o estudo da TESE serve para revelar aquele que é, hoje, o principal estrangulamento da sociedade portuguesa: há um conjunto de famílias que beneficiando de recursos materiais que são suficientes para as excluírem do acesso às prestações sociais de combate à pobreza, têm contudo recursos insuficientes para fazer face às suas despesas e cumprir expectativas e aspirações naturais de vida. Essas famílias são adequadamente descritas como "famílias sanduíche": estão fora da rede de apoios sociais de combate à pobreza, mas não deixam por isso de ser pobres. Esta asfixia das classes médias baixas tem várias consequências. Com os fracos rendimentos não são só as famílias portuguesas que estão ensanduichadas, é a própria democracia. Sem classes médias cooptadas para o sistema, a democracia vive uma permanente crise de legitimidade. E não há cooptação possível quando as classes médias vivem maioritariamente com menos de 900 euros por mês e, não menos grave, com a percepção que as trajectórias de mobilidade social ascendente que, ainda assim, tiveram, não se reproduzirão nos seus filhos. Não por acaso, o estudo revela que 70% dos portugueses não confia nas instituições que nos governam.
Romper este ciclo de precariedade consolidada, ao qual se tem juntado um conjunto de rupturas recentes (desde logo o crescimento do desemprego), e com isso aliviar as classes médias baixas tem de ser o desafio do próximo ciclo político. O objectivo não pode apenas passar por continuar a responder às formas mais severas de pobreza, como revela este estudo, é urgente encontrar soluções para os que estando acima da linha de pobreza, não deixam por isso de ser pobres.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
terça-feira, 30 de junho de 2009
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Falar verdade
A drª Ferreira Leite afirmou no final da semana, com uma veemência que se lhe desconhecia, que ia rasgar todos as políticas do actual executivo (com excepção da reforma da segurança social). Ora uma das coisas que o País não precisa mesmo é de sistemáticas rupturas profundas nas políticas depois de cada ciclo eleitoral. De facto, é aliás muito pouco provável que se Ferreira Leite vier a ser Primeira-Ministra rasgue mesmo todas as políticas anteriores. Logo, das duas uma: ou Ferreira Leite é politicamente irresponsável ou não está a falar verdade. Eu prefiro que a segunda hipótese seja a verdadeira.
Noutro mundo
O disco dos Wilco está finalmente acessível legalmente ao público. No meio de boas canções, está lá uma balada a vozes meias entre o Jeff Tweedy e a Leslie Feist. Se isto fosse um mundo normal, esta canção seria um hit incontornável do Verão. É preciso ter tido uma vida fodida, como o Tweedy teve, para depois se conseguir fazer uma coisa assim meia sentimentalona sem soar lamechas. Depois, claro, há a Feist. (já agora gostava que me explicassem qual a razão para raparigas como a Feist, quando abraçam ou beijam com carinho, levantarem uma das pernas).
quarta-feira, 24 de junho de 2009
O nosso esqui
O surf está um pouco por todo o lado. Hoje, quer seja numa praia, quer num anúncio televisivo, é difícil não nos cruzarmos quotidianamente com uma prancha, que sugere invariavelmente uma ideia de liberdade.
Esta presença quase hegemónica do surf coexiste com uma desvalorização do papel económico do desporto. Apesar de não haver quem não valorize o papel do mar como alavanca de um novo modelo de desenvolvimento para o país, estamos muito longe de concretizar esse objectivo e de fazer do surf um aspecto central da associação entre ‘mar’ e a ‘marca Portugal’. O que é tanto mais estranho quanto o surf poderia estar para o turismo português como os desportos de neve estão para os Alpes suíços. O turismo de surf não é um turismo de massas, é sustentável e continuado, e um nicho de mercado sólido e em crescimento. E abundam pela Europa casos de desenvolvimento virtuoso de regiões inteiras, literalmente “puxadas” pelo esqui. Portugal tem um clima temperado, ondas de qualidade, surfáveis durante todo o ano, centralidade (quando comparado com outros destinos de surf) combinada com baixa ocupação das praias na época alta do surf (fora do Verão). O surf poderia ser o nosso esqui, mas, também, o novo golf.
