Would-Be-Goods | The Camera Loves Me | CD | él | 1987Anos atrás, na época que publiquei essa entrevista no meu fanzine Esquizofrenia, dava uma certa angústia em saber que poucos leitores conheciam o Would-Be-Goods, e quem quisesse conhecer essa maravilha teria que pagar preço de CD importado inglês para conseguir ouvir. Muitas vezes me sentia escrevendo pra mim mesmo. O que obviamente não me desmotivava nem um pouco. Como alguns já sabem, desde começo dos anos 90 sempre escrevi um monte. Sempre sobre artistas independentes. Sempre sobre aquilo que eu realmente gosto. Abaixo segue um exemplo, com a vantagem de que agora, quem quiser ouvir, é só pegar o arquivo acima. Essa entrevista foi feita por e-mail e publicada no começo dessa década.
Would-Be-Goodsentrevista
Brasileiros conhecem a él Records através da “London Pavilion volume 1”, compilação lançada pela Stiletto no final dos 80. Hoje você encontra esse LP facilmente nos sebos pela bagatela de dois reais (em média). Item obrigatório para fãs de P!O!P! sofisticado, inteligente, exótico, divertido e diferente. Contém 14 bandas, as prediletas são King of Luxembourg, Always, Gol Pappas, Louis Philippe, Bid, Anthony Adverse e outros. Os Would-Be-Goods só foram aparecer no volume 2 de “London Pavilion” (essa infelizmente nunca lançada no Brasil).
Confesso ser completamente obcecado pela él Records. O choque ao ouvir as bandas da gravadora foi grande, pois nenhuma se encaixa no rótulo indie puro e simples. É muito mais complexo que isso. A variedade de estilos musicais presentes do catálogo da él Records é encantador. O mais impressionante é que tudo isso junto faz muito sentido. Ao ouvir artistas que vão do pop sofisticado de Louis Philippe ao jangle pop de James Dean Driving Experience, algo certamente acontece. Nunca tantas portas foram abertas e tantos preconceitos foram perdidos.
Mas nem sempre foi assim.
Na época que estava em atividade, a él Records foi completamente ignorada por TODOS. A mídia os ridicularizava, o público não os entendia. A salvação veio com os japoneses, sempre prontos para consumir a vanguarda musical mundial com muito bom gosto. Él Records fez – e provavelmente ainda faz – mais sucesso no Japão do que na própria Inglaterra. Mas nada disso adiantou. Depois de 45 singles e pouco mais de 20 álbuns, a gravadora entrou em bancarrota. Falência total. Isso em 88.
O homem responsável pela él Records se chama Mike Alway. Hoje ele é conhecido pelas coloridas capas da Poptones, mas na época ele era um ser meio excêntrico e enigmático, que não revelava os nomes por trás das diversas bandas, ocasionando um mistério e magia ao redor de tudo relacionado a él. Cada pessoa interpretava a gravadora a sua própria maneira. Quando adquiri “London Pavilion”, ficava imaginando como seriam as pessoas por trás daquelas bandas que nunca tinha nem ouvido falar. Os seres mais bizarros e freak faziam parte desse meu imaginário, aonde todos se reuniam para apreciar caríssimos vinhos e ouvir música clássica, bossa nova e indiepop. Nessa brincadeira surgiam as canções.
Sempre imaginei que o Would-Be-Goods fosse somente as duas garotas que aparecem na capa do “The Camera Loves Me”, brilhante debut álbum lançado em 87. Um ledo engano. Na verdade esse disco foi tocado todo pelo Monochrome Set. E somente Jessica quem faz os vocais. Aliás, o Would-Be-Goods na verdade é só ela! Fiquei chocado quando descobri, obviamente. Em 2002 foi lançado “Brief Lives” (Matinée), disco que marca a volta de Jessica Griffin à música. Melhor oportunidade para entrevistá-la e saber um pouco mais sobre a él e o próprio Would-Be-Goods não existe.
Esquizofrenia: Qual era a melhor e a pior parte de estar na él Records?Jessica Griffin: A melhor parte de estar na él era poder estar em diversos shows em Londres e Tóquio, além de poder conhecer Simon Turner e Louis Philippe. A pior parte foi quando a él acabou, pois nós – as bandas – estávamos embalados em tanto mistério, que as pessoas pensavam que éramos uma invenção da fértil imaginação de Mike Alway!
