O perneta
Quem te disse que isto é terra firme?
Acenou-te com a ilusão do porto distante.
Quem te disse que isto é o norte?
(risos)
Quem disse que isto era
Aquilo que nunca foi?
O mesmo que disse que seria
Tudo o que nunca veria.
Corre, corre, perneta corre.
Fora os trilhos, queimam-se os mapas,
Perneta corre, corre, corre.
Seja a cegueira a tua guia,
Foge, foge, perneta foge!
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Manifesto XXXII
veneno
acorda-se sem vontade,
no quarto de janelas sujas,
vagarosos passos de encontro ao armário,
cabides ostentando vestes gastas,
presos ao capote que descobre
as brumas que descem ao piso,
viciados nas imagens baças
dos espelhos cansados,
ousaram em tempos construir
belas torres de branco marfim,
desejaram outrora sentar
em poltronas de veludo carmim,
fogem do sonho,
atrás, a mudez
fogem do desejo,
à frente, a reticência
Fotografia de Man Ray, The Tragic Necklace, July, 1930
acorda-se sem vontade,
no quarto de janelas sujas,
vagarosos passos de encontro ao armário,
cabides ostentando vestes gastas,
presos ao capote que descobre
as brumas que descem ao piso,
viciados nas imagens baças
dos espelhos cansados,
ousaram em tempos construir
belas torres de branco marfim,
desejaram outrora sentar
em poltronas de veludo carmim,
fogem do sonho,
atrás, a mudez
fogem do desejo,
à frente, a reticência
Fotografia de Man Ray, The Tragic Necklace, July, 1930
sábado, 28 de agosto de 2010
Desconhecido
I
Um mês
E outros mais,
Incontáveis.
Estão os lençóis dobrados,
Descansando sobre uma cama vazia.
Oscilam os cabides do corpo,
Esquecidos da carne que os vestiu.
Tenteia a língua o céu da boca,
Seca do sangue sumido nas traves do chão.
II
Outro mês
E um mês mais,
Imensuráveis.
E hoje que acordei,
Sem vontade de ter vontade,
Com desejo de não desejar.
E hoje que acordei,
Sem o teu corpo cá,
Com o meu corpo cá.
E hoje que acordei,
Com o espelho partido,
Sem sentido de um reflexo qualquer.
III
Deite-se o Homem,
Que as ondas já se arrastam,
Pelas línguas do tempo.
Deite-se o Homem,
Enquanto desenha a espuma,
Os olhos no sargaço.
Deite-se o Homem,
A enxada cobre as pedras,
Com a areia do tempo.
Um mês
E outros mais,
Incontáveis.
Estão os lençóis dobrados,
Descansando sobre uma cama vazia.
Oscilam os cabides do corpo,
Esquecidos da carne que os vestiu.
Tenteia a língua o céu da boca,
Seca do sangue sumido nas traves do chão.
II
Outro mês
E um mês mais,
Imensuráveis.
E hoje que acordei,
Sem vontade de ter vontade,
Com desejo de não desejar.
E hoje que acordei,
Sem o teu corpo cá,
Com o meu corpo cá.
E hoje que acordei,
Com o espelho partido,
Sem sentido de um reflexo qualquer.
III
Deite-se o Homem,
Que as ondas já se arrastam,
Pelas línguas do tempo.
Deite-se o Homem,
Enquanto desenha a espuma,
Os olhos no sargaço.
Deite-se o Homem,
A enxada cobre as pedras,
Com a areia do tempo.
Manifestos XXXI
Self-service
come capim,
agora que a erva que sugavas
amareleceu por fim entre os dentes,
bebe lodo,
esses dedos tortos em concha
carregam a sujidade dos interstícios,
inspira pó,
o mar calou-se de dizer,
deixa a rocha cerrar o tempo no peito
come capim,
agora que a erva que sugavas
amareleceu por fim entre os dentes,
bebe lodo,
esses dedos tortos em concha
carregam a sujidade dos interstícios,
inspira pó,
o mar calou-se de dizer,
deixa a rocha cerrar o tempo no peito
sábado, 21 de agosto de 2010
Manifesto XXX
Naufrago
arquearam as pernas
da espera solitária,
horas a fio na linha de areia,
secaram-se as lágrimas
do suor do desejo,
perdido no horizonte,
cegou-se o beijo
nas dunas destruídas,
ao sabor do vento
sangrou-se o sonho
no relento da noite,
calaram-se as estrelas,
que se apague o som do teu nome
arquearam as pernas
da espera solitária,
horas a fio na linha de areia,
secaram-se as lágrimas
do suor do desejo,
perdido no horizonte,
cegou-se o beijo
nas dunas destruídas,
ao sabor do vento
sangrou-se o sonho
no relento da noite,
calaram-se as estrelas,
que se apague o som do teu nome
Pedradas VI
Hora da partida
um, dois, três,
ora vamos lá contar,
pelos dedos da mão direita,
uma gaivota malhada,
duas gaivotas malhadas,
três gaivotas malhadas,
quatro gaivotas malhadas,
(bocejo e adormeço)
nunca chegam os dedos,
faltam as mãos, tapam-se os pés
(adormeço e bocejo)
uma gaivota branca,
-Acorda!
