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Cada um no seu lugar

sexta-feira, 23 de abril de 2010 by Leila Franca


Hoje eu estava me lembrando de uma passagem de um dos livros de Carlos Castañeda, quando o índio bruxo mostra ao jovem Carlitos o cômodo vazio de uma casa abandonada no deserto e diz que sua missão naquele dia era encontrar o seu lugar naquele espaço. Sem mais detalhes, o índio partiu e o rapaz ficou a pensar no que significava aquela enigmática tarefa.

Monument Valley Navajo Tribal Park, East Mitten, UT, AZ

Sentou-se em vários pontos daquela sala vazia sem descobrir o que diferenciava um do outro. Ele se arrastou pela sala, sentando-se em cada centímetro quadrado daquele piso durante a noite inteira, sem descobrir coisa alguma. Por fim, o jovem adormeceu de exaustão sem cumprir a ordem do índio.

Border Patrol BORSTAR Team Searches for Dying Illegal Immigrants

No dia seguinte, quando o índio chegou, Carlitos tentou se explicar, mas para sua surpresa o bruxo lhe disse que ele havia tido êxito na missão. O seu lugar naquele espaço era exatamente onde havia adormecido. Só no seu ponto ele poderia ter relaxado o suficiente e dormir. Naquele ponto ele se sentiria bem e seria invencível. Mais tarde, Carlitos observou que cada índio, ao se aproximar de uma reunião procurava o seu próprio ponto.

Monument Valley Navajo Tribal Park, UT, AZ, USA

Fazemos isso intuitivamente quando nos sentamos sempre na mesma posição na mesa do jantar, numa sala de espera, em qualquer lugar. A cada vez que me sinto desconfortável ou inquieta em determinado ambiente penso na lição do índio e tento encontrar o meu lugar.

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Amigo ciumento

quinta-feira, 22 de abril de 2010 by Leila Franca


Tive um amigo que era muito ciumento. Ele não gostava de dividir minha atenção com outras pessoas, mas disfarçava isso, apesar de que dava pra ver direitinho o que estava acontecendo. Muitas vezes eu ficava brava com o comportamento dele, mas depois que passava, eu achava graça de tudo.

Hoje vou contar um caso que aconteceu num dos muitos verões que passei curtindo a praia. Eu e meu amigo inseparável. Onde eu ia, ele ia. Naquele verão fomos parar num lugar que tinha uma Prainha e uma Praia Grande. Eu gostava mais da Prainha, mas a coisa começou quando fui fazer um passeio nas areias sem fim da Praia Grande.

Man walking on beach

Eu estava caminhando sozinha pela areia. Não havia ninguém na minha frente até perder de vista. De repente, veio uma nuvem sei lá de onde, ficou tudo branco e choveu forte. Não dava pra enxergar nada! Comecei a correr pois tenho medo de raios. No meio da corrida vi se aproximar um rapaz, que olhou pra mim e sorriu. Pelo visto só haviam nós dois naquela praia inteira.

Gray Cloud Over Horizon

Na minha percepção, parecia que a chuva tinha "trazido" aquele rapaz, pois minutos antes não havia pessoa alguma ao redor. Foi simpatia mútua (ou amor?) à primeira vista. Sem dizer nenhuma palavra, ele estendeu a mão pra mim e corremos rápido pela praia, de mãos dadas.

Só depois que alcançamos os primeiros prédios da cidade e nos abrigamos numa marquise é que trocamos as primeiras palavras. Ele era um turista, assim como eu. Combinamos de nos encontrar à noite, no "point" da cidade. Eu voltei pra casa "flutuando" e encontrei... o meu amigo ciumento! Contei a ele minha experiência inusitada sob a chuva de verão e do encontro marcado para a noite. Fomos juntos.

Acho que todos os namorados que tive conheceram meu amigo ciumento... Alguns estranhavam sua presença constante, outros não se incomodavam. O rapaz que conheci no meio da chuva na praia não se incomodou. Na verdade, enquanto eu e meu amigo ciumento falávamos feito umas matracas, o rapaz que conheci na chuva era bastante calado, mas uma das coisas que falou, era que ele iria embora da cidade no dia seguinte.

