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29 de mar. de 2010

A pesca milagrosa

(Encontrei esse poema visual no blog do  Ademir Bacca)
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Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler "distraidamente".
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Clarice Lispector
in Para não esquecer. Círculo do livro, São Paulo, 1980, p.41
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19 de mar. de 2010

Raquel de Queirós ...

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“Não tenho filhos. A verdade é que eu nunca me senti uma intelectual full-time. Eu sempre dei muito mais importância à vida do que ao fato literário. Eu posso até estar escrevendo a página mais importante de um romance, mas se eu sou solicitada por qualquer coisa da vida cotidiana eu dou atenção a esta coisa, pode ser até na cozinha. Eu não tenho filhos, mas tenho um que ajudei a criar e a quem eu adoro e que meu deu dois netos. Como não tinha filhos, eu e meu marido éramos extremamente ligados. Ele me absorvia muito e eu a ele. De forma que na vida sempre foi muito mais importante para mim o fato de viver que o de escrever.”
.Raquel de Queirós
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In Giovanni Ricciardi, Auto-retratos, Martins Fontes, São Paulo, 1991,  p.41
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17 de fev. de 2010

Mas já que se há de escrever ...

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"Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas."
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Clarice Lispector
in Para não esquecer. Círculo do livro, São Paulo, 1980, p.25
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16 de fev. de 2010

A Xica

 Almeida Junior - Saudades
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Antigamente escreviam-se cartas que seguiam pela mala postal do próximo vapor. Quando era muito urgente telegrafava-se.
Antigamente os sentimentos cumpriam o horários dos paquetes, dos comboios, dos correios.
Antigamente a hora de chegada do carteiro era o momento mais ansiado, mais odiado do dia.
Antigamente o abrir de um envelope era o instante do aperto do coração.
Antigamente escrevia-se em papel de carta muito fino para cada missiva não pesar mais, às vezes aproveitando o verso e o reverso da ténue folhinha.
Antigamente os que não escreviam, aproveitavam um canto final do que estava livre para acrescentarem os beijinhos, os abraços, os xis, as recomendações de todos os que se associavam de modo breve ao acto de se ter escrito.
Antigamente algumas cartas traziam fotografias, sujeitas à curiosidade, outras notas de banco escondidas, com risco de extravio.
Antigamente havia cartas perfumadas, cartas tarjadas de negro, cartas comerciais com facturas e outros efeitos na praça.
Hoje temos a internet e com ela o estarmos instantaneamente a toda a hora e por toda a forma em todo o lado.
Quando a rede falha e estamos longe, sentimo-nos abandonados à nossa sorte. Nem um aerograma, ao menos, em correio aéreo, nós por cá todos bem, saudades à mamã, à Xica e aos meninos...
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7 de fev. de 2010

A arte do poeta

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Fotomontagem de Recp Gulec
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A arte do poeta
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para Antonio Cicero
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escrever um poema é ser assaltado
e manter o sangue frio

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ou fazê-lo ferver, borbulhar e correr
nas frias treliças metálicas
do concreto armado
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escrever um poema é costurar
gotas de suor ou lágrimas
tecer longa colcha de ondas
sobre sonhos profundos
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ou subir na espiral dos sons
de uma escada cujos degraus
são as notas de uma canção oca
e ascender
através das nuvens evaporadas
rumo ao sol
ao céu
ao nada
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Lucas Nicolato, in Promessas Provisórias
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16 de dez. de 2009

(sobre o escrever...)


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"Cada um escreve do jeito que respira. Cada um tem seu estilo. Devo minha literatura à asma."
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(Fabrício Carpinejar)

21 de out. de 2009

Procura da poesia

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Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
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Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro

são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
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Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
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O canto não é a natureza

nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
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Não dramatizes, não invoques,

não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
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Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
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Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
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Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
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Repara:

ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
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Carlos Drummond de Andrade – p. 111 e 112 - Nova Reunião: 19 livros de poesia - Editora José Olympio

20 de out. de 2009

(ESCRE)VER-ME

Lavinia Fontana
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nunca escrevi
sou
apenas o tradutor de silêncios

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a vida
tatuou-me nos olhos
janelas
em que me transcrevo e apago

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sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar

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Mia Couto

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4 de mai. de 2009

Ofício

Casimiro Sainz Saiz
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Ofício
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Escrever
a água
da palavra mar
o vôo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o olho
da palavra imagem
o oco
da palavra nada
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Maria Esther Maciel
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14 de abr. de 2009

Quintana...