um, dois, três,
ora vamos lá contar,
pelos dedos da mão direita,
uma gaivota malhada,
duas gaivotas malhadas,
três gaivotas malhadas,
quatro gaivotas malhadas,
(bocejo e adormeço)
nunca chegam os dedos,
faltam as mãos, tapam-se os pés
(adormeço e bocejo)
uma gaivota branca,
-Acorda!
Pedradas V
Restaurante
servidas as fatias frias de medo,
sobre polidas travessas latão,
ao senhor da mesa rectangular,
bebido o suor gotejante da noite
em copos de vidro fosco,
os cacos sobre a toalha adamascada,
brancas luvas retiram os talheres,
mira o senhor o espelho,
flutuante quimera,
(chegada é a altura de pagar a conta)
servidas as fatias frias de medo,
sobre polidas travessas latão,
ao senhor da mesa rectangular,
bebido o suor gotejante da noite
em copos de vidro fosco,
os cacos sobre a toalha adamascada,
brancas luvas retiram os talheres,
mira o senhor o espelho,
flutuante quimera,
(chegada é a altura de pagar a conta)
Manifestos XXIX
Tempo
seca a pele,
queimada ao som das linhas do vento,
traçando sulcos de dor
rebentam as veias,
jorram lágrimas de ruidoso silêncio,
agitam-se os fantasmas,
quebram-se os ossos,
com o odor do breu bafiento,
é só uma questão,
uma questão de tempo
Fotografia de Pedro Polónio, http://www.club-silencio.blogspot.com/
seca a pele,
queimada ao som das linhas do vento,
traçando sulcos de dor
rebentam as veias,
jorram lágrimas de ruidoso silêncio,
agitam-se os fantasmas,
quebram-se os ossos,
com o odor do breu bafiento,
é só uma questão,
uma questão de tempo
Fotografia de Pedro Polónio, http://www.club-silencio.blogspot.com/
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Pedradas IV
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Pedradas III
Uma vez ou Simplesmente
abrem-se as flores,
morrem as libélulas,
desprendem-se as rochas,
saboreia-se o fruto,
apodrece o pão,
cheira-se o mar,
bebe-se o bolor,
cai-se contra os joelhos,
voa-se sobre nada,
abrem-se as flores,
morrem as libélulas,
desprendem-se as rochas,
saboreia-se o fruto,
apodrece o pão,
cheira-se o mar,
bebe-se o bolor,
cai-se contra os joelhos,
voa-se sobre nada,
Pedradas II
quer o gnomo fatiar o lodo, charcos envoltos em vapores de enxofre
patas assentes em pântanos de terra, seca sobre as nuvens cinzentas
quer o anão evaporar, cordilheiras de rochas soltas
asas libertas no céu de aço, sublimando aos tártaros
quer o poeta tinta para a pena, quando tinta não é o que lhe falta
patas assentes em pântanos de terra, seca sobre as nuvens cinzentas
quer o anão evaporar, cordilheiras de rochas soltas
asas libertas no céu de aço, sublimando aos tártaros
quer o poeta tinta para a pena, quando tinta não é o que lhe falta
Pedradas I
Como ficar?
Como ir?
Como chegar?
Onde se vislumbra o fim?
Onde se teve o inicio?
São as folhas que sobem, de encontro aos ramos?
Um dia há-de o mar beijar a nascente.
Uma semana hei-de ficar no baloiço,
até que os dias mirrem e se cansem as noites.
Como ir?
Como chegar?
Onde se vislumbra o fim?
Onde se teve o inicio?
São as folhas que sobem, de encontro aos ramos?