Young couple embracing outdoors, smiling, close-up

Marcamos um encontro na rodoviária para nos despedir. Quando estava perto da hora, me arrumei o melhor que pude e fiquei esperando meu amigo ciumento terminar de se aprontar. Sim, porque ele também ia!

Nas nossas acomodações à beira mar, usávamos um banheiro improvisado que precisava que alguém ficasse por perto tomando conta, pois não tinha porta. Na hora da gente sair, ele disse que precisava ir ao banheiro e me pediu pra ficar lá tomando conta pra ninguém se aproximar.

Fighting Couple

Eu me sentei a uns 3 metros de distância e esperei. Esperei... esperei... esperei...

"Vamos embora!!! Acaba logo com isso!", gritei.

"Só um instante! Espera aí!", gritou meu amigo do banheiro.

Minutos se passaram....

"Anda logo, pô!!!!", gritei de novo.

"Já voooou!!!! "

Mais alguns minutos.... e nada...

"Se você não sair logo daí eu vou embora, heim!!!", ameacei.

"Nãããããão!!!! Já estou terminando!"

Fiquei uma fera de verdade! E já tinha me levantado pra sair dali quando ele veio correndo do banheiro e fomos enfim pra rodoviária.

Quando chegamos lá, o ônibus já tinha ido embora...


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Gentileza de estranhos

sábado, 3 de abril de 2010 by Leila Franca


Eu saí depois do almoço pois precisava comprar um presente de aniversário. Deixei o carro estacionado numa rua tranquila e fui até o banco retirar algum dinheiro. Depois saí andando pelo calçadão mergulhada em pensamentos. Estava raciocinando a cerca de um problema de difícil solução e nem reparei que estava me distanciando do carro. Eu tinha planejado ir ao shopping, mas entrei num supermercado.

Acabei encontrando o presente que eu queria no setor de brinquedos e já ia pagar quando vi uma pilha enorme de edredons em oferta. Escolhi um cor de rosa florido e fui para a fila do caixa com aquele embrulho gigante. Obviamente o edredom não cabia em nenhuma bolsa de supermercado. "Vá até o SAC que vão te dar uma bolsa grande", me disseram.

Woman Shopping

Fui até o SAC, onde haviam duas atendentes olhando o computador e um cliente sentado esperando. Falei da bolsa e logo uma das garotas veio trazendo a bolsa dobradinha. Para a minha surpresa, o cliente que estava sentado se levantou e pegou a bolsa primeiro. Com um movimento rápido, desdobrou a bolsa enorme, colocou meu embrulho dentro dela e me entregou. "Obrigada!", exclamei encantada com a gentileza.

Mas eu havia esquecido de comprar papel de presente e não ia entrar novamente no supermercado para fazer isso. Em alguma lojinha por ali devia ter. Entrei numa tabacaria para comprar cigarro e aproveitei pra perguntar à balconista se vendiam papel de presente. Até mostrei o brinquedo que havia acabado de comprar. "Não, não vendemos... mas espere aí." A mulher foi no fundo da loja e voltou com uma folha grande de um lindo papel de presente.

Eu pensei que ela fosse enrolar a folha em canudo e me vender, mas ao invés disso ela pegou a caixa com o brinquedo das minhas mãos e fez um embrulho lindo e caprichado! "Quanto é?", perguntei. "Não é nada!", disse ela com um sorriso.

Close-up of a gift

Fiquei até emocionada. Duas gentilezas seguidas, por parte de dois estranhos que nunca me viram na vida. Eu lembrei do livro "Ilusões" de Richard Bach, onde ele diz que raramente as pessoas de uma mesma família vivem sob o mesmo teto. Nossa verdadeira família, nossos irmãos, se encontram espalhados por este mundo. Às vezes acontece deles terem conosco laços sanguíneos, outras vezes não há isso. Nos encontramos brevemente ou em episódios esparsos. Temos muita sorte quando permanecem junto de nós.