Para que isso acontecesse era preciso que o surf fosse olhado não apenas como uma modalidade desportiva ou um estilo de vida, mas, também, como um bem económico com enorme potencial de expansão, de que o conjunto da sociedade beneficiaria. O que está longe de acontecer.
Publicado no i (que hoje dedica duas páginas ao surf)
Esta presença quase hegemónica do surf coexiste com uma desvalorização do papel económico do desporto. Apesar de não haver quem não valorize o papel do mar como alavanca de um novo modelo de desenvolvimento para o país, estamos muito longe de concretizar esse objectivo e de fazer do surf um aspecto central da associação entre ‘mar’ e a ‘marca Portugal’. O que é tanto mais estranho quanto o surf poderia estar para o turismo português como os desportos de neve estão para os Alpes suíços. O turismo de surf não é um turismo de massas, é sustentável e continuado, e um nicho de mercado sólido e em crescimento. E abundam pela Europa casos de desenvolvimento virtuoso de regiões inteiras, literalmente “puxadas” pelo esqui. Portugal tem um clima temperado, ondas de qualidade, surfáveis durante todo o ano, centralidade (quando comparado com outros destinos de surf) combinada com baixa ocupação das praias na época alta do surf (fora do Verão). O surf poderia ser o nosso esqui, mas, também, o novo golf.
Para que isso acontecesse era preciso que o surf fosse olhado não apenas como uma modalidade desportiva ou um estilo de vida, mas, também, como um bem económico com enorme potencial de expansão, de que o conjunto da sociedade beneficiaria. O que está longe de acontecer.
Publicado no i (que hoje dedica duas páginas ao surf)
terça-feira, 23 de junho de 2009
Um Presidente da República
A crer na TSF, Cavaco Silva terá afirmado conhecer sondagens favoráveis à realização de eleições em simultâneo. Ora aqui está um tema que deve ser mesmo sondado e cuja decisão deve ser tomada com base no que as sondagens dizem. Imaginem por um momento que a mesma sondagem que Cavaco conhece (já agora, feita por quem? paga por quem?) revelava que os portugueses eram favoráveis a que não se realizassem eleições de todo ou que o nosso sistema evoluísse para o presidencialismo. O que é que o Presidente da República fazia?
Estes economistas
Há vários meses que na faculdade onde dou aulas está pintado numa parede uma inscrição que pergunta, “estes economistas, para quê?”.
Quando li o manifesto dos 28 foi essa a questão que me veio à cabeça. Na verdade, há um manifesto que eu, enquanto não-economista, esperava ver escrito. Um manifesto que reflectisse sobre o falhanço do mesmo saber técnico que agora é invocado para intervir politicamente na previsão do que aconteceu à economia mundial ou sobre a incapacidade de construir respostas políticas que prevenissem o descalabro. Por exemplo, não seria de esperar que se assistisse a um questionamento crítico do Pacto de Estabilidade que tantos entraves criou ao crescimento económico no espaço europeu?
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Provar do próprio veneno
O jornal A Bola publica hoje um artigo que se baseia no mesmíssimo tipo de critérios jornalísticos que a TVI costuma usar. Basicamente, a candidatura de Moniz à presidência do Benfica faria parte de um grande complot espanhol para comprar o Benfica. Provas e evidências eram naturalmente poucas, o que sobrava eram suspeições e uns quantos nexos causais frágeis. Imaginem só o que Moniz decidiu fazer: vai processar o director da bola e o autor da peça. Curioso, não é. Não há nada como provar do próprio veneno para aprender. Resta saber se aprende.
sábado, 20 de junho de 2009
Do amiguismo
Escrever sobre o mar e as ondas não é tarefa fácil. Isto é tanto mais verdade quanto melhor for a escrita, maior a sua depuração, e mais interessantes os pontos de contacto existentes entre o lirismo da paixão pelo mar e a vida passada em terra. É por tudo isto que as crónicas do Pedro Adão e Silva são, há já alguns anos, uma referência incontornável do surf escrito em língua portuguesa. Daí que só os distraídos se permitam surpreender por estas crónicas passarem agora a livro.