Um dia há-de o mar beijar a nascente.
Uma semana hei-de ficar no baloiço,
até que os dias mirrem e se cansem as noites.
Manifesto XXVIII
Salteador
mão direita na algibeira, bolso vazio,
mão esquerda oculta, segura-se o revolver,
olhos turvos de pó, limpa-se a alma com o lenço imundo,
ouvidos afiados, atenta-se no eco do pensamento,
todo o pano cobre a boca, os lábios que não sabem,
coxeia, coxeia
enfim, para a prateleira vazia que ocupas
mão direita na algibeira, bolso vazio,
mão esquerda oculta, segura-se o revolver,
olhos turvos de pó, limpa-se a alma com o lenço imundo,
ouvidos afiados, atenta-se no eco do pensamento,
todo o pano cobre a boca, os lábios que não sabem,
coxeia, coxeia
enfim, para a prateleira vazia que ocupas
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Manifesto XXVII
Perguntar, diz o povo, não ofende.
-Qual é o sito certo para se colocar um parêntesis?
(Provavelmente para colocar meia, ou até mesmo uma dúzia de palavras, soltas ou não)
-As palavras que se escondem entre esses sinais curvos não são muito importantes no texto onde nadam?
(Firmes muros de tinta, abrigando as letras que se temem, que nunca se dizem, nunca se dirão)
-Então? Quando devo de usar os parêntesis?
(Definitivamente, sem qualquer réstia de duvidas, quando a coragem apodreceu nas tuas entranhas)
-Qual é o sito certo para se colocar um parêntesis?
(Provavelmente para colocar meia, ou até mesmo uma dúzia de palavras, soltas ou não)
-As palavras que se escondem entre esses sinais curvos não são muito importantes no texto onde nadam?
(Firmes muros de tinta, abrigando as letras que se temem, que nunca se dizem, nunca se dirão)
-Então? Quando devo de usar os parêntesis?
(Definitivamente, sem qualquer réstia de duvidas, quando a coragem apodreceu nas tuas entranhas)
Manifesto XXVI
Saídas
Silêncio,
Cansei de te ouvir!
Memória,
Enjoei de tanto te sorver!
Respirar,
Rebentei de tanto evitar!
Ver,
Sujei as órbitas com o teu pó!
Sentir,
Vomito o teu odor!
-Sai!
(E saí)
Silêncio,
Cansei de te ouvir!
Memória,
Enjoei de tanto te sorver!
Respirar,
Rebentei de tanto evitar!
Ver,
Sujei as órbitas com o teu pó!
Sentir,
Vomito o teu odor!
-Sai!
(E saí)
Manifesto XXV
bocaDOS
o cheiro a azedo domina,
os cestos aguardam, vazios,
sobre o soalho, ressequidos vermes,
músculos abandonando os ossos quebradiços,
tendões lassos desistindo perante dias caleidoscópicos,
olhos vazos em lixo,
não há vento que sacie a sede,
não há mar que me abrace o peito,
não há punhal que trespasse a visão
lá longe, ao fundo
Fotografia de David Lynch
o cheiro a azedo domina,
os cestos aguardam, vazios,
sobre o soalho, ressequidos vermes,
músculos abandonando os ossos quebradiços,
tendões lassos desistindo perante dias caleidoscópicos,
olhos vazos em lixo,
não há vento que sacie a sede,
não há mar que me abrace o peito,
não há punhal que trespasse a visão
lá longe, ao fundo
Fotografia de David Lynch
domingo, 1 de agosto de 2010
Manifesto XXIV
Torre de vigia ou Nada a registar, registe-se
no alto abraça-se o frio,
sublimado no calor de uma qualquer cidade,
os binóculos estão cansados,
vidro arranhado pelas unhas dos pedintes,
o vento ficou suspenso,
entre conversas perdidas no passado,
não há carne que segure os ossos,
não se sente o sangue que lava os olhos,
não há boca que agrade a língua,
(contínua o frio)
Daqui: torre de vigia
Mensagem: o mesmo a registar
no alto abraça-se o frio,
sublimado no calor de uma qualquer cidade,
os binóculos estão cansados,
vidro arranhado pelas unhas dos pedintes,
o vento ficou suspenso,
entre conversas perdidas no passado,
não há carne que segure os ossos,
não se sente o sangue que lava os olhos,
não há boca que agrade a língua,
(contínua o frio)
Daqui: torre de vigia
Mensagem: o mesmo a registar
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