábuas de outrora, 
quando muitos ainda têm fome de verbo,
mas se acomodam ao baile das máscaras.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

CHUVA

A chuva cai na janela
vidraça molhada,
saudade
marejar dos meus olhos d'água
a chuva toca o coração no vidro
o menino desenha um coração,
esboço do caminho
que leva à Várzea das Acácias
cai a chuva em abundância
em Brasília,
trazendo a dúvida:
chora o céu ou choro eu?

sábado, 10 de dezembro de 2011

"THUNBERGIA ERECTA"

"anjos ávidos, 
silvestres heras em coroa de tumbérgias
a irradiar o vibrante miolo da flor
sob o sol-coração dourado
a adornar o céu das nossas cabeças"


Quando o sol cai na tarde lilás,
as tumbérgias azuis mais parecem roxas
delicadas invadem o tapete verde
e se alastram pelas cercas vivas
eu percorro teus olhos vicejantes
nessa beleza que acesa se espraia
e fito o glamour de um amor estranho
desses que não têm medo de pecar e se soltam,
e pagãos invadem as veredas da alma que geme
afoitos a desbravar a carne trêmula do peito,
afetos e conquistas de quem não teme o salto
não é mais estranho o amor então
a paixão de antanho soçobra, 
vigora o amor sem pressa ou desvario
entre seres que nem mais estranhos são
num amor de aurora boreal
como nunca dantes visto, e dançam
ornados por tiaras de louros e perfume
em fosforescentes auréolas em anjos ávidos,  
silvestres heras em coroa de tumbérgias
a irradiar o vibrante miolo da flor
sob o sol-coração dourado
a adornar o céu das nossas cabeças,
alinhadas com a preciosa inspiração
do regozijo que ascende nossos corpos fagueiros
a se embrenhar nunca vãos
em essenciais e versáteis fantasias. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

XAMÃ

Ao meu velho pai Odilon. 
Guerreiro de luz, da paz e do bem,
tua mão acende o êxtase das horas
atravessa o breu das sombras
e com tua perene candeia 
és lume depois de tantos sóis,
depois de tantas luas, 
és sacerdote, 
és poeta em transe,
uníssonos em tua cabeça de prata
teus olhos, até quando fechados, 
desarmam os pesadelos, 
a ocultar os males e outros reveses,
és mago com intenso poder de cura 
tens o dom de singrar horizontes 
a buscar o lume essencial 
e a calma, na fonte
e vais longe, longe além da tua Várzea
e dentro nas alturas
abres clarão desbravador 
em 'viagens' mundo afora,
sem tirar os pés do chão,
percorrendo natureza, 
plantas, florestas, rios, 
pedras, mares e montanhas 
e chegando até às estrelas, 
és meu xamã,
meu pai Odilon,
grande mentor, 
aquele que traz em si o ritual 
que afasta o pulsar das dores 
do corpo e da alma.
És meu talismã!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

EU-MENINO

Esse menino vive assim...
esperto se bole todo, se estica 
se mexe sem parar, se toca
agita a bula da vida, a punho,
desfaz a trança da rapariga
amarra o rabo da lagartixa
mexe com a gente, pé de vento
atento se apanha a sonhar  
acorda, espicha a vontade doida
de viver que abunda.
sacode as cadeiras,
depois de muitos sóis
ainda bota o pé na lua,
causa alvoroço esse brincalhão
saltando com seus traques e rojões
serelepe saracoteia, não se acanha, 
ao redor da fogueira que atiça 
sem precisar de relógio de pulso
para despertar, não debanda 
sopra as cinzas,  faz faísca e arengas
acende as achas, assa a batata e se assanha
sapeca uma espiga na brasa
não esquenta o assento, e zás! pica a mula
chispa capoeira adentro solto como um raio,
não teme verrugas por contar estrelas
esse moleque sem papas na língua
traz no olhar de estilingue
um coração de passarinho, 
que banca o menino travesso, malina  
mas que traz na veia o sangue bom,
que não está à mercê de merecer castigo,
mas que verdade seja bem dita:
coitado do papa-figo, num piscar de olhos, 
ele traz o bicho na linha, na marra
não leva desaforos pra casa
não morre à míngua,  de certo
dá nó até em pingo d'água,
sobrevive às sacudidelas da lida,
trepa no coqueiro sem se arrebentar 
desapeia, quebra o coco e raspa a quenga
e, bem antes de bater o catolé, 
já incendiou a catemba, arre égua!
só pra fazer seu churrasquinho de gato.
Eita moleque arretado da mulinga! 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CASA-DE-TAIPA: UM POEMA PARA TANGER FELICIDADE AO INTERIOR

Minha casa fica lá no interior
é tão modesta, tão singela minha tapera
tão simplesinha dessas com apenas porta
e janela que não carecem de trancas,
precisando só de uma tramela.
na minha casa o alicerce é feito de taipa,

divisórias de barro, areia e escoras
o chão peito de saibro socado, batido,
é coberto de cimento queimado, quase encarnado,
as paredes são caiadas de branco
sujeitas a intempéries, sóis e chuvas,
ventos uivantes, luas e trovoadas
e a mobília? tão tão pobrezinha, mas suficiente:
uma mesa, uns tamboretes e uma cama de juncos
Na cumeeira guardei meus fantasmas de outrora
mas, nela também vislumbro as estrelas
nos caibros há cinzas das horas idas
na cozinha, há tisnas na parede do fogão à lenha
há feijão na panela, café no bule, farinha no saco
carne de lata, araruta e brotes
na sala de estar não tem estante,
mas os sonhos nunca são estanques
estão em cada recanto ou na algibeira 
há outras quimeras, em cada canto uma reza
com mesa farta de credos, devoção e flor 
dentre esperanças e promessas
o telhado traz formato de livro aberto
com frestas de luz e cascas
de laranja secas dependuradas no teto
para acender o fogo da lida
que nunca mais se apagou sequer um dia,
depois que descobri sem precisão de espelho,
que eu, o dono da casa, sujeito humilde com jeito de mato,
 era mesmo sim um rico proprietário
 trazendo o semblante contente de dono do mundo,
mesmo sem guardar ou herdar
um milhão em botijas de ouro,
sendo como é dono de uma paz infinda
que nenhum dinheiro pode comprar.
Então, pra quê angariar maior legado, me diga,
se na verdade ora não caibo em mim
ao tocar no chão da minha Várzea, meu tesouro,
tangendo a burrinha da felicidade?