sexta-feira, junho 30, 2017

Tentativa Fugaz de Regresso às Férias Grandes e a um País Rural Povoado de Cheiros e Cores...


Tínhamos prometido não falar dos incêndios nem de políticos suicidários. E não falámos.

Só que fomos traídos por uma terceira pessoa alheia às "nossas combinações"...

Olhámos um para o outro e assim que pudemos fomos mudando de assunto.

Foi a Rita que me transportou para uma parte considerável das férias grandes passadas na aldeia dos avós maternos (só escapavam os 15 dias de praia habituais, nos primeiros anos em Salir do Porto e Baleal e depois na minha Foz do Arelho...).

Aldeias sem água canalizada, com a luz eléctrica a não chegar a todas as casas e sem saneamento e até casas de banho...

Embora sempre me lembrasse da casa da avó com luz eléctrica (foi das primeiras pessoas da aldeia a ter esta modernidade, graças ao tio Zé, electricista...), adorava visitar de noite a casa dos Antunes, ainda iluminada pelos candeeiros de petróleo, por todo aquele jogo de sombras digno de qualquer palco, desde os corpos que se agigantavam nas paredes aos rostos que quase se tornavam fantasmagóricos, por serem iluminados por pontas.

O mais curioso é que todos tínhamos boas memórias do campo, que cheirava muito mais a liberdade que as praias (cheias de histórias de "fundões" e "correntes assassinas"...).

Claro que a terceira pessoa era insistente e daí a nada lá estava ela a dizer que as fazendas agora era mato e era por isso que o país ardia tanto no Verão.

Eu e a Rita ainda fizemos mais um esforço, inglório, para mudar de conversa, mas apareceram mais duas pessoas e como estavam com uma vontade terrível de colocar uma corda no pescoço no pretenso líder da oposição, fomos fingindo que ouvíamos ao mesmo tempo que trocávamos olhares de cumplicidade...

(Óleo de August Macke)

quarta-feira, junho 28, 2017

Memórias com Joelhos, Braços e Frutos Proibidos...


Quando a senhora disse que agora se via pornografia na televisão a toda a hora, pensei que estava um pouco equivocada.

Mas com o adiantar da conversa percebi que não. Pelo menos no seu ponto de vista.

Ela era do tempo em que sair de casa com uma saia ou um vestido acima do joelho, era um desafio perigoso para qualquer mulher, ou então mostrar a brancura dos braços na rua...

Parece que tudo isso, tão vestido, era excitante e prometedor, num país que nem sequer conhecia muito bem a palavra liberdade.

Poderia dizer-lhe que no ano que ela nasceu já havia mulheres que posavam nuas, umas para fotógrafos outras para pintores.

Não faltam por aí exemplos de esculturas e quadros com nus. Claro que com as fotografias, as coisas funcionavam de uma forma um pouco diferente. Um retrato de um nu feminino, mesmo sem ser integral, era "uma revista pornográfica".

Ela continuou a desviar as histórias da sua vida. Passou por tudo, desde o tomar banho na praia quase toda vestida ao topless dos nossos dias... E até se lembrou que o beijo na rua dava direito a uma multa.

Foi por isso que insistiu que agora tudo perdeu a graça. Já não há frutos proibidos... 

(Fotografia de Alfred Cheney Johnston)

terça-feira, junho 27, 2017

A "Farsa" da Transmissão do Espectáculo de Solidariedade...


Não achei nenhuma piada que um concerto musical de solidariedade tenha sido transformado num programa televisivo, de entretenimento, em que as grandes "vedetas" foram os apresentadores de cada canal, cabendo aos músicos e cantores quase o papel de "marionetas".

Nem se pode falar em novidade. Dias antes as "vedetas televisivas" já tinham utilizado a tragédia dos três concelhos do distrito de Leiria, para brilharem e para somarem horas e horas à frente das câmaras, em directos, como se fossem os "ronaldos" das notícias da "têvê".

Estes exemplos fazem com que me identifique cada vez mais  com a crónica de António Guerreiro, publicada no jornal "Público" a 20 de Junho, um dos melhores retratos desta gente que perde a alma, com um microfone na mão e uma câmara de televisão à sua frente, utilizada sobretudo como espelho.

