Foi quando me olhei no espelho que percebi o quanto estava apreensivo. Conseguia ver embaçada minha imagem refletida mesmo estando o vidro total e perfeitamente polido. Eu estava na sala, sozinho no cômodo, e lá na cozinha havia uma mulher, a cantar alto, frequentemente me convidando para acompanhá-la no rito, sem sucesso.
Sendo tímido como sempre fui, não foram de se estranhar meus gestos contidos, ainda que estivesse sendo compelido a me sentir completamente à vontade. Estava com coisa de dezoito anos, e vivia ainda tempos bastante movimentados, conforme era comum naquela fase de minha vida (talvez por uma tentativa inconsciente de apagar de minha memória a infância, a pré-adolescência, períodos lembrados sempre como coisas uniformes e mortas em mim.) Na época - como também continuaria acontecendo depois -, eu sempre me esquecia de todas as garotas com quem ficava, todas com quem houvera transado ou a quem tivesse ao menos beijado, quando estava me relacionando com uma outra. Esquecia de forma tão latente das garotas passadas que todas que apareciam na minha vida eram como se fossem a primeira. Neste caso, acrescenta-se a isso o fato de eu estar na casa não de uma garota de minha idade, mas de uma mulher, que tinha sua vida feita, que já fora até casada, que já tinha 35 anos.
Você que é um cara de sorte, confidenciou-me um amigo horas antes, ao saber com quem eu me encontraria. Ainda prevalecia um fetiche, como em todo jovem, pelo desejo de estar com uma mulher mais madura e experiente.
Eu a conheci na Internet, fui suficientemente dissimulado - não de propósito - para que ela visse em mim não um moleque vazio, e sim um rapaz com jeito mais prudente, experimentado. Agora estava em sua casa, olhando para um pequeno birô, bastante rústico, que enfeitava sua sala. Nele, havia muitos porta-retratos. Em alguns deles, fotos dela quando casada - Cristina, seu nome -, junto com o marido e o filho de dois ou três anos.
Esse fim-de-semana ele foi para casa do pai, disse ela ao me ver observando a foto do rebento.
Ela me ofereceu um vinho e eu nem gosto muito dessa bebida mas aceitei, ainda a observar mais a casa do que a lhe dar atenção. Por todos os lugares, eu ainda percebia coisas que não pertenciam a ela. Quadros na garagem, discos na sala, roupas no quarto. Pertences do ex-marido que só lembrava de pegar quando, de repente, sentia falta. Ela continuava a falar.
Há três dias ele veio pegar uma coleção de atlas que compramos certa vez em viagem. Muito bonitos.
Lembrei-me de uma poesia de Bukowski, em que ele se questiona se alguma vez precisará ir visitar alguma mulher de seu passado em busca de uma bermuda. As mulheres de seu passado, ele dizia, pareciam-lhe inexistentes. E para mim também.
Acaso para onde foram todas elas, para onde foram as Claras, Priscilas, Cinthias, Adrianas, Ianas, Gabrielas, e outras, tantas outras, que não são infinitas, mas, certamente, incontáveis, visto que aos poucos elas têm se deletado de minha mente?! Decerto, poucas ainda se lembrariam de mim se eu lhes telefonasse. São nomes e corpos, lábios rosados por natureza ou pintados, peles macias e finas como algodão e silhuetas de diferentes formas que ainda povoam minha cabeça de quando em quando. Com elas, compartilhei ilusões que pareciam belas e sadias, dessas que aquecem e viciam a alma de quem vive castigado pelo sofrimento. Se pudéssemos parar o tempo, esses instantes que eu teria passado com elas teriam valido por tudo no mundo (só que não se pode pará-lo, e, portanto, o que valem, senão nada?), porque os momentos que compartilhamos foram em geral bons momentos, porém nunca os momentos mais necessários. O prazer que se acometia de mim quando estava em suas companhias não se sobrepunha à solidão que eu sentia quando me despedia de cada uma na porta de suas casas, e saia a vagar sozinho pela madrugada.
Contei para a Cristina que estava um pouco apreensivo, e, certamente, poderíamos nos encontrar numa segunda ocasião. Ela me deixou cochilar um pouco em sua casa. Devo ter sido tolo em não poder aproveitar tamanho filão, considerando que ela era mesmo muito atraente e, como muitas mulheres solteiras em sua idade, muito carente e fogosa. Seu jeito maternal, contudo, não me deixava à vontade. Esses tantos pensamentos que me vieram à mente só serviam para me deixar ainda mais oscilante. Depois do breve cochilo que eu dei, disse-lhe que preferia ir embora. Falei que havia bebido demais, estava desanimado. Ela entendeu. Ainda me ofereceu carona, disse que estava tarde, mas eu lhe deixei claro que não precisava. De fato, eu não queria mesmo. E jamais voltaria a vê-la.