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Tem gente que faz tudo devagar...

sexta-feira, 2 de abril de 2010 by Leila Franca


Francamente, não sei se sou eu que faço tudo correndo ou se tem muita gente que faz tudo devagar... Essa semana tinha de fazer mil coisas e pra começar precisava chegar rápido ao banco, mas logo de saída peguei um sinal fechado. Só havia um carro na minha frente, mas quando o sinal abriu, o cara ficou lá parado... Dei um leve toque na buzina e finalmente ele começou a se mover.

Close up of a red 'stop' traffic light

Não havia ninguém na rua até perder de vista, mas o motorista adiante andava a menos de 40 km/h. A pista estreita de mão dupla estava movimentada no sentido contrário. Não dava para eu ultrapassar. "Mas que sujeitinho!" Ainda bem que eu ia dobrar à direita! Mas quando coloquei a seta, vi que o cara colocou também!!!

Quando faltava uns 30 metros para virar à direita, ele foi reduzindo mais ainda sua velocidade. Uns dois metros antes de virar a curva, quase parou! "Caraaaaaaaaaaaaaaca!!!" - eu gritei dentro do carro! Já estava quase batendo na traseira do sujeito!

a young female driver stuck in traffic jam

Ainda teve um quebra-mola antes de eu virar a esquerda e me ver livre da lesma. Mas minha alegria durou pouco. Na minha frente, na rua estreita atrás do hospital, um carro parado no meio da rua e o motorista conversando com um pedestre. Parei atrás dele e vi que um pediu um cigarro para o outro, fazendo um gesto com os dois dedos em "V". O pedestre começou a mexer nos bolsos procurando os cigarros... "Mas que cara de pau!" Buzinei bem alto. O cara andou. Em seguida, mais um sinal fechado."É hoje que não chego em lugar nenhum!"

Close-up of a human hand pressing the horn of a car (blurred)

Naquela rua cabem dois, mas os carros faziam fila única e desengonçada bem no meio. Fui pelo cantinho da direita, quase subindo no meio fio e passei a frente de todo mundo. "Pooooooooooô! Até que enfim!" Mas minha alegria durou pouco. Logo em seguida tinha um radar. Lá fui eu em terceira, a menos de 40 km/h...

Saí da cobertura do radar e "voei" até a primeira curva à esquerda, onde um carro estava saindo de cima da calçada de ré bem na minha frente. Tive que parar. Ele seguiu em frente, devagar... Era um carro novinho, prata. Mas ia lentamente pelo meio da rua. Não adiantava tentar ultrapassá-lo pela direita, pois tinha um caminhão parado logo à frente. Fui atrás do "bonitão". Assim que passamos o caminhão, lá fui eu ultrapassando pela direita, mas o sinal fechou.

Traffic cones, close-up

Assim que o sinal abriu, saí correndo, mas avistei cones laranja e os garis cortando a grama do canteiro da direita. À esquerda um carro saía do posto de gasolina, devagar. Tive que fazer um "S" ao contrário e passei a frente de todo mundo. Finalmente sinais abertos e as pessoas atravessando na frente dos carros assim mesmo. Liguei o farol alto e os pedestres correram pra calçada.

Estacionei, fui no banco (vazio!) e fui carregar o cartucho da minha impressora. A garota me olhou com cara de sono e perguntou: "Vai esperar?"


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O encontro

quinta-feira, 1 de abril de 2010 by Leila Franca


Na época do colégio, como todas as meninas, eu também tinha minhas amigas inseparáveis e também éramos as "meninas superpoderosas", que sempre existem em qualquer lugar, em qualquer tempo.

Éramos tão unidas que fazíamos tudo juntas. Estudávamos na mesma escola, na mesma turma, fazíamos parte do mesmo grupo bandeirante, íamos às mesmas festas, mesma praia e trocávamos confidências. Sabíamos de tudo umas das outras. Durante anos a fio foi assim.