Quando ele escreveu: «A violência é inominável e a televisão torna-se patética: porque quer mostrar o pathos, dê por onde der; porque exibe a estupidez na mais elevada expressão. Devemos novamente perguntar: a que coerção estão submetidos os jornalistas para que aceitem o papel de idiotas? Ou fazem-no voluntariamente? Os jornalistas tornam-se então indivíduos ávidos, paranóicos, como os amantes que não se satisfazem com um simples “amo-te”. Desconfiados com a declaração tão lacónica, achando que o amor é uma imensidão que precisa de se dizer com mais palavras, perguntam: “Amas-me como?” E o outro responde: “Amo-te como se fosses o mais doce dos frutos.” E aí começa um encadeamento de estereótipos. Assim são os jornalistas munidos de microfones e de câmaras: não desistem de querer extorquir as palavras e a alma aos seus interlocutores; não deixam de querer arrancar testemunhos a gente moribunda ou a viver a experiência dos limites.» Diz quase tudo... até deste espectáculo que foi apresentado como um só, para depois ser "montado" por cada uma das estações de televisões, como uma peça sua, de preferência "melhor que a da vizinha".

Só faltou a todas estas "vedetas" dizerem que o dinheiro que os portugueses foram doando ao longo da noite, tinha sido angariado graças a eles (mas como ainda não acabou o "espectáculo", ainda pode acontecer...), os "heróis da noite mágica".

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, junho 26, 2017

A Nova "Lisboa Pombalina"...

Ontem ao fim da tarde fiquei parado a olhar para Lisboa, na companhia de uma amiga especial.

Não foi difícil de percebermos que éramos os únicos portugueses sentados numa das esplanadas ribeirinhas. Conspirámos um pouco, dissemos entre outras coisas, que talvez as pessoas estejam fartas de toda esta gente que gosta de fazer perguntas em inglês e que quer levar além da resposta, um sorriso português.

Depois batemos palmas ao Costa e ao Medina por terem feito um belo trabalho nas margens do Tejo. Além de  terem aproximado o rio das pessoas, deram espaço para toda esta febre turística que aproveita da melhor maneira toda esta nova "centralidade" que se ganhou. 

Exagerámos um pouco, mas depois de fazermos contas, concluímos que quase que se pode caminhar a pé do Terreiro do Paço até Belém, rente ao rio...

O "caos" acontece mais em Alfama, que tem agora "santos populares" quase diariamente...

(Fotografia de Luís Eme)

domingo, junho 25, 2017

Lisboa não Sejas Inglesa...

Há um fado, penso que cantado pela Amália, em que o poeta escreveu, em jeito de pedido, para Lisboa não ser francesa.

Muitos anos depois, há poucas dúvidas que a língua inglesa começa a ameaçar a portuguesa, na luta pelo "ceptro" do principal dialecto da Capital.

Foi um amigo que me falou sobre esta "invasão" linguística, depois de uma moçoila se ter aproximado de nós e perguntar se sabíamos falar inglês. Dissemos quase em coro, que não, ironia das ironias, em inglês, o que no mínimo deve ter deixado a jovem a pensar...

Foi então que ele disse que mais de 90% das pessoas que encontrávamos nas ruas da Baixa Lisboeta eram estrangeiras. E que o Português já há uns tempos que deixara de ser a língua oficial por ali. 

Sorrimos os dois, mas é uma daquelas coisas que pode dar para rir, mas não deixa de dar também que pensar.

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, junho 24, 2017

Gostar de Liberdade e Abominar a Censura...


Há algum tempo que não era confrontado com um comentário anónimo nos meus blogues. Aconteceu ontem.

Não tive muitas dúvidas no que fazer. Só há duas razões que me impedem de  publicar comentários anónimos: serem ofensivos ou estarem completamente fora do contexto do que se pede para ser comentado.

Para mim um "anónimo" é ninguém. É alguém que tem medo de ser livre, tem medo de assumir aquilo que lhe vai na alma.