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"...Não é que esteja bancando o modesto. Eu já disse uma vez que a modéstia é a vaidade escondida atrás da porta... Eu não sou modesto, sou isento de tudo. Se alguém me julga "genial", eu penso: está exagerando. Se alguém não me aceita, me escracha, eu acho que é burro. Fico sereno comigo. Isso me faz lembrar os versos de Cecília Meireles, que para mim é a maior poeta brasileira desta metade do século:
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Eu canto porque o momento existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta

..
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(Do livro de Giovanni Ricciardi: Auto-retratos)

25 de fev. de 2009

Bilhetes

William Bouguereau

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Bilhetes

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Alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura. Esses, sim, são os bons. Eu só escrevo para fazer afagos. E porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços. E estreitar distâncias. E encontrar os pássaros: há muitas distâncias em mim (e uma enorme timidez). Uns escrevem grandes obras. Eu só escrevo bilhetes para escondê-los, com todo cuidado, embaixo das portas.

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1 de fev. de 2009

Lya Luft

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Sobre o escrever...
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"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."
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Lya Luft
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26 de jan. de 2009

Clarice...

.."O processo de escrever é feito de erros - a maioria essenciais - de coragem e preguiça, desespero e esperança, de vegetativa atenção, de sentimento constante (não pensamento) que não conduz a nada, e de repente aquilo que se pensou que era “nada” era o próprio assustador contato com a tessitura de viver - e esse instante de reconhecimento, esse mergulhar anônimo, esse instante de reconhecimento (igual a uma revelação) precisa ser recebido com a maior inocência, com a inocência de que se é feito". .
Clarice Lispector

in Para não esquecer. Círculo do Livro, São Paulo, 1980, p. 125
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29 de out. de 2008

Como escrevo?

Bom, eu escrevo regularmente não como poeta, porque o poeta não escreve quando quer, ele escreve quando a poesia quer. Kafavis censura as pessoas que muitas vezes ficam tão ocupadas que não têm tempo para a poesia. Ele diz que a poesia não pode ser tratada como uma criada, que a gente chama quando precisa e manda embora quando não precisa. É a gente que tem que estar à disposição permanente da poesia. Nós é que somo criados dela. Infelizmente, essa senhora exigentíssima usa muito pouco os meus serviços, mas, de qualquer modo, quando ela decide usá-los, eu estou pronto a acolher as solicitações. Já n caso da prosa, eu trabalho regularmente. Eu trabalho regularmente como tradutor e como ensaísta e tenho projetos de trabalho. Como poeta eu realmente escrevo quando a inspiração, se é que ainda se pode usar esse palavrão, aparece.
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José Paulo Paes
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Giovanni Ricciardi, Escrever 2. Bari: Ecumênica Editrici scrl, 1994
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27 de set. de 2008

Sobre o escrever ...

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Francine Van Hove
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Existe o prazer de escrever? Sim, eu tenho um grande prazer de escrever. Eu sinto que escrever, para mim, é um extravasamento de uma espécie de excesso de vida. Eu tenho dentro de mim “vidas” que consigo captar e transferir ao papel, no romance. Então, eu consigo ampliar a minha própria vida debatendo problemas num artigo de jornal, numa crônica, numa carta... Isso tudo cria, para mim, o prazer da escrita. O escrever é o encontro com aquilo que estava dentro de mim e eu não sabia e só vejo no papel.

Josué Montello
(Giovanni Ricciardi, Auto-retratos. Martins Fontes)

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20 de abr. de 2008

Clarice ...

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"Morro de pena de meus personagens. Se eu pudesse, ah se eu pudesse, como facilitaria a vida deles, como lhes daria maior amor. Mas não posso fazer senão lhes dar esperança, e leves empurrões para frente. Só há um livro meu em que o personagem morre no fim. A todos os outros, eu deixo o caminho aberto: é só ter força ou querer passar. É com piedade e resignação que os deixo sofrer: que assombrosa coragem a minha: são filhos meus e no entanto abaixo a cabeça às suas dores. Por isso adio tanto em escrever um livro. Já sei como vou ser torturada e castigada, e como muitas vezes me sentirei impotente. Mas nada posso fazer: tudo o que vive sofre".
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Clarice Lispector
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25 de mar. de 2008

Clarice...

