sexta-feira, agosto 28, 2015

A Praia dos Pobres


Os adultos nem sempre explicam as coisas como elas são às crianças. E se meter coisas mais complicadas, como por exemplo uma praia de nudismo há trinta e alguns anos, em que um rapaz com apenas cinco anos resolveu perguntar ao avô, porque razão as pessoas estavam naquela praia sem roupa, pode dar espaço a "coisas do arco da velha". Felizmente nesta caso nem podemos dizer que o sexagenário se tenha saído mal.

Disse ao neto que aquela era a praia dos pobres, das pessoas que não tinham dinheiro para comprar fatos de banho.

O pequenote ainda argumentou, dizendo que se calhar eram como ele, gostavam de tomar banho sem calções.

O avô com um sorriso disfarçado deu-lhe razão e disse-lhe que sim, que eram capazes de andar por ali pessoas a fingirem que eram pobres, só para tomarem banho sem qualquer peça de roupa.

O óleo é de Felix Valatton.

quarta-feira, agosto 26, 2015

Já Não me Lembrava...


Já não me lembrava do verdadeiro cheiro a fumo de tabaco (esse que provocava tosse...), nem tão pouco de estar num lugar fechado com alguém capaz de fabricar nuvens.

De início foi esquisito, até os meus pulmões estranharam. Mas depois de se habituarem, sentiram-se como o dono, satisfeitos por  estarem num lugar no mínimo clandestino a viver uma experiência rara.

Deve ter sido por isso que foi tão bom falar de liberdade. Da liberdade que nos estão a querer retirar, do medo que têm de sermos donos de nós, da nossa vidinha...

Talvez a Teresa tenha razão e qualquer dia até para se ser "sem-abrigo", é obrigatório ter uma licença camarária. Como as que havia antes de 1974 para se ter um isqueiro.

O pior foi mesmo o cheiro que ficou entranhado na minha camisa (daqueles que dão direito a sermão em casa). Mas a conversa, essa, foi do melhor. 

Tenho mesmo uma costela anarquista, herdada do avô e do pai.

O óleo é de Alex Russel Flint.

terça-feira, agosto 25, 2015

O Abandono das Pessoas de Norte a Sul


Podia contar mais de cem episódios que se passaram nos últimos quatro anos com a governação desta gente, sem um pingo de vergonha na cara, que usou a mentira e o engano com a sua "arma" diária (e continua a usar...). 

Mas prefiro falar da forma como trataram as pessoas, especialmente as que vivem no interior.

Começaram por alterar o mapa das freguesias do país, com a história de que se iriam poupar milhões (algo que nunca foi nem será comprovado...), com o fim de centenas de sedes de freguesias, urbanas e rurais.

Se nós nas cidades nos queixamos da falta de limpeza das ruas, do crescimento das ervas nos passeios, jardins e terrenos baldios, do fim de programas de apoio para a terceira idade, da falta de resposta a propostas de parceria para as áreas da cultura, educação e desporto etc, o que dirão as pessoas do interior, das vilas e aldeias mais remotas deste país?

Como se não bastasse a perda de importância do poder autárquico local, ainda lhes foram retirados centros de saúde, repartições de finanças, tribunais, escolas. Que por sua vez provocaram o fecho de lojas de comércio, cafés e outros serviços. Ou seja, há pessoas que em apenas meses viram o tempo recuar mais de quarenta anos, voltaram ao tempo da ditadura, em que viviam entregues a elas próprias.

Numa altura em que praticamente deixou de existir jornalismo de investigação no nosso país, falta fazer um retrato sério do que aconteceu ao nosso país, analisar o que se perdeu em apenas quatro anos de governação desta coligação, que em alguns casos praticou mesmo actos criminosos. Falta saber entre outras coisas, quantas pessoas morreram em casa, por falta de assistência médica, por viverem a mais de cem quilómetros de um hospital, que por sua vez também se viu limitado na sua oferta, com dezenas de serviços fechados por falta de médicos especialistas e enfermeiros...

É por isso que pergunto: o que é que esta gente que vive no Interior tem na cabeça, para voltar a votar em quem lhes fez tão mal?

O óleo é de Robert McGregor.

segunda-feira, agosto 24, 2015

A Beleza Precisa de ser Decifrada?


Respondo já à pergunta do título: claro que não (embora a resposta mais assertiva deva ser: nem sempre).

A beleza tem a virtude de nos encher os sentidos, mesmo que nem sempre seja compreensível. E não estou a falar das mulheres, a quem os homens (e também algumas damas...) durante muito tempo não quiseram somar a beleza à inteligência.

Falo sim da "leitura" que podemos fazer por exemplo de uma obra de arte ou de um poema mais "lunar".

Um amigo meu, artista plástico, que gosta de saber por onde andam os outros olhos, ao vislumbrarem as suas obras, fica muitas vezes espantado com as "viagens" que proporciona.