E é isso que faz com que continue sem perceber por que razão as pessoas se refugiam na anonimato para expressarem os seus pontos de vista, mesmo que sejam diferentes dos nossos. E é também por isso que não respondo a comentários anónimos.

Isso chama-se liberdade de expressão e era muito bom que se praticasse mais no nosso país, com coragem e seriedade, sem este hábito "pequenino" de se encherem as caixas de comentários dos jornais, de blogues e das redes sociais de "lixo".

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, junho 22, 2017

Publicidade Obscena

Quando vi esta página de publicidade (paga) no maior jornal português ("Expresso"), pensei logo em guardá-la. Achei-a tão pertinente como polémica, por ser notoriamente mais um produto da "pós-verdade".

Compreendo que a Celpa (Associação da Indústria Papeleira) faça o seu papel e defenda os interesses dos seus associados. Já não compreendo que ninguém questione o conteúdo da publicidade, até por ser "enganosa", para não lhe chamar outra coisa. Muito menos que eles se assumam como "a economia portuguesa"...

Nem vou sequer abordar o facto da indústria da celulose ser o sector que retira mais dividendos dos incêndios (a par dos vendedores de equipamentos para bombeiros e das empresas que alugam helicópteros e aviões...). Vou sim questionar: como é possível um país pequeno e sem grandes recursos, gastar todos os anos milhões de euros no combate aos incêndios (muitas vezes mais do que gastaria em prevenção...), com a complacência de todos os partidos com assento parlamentar e até da Europa.

É por isso que espero que o que aconteceu às 64 vítimas do maior incêndio de que se tem memória no nosso país, signifique finalmente um ponto de viragem na política seguida pelos nossos governos, quer no ordenamento do território, quer num melhor aproveitamento dos solos agrícolas e florestais de Norte a Sul.

quarta-feira, junho 21, 2017

Um Homem Maior que o País (mesmo assim não é ouvido por quem de direito...)


Se há coisa que me faz confusão é o facto de nos últimos 40 anos, quase ninguém ter dado ouvidos à pessoa que melhor tem defendido o país em termos ambientais, sempre com propostas e respostas assertivas. Falo do arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que o site da "Visão" recuperou com grande sentido de oportunidade, uma sua entrevista realizada no Verão de 2003, em que ele diz coisas como:

«(incêndios) A grande causa é um mau ordenamento do território, ou seja, a florestação extensiva com pinheiros e eucaliptos, de madeira para as celuloses e para a construção civil. O problema foi uma má ideia para o País, a de que Portugal é um país florestal. Lançou-se a ideia de que, tirando 12% de solos férteis, tudo o resto só tem possibilidades económicas em termos de povoamentos florestais industriais.»

«Houve toda uma política de desprestígio do mundo rural tendo por base a ideia de que era inferior ao mundo urbano. Despovoámos os campos e essa gente toda veio para a cidade. Hoje, enfrenta o desemprego. Esqueceram-se que o homem do futuro vai ser cada vez mais o homem das duas culturas, da urbana e da rural. Hoje, 30% das pessoas que praticam a agricultura económica na Europa não são agricultores. É gente que vive na cidade, tem lá o seu escritório e tem uma herdade no campo onde vai aos fins-de-semana. A expansão urbana aumenta e não podemos viver sem a agricultura senão morremos à fome.»

«Defendi uma regionalização há muito tempo, que deu origem a um documento de que os grandes partidos fizeram muita troça. Dividia o País em cerca de 30 regiões naturais, áreas de paisagem ordenada, que estavam já organizadas histórica e geograficamente.
São as terras de Basto, as terras de Santa Maria, as terras de Sousa, a Bord'água do Tejo, etc. O País é isso e não é outra coisa. Esta regionalização podia contribuir para a efectivação dos planos de ordenação da paisagem, com uma participação democrática das respectivas populações.»

Muito do que Ribeiro Telles diz quase todos sabemos, mas nunca se viu um único ministro ou secretário de Estado, a seguir as suas palavras... - alguns até são capazes de mudarem de passeio se o encontrarem na rua. Ou seja, andamos há décadas a destruir o nosso país, sem que quem exerce o poder, faça o que lhe compete: defender a natureza e o ambiente.

