O psicólogo americano Howard Gardner disse certa vez em uma entrevista que “está demonstrado, por meio de extensas pesquisas, que a fase em que a experiência causa mais impacto ao cérebro é até os 20, 25 anos de vida. As pessoas podem até ficar mais sábias depois disso, mas não mais inteligentes.”
Em outra reportagem sobre a precocidade dos gênios, li que “o estudo da explosão precoce da inteligência avançou muito. Hoje se sabe que talentos musicais e matemáticos tendem a desabrochar mais cedo. A habilidade matemática de altíssimo desempenho carrega em si outro mistério. Ela exige do cérebro, além de enorme dose de racionalidade, um poder de processamento bruto que tende a se esgotar com a idade. Por essa razão, todas as grandes descobertas matemáticas foram feitas por gênios antes de eles completarem 30 anos.”
Tomando por base estas informações e guardadas as proporções pode-se entender, por exemplo, porque o poeta francês, Jean Nicolas Arthur Rimbaud, ou simplesmente Rimbaud, até os 20 anos escreveu o que mais tarde seria considerada uma das maiores influências da poesia moderna e se tornado o precursor do surrealismo.
Rimbaud era um menino exemplar, estudioso, amante da leitura e dos livros, até se tornar um rebelde sem causa na adolescência, um libertino por assim dizer, que aos 17 anos começa a viver uma tórrida e tempestuosa relação amorosa com o também poeta Paul Verlaine. E que, no auge da sua criação literária, aos 20 anos, desiste da literatura e se embrenha numa aventura errante pela África traficando armas. Sua morte prematura, aos 37 anos, fez surgir o mito e o reconhecimento pela sua obra literária.
Essa trajetória rápida, intensa e tumultuosa da vida do poeta pode ser vislumbrada no ensaio bibliográfico de Edmund White, Rimbaud: a vida dupla de um rebelde, editado pela Companhia das Letras. O interessante, na obra, foi constatar as idas e vindas de Rimbaud à casa materna, apesar da sua rebeldia e boemia. No final, ele sempre recorria à família, extraindo dali sua força e energia necessárias para as novas empreitadas que seu espírito aventureiro almejava realizar. Além do seu amor pelos livros, mesmo depois de renegar sua veia poética.
“Embora tivesse dado as costas de vez à literatura, Rimbaud permanecia obcecado por livros. Tal como os dois comoventes mas absurdos autodidatas do ‘romance tragicômico’ de Flaubert, Buvard e Pécuchet, Rimbaud queria aprender tudo de cada área de conhecimento prático. Fez vir da França livros sobre metalurgia, hidráulica, funcionamento de barcos a vapor, arquitetura naval, mineralogia, como instalar um depósito de madeira, um guia de bolso sobre carpintaria, alvenaria e assim com diante... Ele, que tinha desejado transformar o mundo por meio da alquimia da linguagem, estava agora reduzido a estudar as verdadeiras técnicas práticas. E, no entanto, o objetivo – saber tudo e controlar tudo – permanecia o mesmo.”
Quanto à sua criação, poemas como “Uma estadia no Inferno” e “Iluminações”, só ganharam o mundo literário graças à intervenção de Verlaine, como relata esta passagem do livro:
“Verlaine, apesar da falta de contato com Rimbaud, permaneceu fiel a seu gênio. Em 1883, publicou três livretos chamados Les poetes maudits sobre Rimbaud, Mallarmé e Tristan Corbière. Todos os três, hoje reconhecidos entre os maiores de seu tempo, eram desconhecidos quando Verlaine decidiu escrever sobre eles. O texto dedicado a Rimbaud era especialmente corajoso, já que deve ter trazido à tona os escândalos do passado: o julgamento, a prisão, suas relações imorais com Rimbaud, o divórcio. Amargurado e furioso com Rimbaud nos anos de 1875 a 1880, Verlaine agora só falava dele com afeto e admiração. No panfleto, Verlaine reproduzia vários poemas de Rimbaud, que muitos do meio literário parisiense estavam lendo pela primeira vez. Ficaram estupefactos. Conforme escreveu Edmond Lepelletier, ninguém tinha lembranças muito favoráveis do garoto que tinham conhecido quinze anos antes. Tudo o que recordavam eram seus modos grosseiros e que se tinha em alta conta: ‘As citações feitas por Verlaine foram como uma revelação’. Sem os esforços de Verlaine, Rimbaud seria apenas uma nota de rodapé na história de um movimento literário esquecido, o Zutismo.”
Da sua obra não li muita coisa, mas o que vi impressiona bastante, como o poema “O barco ébrio”. Mas confesso que tive certa dificuldade na leitura da biografia, dada a complexidade da alma de Rimbaud, seus humores terríveis, sua indisciplina exagerada, seu egocentrismo exacerbado, seu inconformismo predominante. Sua importância para a poesia moderna, no entanto, ultrapassa a falta de empatia com sua pessoa, e ganha cada vez mais adeptos.
Um deles é meu amigo Alexandre, que chamou minha atenção para a poesia de Rimbaud. Ele inclusive, está obcecado pela criação do poeta, tanto que até se inspirou em escrever um pequeno conto poético sobre sua vida, o qual transcrevo abaixo:
Divino Profano
Na companhia errada, envolto a cólera me busco, encontro o profético fluxo que não nega sua apressada cavalgada.
Olho para os lados, me vejo lá dentro. Viajo em pensamentos andarilhos guiado por um brilho; depois me volto escandalizado.
Encaro a realidade, abominável; malhada há tempos.
Como num refluxo, jogo fora todo mal do mundo nas mãos dos deuses utópicos e dos políticos que, cinicamente, já não sabem se mentem ou se consentem.
Por fim, desvendo o oráculo que contradiz a existência; não o revelo a todos, porém afirmo ao sábio estúpido que se não temes o mundo jamais será profundo e seguirá confuso eternamente à marcha dos dementes que caminham imundos como porcos doentes.
É Rimbaud, há mais de 150 anos de sua morte, inspirando novas gerações. E isso não é pouco.