Mesmo quando desabafa que não era bem aquilo que queria transmitir, percebe alguns pontos de vista, uns mais simples outros mais complicados... 

E o que ele realmente gosta é que gostem dos seus quadros, mesmo que lhe dêem uma outra interpretação. Até porque também defende que a beleza nem sempre precisa de ser decifrada.

O óleo é de Henry le Sediner.

domingo, agosto 23, 2015

A Chuva de Verão


Gosto da chuva de Verão, provavelmente por ela nunca ser duradoura.

Aparece e desaparece num ápice, ao mesmo tempo que nos deixa o cheiro agradável a terra molhada, para quem  mora em lugares onde ainda existem pequenas amostras de campos e jardins... E amanhã de certeza que as ruas da cidade também vão cheirar menos mal, depois destes últimos meses fartos em calor...

Os únicos que não devem achar muita graça à coisa são os agricultores, que já estavam a fazer contas de cabeça e à espera que fosse declarada "seca", de Norte a Sul... mas a natureza (e o São Pedro...) gostam de ser desmancha-prazeres e ainda bem.

Claro que não fui dançar para a rua como o Gene Kelly, mas que foi bom sentir os fios de água a salpicarem-me a roupa e o rosto, foi.

sábado, agosto 22, 2015

Justiça Portuguesa de Hoje Quase Igual há de Antes de Abril


Se há um sector da sociedade onde a democracia praticamente nunca conseguiu entrar, é a justiça.

Há claramente uma justiça para o comum dos cidadãos e outra para os poderosos, que normalmente se limitam a ser arguidos e a pagar fianças, mesmo que estas sejam milionárias, quando culpados. Os melhores exemplos são os últimos casos em que foram delapidados milhões ao estado (BPN, Submarinos e BES) e só um dos envolvidos num dos casos foi preso, ou seja, foi a excepção que confirma a regra.

E quando entramos nos labirintos da política descobrimos ainda a existência de outra dualidade de critérios: há uma  justiça para a esquerda e outra para a direita. 

Não foi por acaso que no primeiro grande escândalo de pedofilia, despoletado no interior da "Casa Pia", as únicas figuras dos meios políticos que foram "empurradas" para a praça pública faziam parte do PS (nem o Presidente da República de então escapou à onda de boatos...), ao mesmo tempo que eram omitidos os nomes de figuras ligadas ao PSD e ao CDS.  E não estamos a falar apenas da famosa "Catherine Deneuve", frequentadora habitual do Parque Eduardo VII...

A prisão de José Sócrates (que pode muito bem ser culpado...) é o maior exemplo desta dualidade de critérios, desde a forma mediática como foi feito prisioneiro no aeroporto a todos os passos seguintes, especialmente por ainda ninguém saber ao certo (excepto os juízes e investigadores envolvidos em todo o processo) qual o crime que cometeu.

E voltando um pouco atrás, será que os "ladrões" que usaram o BPN e o BES para enganar e roubar milhões de portugueses, inclusive o Estado (que somos todos nós e tivemos de "tapar" o buraco financeiro criado por estes bandidos), são menos criminosos que o antigo primeiro-ministro? 

Da única coisa que não temos dúvidas é que devem andar por aí a sorrir e no mínimo a pensar que estão acima das leis deste país...

Olhando para todo o historial de crimes económicos e financeiros, até se fica com a sensação de que a justiça é ainda mais injusta que a de antes de Abril, em que se prendiam pessoas sem culpa formada...

O óleo é de Francis Boleau Cadell.

sexta-feira, agosto 21, 2015

As Tonalidades Laranja da Comunicação Social e o Povo


É provável que me esteja a repetir. Nada que me incomode.

O que me incomoda é a forma como o partido do governo conseguiu tomar de assalto toda a comunicação social, dos jornais à televisão, passando pela rádio.

Podia falar dos comentadores televisivos, que sempre que podem pintam a realidade cor laranja, que podiam ser actores de telenovela, já que são capazes de mentir com o ar mais sério do mundo. Mas eles fazem o seu papel, já que a honestidade nunca foi o seu forte...

Agora dos jornalistas, esperava outra coisa, mais amor ao pluralismo, à verdade e à liberdade de expressão.

Quando o Carlos há largos meses elevava o tom de voz contra este povo masoquista (para não lhe chamar outra coisa muito pior...), capaz de votar em quem lhe roubou o emprego, parte das reformas  e criou impostos para tudo e para nada, no meio de mais uma garfada de grão com bacalhau das segundas, nós dizíamos-lhe que era impossível Portas e Coelho ganharem as eleições.

Quem diria que a menos de dois meses das eleições, teríamos de dar o braço a torcer... 

Claro que o equilíbrio das sondagens, além de ser manipulado, deve-se mais ao demérito do PS e de toda a oposição, que às qualidades destes políticos. Só assim se percebe que quatro anos marcados pela incompetência, pela mentira, pelo compadrio e pela falta de vergonha na cara de pelo menos meia dúzia de ministros (que em situações normais, teriam pedido a demissão, e esta teria sido aceite pelo primeiro-ministro), estejam a cair o no esquecimento de um povo sem memória e sem vontade própria.