Esquizofrenia: Hoje em dia você tenta recuperar essa áurea enigmática? Algumas letras falam de mistérios, pessoas ricas e estranhas, em geral são povoadas por caracteres bastante curiosos.Jessica: Eu não tento ser enigmática, mas também não gosto de ser muito aberta sobre minha vida pessoal. Se eu escrevo sobre minha própria vida e experiências, eu disfarço tudo muito bem.
Esquizofrenia: Porque todos esses anos para voltar a compor música?Jessica: Eu estava muito ocupada com outras coisas e perdi contato com todo mundo que eu conhecia do mundo musical. Ocasionalmente eu tinha idéias para canções, mas não me preocupava em fazer nada além de cantá-las numa cassete. Aí, questão de seis anos atrás, eu comecei a aprender guitarra, o que me deixou livre para fazer toscas demo tapes para mim mesma. Um dia eu toquei essas canções pro Peter e ele sugeriu que gravássemos juntos.
Esquizofrenia: Como é tocar com Peter Momtchiloff? (NdoE: ele já foi do Talulah Gosh, Razorcuts, Heavenly etc)Jessica: Eu amo o jeito de tocar de Peter e nossas idéias musicais são bem compatíveis. Ele me tranqüiliza bastante quando vamos tocar ao vivo, pois isso ainda é uma experiência nova para mim, e eu admito que me sinto muito mal e nervosa antes dos shows, mas ele sempre está bem relaxado!
E: Você tem medo do palco?Nós fizemos nosso primeiro show em Abril de 2001 – só Peter no baixo e eu nos vocais e guitarra. Eu estava completamente apavorada! Agora nós temos Debbie Green na bateria e Lupe Nunez-Fernandez no baixo, além de Peter na guitarra principal; está bem melhor assim.
E: Suas gravações dos anos 80 foram feitos com o Monochrome Set, certo? Existe a possibilidade de gravar algo com eles novamente, em especial com Bid, já que ele continua compondo, sob nome de Scarlet’s Well?J: Eu ainda tenho contato com o Bid e admiro bastante os discos do Scarlet’s Well, mas não existem planos da gente tocar juntos. Orson Presence, membro original do Monochrome Set, tocou no último álbum “Brief Lives” e eu espero que ele trabalhe com a gente de novo.
E: Como você compõe as canções? É só você ou existe na hora uma banda por trás? Quais instrumentos você toca?J: Eu escrevi todas as canções em “Brief Lives”, do EP “Emmanuelle Beart” e do single “Sugar Mummy”, exceto pela “Vivre Sa Vie, que foi feita por Peter Momtchiloff. Nós não compomos juntos. Ao vivo, eu toco guitarra rítmica quando estamos com banda e violão nos canções calminhas.
E: Como anda a receptividade da mídia em relação ao novo álbum? Você acompanha a imprensa musical inglesa?J: Eu não leio mais a imprensa musical inglesa, a não ser ocasionalmente a Mojo. Nós tivemos poucas resenhas do novo álbum – a melhor de todas foi na Guardian, onde nos deram 5 de 5. As revistas eletrônicas na internet tem nos dado muito mais atenção que a imprensa musical tradicional, talvez porque elas tendem a se concentrar em determinados gêneros musicais.
E: Você tem um emprego ou dá pra viver com o lucro que o Would-Be-Goods proporciona? J: Que lucros? Eu nunca ganhei muito dinheiro com os Would-Be-Goods! Eu já tive diversos empregos, incluindo jornalista de moda, editando livros para editoras e há muito tempo eu fiz alguns investimentos no mercado japonês.
E: E o que você acha dessas bandas que voltam só pelo dinheiro?J: Eu acho que isso não se aplica para nenhuma banda indie!
E: Quais são seus artistas favoritos?J: Eu escuto todos tipos de música, geralmente mais as antigas do que novas. Eu tenho uma tendência de me tornar obsessiva em relação e alguns artistas e discos por um tempo, aí movo para qualquer outra coisa e assim vai indo. Minha última obsessão foi com Jelly Roll Morton, depois de ler o maravilhoso livro “Mister Jelly Roll”, de Alan Lomax! Eu gosto muito de música latina também: Eddie Palmieri e Willie Colon, especialmente. Das atuais, gosto muito do Magnetic Fields e do Broadcast.
E: O que deverá acontecer com o Would-Be-Goods no futuro?J: Eu espero que nós façamos mais alguns shows e toque em lugares diversos fora da Inglaterra. Semana que vem nós vamos para os Estados Unidos para fazer alguns shows. Nós estamos gravando algumas coisas novas também.