(Fotografia de autor desconhecido)
                                            

terça-feira, junho 20, 2017

Somos Quase Sempre Mais Esquecidos do que Devemos...


Não foi só agora que reparei, que o tempo passou por ele, e nunca foi bafejado por nenhuma homenagem, apesar de possuir qualidades humanas pouco comuns, mesmo numa cidade que se diz solidária. 

Faltou-lhe ser "camarada" (mesmo que fosse desses fingidos...), para ser olhado com olhos de ver pelo "poder". Nada que o incomode ou incomodasse...

Faltou-lhe ser "lambe-botas", andar por aí de sorriso aberto para tudo e para todos. Mas o pior foi dizer sempre tudo o que lhe ia na alma, sem se preocupar com os que o olhavam de lado, por detestarem a verdade.

O mais curioso tem sido a sua participação activa em inúmeras homenagens aos "outros" (vários deles nunca lhe chegaram aos calcanhares...). "Outros" que nunca se lembram dele..
.
É também por isso que quando olha à sua volta, sente que a sua maior medalha foi nunca ter recebido qualquer insígnia do Município.

Olho para ele e sinto que o "mundo" nunca se preparou para lhe agradecer. Sempre  gostou mais do homens agradáveis, de sorriso e palavra fácil, mas que fogem sempre que podem das  "nuvens" que aparecem no ar e cheiram a problemas...

Este mundo quase de fantasia (hipocrisia é mais real...) não gosta de quem prefere o anonimato e a sombra, quem é incapaz de distribuir sorrisos na rua, apenas por que sim, nem de quem ajuda quem necessita com discrição, ao ponto de ser capaz de fazer uma cara feia ou dizer uma frase de mau gosto, só para que não o encham de agradecimentos.

Eu sei que este é o "mundo" que temos, mas não precisava de ser tão injusto...

(Fotografia de Xavier Miserachs)

segunda-feira, junho 19, 2017

As Reacções à Tragédia do Distrito de Leiria

Sem poder dizer se isso é bom ou mau (pelo menos parece-me positivo), estou surpreendido com algumas das reacções à grande tragédia que atingiu os concelhos de Pedrogão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.  

O que mais estranhei até ao momento foi a contenção da "direita" que foi governo antes da "gerigonça", por normalmente serem bons a "jogar baixo", ao ponto de culparem os sucessores  por erros próprios (cometidos quando governavam). Provavelmente fizeram-no a pensar nas últimas sondagens (cada vez mais baixas...) e não por qualquer coisa parecida com sentido de estado ou respeito pelas vitimas.

Mesmo os comentadores ultra liberais não trouxeram muitas achas para a fogueira. Criticaram as palavras "conciliadoras" e quase "conclusivas"  do Presidente da República - com razão, até por se saber muito pouco sobre o que aconteceu... -, que mais uma vez falou demais... E também questionaram - mais uma vez, bem - o não fecho atempadamente das vias rodoviárias atingidas pelo incêndio, com os resultados que todos sabemos... 

Sem se apontar dedos, a quem quer que seja, acho que é importante abordar tudo aquilo que não correu bem (neste e noutros incêndios), e fazer-se mesmo alguma coisa, para que uma tragédia destas dimensões não volte a acontecer. Se nos limitarmos a culpar a "trovoada seca" e a "assobiar para o lado", um dia destes já não há árvores para arderem (nem mesmo eucaliptos...) neste nosso canto, demasiado quente para o meu gosto. 

Sem querer ser "moralista", sei que todos temos de mudar de atitude. Vivermos melhor ou pior, depende cada vez mais da forma como nos relacionamos com a Natureza. E é já hoje, não temos tempo para esperar por amanhã... 

(Fotografia de Miguel A. Lopes - retirada do site do "D. Notícias")

domingo, junho 18, 2017

Do Paraíso ao Inferno em Poucas Horas...

O estado de graça do nosso país abanou no dia de ontem, com um dos incêndios mais mortíferos que se conhecem, no nosso território.

Sempre que acontece uma desgraça, uma das palavras que mais se utiliza para justificar o injustificável é Destino. É uma palavra quase com capacidade para "embrulhar" todas as desgraças do nosso dia a dia, pelo seu sentido quase divino, capaz de ultrapassar a vontade dos "mortais".