Assim, é com o mais supremo prazer (fazendo nossas as palavras do James Cook quando viu um gajo em cima de uma tábua há uma porrada de anos atrás, e que o Pedro tão bem cita na epígrafe do livro) que anunciamos o lançamento de "Sal na Terra", pela editora Bertrand, a partir de hoje nas livrarias de todo o país. O livro reúne crónicas do Pedro publicadas na SURFPortugal durante os últimos anos, recuperando oportunamente o título do seu espaço na revista. Para além das crónicas arrumadas em livro, há ainda as fotografias. Destas podemos dizer que foram captadas pelo Ricardo Bravo e complementam na perfeição uma série de textos singulares capazes de percorrer a distância entre Kelly Slater e Cesare Pavese, passando por Zico ou Tiago Pires.
O volume agora editado, a que o poeta José Tolentino Mendonça se refere no prefácio como "um dos mais belos livros da poesia portuguesa", será apresentado por Francisco José Viegas no próximo dia 23 de Junho, às 18:30, na livraria Ler Devagar, agora na LX Factory. Considerem-se convidados.
Vasco Mendonça, no site da SurfPortugal.
Assim, é com o mais supremo prazer (fazendo nossas as palavras do James Cook quando viu um gajo em cima de uma tábua há uma porrada de anos atrás, e que o Pedro tão bem cita na epígrafe do livro) que anunciamos o lançamento de "Sal na Terra", pela editora Bertrand, a partir de hoje nas livrarias de todo o país. O livro reúne crónicas do Pedro publicadas na SURFPortugal durante os últimos anos, recuperando oportunamente o título do seu espaço na revista. Para além das crónicas arrumadas em livro, há ainda as fotografias. Destas podemos dizer que foram captadas pelo Ricardo Bravo e complementam na perfeição uma série de textos singulares capazes de percorrer a distância entre Kelly Slater e Cesare Pavese, passando por Zico ou Tiago Pires.
O volume agora editado, a que o poeta José Tolentino Mendonça se refere no prefácio como "um dos mais belos livros da poesia portuguesa", será apresentado por Francisco José Viegas no próximo dia 23 de Junho, às 18:30, na livraria Ler Devagar, agora na LX Factory. Considerem-se convidados.
Vasco Mendonça, no site da SurfPortugal.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Em Nashville também está muito calor
St. Vincent "Actor Out Of Work" from Lake Fever Sessions on Vimeo.
"I don't even think I own an acoustic guitar" (e há mais aqui)
quarta-feira, 17 de junho de 2009
terça-feira, 16 de junho de 2009
6ª feira, todos ao Frágil
Os 20 anos do disco dos Stone Roses são um pretexto como outro qualquer para uma boa festa.
Um país paralisado
a moção de censura que amanhã o CDS apresentará, e que terá o apoio do PSD, sendo uma versão extrema da acusação de falta de legitimidade política do executivo para Governar que surgiu na sequência das europeias, funciona como antevisão do país que poderemos ter daqui a um ano. E a última coisa que nos faltava acrescentar à crise era um país paralisado por uma crise de legitimidade política do Governo. Que seja sugerido que o país pare já, em Junho, quando não haverá novo executivo até Novembro, tem apenas uma virtude: antecipa o que pode ser a paisagem política no próximo ano.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Saber envelhecer
Há uns tempos li que o John Peel teria dito que um sintoma da sanidade da sua família era o facto de, trinta anos depois, gostarem de ir juntos - filhos incluídos - a concertos dos The Fall. Os Sonic Youth têm um disco novo. Na verdade, é igual a quase todos os outros: uma lição sobre o que fazer com as guitarras, onde aproveitam para mostrar como como se pode manter a energia pop adolescente e combiná-la com a maturidade de quem já abriu todos os caminhos no rock. A Kim Gordon continua com as melhores pernas do Rock e o Thurston Moore parece estar sempre mais novo, para compensar o cabelo do Lee Ranaldo e os kilos a mais do Steve Shelley. Isto tudo porque eu hei um dia de ir a um concerto dos Sonic Youth com os meus filhos.