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"... Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou uma desesperada e estou cansada, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias".
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Clarice Lispector
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3 de mar. de 2008

Poesia contemporânea e mercado editorial

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Será mesmo que "escrever poesia no Brasil é viver em claustrofobia", como escreveu o poeta Donizete Galvão? Não creio, mas acredito. De qualquer forma, o contraponto existe. A Poesia Contemporânea Brasileira aspira novos prumos editoriais e conspira contra a tese da voluntária clandestinidade em que vive cada poeta. Empreender algum esforço para dar sustentação a esse debate, como veremos a seguir, já é um bom caminho.
A bibliografia acerca da aparente contradição poesia x mercado, praticamente inexiste. As referências, os poucos ensaios e textos disponíveis existem em quantidade insignificante. Portanto, sempre que a relação da poesia com o mercado entra em pauta, temos uma suave sensação de "retomada" de um assunto nunca abordado e uma nova esperança transborda as nossas melhores utopias.
A natureza do poeta é singular. Seu nome escrito nas estrelas não garante os vícios e as necessidades de uma sociedade transfigurada pela automação e pelo aprofundamento das exclusões. Todo poema é um ato de subversão da linguagem. Como, então, ser remunerado por atentados? Em cada verso, um novo genocídio. Tal como nos tempos de Homero, as coroas de louro da modernidade, mal servem para temperar o feijão nosso de cada dia.
Na verdade existem poucos estudos sobre o mundo dos livros em nosso País. A "Carta aos livreiros do Brasil", um ensaio de Geir Campos escrito há quarenta anos, já apontava problemas e soluções que, infelizmente, ainda hoje não foram enfrentados de forma contundente. As conseqüências desta omissão, todo escritor conhece. A realidade editorial dos poetas permanece na mesma placidez bovina de quarenta, cinqüenta, cem anos. Atocaiados pelas esquinas, agrupados ou solitários, atarefados com a precisão dos seus versos, alguns poucos sacodem a roseira do ineditismo. Está escrito: para publicar, o poeta precisa ser muito mais que ser um bom domador de palavras. Fundamentalmente, precisa esquecer algumas necessidades imediatas e lançar mão das suas economias. E ponto final.
O país mudou. A indústria editorial é das mais sofisticadas. O acesso ao livro e às práticas de leitura, entretanto, permanecem, ainda, como um grande enigma. A fragilidade comodista dos editores abala-se até mesmo com a introdução de um elemento que pode e deve ser um grande aliado: a rede mundial de computadores. Já pararam de perguntar se o livro virtual vai substituir o livro impresso? A poderosa e futurista mídia virtual abre novas perspectivas para o mapeamento rápido e seguro de um público consumidor de Poesia. Tudo através dos blogs, sites, e-mails esparsos, revistas e jornais virtuais. Até mesmo as listas de discussão sobre literatura que de forma abundante, agrupam pequenas multidões de PVS - poetas, versejadores e simpatizantes e, conseqüentemente, consumidores potenciais de um provável e emergente mercado para a poesia contemporânea. Ao mesmo tempo, essas fontes oferecem um cardápio permanente de novas descobertas, de novos nomes para o próprio mercado. O que precisa ficar evidente é que isso é mercado e que a inclusão nesse meio não define a qualidade do poeta.
Mas, se é verdade que a situação é delicada. Também é verdade que alguns focos começam a surgir propondo a superação desses paradigmas. Para não morrer de desgosto, entrementes, devemos orar pelas brumas e ócios das novenas libertárias do poeta Chacal: "Só o impossível acontece. O possível apenas se repete."
Alguns escritores, como Ricardo Aleixo, Joca Reiners Terrón e Frederico Barbosa vestem a pele da resistência na batalha desigual do mercado. Eles sabem, entretanto, que os moinhos são reais. Em menor escala abrigam-se, também, as pequenas tiragens municipais e regionais que, antes de almejar o mercado, cumprem a missão heróica de manter acesa a movimentação em torno da viabilidade do Livro de Poesia. Este é um esforço que é empreendido por poetas como o paraibano Antônio Mariano que criou o selo Trema, a sergipana Ilma Fontes com o selo O Capital e tantos cangaços da justa causa poética que buscam estabelecer o compromisso de produzir livros para manter o registro da produção poética de uma determinada época, de um determinado lugar. Esses Davis do sistema literário tentam salvar os prejuízos financeiros, direcionando seus esforços para as vendas do lançamento. Tão somente. Nesses casos a venda dos livros se torna ainda mais difícil. O espectro de alcance da distribuição — na verdade, as pernas do mercado - abrange apenas os frágeis e complexos ambientes municipais. Nas relações de amizade do poeta reside a esperança de minimização dos custos. O problema é que parte considerável do público deste poeta, nem sempre é, exatamente, de um público consumidor de poesia. São familiares e colegas de trabalho ou das corporações sociais.