Embora não existam muitas palavras para dizer ou escrever o que quer que seja, sobre o que aconteceu ontem, incomoda-me que se utilize no nosso país, vezes demais, as palavras destino e saudade (fora das letras do fado...), para "fecho de contas".

Neste caso particular, se fosse utilizada com um carácter prático (fora dos discursos de Verão dos políticos...), a palavra Prevenção, sei que não se estariam a chorar todos estes mortos...

(Fotografia retirada do site do "D. Notícias")

sexta-feira, junho 16, 2017

«A mulher ideal é a mulher que não existe.»


Há muito tempo que não escutava um homem a falar com tanta sapiência das mulheres. Provavelmente ele pensa que os cabelos brancos de quem já passou os sessenta e o ar de galã de telenovela mexicana que faz questão de manter, lhe dão autoridade para nos oferecer tantas generalidades.

Houve um momento que não consegui conter o riso, quando ele disse que continuava a ser tão fácil apaixonar-se como desapaixonar-se. Pensei no bom do Vinicius de Moraes, que também tinha uma grande facilidade em saltitar de amor em amor. Mas ele era quase um "deus", graças ao bom uso que dava às palavras e, que depois oferecia às suas musas...

No meio da conversa o nosso homem ia olhando com alguma galhardia para as mulheres bonitas que passavam por nós.

Quando começámos a olhar para o relógio, quis ir ainda mais longe, quando disse: «Quanto mais mulheres conheço, mais fácil é apaixonar-me. Há sempre uma mulher capaz de me surpreender e de me ensinar coisas novas. É por isso que digo que a mulher ideal é a mulher que não existe. Existem dúzias e dúzias, todas diferentes, e ainda bem.»

A caminho da sala de reuniões, fomos conversando sobre o "charmoso" que nos tinham oferecido numa "rifa" (era dono de uma das empresas que nos "pagavam"...), fazendo aparecer vários animais no diálogo, desde o "tigre", ao "papagaio" passando pelo "leão" e acabando no "galo".

Antes de entrarmos, ainda olhamos uns para os outros, meio tristes, por sermos quase naturalmente, homens de uma só mulher, e cada vez mais distantes das histórias de mulheres ideais. Encarámos a realidade com desportivismo, pois se por um lado ainda estávamos a vários anos da idade do "balzaquiano", por outro também estávamos a vários zeros de distância da sua conta bancária...

(Fotografia de Tony Vaccaro)

quinta-feira, junho 15, 2017

Ai que Saudades da Frescura do Oeste...

Não há muitos sítios que nos permitam escapar a esta "febre marroquina", que quer transformar a Península Ibérica quase numa espécie de "áfrica europeia", por muito que isso possa agradar a alguns turistas que adoram torrar a pele, sem precisar de visitar as praias de mar.

Tenho saudades do meu Oeste, do microclima que faz das Caldas da Rainha um lugar um pouco mais ameno e de a Foz do Arelho uma praia fresca, mesmo no Verão...

E sem precisar de ir tão longe, nas redondezas de Sintra também é possível escapar das temperaturas altas...

É caso para dizer: benditas Serras de Sintra e de Montejunto.

(Fotografia de Luís Eme - se o tempo continuar assim, vai haver mais moçoilas de biquini pela cidade...)

terça-feira, junho 13, 2017

O Calor e o Frio, a Escrita e a Leitura...

Com estes dias "marroquinos" acabo por constatar o óbvio. Escrevo mais com o frio, leio mais com o calor...

Acho que este calor, além de me "toldar" as ideias... amolece-me quase tudo, até os dedos que são de escrever...

É por isso que procuro uma sombra, sento-me num soalho fresco e leio as folhas dos livros...

Não sou como ela, que lê à beira Tejo, ao mesmo tempo que espera que o Sol lhe pinte a pele...

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, junho 12, 2017

Nunca leves a televisão demasiado a sério. Mesmo a própria realidade é encenada.»