(devo confessar que só tive a certeza que Nova Iorque existia como de facto se diz que ela é quando um dia me virei e atrás do meu ombro estava o Lee Ranaldo com a mulher e os filhos)
Retratos de um País
Comendador Moita Flores (Alexandre Herculano está claramente abalado pela notícia).
quinta-feira, 11 de junho de 2009
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Este tipo vai longe
Não sei se estão recordados do episódio não muito distante no qual Paulo Rangel se insurgia contra o facto do primeiro-ministro não querer debates quinzenais durante a campanha para as europeias. Curiosamente, a decisão havia sido tomada em conferência de líderes e por unanimidade. O que faz todo o sentido, aliás, tendo em conta que estava a decorrer uma campanha eleitoral, provavelmente nem deveriam existir sessões plenárias. Pois, para o que importa, o Dr. Rangel é líder de um grupo parlamentar e o seu grupo parlamentar havia concordado com a decisão que, passado uns dias, daria o direito ao Dr. Rangel de se indignar. Ontem voltou à carga. A propósito da lamentável lei do financiamento partidário, que em boa hora o Presidente vetou, o Dr. Rangel vem agora dizer que, no fundo, sempre foi contra a lei em questão - “O PSD nunca pretendeu que estas alterações que motivaram o veto do senhor Presidente da República fossem avante”. Elucidativo, votou a favor, mas era contra. Durante algum tempo, quando ouvia o Dr. Rangel, ficava sempre com uma dúvida: como é que tinha feito parte do Governo de Santana Lopes? Começa a perceber-se melhor e há uma coisa que fica claro: estamos perante alguém que vai longe. Não tenham dúvidas.
terça-feira, 9 de junho de 2009
Rupturas à esquerda
O resultado das europeias criou uma grande responsabilidade aos partidos de esquerda: criar condições de governabilidade a partir de uma maioria eleitoral. Não é fácil e implica várias rupturas.
O PS, depois de ter tido um resultado que é, em votos expressos, o mais baixo de sempre e em percentagem só ultrapassado pelos seus mínimos históricos de 1985 e 1987, precisa de reflectir sobre a narrativa política que desenvolveu nesta legislatura e sobre o modo como olha para esta crise.
Esta dupla reflexão implica que o PS não se limite a manter o rumo seguido, numa estratégia cega perante o que os portugueses pensam e insensível à dimensão da crise internacional.
Durante muito tempo, o sucesso do actual Governo foi atribuído ao modo como combatia os interesses corporativos. Os resultados eleitorais vêm revelar que, em democracia, não é possível reformar eficazmente sem estabelecer coligações sociais. Por exemplo, tomar o movimento sindical como adversário é impensável para um partido de centro-esquerda. Por outro lado, esta crise requer soluções que não sejam repetições do passado e obriga a que o centro-esquerda reflicta, de facto, sobre o seu papel na construção dos modelos de regulação que nos trouxeram até aqui.
Os partidos de extrema esquerda têm uma responsabilidade não menor. Com um resultado que supera os pontos mais altos do PC (em 1979), contraíram a obrigação de transformar voto de protesto em mudança efectiva. Para tal, precisam, antes de tudo, de abandonar a tradição de escolher o PS como adversário preferencial e recentrar as suas reivindicações programáticas (por exemplo, o absurdo de exigir a saída de Portugal da NATO).
Serão capazes? Acho muito difícil, como prova a experiência autárquica em Lisboa. Mas uma coisa é certa, os eleitores não perdoarão que o esforço não seja feito.
versão integral de um texto publicado hoje no Diário de Notícias.
O PS, depois de ter tido um resultado que é, em votos expressos, o mais baixo de sempre e em percentagem só ultrapassado pelos seus mínimos históricos de 1985 e 1987, precisa de reflectir sobre a narrativa política que desenvolveu nesta legislatura e sobre o modo como olha para esta crise.
Esta dupla reflexão implica que o PS não se limite a manter o rumo seguido, numa estratégia cega perante o que os portugueses pensam e insensível à dimensão da crise internacional.
Durante muito tempo, o sucesso do actual Governo foi atribuído ao modo como combatia os interesses corporativos. Os resultados eleitorais vêm revelar que, em democracia, não é possível reformar eficazmente sem estabelecer coligações sociais. Por exemplo, tomar o movimento sindical como adversário é impensável para um partido de centro-esquerda. Por outro lado, esta crise requer soluções que não sejam repetições do passado e obriga a que o centro-esquerda reflicta, de facto, sobre o seu papel na construção dos modelos de regulação que nos trouxeram até aqui.