Depois de sair de sua casa, mais uma vez segui sozinho e taciturno, numa caminhada extensa e duradoura. Sabia que estava acompanhado somente pela solidão. Pensei na hora que o melhor de mim eu devo ter perdido nessas incompletas aventuras a dois. Agora, somente o meu resto é que passeia calado pela noite escura.
Sendo tímido como sempre fui, não foram de se estranhar meus gestos contidos, ainda que estivesse sendo compelido a me sentir completamente à vontade. Estava com coisa de dezoito anos, e vivia ainda tempos bastante movimentados, conforme era comum naquela fase de minha vida (talvez por uma tentativa inconsciente de apagar de minha memória a infância, a pré-adolescência, períodos lembrados sempre como coisas uniformes e mortas em mim.) Na época - como também continuaria acontecendo depois -, eu sempre me esquecia de todas as garotas com quem ficava, todas com quem houvera transado ou a quem tivesse ao menos beijado, quando estava me relacionando com uma outra. Esquecia de forma tão latente das garotas passadas que todas que apareciam na minha vida eram como se fossem a primeira. Neste caso, acrescenta-se a isso o fato de eu estar na casa não de uma garota de minha idade, mas de uma mulher, que tinha sua vida feita, que já fora até casada, que já tinha 35 anos.
Você que é um cara de sorte, confidenciou-me um amigo horas antes, ao saber com quem eu me encontraria. Ainda prevalecia um fetiche, como em todo jovem, pelo desejo de estar com uma mulher mais madura e experiente.
Eu a conheci na Internet, fui suficientemente dissimulado - não de propósito - para que ela visse em mim não um moleque vazio, e sim um rapaz com jeito mais prudente, experimentado. Agora estava em sua casa, olhando para um pequeno birô, bastante rústico, que enfeitava sua sala. Nele, havia muitos porta-retratos. Em alguns deles, fotos dela quando casada - Cristina, seu nome -, junto com o marido e o filho de dois ou três anos.
Esse fim-de-semana ele foi para casa do pai, disse ela ao me ver observando a foto do rebento.
Ela me ofereceu um vinho e eu nem gosto muito dessa bebida mas aceitei, ainda a observar mais a casa do que a lhe dar atenção. Por todos os lugares, eu ainda percebia coisas que não pertenciam a ela. Quadros na garagem, discos na sala, roupas no quarto. Pertences do ex-marido que só lembrava de pegar quando, de repente, sentia falta. Ela continuava a falar.
Há três dias ele veio pegar uma coleção de atlas que compramos certa vez em viagem. Muito bonitos.
Lembrei-me de uma poesia de Bukowski, em que ele se questiona se alguma vez precisará ir visitar alguma mulher de seu passado em busca de uma bermuda. As mulheres de seu passado, ele dizia, pareciam-lhe inexistentes. E para mim também.
Acaso para onde foram todas elas, para onde foram as Claras, Priscilas, Cinthias, Adrianas, Ianas, Gabrielas, e outras, tantas outras, que não são infinitas, mas, certamente, incontáveis, visto que aos poucos elas têm se deletado de minha mente?! Decerto, poucas ainda se lembrariam de mim se eu lhes telefonasse. São nomes e corpos, lábios rosados por natureza ou pintados, peles macias e finas como algodão e silhuetas de diferentes formas que ainda povoam minha cabeça de quando em quando. Com elas, compartilhei ilusões que pareciam belas e sadias, dessas que aquecem e viciam a alma de quem vive castigado pelo sofrimento. Se pudéssemos parar o tempo, esses instantes que eu teria passado com elas teriam valido por tudo no mundo (só que não se pode pará-lo, e, portanto, o que valem, senão nada?), porque os momentos que compartilhamos foram em geral bons momentos, porém nunca os momentos mais necessários. O prazer que se acometia de mim quando estava em suas companhias não se sobrepunha à solidão que eu sentia quando me despedia de cada uma na porta de suas casas, e saia a vagar sozinho pela madrugada.
Contei para a Cristina que estava um pouco apreensivo, e, certamente, poderíamos nos encontrar numa segunda ocasião. Ela me deixou cochilar um pouco em sua casa. Devo ter sido tolo em não poder aproveitar tamanho filão, considerando que ela era mesmo muito atraente e, como muitas mulheres solteiras em sua idade, muito carente e fogosa. Seu jeito maternal, contudo, não me deixava à vontade. Esses tantos pensamentos que me vieram à mente só serviam para me deixar ainda mais oscilante. Depois do breve cochilo que eu dei, disse-lhe que preferia ir embora. Falei que havia bebido demais, estava desanimado. Ela entendeu. Ainda me ofereceu carona, disse que estava tarde, mas eu lhe deixei claro que não precisava. De fato, eu não queria mesmo. E jamais voltaria a vê-la.
Depois de sair de sua casa, mais uma vez segui sozinho e taciturno, numa caminhada extensa e duradoura. Sabia que estava acompanhado somente pela solidão. Pensei na hora que o melhor de mim eu devo ter perdido nessas incompletas aventuras a dois. Agora, somente o meu resto é que passeia calado pela noite escura.