A técnica de colagem sempre esteve presente em meus trabalhos em acrílica sobre tela e nas aquarelas. Durante anos trabalhei agregando imagens ao suporte.
Em muitos trabalhos usei apenas as colagens e assemblage como linguagem própria, sem interferência de tintas.
Quando comecei a fazer Monotipias não tinha a menor intenção de usar imagens, mas os acasos acontecem. Certa vez, ao final do processo de impressão percebi que o resultado não era satisfatório. Olhei e não gostei... Rasguei em quatro pedaços e ainda sobre a mesa percebi algo novo. Os pedaços soltos e meio sobrepostos formavam uma nova figura. Gostei e comecei a juntar pedaços, buscando uma nova
forma de expressão. Além das monotipias utilizei litogravuras,
aquelas que estavam com algum problema do tipo um canto do papel amassado,
marcas de dedos, etc. As rasguei, recortei principalmente nas cores vivas, coisa que a monotipia (ao meu modo) não tem - zonas de cores amplas. Já na primeira adorei o resultado, é de fato um "puzzle".
Ao contrário da monotipia pura, que é rápida e gestual, esse trabalho é exatamente o oposto, exige concentração e muita paciência. Passa o tempo até que eu encontre o lugar exato para cada pedaço de papel. É uma provocação interna e visual dar forma e conteúdo aos fragmentos de papéis pintados.
Chamei de Gravuras Reconstruídas (Papier-Collé). Assim sendo, cada trabalho é único 1/1 como as monotipias
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Lya Luft para Lou Borghetti
Escrever sobre artes plásticas é sempre difícil para quem não é entendido. Mas não escrevo sobre pintura, aqui escrevo sobre alma. Sobre a de Lou Borghetti, que toca a nossa nesta sua nova fase, como em todas as que conheci e admirei.
Algo de rasgado no desconstruído que se refaz, como a nossa vida. Algo de muito zen nas monotipias de casinhas que parecem ideogramas, e que dão vontade de abrigarmos ali a nossa alma. Algo de provocativo nas cadeiras, onde a alma vai repousar para sentir o mundo, e meditar.
Nada é acaso, nem a harmoniosa e ao mesmo tempo ambígua criação de Borghetti: somos esfacelados como suas colagens, porque só assim podemos nos refazer mais inteiros; convocados para dentro de nós, para nossa casa interior, onde o mistério (não importam rótulo nem nome) nos oferece eventualmente cadeiras como barcos, para que a gente possa soltar as amarras, despir os disfarces, e tornar-se mais gente através da arte.
Não creio que arte tenha “função”, mas tem “efeitos”: um deles, talvez o mais glorioso, há de ser promover a interiorização, portanto, a libertação de velhos enquadres e aprisionamentos. Para que se proceda um renascimento, na dolorosa, minuciosa ou estonteante reelaboração de nós mesmos, cada vez mais inteiros depois do despedaçamento da reflexão, cada vez mais humanos.
Borghetti tem, para mim, um dedo mágico para nos abrir essas portas.
Lya Luft