quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O amor da vida


 "Você está sozinha porque não encontrou O HOMEM DA SUA VIDA", costumamos ouvir. Ah, o amor romântico, sempre a nos pregar peças. Como se existisse um único, como se existisse o "predestinado". A tampa da panela. A tal da alma gêmea, metade da laranja, sonho lindo de se ver. Embora exista, sim, é claro, aquela pessoa que resultou naquele ENCONTRO especial, sempre achei mais realista pensar em "homens da vida". Amores. O amor platônico adolescente. O primeiro de todos. O companheiraço. O fofo. O canalha que foi, na verdade, uma escola de malandragem e de vida. E o homem que, do mesmo jeito que surgiu, sumiu, mas que teve uma função importante: a de te fazer esquecer do canalha. Andei pensando muito nesta idéia do "amor único, o verdadeiro" ao ler um livro especialmente marcante neste final de 2013: "A casa das belas adormecidas", de Yasunari Kawabata. Nele, um homem de 67 anos relembra as mulheres que passaram por sua vida ao entrar em contato com moças jovens, adormecidas em sono profundo.




A casa das belas adormecidas é, na verdade, uma espécie de bordel que atende homens em idade avançada. Os homens deitam-se com as moças nuas, mas não é permitido que se tenha relações sexuais com elas.Todas estão profundamente adormecidas e os clientes são orientados a deixar os aposentos antes que elas despertem. Aos clientes, são oferecidas sempre moças diferentes a cada vez. Nunca é a mesma.

Eguchi, o protagonista do romance, vai, aos poucos, habituando-se às regras daquele estranho local. Não há diálogo possível com as moças. No entanto, elas dormem, sussurram, mexem-se na cama, mordem os lábios, falam coisas incompreensíveis sob efeito de algum forte sonífero. Algumas parecem mais jovens, quase meninas, com poucas curvas. Outras são mais opulentas, curvilíneas, com seios grandes. Nas associações de Eguchi, ele vai atribuindo sentidos aos sussurros das moças, ao cheiro exalado por elas, à textura da pele, à vida pregressa das mesmas. Nestas associações, ele também vai se lembrando de mulheres importantes de sua vida. Sua mulher, uma prostituta, as filhas, uma forte paixão. Assim sendo, os encontros extremamente sensoriais com as moças desconhecidas permitem a atualização de vivências passadas importantes.

O livro é de um erotismo comovente.Trata de temas como a velhice, a eminência da morte e a sexualidade com imensa delicadeza. O autor, provavelmente, não pensou em psicanálise quando o escreveu, mas o enredo do livro flerta com ela o tempo todo.A velha questão: a cada encontro, o que há, de fato, da pessoa que está lá, e o que há de nós mesmos ali? Eguchi não sabia nada de nenhuma das moças e, no entanto, as preenchia de todos os sentidos possíveis. E, tal como o velho Eguchi, também nós fazemos isso o tempo todo. Em algumas, damos o nome de amor.