Devemos destacar, no entanto, algumas ousadas incursões em um ainda incipiente mercado editorial da poesia contemporânea. A Editora Landy, através da coleção Alguidar, coordenada pelo poeta Frederico Barbosa, tem investido na visibilidade econômica da produção poética contemporânea. Nomes como Sebastião Uchoa Leite, Glauco Mattoso, Amador Ribeiro Neto, Micheliny Verunschk, Antônio Risério e o próprio Frederico Barbosa, contam com suas obras disponíveis nas livrarias, em belas e competitivas edições. O investimento na sedução do mercado do livro pode ser percebido em cada mínimo detalhe dos seus projetos gráficos e na qualidade dos poetas publicados.
Outros segmentos, outras editoras e outros poetas/editores, também apostam alto neste páreo. O diferencial da Coleção Alguidar é que os poetas não custeiam a edição - nem mesmo parte dela - como ocorre com a imensa maioria. A editora assume "todos os riscos", digamos assim. E o poeta tem sua obra na arena do mercado do livro, sem sacrificar suas economias. Provavelmente a Landy é mesmo a única editora que aposta na potencialidade mercadológica da poesia brasileira contemporânea. Se não há, ainda, um mercado editorial consolidado, devemos perceber que há uma certa formatação de um mercado. No capitalismo selvagem em que vivemos, isso pode significar mais uma frente no mercado de trabalho para uma atividade produzida, na sua maioria, por jovens poetas na travessia dos trinta aos cinqüenta anos.
Ricardo Aleixo faz menção em texto publicado no blog do Movimento Literatura Urgente ao fato de que, ao contrário do que pensam alguns, não é a densidade e nem mesmo a radicalização estética que impede a inclusão da poesia no mercado. Segundo ele a má formação cultural dos editores, acostumados ao lucro e escorados na tese da inviabilidade comercial do livro de poesia é um dos principais fatores para a sua marginalização no mercado editorial. Entretanto, a experiência do disco, da música, nos mostra que o que não vende não é exatamente a poesia, mas o livro de poemas. Portanto, não se trata de rejeição da arte poética pelo público, mas da mentalidade dos editores. A poesia é um produto de consumo do mercado cultural, por exemplo, na voz de Caetano Veloso, Chico Cezar e outros. Mas, então, por que poesia não vende em livro e vende em disco? Será que é uma provocação do mercado fonográfico à miopia dos grandes editores? Será que o público imenso que ouve Cummings ou Alice Ruiz na voz de Zeca Baleiro não é, também, um público potencialmente consumidor de livros de poesia? Que editora já fez pesquisa de mercado neste sentido? Portanto, podemos estar produzindo uma mentira de graves proporções quando afirmamos que poesia não vende.
A realidade ainda assusta, é verdade. Especialmente quando voltamos nossas atenções para experiências que, em tese, deveriam ter sido bem sucedidas. Penso no que seria a "previdência" de um poeta observando, por exemplo, os últimos anos de vida do poeta Mário Quintana. Depois de trabalhar como "prático" na farmácia do pai, Quintana sobreviveu como jornalista e tradutor. Quando não pode mais exercer sua profissão de jornalista, ficou à deriva como um desempregado comum.
Estive com o poeta quando dos seus oitenta anos. A cidade de Porto Alegre respirava homenagens vindas de todos os sertões e veredas. Os jornais locais publicavam seus poemas. Jornalistas do Brasil inteiro buscavam entrevistar aquele que seria um dos grandes mitos da poesia brasileira no século XX. O tradutor de Proust, o autor de Sapato Florido, aos oitenta anos, morava num luxuoso apart-hotel. Na portaria, senhores distintos, elegantes e engravatados: os porteiros. No apartamento, uma secretária educada e simpática. No entanto, as contas de água, luz e telefone, condomínio, salário da secretária, aluguel e refeições do poeta eram todas custeados por um distinto e generoso mecenas. Dizem as boas línguas que se tratava do ex-jogador da seleção brasileira, Falcão. Pouco importa quem foi a alma iluminada que proporcionou um final de vida confortável e tranqüilo ao poeta. Pelo menos Mário não penou como a maioria das pessoas de oitenta anos neste país que ainda não resolveram as questões da estabilidade necessária ao envelhecimento assistido.
A história de Quintana, escrita nas ruas de Porto Alegre, confrontava-se com a mesma hipocrisia de tantas outras ruas de tantas outras cidades. A mesma hipocrisia de quem esquece que a charmosa Casa de Cultura Mário Quintana é, na verdade, o antigo Hotel Magestic, onde Quintana morou até ser despejado por falta de pagamento, após a falência do jornal Correio do Povo, onde trabalhava.