Teenage girl (16-18) and two young women eating dessert, close-up

Muitas vezes pensávamos no futuro, no nosso futuro como amigas. Tentávamos imaginar o que iria nos separar. O que o futuro nos iria reservar. Não queríamos nos afastar nunca, embora desconfiássemos que isto tinha grandes chances de acontecer.

Pensando nisso, uma noite em que todas foram dormir na minha casa porque no dia seguinte faríamos uma viagem, decidimos fazer alguma coisa concreta em relação ao nosso futuro. Resolvemos marcar um encontro num futuro distante.

Aquele dia eu me lembro perfeitamente: era o dia 4 de setembro de 1972. E por que eu lembro? Porque nós marcamos um encontro para 20 anos depois daquela data. É isso mesmo! Marcamos um encontro para o dia 4 de setembro de 1992. Os 20 anos seguintes passamos lembrando umas às outras deste encontro. É por isso que nunca pude esquecer.

Two young women sitting outdoors by shop, smiling

Na verdade, isso foi muito divertido. Uma diversão de 20 anos de duração. Foi divertido planejar o encontro naquela noite e lembrar dele durante duas décadas. Onde iríamos nos encontrar? Que lugar iria resistir sem fechar, ser demolido, falido, transformado em 20 anos? Decidimos pelo aeroporto internacional. Ninguém iria fechar um aeroporto, destruir ou demolir. O aeroporto internacional do Rio de Janeiro não iria mudar de lugar em 20 anos! Foi o que pensamos.

Em seguida, redigimos uma carta com cópia para cada uma de nós onde firmávamos o trato. No dia 4 de setembro de 1992, às 8 horas da noite, nos reuniríamos no restaurante do aeroporto internacional!

Eu, Mírian, Sonny, Tânia, Mary, Ana Cristina, Lúcia e Gelita tratamos de guardar nossas cartas bem guardadas. Mas a cada vez que escrevíamos bilhetinhos umas às outras, por mais bobos que fossem, havia sempre um PS: Não se esqueça do dia 4 de setembro de 1992!

Students in Hallway

Até pelo menos 1976 nós ríamos às gargalhadas do que poderia acontecer neste encontro. Achávamos que tudo iria ser super diferente daquela nossa realidade. Estaríamos ricas, pobres, gordas, famosas? Estaríamos todas vivas? O que iria acontecer? Imaginávamos também o contrário: talvez não aconteça nada e uma passe na casa da outra de bicicleta para irmos de ônibus ao aeroporto... Como se nada fosse mudar.

Mas a vida é incrível... A partir de 1980 começamos a nos separar, embora não perdêssemos o contato. Nos víamos raramente, mas o dia 4 de setembro de 1992 sempre era lembrado. E assim, aos poucos, cada uma foi se mudando para longe. Sonny foi para os Estados Unidos, Lúcia para a França, Mírian para Salvador... até que sobrou apenas duas de nós no Rio de Janeiro.

Mother and daughter (12-13) taking picture of themselves

O inesperado também aconteceu. O aeroporto internacional - para nós imutável, mudou de lugar! Como isso foi acontecer??? Antes havia apenas o Aeroporto Internacional do Galeão. Pois tiveram a audácia de construir o Aeroporto Tom Jobim para tumultuar nosso encontro! Jamais poderíamos imaginar que um aeroporto fosse mudar de lugar!

Mas enfim, o dia 4 de setembro de 1992 chegou mais rápido do que jamais poderíamos supor. Acredito que a própria ideia do encontro nos manteve unidas. Nunca ficamos sem contato. Entretanto, estávamos fisicamente distantes, em outras cidades, países, impedidas pelo trabalho de nos deslocar. Por isso, o encontro aconteceu por telefone. Todas nós tivemos a sensação de que já havíamos nos divertido o suficiente por conta daquela data. Neste caso, os preparativos foram muito melhores que a festa.

Smiling Girl on Cell Phone

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