Parece que foi ontem que escrevi a última postagem, mas a data impressa me contradiz marcando a passagem do tempo. Escolhi o poeta checo
Jaroslav Seifert para marcar nosso reencontro:
FUNERAL SOB A MINHA JANELA
Queixo-me ao vento, a nossa
vida não é senão um minuto,
cavalos, regressem,
se pelo menos os cavalos
pudessem regressar:
regressem ao nosso tempo,
uma vez mais para recomeçar!
Se pelo menos os ponteiros
invertidos do relógio nos pudessem trazer
de volta os momentos que
desperdiçamos, aos bocadinhos,
se pelo menos a engrenagem,
operando em sentido contrário,
pudesse deslindar o nó do
suicídio,
se pelo menos a lua que
ainda ontem se deitou
regressasse uma vez mais ao
céu de hoje,
se pelo menos conseguíssemos
chorar de novo
as nossas mágoas triviais!
Queixo-me ao vento ─ ouçam o
seu lamento agoniado ─
se pelo menos o vento
pudesse trazer de novo,
trazer de novo a máscara da
pele morta ─
a máscara que no sopro da
morte
deslocou da face um último
fôlego
e que o vento agora varre e
desgasta ─
para que nos beijemos uma
vez mais
antes que esvaneça e se
despedace
no cimo das árvores, nas
gotas da chuva.
Jaroslav Seifert, in Piolho 001, trad. Sílvia C. Silva, Edições
Mortas, Maio de 2010, pp. 57-58