Este parêntese nesta breve reflexão sobre o mercado editorial, exemplifica um pouco as razões da utopia que é esperar, de alguma forma, que a melhor poesia brasileira de todos os tempos (que nem sei qual é) venha a ter sua importância reconhecida pelas editoras, remunerando o poeta, pelo fruto do seu trabalho. Não há nenhuma utopia nisso se observarmos que além dos focos já mencionados existe um segmento formado por pessoas sensíveis e inteligentes — leitores, sobretudo - que é um público também potencialmente consumidor de poesia.
Se os grandes poetas brasileiros, ao que me consta, não conseguiram sobreviver com seus direitos autorais, o que esperar de poetas que bancam edições, em parte ou no todo? Ou será que não é esta a realidade da tão festejada literatura brasileira contemporânea, guardadas as exceções? E é desta realidade que devemos partir para pegar a história nas mãos e determinar alguma herança aos poetas do futuro.
A poesia brasileira atravessa um dos seus momentos mais ricos. A diversidade é tanta. A circulação é pouca. O público leitor de poesia mostra a sua cara-coragem na Internet e nos círculos literários espalhados pelo País. Ainda assim, o mercado é um ponto qualquer no escuro de uma manhã que não chega. Historicamente, podemos afirmar que os poetas que levavam uma vida menos espremida pelo custo da sobrevivência, não tinham na poesia sua fonte mais segura para a sobrevivência. Vinícius de Moraes, por exemplo, que sabia "ganhar dinheiro com poesia", misturava consulados com cachaça. Entretanto seu veículo mais eficiente foi a música e seu melhor editor, foi Toquinho.
Poesia é a mão nadando solitária na contracorrente, despregada do corpo. Como, então, surfar nas ondas do merchandising? Como inserir nos padrões do sofisticado e inculto mercado editorial segmentos da arte literária que podem tudo? Inclusive destacar repetidas vezes a sonoridade da palavra "cú" como expressão da inventividade ou da gratuidade pasteurizada.
Há também a perspectiva da informalidade. A geração de uma rede distribuidora alternativa aos tubarões que fazem do mercado do livro uma teia de exclusões, onde o poeta que nada ou pouco recebe em direitos autorais iguala-se ao leitor que não consegue acesso ao extorsivo preço das edições consideradas dignas das melhores livrarias. Afora isso, há uma briga de foices e martelos no heroísmo dos que partem para a linha de frente, cavando espaços para a sobrevivência das utopias na grande e ilusória aventura das Bienais, das academias e da submissão aos desejos de um alto clero e de uma crítica decadente e medíocre.
Há um flerte, é verdade, com as possibilidades. Se no confronto direto com o "bigsauro" comedor de dólares a poesia fica em desvantagem no mercado editorial, por outro lado as alternativas estão buscando espaços na perenidade desta briga. Uma dessas alternativas nasce a partir de uma cruzada que atravessa o país, apontando para a necessidade de serem pautadas as políticas públicas de incentivo ao livro e à leitura. Esse é um debate que, inclusive, já alcançou algumas esferas federais, estaduais e municipais. As políticas de incentivo à leitura e ao livro, não cabem apenas no debate cultural, mas, sobretudo, e principalmente no debate sobre Educação e qualidade de vida. Afinal, quem lê, vive melhor.
A poesia, pela sua popularidade, pode ser o foco inicial de uma grande virada do mercado editorial. Afinal, pelo menos em tese, há uma multidão espalhada pelos rincões do continente, escrevendo versos. Basta estabelecer um protocolo capaz de converter esta multidão de jovens e não tão jovens escritores em uma multidão de leitores e estaremos conversados para o estalo de dedos necessário ao boom de um mercado editorial para a poesia brasileira contemporânea.
E a pergunta que fica é: quando vamos acender o estopim?
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Lau Siqueira

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Blog do poeta Lau Siqueira : POESIA SIM
O novo livro de Lau Siqueira:
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“O novo livro de poemas de Lau Siqueira, Texto Sentido, é uma pergunta: com que intensidade vida e arte podem seguir adiante? Também são outras coisas: inventário de espantos, armação de nuvens, legado, baú. Depois é uma resposta feliz. Está na cara, em cada página. Quando se é poeta, é e pronto. Sem teses, sem tribos, sem rótulos.”
(André Ricardo Aguiar, poeta paraibano)

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Você pode adquirir Texto Sentido na Loja Virtual
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21 de fev. de 2008

Escrevo

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Escrevo já com a noite
em casa. Escrevo
sobre a manhã em que escuta
vao rumor da cal e do lume,
e eras tu somente
a dizer o meu nome.
Escrevo para levar à boca
o sabor da primeira
boca que beijei a tremer.
Escrevo para subir
às fontes.
E voltar a nascer.
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Eugénio de Andrade
Os Sulcos da Sede
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