Não sei porquê, mas começou-se a falar de televisão. Sabia que era chover no molhado, porque quando conversamos sobre a programação dos canais da televisão, dificilmente chegamos a alguma  conclusão. E o único consenso que aparece, deve-se à qualidade, porque muito poucas coisas parecem fazer sentido dentro e fora da "caixa mágica".

E eu lá me lembrei de um amigo que andou pela televisão pública mais de 30 anos e que me dizia meio a sério meio a brincar: «Nunca leves a televisão demasiado a sério. Mesmo a própria realidade é encenada.»

Eu sei que a RTP tenta fazer a diferença (nota-se mais nos últimos tempos...), mas acaba quase sempre por apanhar os mesmos atalhos dos outros, em nome das audiências... Aliás tudo o que se faz em televisão tem como desculpa, as famosas audiências...

Durante uns tempos as gentes das televisões diziam que andavam atrás do gosto das pessoas. Talvez ainda mantenham o mesmo discurso, embora gostem mais de estar à frente dos "consumidores", porque fingem que são "mágicos" e conseguem adivinhar o que o pessoal quer ver.

Hoje é tudo mais descarado, no condicionamento do gosto e na manipulação de notícias. Os censores das ditaduras eram uns "anjinhos" em relação aos programadores do nosso tempo...

domingo, junho 11, 2017

A Língua, o Estilo e a Escrita...

Estou a ler um livro que tem tanto de curioso como de estimulante ("A Sétima Função da Linguagem - Quem matou Roland Barthes?", de Laurent Binet), que me tem feito pensar sobre várias coisas, inclusive sobre esta coisa que é o escrever. 

Vou transcrever essa parte:

«Roland Barthes mostrou é que no fundo uma obra literária tem três níveis; há a língua - Racine escreve em francês, Shakespeare escreve em inglês, essa é a língua - há o estilo; esse é o resultado da sua técnica, do seu talento, mas entre o estilo - voluntário, pois controlamo-lo - e a língua! Há um terceiro nível que é; a escrita. E a escrita, dizia ele, é o lugar... do politico, no sentido lato, ou seja, a escrita é aquilo mediante a qual ele se exprime, mesmo se o escritor não é disso consciente, o que ele é socialmente, a sua cultura, a sua origem, a sua classe social, a sociedade que o rodeia...»

Concordo com Barthes, penso que estas três divisões definem o essencial do que deve ser um fazedor de livros.

(Óleo de Costa Pinheiro)

sábado, junho 10, 2017

A Arte com Imagens e Palavras...

Participei  hoje à tarde numa sessão cultural que me deu a sensação de ter sido extremamente enriquecedora e agradável para todos aqueles que apareceram na sede-galeria da SCALA.

Não se tratava apenas da inauguração de uma exposição de artes plásticas, havia também o atractivo da projecção de seis pequenos filmes sobre a vida e obra do autor,  Mártio, um artista plástico almadense, que depois seria seguida de uma conversa informal sobre, e com, o pintor e ceramista possuidor de uma obra bastante vasta e diversificada.

E foi esta conversa que se revelou de grande interesse para todos, graças à disponibilidade do Mártio para falar abertamente do seu percurso artístico, dos seus dois principais interlocutores, que o ladearam, mas sobretudo pela interacção que se proporcionou com todos aqueles que quiseram saber mais qualquer coisa sobre a arte, ou ainda, de oferecerem o testemunho da sua experiência pessoal no mundo das artes.

(Óleo de Mártio - as "Banhistas" de Mártio, glosando as "Banhistas" de Cezanne...)

sexta-feira, junho 09, 2017

O Cacilheiro e os Dois Amigos do Sul...

Estava a olhar o Rio da janela do cacilheiro quando duas vozes maduras atrás de mim me chamaram a atenção.

Pelo jeito de falar percebi que eram alentejanos e falavam de uma mulher qualquer como se fossem dois adolescentes. Não tinha um nome, era apenas a "magana", como às vezes escutamos em anedotas.

Um deles gabou-se de dançar com ela numa festa, acrescentando que foi cá uma esfrega, ao mesmo tempo que o marido emborcava copos de vinho no bar. O outro para não ficar atrás contou um episódio romanesco que aconteceu num café, em que ela se ofereceu quase toda.

