Mostrar mensagens com a etiqueta Portuguese historians. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Portuguese historians. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 14 de julho de 2014

OLISIPÓGRAFOS

MARINA TAVARES DIAS
em
HISTÓRIAS DE LISBOA
(livro editado em 2004):

«No princípio do século XXI, os olisipógrafos são uma espécie rara mas resistente. Padecem de doença hoje tida por hereditária. É frequente vê-los sozinhos pelos cantos das ruas, de máquina fotográfica no ar, a retratar buracos das paredes em fotografias sem o menor pendor artístico. Encontram-se por vezes nos ermos mais ventosos, sem grandes resguardos, apreciando o correr da aragem com um ar distante e desconfiado. Dá-se com eles em miradoiros de dedo em riste, contado andares a vagos prédios que mal se desenham na neblina. Mais frequentemente, apanham-se em bibliotecas e arquivos a infernizar o juízo de alguém por causa dos inúmeros documentos que, devido ao mau estado, não vêm a consulta.


Não parecem ter grande amor à vida terrena, dadas as vezes que a põem em risco percorrendo de nariz no ar os bairros mais sinistros, os antros mais infectos, as ruas outrora resplandecentes onde, hoje, se vende sexo e droga a todas as portas. Por cem vezes estiveram para levar uma tareia do cliente façanhudo da taberna da esquina, que muito justamente não quis ouvir explicações sobre a razão pela qual foi fotografado para um livro sobre casas do século XVIII. Escaparam 20 vezes da tareia por terem conseguido mostrar uma fotografia antiga em que a taberna era um palácio. Outras 20, escaparam porque foram tomados por «gajos da bófia». Contudo, a maior parte das vezes correram dali para fora tão rapidamente quanto as pernas lhes permitiram.


Uma vez no recato do lar, é vê-los embevecidos às voltas com uma concha carcomida, com desvelos de mãe dum recém-nascido, vendo homotetias dos séculos onde toda a gente vê, apenas, a supracitada concha carcomida. Possuem vasta biblioteca basicamente em auto-gestão, com recortes e «plantas conjecturais» amontoados a eito, cheios de poeira e de ácaros, prejudicando gravemente a saúde de qualquer criança que, não sendo herdeira directa, não esteja imunizada ao inigualável pó de Lisboa.»

(continua no livro)





segunda-feira, 5 de maio de 2014

LISBOA DESAPARECIDA
de
MARINA TAVARES DIAS
Excerto do capítulo "Vendedores e Pregões"

«Pela manhã dentro, os vendedores de fruta, hortaliça, leite e doces chegavam dos arredores saloios. Cabaz à cabeça ou burro pela arreata, eram esperados em todos os bairros. Muitos pregões necessitariam de tradução, se não fossem já bem conhecidos dos lisboetas: "Tamari-dôôôô!"; "A vinte-cincô-salami!"; "Éééé-chega-lá-vaquííínha-chega!".
[...]
Os forasteiros espantavam-se com o hermetismo de algumas destas mensagens publicitárias, e com o facto de em Lisboa tudo se mercar à porta de cada um, como se não houvesse locais para tal destinados.[...]»


sexta-feira, 2 de maio de 2014

AS MUSAS DO TEATRO POLYTEAMA

O Teatro Politeama fugiu ao destino de quase todas as centenárias casas de espectáculo alfacinhas. Goste-se ou não do seu estilo como encenador, devemo-lo, sobretudo, a Filipe La Féria. Basta ver como estão os vizinhos Odeon e Olympia (La Féria parece não ter desistido de recuperar este último, mas as obras são ainda mais avultadas). 

Quanto ao Odeon, com a galeria lateral sobre a Rua dos Condes, em ferro e vidro e quase totalmente destruída, será difícil acudir-lhe já. Porque o deixaram chegar a tal estado? - Hoje em dia, ninguém trabalha junções tão estreitas de vidrilhos soldados a quente no ferro fundido. Tudo o que se conseguiria, seria um pastiche em vitral moderno, ou uma substituição por materiais de liga mais leve. O Odeon dificilmente deixará de morrer. E foram 10 anos (apenas) que lhe ditaram tal sorte. Há dez anos, ainda teria sido possível o restauro.

Por causa destas histórias tristes é que olhamos sempre com algum regozijo para o maravilhoso tecto de Veloso Salgado, quando nos sentamos na centenária sala do Polyteama (ou Politeama). Aqui ficam as fotografias da inauguração, em 1913.



terça-feira, 11 de março de 2014

Martim Moniz no Socorro

MARINA TAVARES DIAS
(texto e fotografias)
in
LISBOA MISTERIOSA




O gomo mais suculento desta laranja de vento é decerto o facto de que a inexistência de Dom Martim, personagem perpetuada pela tradição oral, literária e toponímica, também não pode ser exactamente provada. 

Teremos sempre, na primeira história da Lisboa cristã, o mito agarrado ao leme do tempo. Para mal dos pecados da imaginação, querem os deuses que tal leme não saiba tornar atrás. Só uma descoberta nova, agora altamente improvável, de manuscritos antigos referentes à tomada de Lisboa poderia repor Martim Moniz no caminho da historiografia mais séria. 

Assim sendo, Dom Martim continuará entalado entre a cidade real e a cidade imaginada. Lugar perfeito para qualquer herói, de Orfeu a Páris, de Ulisses ao Encoberto, das passadas estampas ao futuro continuado dos filmes históricos. 

Um herói à medida de qualquer lugar ou ocasião. Existindo, sim, mas sem identidade definitiva. Existindo, sim, mas devagar…