Os partidos de extrema esquerda têm uma responsabilidade não menor. Com um resultado que supera os pontos mais altos do PC (em 1979), contraíram a obrigação de transformar voto de protesto em mudança efectiva. Para tal, precisam, antes de tudo, de abandonar a tradição de escolher o PS como adversário preferencial e recentrar as suas reivindicações programáticas (por exemplo, o absurdo de exigir a saída de Portugal da NATO).
Serão capazes? Acho muito difícil, como prova a experiência autárquica em Lisboa. Mas uma coisa é certa, os eleitores não perdoarão que o esforço não seja feito.
versão integral de um texto publicado hoje no Diário de Notícias.
O espectro da ingovernabilidade
Não sabemos se com as europeias o que esteve em causa foi essencialmente a mobilização de voto de protesto face a um Governo que construiu a sua imagem com um discurso de confronto às corporações e que se revelou impotente para contrariar a crise económica e o crescimento do desemprego - e que com isso desbaratou o seu capital junto da esquerda sociológica - ou se, pelo contrário, estamos perante um novo ciclo político, em que o centro-direita inverte a tendência eleitoral recente. Mas uma coisa sabemos, a pulverização partidária, a somar à crise económica e social, e, em particular, o facto de PS e PSD terem resultados conjugados particularmente baixos - só superiores à percentagem alcançada em 1985, com o PRD - é um passo para a reconfiguração do espectro partidário português. Não vejo como essa reconfiguração possa ocorrer sem pôr em causa a governabilidade do país e sem contribuir para o aprofundamento da crise que vivemos.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Assino por baixo
A principal preocupação que me acompanha, agora como antes, é a da governabilidade. Portugal é um país pobre, com falta de qualificação das pessoas e das organizações, com um Estado fraco e insuficiente, em que a falta de sentido da responsabilidade é larvar - e não sairemos desse estado se cedermos por sistema a toda a colecção de egoísmos de grupo que continuam a ser a matriz básica da nossa vida colectiva. E há uma fatia grande do “povo de esquerda” que não compreende isso. E não será possível dar uma resposta política a essa situação se não se compreender o fenómeno de fragmentação da esquerda que levou ao estado lastimoso (por exemplo) da esquerda francesa. Aqueles que pensam que sairão vencedores desta situação varrendo os socialistas da cena - serão os arquitectos de uma paisagem política à francesa, com uma direita instalada e sem verdadeiro contraponto.
Porfírio Silva, no Outubro.
Porfírio Silva, no Outubro.
Do baú
A confrontação com os actores sectoriais tem sido uma forma eficaz para que aos olhos do “interesse comum” as mudanças sejam percepcionadas como legítimas. Mas não deixa de ser verdade que numa democracia ainda longe da institucionalização, esta estratégia produz danos colaterais. Portugal precisa de mais e não de menos factores de intermediação entre a sociedade e a esfera política e a valorização da negociação é uma das poucas formas conhecidas de tornar orgânica a representação da sociedade. Com uma crescente pulverização dos interesses organizados, a ancoragem política dos blocos sociais fica ainda mais frágil e a estabilidade do sistema partidário será, no médio prazo, afectada. Também aqui, o eleitorado tenderá a fugir e, no que é grave, quando o fizer, fá-lo-á sem rumo.
daqui.
daqui.
O fim de qualquer coisa
Alguns factos: o PS teve o seu pior resultado de sempre em número de votos e em percentagem só melhor do que 1985 e 1987.
Ao contrário do que aconteceu quando o PS se aproximou dos seus mínimos, o PSD cresceu muito pouco (teve 28.77% com Santana e agora 31.6% com Ferreira Leite e Rangel).
BE e PCP juntos ultrapassam largamente os melhores resultados do PCP, em redor dos 18% em 1979 e 1983.
Ao mesmo tempo, votou mais gente do que nas últimas europeias.
