No ano 2000, virada de século, o canal GNT mostrou um belíssimo documentário de quase duas horas sobre William Shakespeare.
Alguém inventou que o milênio que findara teria um representante. O que eu sei, por ter gravado, é que os dois nomes escolhidos ou quem sabe finalistas foram: Leonardo da Vinci e William Shakespeare. Este último ficou como o HOMEM DO MILÊNIO.
Não estou criticando, apenas mostrando fatos televisivos. Para mim, foi um susto. Mas como? Por quê? Como artista plástica e conhecendo bem a vasta e complexa obra de Leonardo, a mim parecia que a ele caberia a homenagem. E assim, acompanhei os dois documentários. Aliás, muito bem feitos.
Tive um ganho maravilhoso, pois até então eu conhecia pouco e mal a obra do bardo gênio. Caí de amor por essa obra; passei a ler as obras e ver todos os filmes disponíveis.
De resto, meus amigos e fiéis seguidores, quero dizer que: to be or not to be, o homem do milênio não faz a menor diferença.
Eles sempre serão Homens de todos os milênios,
E para completar, abro a revista Veja, e por absoluta casualidade, duas reportagens sobre os homens do milênio: Shakespeare e da Vinci.
Na matéria sobre Shakespeare a revista traz uma crítica sobre o filme Anonymus do diretor alemão Roland Emmerich. O filme é ambientado no século XVI e atribui as obras de Shakespeare ao poeta lírico Edward de Vere, o décimo conde de Oxford.
Vou transcrever exatamente o que está na manchete da reportagem:
"Era ou Não Era, Eis a Questão”.
"Ao duvidar que Shakespeare foi Shakespeare, o novo filme de Emmerich seria uma boa diversão de domingo, não fosse a cria bastarda de um tempo que iguala o fato à convicção." (REVISTA VEJA)
"Hollywood desonra o bardo". (REVISTA VEJA)
"A obra de William Shakespeare esteve em paz e contribuindo ao mundo por mais de dois séculos". (REVISTA VEJA)
"No correr dos anos, com a ligeireza própria do descompromisso, apareceram mais de setenta candidatos a Shakespeare, entre eles o dramaturgo Christopher Marlowe, assassinado aos 29 anos, e Francis Bacon, que, sendo filósofo e cientista, entrou na lista de gaiato". (REVISTA VEJA)
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Shakespeare's Globe Theatre |
William Shakespeare - Homem de todos os tempos.
Shakespeare escreveu:
"Nem tudo que reluz é ouro" (Mercador de Veneza)
"O que não tem remédio, remediado está" (Otelo)
" Meu reino por um cavalo" (Ricardo III )
" Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia" (Hamlet)
William Shakespeare é o mais amplo e abrangente dramaturgo de que temos notícia. O mais traduzido e encenado em filmes, peças, livros, etc.
E como diz Harold Bloom, profundo conhecedor da obra Shakespeariana," a idéia do personagem ocidental, do ser como agente moral, tem diversas origens: Homero e Platão, Aristóteles e Sófocles, a Bíblia e Santo Agostinho, Dante e Kant, e quem mais o leitor desejar acrescentar, mas a personalidade é uma invenção shakespeariana, e tal feito constitui não apenas a grande originalidade de Shakespeare, mas também, a razão maior de sua perene presença".
Shakespeare tinha uma superioridade intelectual acima da maioria. Ele tornou-se o grande mestre da sondagem do abismo existente entre o ser humano e seus ideais. Para Bloom, ele é o autor da "invenção do humano".
O grande crítico e historiador francês Hyppolite Taine dizia que Shakespeare, e depois Balzac, "são os maiores repositórios de documentos que possuímos sobre a natureza humana".
Os sentimentos sublimes, os sórdidos, a perversidade, a generosidade, a melancolia, o desespero, a paixão correspondida, a paixão sem esperança, a paixão proibida, o deboche, a ironia, o humor corrosivo, o humor ingênuo, o ciúme, a inveja, a ambição pelo poder, enfim, tudo está plasmado em suas peças e poemas. “O bardo inglês é um legado que se constitui numa das manifestações artísticas mais importantes da humanidade."
É importante acrescentar certas particularidades deste homem genial e o único considerado universal:
- Tinha a capacidade única de descrever e perceber as pessoas em seus atos e atitudes como elas realmente são sem jamais julgá-las além de absoluta ausência de ego.
- Os autores que mais influenciaram Shakespeare foram: Ovídio (de família abastada foi para Roma estudar retórica) com Metamorfoses e Michel de Montaigne (de formação sólida e erudita) com Ensaios. Ovidio lhe deu a idéia de que tudo muda constantemente, e que o universo está em permanente mutação. Com Montaigne o questionamento absoluto e sentimento cético.
- Ele não acreditava que suas peças fossem encenadas após sua morte. Não havia interesse de sua parte em publicá-las.
- Acreditava apenas em seus poemas e que através deles entraria para a história.
- Um homem comum utiliza, ao longo de sua vida, não mais que dois mil vocábulos. Um erudito pode fazer uso de seis a sete mil. Shakespeare usou mais de vinte mil, além de ser o criador de inúmeras palavras e estruturar a língua inglesa.
- "Seus personagens não se revelam, mas se desenvolvem e o fazem porque tem a capacidade de se auto-recriarem. Escutam a própria voz. Falam consigo mesmo, no nobre caminho da individuação". Harold Bloom
Hamlet - intelecto , perplexidade, abismo.
Lear (Rei Lear) - sofrimento absoluto
Falstaff - vitalidade
Otelo - entre o Bem e o Mal a dignidade
Rosalinda (Como Gostais) - espirituosidade
Macbeth - ruína - imaginação passiva- medo - Macbeth matou o sono.
SONETO LXX
Se te censuram, não é teu defeito,
Porque a injúria os mais belos pretende;
Da graça o ornamento é vão, suspeito,
Corvo a sujar o céu que mais esplende.
Enquanto fores bom, a injúria prova
Que tens valor, que o tempo te venera,
Pois o Verme na flor gozo renova,
E em ti irrompe a mais pura primavera.
Da infância os maus tempos pular soubeste,
Vencendo o assalto ou do assalto distante;
Mas não penses achar vantagem neste
Fado, que a inveja alarga, é incessante.
Se a ti nada demanda de suspeita,
És reino a que o coração se sujeita.
William Shakespeare
"Não sei se Deus criou Shakespeare, mas sei que Shakespeare é o grande responsável pela nossa criação".
Harold Bloom
" Shakespeare dá vida a mente".
Harold Bloom