Danuza Leão, colunista há anos da Folha de São Paulo, costuma escrever de um modo simples e acessível. Suas crônicas, inclusive, já foram compiladas em livros bastante vendidos. Para mim, a leitura de seus textos sempre havia sido tranquila até a crônica do último domingo, dia 29, que foi incômoda. O tema, muito interessante, é sempre pertinente: a dificuldade que algumas pessoas têm de se responsabilizarem pelas coisas que lhes acontecem de ruim. O inferno, para alguns, seria sempre os outros, escreveu ela. E, de fato, eu, você, todo mundo, conhece alguém que se vê assim: vítima do universo.
No entanto, ao falar sobre o trabalho dos psicanalistas, ela caiu naquele velho estereótipo de que os analistas ajudam seus clientes a culpar as mães e pais pelas infelicidades vida afora: "o problema não é meu, eu sou assim porque meu pai blá, blá, blá". Há bons e maus analistas é bem verdade, mas afirmar que OS psicanalistas trabalham sempre de determinada forma não ajuda. Cai na mesma esparrela de dizer que os psicólogos acham que "tudo traumatiza".
Lendo o infeliz artigo da Danuza, lembrei-me de um filme que assisti recentemente e de que gostei muito "Precisamos falar sobre Kevin". O filme é baseado em um livro de mesmo nome, escrito em 2003 por Lionel Shriver. A personagem principal é Eva, uma mãe não vocacionada, interpretada brilhantemente por Tilda Swinton. A gravidez, desde o início é um tormento e seu filho, mesmo criança, está bem longe de ser um anjo. A relação entre os dois é turbulenta e tensa. Ela nota que há algo de errado com ele desde sempre, mas o pai do garoto não consegue ver. Algo de muito grave acaba acontecendo quando ele chega à adolescência. O filme, contado em flashbacks mostra esta mãe, no presente, assombrada por seu passado. Solitária, ela é hostilizada (e até agredida) pelos habitantes de uma cidade. Apesar disso, ela se mantém resignada. A resignação chega a incomodar. Sentiria-se ela culpada por não ter sido a melhor mãe e, de alguma maneira, ter sido responsável por uma tragédia cometida por seu filho? Por não ter desejado aquele bebê? A narrativa se desenrola de forma a não dar explicações simplistas.
Em suma: o filme traz para discussão a responsabidade dos pais (especialmente da mãe) na trajetória de seus filhos. Embora os americanos gostem de estorinhas com começo, meio e fim, este filme deixa a ferida em aberto. É denso e indigesto. Culpar as mães por tudo é sempre muito simples e fácil e nisso, Danuza Leão tem razão. No entanto, transferir toda a culpa para os psicanalistas é igualmente um erro. Aliás, que falta fez um bom analista para a pobre Eva.