Para já, ainda não sabemos se os eleitores expressaram, de modo racional, o seu protesto com poucos custos para a governabilidade (a propósito, a moção de censura de Portas e a afirmação de Rangel de que a legitimidade para governar está diminuída, devem ter sido as únicas coisas positivas para José Sócrates ontem à noite) e, quando estiver em causa, de facto, a governação do país, a tendência para a bipartidarização regressará ou se, pelo contrário, os três blocos (PSD+CDS; PS; e BE+PCP), que vivem de costas voltadas, são uma realidade que veio para ficar? Se a segunda hipótese for a verdadeira, temo que o que se inaugurou ontem não signifique o início de nada, mas represente apenas o fim de qualquer coisa.
Ao contrário do que aconteceu quando o PS se aproximou dos seus mínimos, o PSD cresceu muito pouco (teve 28.77% com Santana e agora 31.6% com Ferreira Leite e Rangel).
BE e PCP juntos ultrapassam largamente os melhores resultados do PCP, em redor dos 18% em 1979 e 1983.
Ao mesmo tempo, votou mais gente do que nas últimas europeias.
Para já, ainda não sabemos se os eleitores expressaram, de modo racional, o seu protesto com poucos custos para a governabilidade (a propósito, a moção de censura de Portas e a afirmação de Rangel de que a legitimidade para governar está diminuída, devem ter sido as únicas coisas positivas para José Sócrates ontem à noite) e, quando estiver em causa, de facto, a governação do país, a tendência para a bipartidarização regressará ou se, pelo contrário, os três blocos (PSD+CDS; PS; e BE+PCP), que vivem de costas voltadas, são uma realidade que veio para ficar? Se a segunda hipótese for a verdadeira, temo que o que se inaugurou ontem não signifique o início de nada, mas represente apenas o fim de qualquer coisa.
sexta-feira, 5 de junho de 2009
O empate técnico
O João Pinto e Castro chamou a atenção aqui para mais um exemplo do falhanço da escola pública. O Pedro Magalhães espanta-se com os títulos das notícias. Mas na verdade, é sempre possível ir mais longe. O Público hoje anuncia uma profunda ruptura paradigmática nas eleições de Domingo: o empate técnico como resultado eleitoral ("as vantagens obtidas em relação ao PSD não são, no entanto, significativas e, tendo em conta as margens de erro, o empate técnico é um dos resultados mais previsíveis").
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Eu vi o futuro do rock'n'roll
dois putos a solarem no concerto dos Wilco (se a memória não me atraiçoa, durante o Spiders (kidsmoke))
His goal in life was to be an echo
não deixa de ser espantoso que quem escreveu isto tenha passado por isto (cheguei a este texto através do Luís Azevedo Rodrigues).(Já agora, mais uma prova de como os espanhóis são imbatíveis no inglês)
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Eu e a minha senhora
O dr. Cavaco – político profissional aí há uns trinta anos – continua a ter um problema quando está sob pressão (legítima ou ilegitimamente, pouco importa). Hoje, mais uma vez, se calhar porque Fernando Lima não estava por perto, para dar uma mão, não se saiu bem.
Neste história das acções da SLN não há, na verdade, nenhum problema em si. Há apenas (o que em política não é pouco) um problema de gestão do assunto. Bem pode o Dr. Cavaco indignar-se, mas não vejo porque razão a sua “seriedade” deva estar imune ao escrutínio político e mediático. Ele é um político, exactamente igual aos outros políticos, pelo que tem de responder às questões incómodas, pertinentes, mas também às questões estúpidas e impertinentes que os jornalistas (com demasiada frequência, é verdade) colocam. Ora hoje, após ter manifestamente omitido um facto aquando do comunicado sobre o BPN, não deu um bom contributo para encerrar o assunto.
Antes de mais, o tom de vítima: “Eu e a minha mulher, antes de eu estar nesta posição, quando éramos apenas professores, não tínhamos as nossas poupanças debaixo do colchão, nem tão pouco no estrangeiro”. Na verdade, haverá muitos professores que têm tido perdas com a bolsa nos últimos meses e que viram as suas poupanças "desaparecidas". Mas a SLN, ao contrário do que Cavaco sugere quando nomeia outras empresas das quais detém acções, não está cotada em bolsa, pelo que não estou a ver que fosse fácil a um casal qualquer de professores adquirir acções desta empresa, como poderia adquirir da EDP, SONAE ou Brisa. Além de que não vejo como seria possível a um gestor de conta adquirir acções de uma empresa não cotada, ainda mais sem envolver o detentor das poupanças nesse processo. Depois, neste caso concreto, Cavaco e a sua mulher não perderam dinheiro, fizeram uma mais valia, se não estou em erro, de 140%. Claro que o lote de acções era reduzido e não estamos a falar, nem de longe, nem de perto, de um accionista de referência. Ou seja, estamos, de facto, perante uma mão cheia de nada, pelo que custa a perceber porque razão Cavaco não matou o assunto à nascença, deixou-o crescer e, hoje, como se não bastasse, veio ainda introduzir mais ruído. Deve ser porque não é um político profissional. Apesar de andar há trinta anos a fazer política.