A conversa só acabou quando a barca laranja chegou a Cacilhas e os dois sessentões desapareceram no meio da multidão que se deslocava na direcção das paragens dos autocarros.

Não me lembro de ver dois homens de cabelo esbranquiçado a conversar com tanto entusiasmo de uma "magana", que era do clube das  "frescas" (foi outra das palavras mais batidas no diálogo quase quente), pelos exemplos relatados...

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, junho 07, 2017

O que Uma Crónica nos Faz...


Hoje ao ler uma crónica de revista, voltei a experimentar a sensação que conhecia a autora, mesmo sem nunca a ter visto.

O pai era meu amigo e costumava falar-me dela, há quase trinta anos. A vida era tudo menos fácil para eles. Sabia-o pelos desabafos deste meu companheiro do mundo dos jornais e dos livros, que não só me contava alguns episódios do seu quotidiano, como até era capaz de me pedir conselhos, a mim, que era praticamente da geração da filhota (hoje percebo que isso devia acontecer por isso mesmo, talvez ele achasse que eu a poderia "descodificar" e tornar a sua relação mais próxima...).

Voltei a estar sentado no café com ele, a fumar os seus cigarros, enquanto falávamos das coisas de que gostávamos, como o futebol ou o cinema. Mas também das outras, que nos trocavam as voltas...

Voltando à rapariga, gostei das suas palavras e lembrei-me que o pai nunca me mostrara uma fotografia dela. Não sei muito bem porquê, mas ela para mim era pequena e usava cabelo à rapazinho... Provavelmente tive uma ou outra pista para fazer este "boneco"...

O que uma crónica nos faz...

(Óleo de Paul Swan)

terça-feira, junho 06, 2017

«Ainda bem que já não há "banha da cobra" para todos»

Apesar de se terem escondido debaixo do tapete valores que a minha geração e anteriores, consideravam essenciais (eu bem sei que para muitos era apenas teoria, não foi por um mero acaso que os políticos dos últimos quarenta anos, pertencem todos à minha e às gerações anteriores...), a mentira (e a "pós-verdade") continua a ter a perna curta.

Ou seja, percebe-se à légua que hoje já não há "banha da cobra" para todos...

Cada vez tenho menos dúvidas de que a qualidade - e hoje somos um país, onde cada vez mais se aposta na qualidade - dá cabo de todos os negócios dos espertalhaços que ainda continuam a querer "vender gato por lebre", em várias esquinas. 

E é aqui que entra o turismo, que tanta "porrada" tem levado nos últimos tempos. Tem sido ele que tem empurrado muitos jovens a fazerem pela vida e a serem inovadores,  ao perceberem que só terão hipótese de crescer, e de ter sucesso, com a aposta na diferença e na qualidade.

É por isso que eu digo: «Ainda bem que já não há banha da cobra para todos.»

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, junho 05, 2017

Setenta e Nove...

Porque é que alguém começa a fumar aos setenta e nove anos?

Por uma razão demasiado óbvia: acredita na publicidade impressa nos maços.

Todos eles dizem que os cigarros matam. E é normal que alguma gente com uma idade já quase avançada,  um pouco farta de viver, faça também um manguito à vida quase saudável. 

Quando se está farto de andar para trás e para a frente e não se tem coragem de acabar tudo em segundos, com um tiro na carola ou com a suspensão do corpo, preso pelo pescoço a uma corda, fumar pode ser uma boa alternativa...

E com um pouco de sorte aprende-se a gostar de fabricar nuvens de fumo e a ter um hálito apropriado para quem já não faz linguados... 

(Fotografia de Luís Eme)

domingo, junho 04, 2017

O Turismo não Pode ser Maior que o País...

Esta semana foi pródiga em gente a opinar sobre o turismo, mesmo que fossem capazes de dizerem e escreverem o contrário do que disseram ontem... 

De repente toda a gente "acordou"  e "descobriu" que há demasiada gente a alugar quartos e casas a quem se quer perder de amores por Lisboa.

