segunda-feira, 26 de outubro de 2009

LANÇAMENTO DO LIVRO RENTE À MEMÓRIA (Contos e uma Novela) DE FERNANDA APOLINÁRIO





bado, dia 31 de Outubro, pelas 16.30, no Fórum Municipal Romeu Correia/ Almada, tive o enorme prazer de fazer a apresentação do livro (para o qual redigi o Posfácio) RENTE À MEMÓRIA da autora Fernanda Apolinário.


Agradeço em meu nome e em nome da autora a todos quantos puderam estar presentes, assistindo ao nascer de um livro que traz para o território da literatura uma ficcionalização inovadora da temática da memória, num evento que, estou certo, ficará cerzido na memória de cada um de nós.


Conto a conto, a autora procura, a partir de fundas vivências, dar a ver aos leitores a polpa da realidade memoriada: uma realidade que nos é oferecida através de uma escrita sensível, humanista e epidérmica: a memória feita matéria de que somos feitos.


Tanto nos contos como na novela, que constituem o corpo narrativo da obra, Fernanda Apolinário apresenta-nos um caleidoscópio de memórias na sua exterioridade mais pura, em que o evocado - o tocado, o vislumbrado, o escutado, o cheirado, o saboreado, o dito e o silenciado - se torna rente; como se a autora, através de múltiplas vozes narrativas, se tornasse uma Penélope de «teias entrelaçadas», cujos fios se fazem da coragem de re-situar no literário a linguagem e a imagética dos afectos.

luís filipe pereira

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O LANÇAMENTO DE "OS DEUSES NÃO MORAM AQUI" DE MARIA SATURNINO


Maria Saturnino brindou ontem todos os que tiveram oportunidade de testemunhar o advento do seu segundo livro OS DEUSES NÃO MORAM AQUI com uma mágica sinédoque a entrelaçar margens: Algarve (Tavira) e Moçambique confluiram num delta afectuoso, senha prodigiosa para uma viagem a convocar os sentidos todos: os cheiros e os sons algarvios, as cores e os cheiros de África são-nos ofertados, de forma afectuosa, como memórias em acto, pelas narrativas desta autora.
Maria Saturnino embarca - com a sabedoria cristalina de quem se pergunta, para responder com um não incondicional e genuíno, "se seria a mesma pessoa sem os livros que li!" (p.15) -por dentro da errância, que é o emblema do fascínio pelo acto da escrita, de uma narratividade cujo tom deliberadamente coloquial toca o leitor, ao mesmo tempo que bebe da fonte imorredoura da «ficção do presente» (de um verso de Reinaldo Ferreira, cujo poema integral lemos na p. 138) e que se prende à oralidade rediviva, das mil e muitas histórias contadas à sombra do embondeiro, à sombra do tempo que, lento, lentíssimo, passa por e entre as histórias como se dobram e redobram os ramos, com a estatura do mundo, do embondeiro: erigido, aprumado, até aos confins dos céus. Em seu torno, a savana interminável, a aridez inomeável e incendiada,lugar onde o som se espraia sem encontrar ancoragem num eco, numa reverberação. Lugar onde não moram os deuses: lugar em que os deuses são sonhados ao ritmo do assombro e da coragem, lugar da falta, como o amor é lugar do desejo, lugar do que escapa à "pálida razão" (Rimbaud), porque sementeira da vida a haver, do mundo mais humanizado a construir, do mundo mais plural a conjugar.
"Às vezes olhava pensativamente para o Monte, e eu perguntava-lhe quem morava lá em cima, ao que me respondia misteriosamente baixando a voz: - Os deuses, minha filha, são os deuses! Enquanto percorrera a savana africana sem ver viva alma, só capim e micaias, pensava:
-Os deuses não moram aqui!" (p. 158): Ideia matricial (matriz do Romance por vir como prometeu a autora) deste livro e, exemplarmente, figurada na fotografia da capa do livro da autoria de Fernando Ribeiro.
Parabéns Maria Saturnino. Que belo o lugar que é o seu no panorama literário: Um lugar fraterno, profundamente humanista" (Lê-se no Prefácio da Professora Doutora Olga Iglésias), um lugar a que me permito chamar, em mimésis do seu primeiro livro, Entre Margens.
Luís Filipe Pereira

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

AZUL ÓSSEO

(Este meu poema acaba de ser publicado na Revista de Poesia Saudade: n.º 11, Junho, 2009. A oportunidade de voltar a colaborar em tão prestigiada Revista surgiu do convite do Poeta António José Queirós, director da mesma, a partir do seguinte repto temático: O Azul. Além do poema que aqui partilho com todos os meus generosos leitores e intertextuantes, permito-me destacar a colaboração neste número da revista de Poetas como Amadeu Baptista, Ana Luísa Amaral, A. Cândido Franco, António Salvado, Fernando Grade, Fernando Pinto do Amaral, João Rui de Sousa, Jorge Reis-Sá, Luís Quintais, Pedro Sena-Lino, Pompeu Miguel Martins, Xosé Lois García, entre vários outros)
Correm-me os ossos antes do cristal
e da fuligem
Desaprendo o meu rosto na fronteira
do espelho
em que lavam os homens o sorriso
ou outra coisa que não a face.
No fémur no esterno da página de mim
encontro um animal fulminado,
sua azul cartilagem de extinto hélio
exposta igual a ninhos de aço
Os ossos a trote num vão retardamento
de galope
fervem no cálcio calcinado
de faíscas
de fisgas
de relâmpagos.
A luz ausenta-se do espelho
esquia a seara
alçando-se na incerta parte
do fogo que usurpa a noite pela casa
O tempo azul recua em mim
caranguejo a cegar os meus passos
Submeto-me às suas inclementes paliçadas
às suas garras
às suas jaulas.
Se os ossos trepassem os caules
emboscados pelo vento
apodreceriam os frutos
num celeiro de carne
numa eira de cinza
ceifada por muros
por musgos.
Herdei os ossos e com eles a morte
para nela habitar
no horizonte das lajes em que os ossos
por muito que corram,
cavalos a subirem-me as entranhas,
já não projectam a cor audível
de uma sombra.