Neste história das acções da SLN não há, na verdade, nenhum problema em si. Há apenas (o que em política não é pouco) um problema de gestão do assunto. Bem pode o Dr. Cavaco indignar-se, mas não vejo porque razão a sua “seriedade” deva estar imune ao escrutínio político e mediático. Ele é um político, exactamente igual aos outros políticos, pelo que tem de responder às questões incómodas, pertinentes, mas também às questões estúpidas e impertinentes que os jornalistas (com demasiada frequência, é verdade) colocam. Ora hoje, após ter manifestamente omitido um facto aquando do comunicado sobre o BPN, não deu um bom contributo para encerrar o assunto.
Antes de mais, o tom de vítima: “Eu e a minha mulher, antes de eu estar nesta posição, quando éramos apenas professores, não tínhamos as nossas poupanças debaixo do colchão, nem tão pouco no estrangeiro”. Na verdade, haverá muitos professores que têm tido perdas com a bolsa nos últimos meses e que viram as suas poupanças "desaparecidas". Mas a SLN, ao contrário do que Cavaco sugere quando nomeia outras empresas das quais detém acções, não está cotada em bolsa, pelo que não estou a ver que fosse fácil a um casal qualquer de professores adquirir acções desta empresa, como poderia adquirir da EDP, SONAE ou Brisa. Além de que não vejo como seria possível a um gestor de conta adquirir acções de uma empresa não cotada, ainda mais sem envolver o detentor das poupanças nesse processo. Depois, neste caso concreto, Cavaco e a sua mulher não perderam dinheiro, fizeram uma mais valia, se não estou em erro, de 140%. Claro que o lote de acções era reduzido e não estamos a falar, nem de longe, nem de perto, de um accionista de referência. Ou seja, estamos, de facto, perante uma mão cheia de nada, pelo que custa a perceber porque razão Cavaco não matou o assunto à nascença, deixou-o crescer e, hoje, como se não bastasse, veio ainda introduzir mais ruído. Deve ser porque não é um político profissional. Apesar de andar há trinta anos a fazer política.
terça-feira, 2 de junho de 2009
Um referendo nacional
Contudo, a partir de certa altura, o PS abandonou a sua linha inicial e passou ele próprio a querer fazer das europeias um referendo ao Governo e às oposições. Por estranho que possa parecer, a ideia aparenta não ter sido má. Se acreditarmos nos resultados das sondagens, pese embora a distância significativa face à maioria absoluta, esta mudança, consubstanciada na entrada de José Sócrates na campanha, coincide com uma recuperação das intenções de voto no PS. O que parece reflectir uma variável chave para o sucesso dos partidos de Governo neste tipo de eleições: a capacidade de mobilização do seu núcleo duro de eleitores.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
do meu artigo de hoje no Diário Económico.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
A abstenção e a inveja
Ando muito preocupado com a abstenção. Oferecem-nos coisas e depois não conseguimos valorizá-las de modo adequado. Ontem os Wilco estiveram no Coliseu e o cenário era deprimente: 1/3 da sala ocupada, na visão benévola de quem ocupava um lugar da segunda fila. Que país é este que toma como adquiridos bens que são de facto frágeis? Depois, o concerto começou morno, até que os rapazes se foram soltando. A certa altura, já depois de umas dez músicas e talvez o dobro de trocas de guitarras (se somarmos as do Nels Cline às do Jeff Tweedy), o público juntou-se todo à frente, em pé como mandam estas coisas, e o que era morno tornou-se, subitamente, num dos melhores concertos de que me recordo. Dificilmente se encontra outra banda capaz de um som a um tempo tão poderoso e tão conseguido e com uma capacidade única de olhar para as raízes do folk rock norte-americano. Três guitarras que soavam na perfeição e que por vezes se transformavam em duas mais dois teclistas, mas sem que no virtuosismo se perdesse a intensidade. Tudo com um Jeff Tweedy bem disposto e com uma banda que manifestamente tem prazer a tocar. Pelo meio, quase não houve nada que ficasse por ouvir (pronto, não tocaram o Via Chicago, que aparentemente tocaram em Braga, mas em Lx tocaram o War on War, que não terão tocado na véspera). Mas, no fim, no meio de um longo encore (terão sido umas oito músicas?), e quando se ouviu uma versão do Hate it here a soar a Beatles por todos os lados e quando a faceta Neil Young veio mais ao de cima, chegou o momento da noite: dois miúdos, ela com uns oito anos, ele com seis, tiveram direito a solar na guitarra do Jeff Tweedy. Ali bem em frente ao palco e ao meu lado. A inveja é uma coisa muito feita. Mas foi o que eu senti. Ah, o Radio Cure e o Hummingbird tiveram versões assim como que superlativas.
