Chamavam-lhe Augusta "Maluca" e foi das poucas pessoas da aldeia a ultrapassar os cem anos, ainda que por pouco tempo.
Já muito curvadinha, aquilo que menos gostava era de depender dos outros, foi por isso que nunca deixou de viver na sua casa, que ficava ao lado da de um dos seus filhos. O mais curioso, é que apesar de se dizer raios e coriscos dela, sempre se deu lindamente com a nora, que a recorda com um misto de saudade e emoção, por ser uma daquelas mulheres que nunca deixou de dizer o que pensava, mesmo quando tal era quase proibido.
Por ter jeito para a costura, era muito procurada na aldeia para fazer vestidos e até fatos de homem, mesmo para gente que vivia fora. O seu humor, que se confundia com a "má língua", era conhecido por todos, mesmo que nunca falasse da vida de ninguém. Falava sim, da vida de todos, em geral. Mesmo sem ter qualquer noção política, sabia, e dizia, para quem a queria ouvir, que o mundo estava muito errado, nunca iria perceber porque é que uns tinham tudo e outros tinham nada.
Mas a sua coragem também era física. Não podia ouvir falar de padres e de religiões, porque na adolescência o padre da aldeia tentou colocar a mão onde não devia. Reagiu de imediato, dando-lhe um empurrão, deixando o padre caído no chão da igreja. No dia seguinte ele andava com o braço ao peito e cabeça baixa. Foi apenas mais uma das histórias da Augusta que correu mundo, e que foi exemplar para todas as jovens mulheres das redondezas.
Onde eu já vou e só queria falar de uma frase que lhe é atribuída, quando nas férias grandes, um dos netos estava triste, porque os pais de um miúdo da cidade tinham-no proibido de brincar com ele. Augusta não foi de modas e disse-lhe: «Não te preocupes filho, eles são ricos mas têm todos cara de parvos e pele cor de rosa como os porcos.»
Não sei se a frase correu mundo, sei apenas que chegou à minha cidade e nos deixou a todos com um sorriso no rosto.
Sempre existiram pessoas assim. Agora é costume dizer que "são fora da caixa", mas noutros tempos, eram apelidados de "malucos", por dizerem sempre o que pensavam, por muito que chocasse quem os rodeava.
Não é por acaso que, ainda hoje, quando se referem a esta Senhora, a tratam como a Augusta "Maluca"...
(Fotografia de Luís Eme - Sobreda)