Todos sabemos que os políticos ainda vão a tempo de perceber que uma urbe precisa de gente que viva no seu espaço a tempo inteiro, caso contrário corre o risco de ser uma "cidade fantasma" (e isso já foi uma realidade na Baixa lisboeta, há pouco mais de meia-dúzia de anos...).

Talvez o "artista" que fez este boneco nas paredes dos armazéns abandonados do Ginjal, tenha alguma razão...

O que eu sei é que o turismo não pode (aliás, não deve...), nunca, ser maior que o país.

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, junho 03, 2017

A Feira do Livro (Rainha dos Campeonatos Literários...)


A Feira do Livro está de novo aí, e segundo a publicidade, com novo recorde de editoras, livrarias e alfarrábios.

Dizem também que está mais bonita e agradável, para todos.

E claro, continua a ser a melhor altura para se falar com os livros e olhar de alto a baixo para os escritores e pedir-lhes autógrafos.

Embora nem todos participem nesta festança, pois ainda há gente do século passado que se recusa a ser "promoção" de super-mercado.

Alguns dias antes da feira, telefonema para aqui telefonema para ali, deixaram o velho António cansado de tanta intromissão. Foi por isso que disse à menina que lhe arrastava a asa e prometia ir buscá-lo e trazê-lo da festa dos livros, sempre que ele fosse "livro do dia": «Há um engano qualquer, minha jovem, o escritor não é o que vende, é o que escreve. Esse tipo que anda à procura para vender livros é o livreiro.» E desligou-lhe o telefone.

(Óleo de Lesser Ury)

sexta-feira, junho 02, 2017

Olha Para Mim...

Há animais com dono. Há animais sem dono. Há animais com vários donos...

Aparentemente os primeiros são mais felizes. Aparentemente...

O "preguiças" da fotografia (dupla...) mora no Ginjal e tem muito mais que um dono. Além das duas senhoras que se passeiam ao longo do cais com um carrinho de compras cheio de mantimentos para os vários felinos, há outros anónimos que lhe oferecem uns miminhos, dentro de latas.

De mim leva um olá, sempre que nos cruzamos. Às vezes faz algumas avarias, a pedir-me que lhe tire uma fotografia. E eu digo-lhe que sim...

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, junho 01, 2017

Os Esquecimentos sem Inocência...

Embora os tempos pareçam fartos, graças ao optimismo exagerado do Presidente da República (campeão de tantas coisas banais para um chefe de Estado, embrulhadas em sorrisos, beijos, "selfies", etc) e dos governantes, que abraçam todos os turistas, especialmente os que compram "vistos dourados", a vida dos portugueses continua a ser outra coisa...

Ontem estive com um amigo das escritas (quase todas, do jornalismo à poesia...), que desancou no maldito capitalismo que tanto lhe inferniza a "vidinha", sem se esquecer de apontar a dedo dois ou três amigos, que deixaram de lhe atender o telefone, quando ele mais precisava. Já conseguiu equilibrar novamente as coisas, mas voltou mais uma vez para casa dos pais. E com o preço das rendas na Capital, não sabe quando poderá voltar a ter um espaço só para ele em Lisboa...

Deu-me exemplos da tal meia-dúzia de falsos amigos que lhe pediam colaborações para jornais e revistas, que o riscaram da lista de colaboradores, sem qualquer explicação ou desentendimento. Foi esquecido e pronto. O pior de tudo foi isto acontecer quando mais precisava.

Eu escutei-o pacientemente e em silêncio. Porque nestas alturas não há nada que possamos dizer ou fazer, que mude o que se sente. Limitei-me a dizer o que todos já sabemos, não é por acaso que dizem que este é um "mundo-cão"... 

Apenas lhe dei um exemplo. Durante meia-dúzia de anos colaborei numa revista, número a número, sem nunca receber qualquer dinheiro. Fazia-o essencialmente para que o projecto não acabasse. Quando decidiram fazer um número especial, convidaram várias "sumidades", e eu acabei, naturalmente, esquecido...

Embora ele seja mais novo que eu, sabe bem demais que este mundo está cheio de gente mal agradecida, capaz de nos encher de sorrisos prometedores, mas que nunca se esquece de trazer de casa uma "faca de cozinha" escondida na meia...

(Fotografia de Luís Eme)