E daqui a um ano?
A crer nos dados hoje divulgados, os portugueses mantém-se bastante pessimistas. Ainda assim, o pessimismo é significativamente maior quando questionados sobre como estará a economia daqui a um ano do que em relação ao seu próprio agregado familiar. Provavelmente não é uma percepção muito realista. A dimensão e a profundidade desta crise é tal que poucas famílias escaparão de modo directo ou indirecto ao seu impacto.
Contudo, estes dados entram em contradição com a tendência revelada pelo indicador de clima económico do INE, publicado na semana passada, que revela um interrupção do movimento descendente que se verificava há um ano e que tinha atingido um pico no mês de Abril. Tanto mais que esta inversão foi acompanhada por uma variação positiva dos indicadores de confiança em todo os sectores económicos.
Mas, provavelmente, o aspecto mais paradoxal destes resultados é o seu cruzamento com as intenções de voto apuradas na mesma sondagem. Perante uma crise desta dimensão o que se esperaria seria, por um lado, uma reprovação do partido que está no Governo e, por outro, uma desafectação geral face aos partidos políticos, na medida que se têm revelado incapazes de contrariar a depressão económica e social. Curiosamente, nenhuma destas tendências se está a verificar, o que sugere que os portugueses continuam a ver no executivo e nos partidos do sistema capacidade para responder à crise. Resta saber até quando resiste essa avaliação positiva.
Se daqui a um ano a resposta à mesma pergunta continuar a mostrar indicadores tão negativos, o problema continuará a ser económico e social, mas assumirá contornos políticos com os quais será difícil de lidar.
texto publicado no Diário Económico como comentário a estes resultados da sondagem da Marktest.
Contudo, estes dados entram em contradição com a tendência revelada pelo indicador de clima económico do INE, publicado na semana passada, que revela um interrupção do movimento descendente que se verificava há um ano e que tinha atingido um pico no mês de Abril. Tanto mais que esta inversão foi acompanhada por uma variação positiva dos indicadores de confiança em todo os sectores económicos.
Mas, provavelmente, o aspecto mais paradoxal destes resultados é o seu cruzamento com as intenções de voto apuradas na mesma sondagem. Perante uma crise desta dimensão o que se esperaria seria, por um lado, uma reprovação do partido que está no Governo e, por outro, uma desafectação geral face aos partidos políticos, na medida que se têm revelado incapazes de contrariar a depressão económica e social. Curiosamente, nenhuma destas tendências se está a verificar, o que sugere que os portugueses continuam a ver no executivo e nos partidos do sistema capacidade para responder à crise. Resta saber até quando resiste essa avaliação positiva.
Se daqui a um ano a resposta à mesma pergunta continuar a mostrar indicadores tão negativos, o problema continuará a ser económico e social, mas assumirá contornos políticos com os quais será difícil de lidar.
texto publicado no Diário Económico como comentário a estes resultados da sondagem da Marktest.
Da justiça terrena
Boy chosen by Dalai Lama turns back on Buddhist order. Afinal há esperança nas coisas da Terra.
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