O óleo é de Marianne Herefkin.

quarta-feira, agosto 19, 2015

Fotografia: Ser Arte ou Não Ser


Hoje que se comemora a fotografia, podemos e devemos falar desta arte, que nem sempre é entendida como tal. O que eu acho muito bem.

O simples carregar do botão de qualquer máquina, ao alcance de qualquer dedo, não é arte,  é outra coisa.

Pierre Bergé disse numa entrevista, que se pensarmos que a fotografia é algo que todos podem fazer, não será arte. Acrescentando que é preciso um artista para o fazer, e só alguns fotógrafos o são realmente...

Concordo totalmente.

É por isso que muitas vezes tiramos fotografias quase mirabolantes, de ângulos estranhos, à procura de algo novo, único. Ou seja, procuramos fazer arte. O que nem sempre conseguimos...

Esta fotografia foi tirada em Tavira, à procura de algo diferente. Que pode ser apenas nada.

terça-feira, agosto 18, 2015

Escrever, Escrever, Escrever...


Escrevo todos os dias. 

A maior parte das coisas que escrevo estão longe da diversão. O trabalho da escrita é isso mesmo...

Mas há dias em que a inspiração surge ainda na cama, numa frase que pede mais que meia dúzia de linhas de desenvolvimento. Quase que sou empurrado por uma ou outra personagem mais atrevida para fora do leito e obrigado a pegar numa esferográfica e num papel.

Foi assim que escrevi de rompante, cinco páginas do meu caderno quadriculado de palavras que se soltam  aqui e ali, sem quase dar tempo ao diabo de esfregar os olhos. Hoje pode dar um romance, até tem personagem principal e tudo. Amanhã não sei...

Estava quase a revelar a frase "mágica", mas nesta coisa dos livros (e de tantas outras coisas), o segredo continua a ser "a alma do negócio"...

O óleo é de Pierre Roy.

segunda-feira, agosto 17, 2015

A Cabeça Vazia e o Mundo das Palavras


São poucos os que aceitam que quando estamos a criar, precisamos de estar e andar livres, não devemos ser de ninguém mas sim de "toda a gente"...

Acho que quem cria percebe esta frase. Os outros, talvez menos.

Sei que vida é feita de verdades feitas. Por isso esta pode ser só e apenas a minha verdade, sem que venha mal algum ao mundo. 

Estou a escrever estas palavras porque ao conversar com uma amiga, percebi o quanto é importante termos a cabeça com espaço para a criação. Quando lhe perguntei se sempre escrevera poesia, ela disse-me que não, acrescentando: «tinha lá tempo para isso...»

Pois foi, ela antes de ser poeta, foi esposa, foi mãe, foi funcionária, foi cozinheira, foi empregada de limpeza, foi governanta, etc. Enfim, todas aquelas coisas que as mulheres são (felizmente hoje menos...).

Ou seja, a sua cabeça estava sempre ocupada, preocupações eram coisa que não faltava... e a poesia, essa "mulher livre e libertina",  fugia para longe...

E eu a sentir, mais uma vez, que nós homens somos mesmo uns distraídos. Não é Clara?

A ilustração é de Alfred Muller.

sábado, agosto 15, 2015

As Leitura de Férias


Nestas férias li quatro livros, curiosamente bastante diferentes.  Ainda comecei outro mas entretanto regressei e não lhe voltei a pegar... 

O primeiro livro que li foi "Os Oportunistas" de Italo Calvino. A sua história poderia ser facilmente transportada para estes nossos tempos de gente esperta. Dois irmãos tentam ludibriar um vigarista profissional - um empreiteiro do piorio - algo impossível, claro. De engano em engano acabam rendidos ao talento natural e selvagem deste construtor de pesadelos.

O segundo foi uma estreia, li pela primeira vez Ruben Fonseca com "Axilas e Outras Histórias Indecorosas". Achei curiosa a linguagem livre, perversa, sem qualquer moral, ética ou o que quer que seja. Mas não fiquei rendido aquele "vale tudo", ao sexo estranho, e ainda menos às mortes gratuitas (e estúpidas...), quase sempre de mulheres. Valeu pela linguagem, pelas palavras novas que conheci, pelos conhecimentos técnicos oferecidos. Mas são mesmo histórias indecorosas...

O terceiro livro que li foi para férias a pensar no meu filho, mas acabei por ser eu o "leitor". Estou a falar do "Diário da Bicicleta" de David Byrne (esse mesmo, o músico). Embora David nos comece por dar uma panorâmica dos melhores lugares para se passear de bicicleta de várias cidades, acaba por ir mais longe e transformar esta informação num roteiro interessante e que ganha aos pontos ao guia velocipédico sobre ciclovias. Fiquei agradavelmente surpreendido pela leitura.

A leitura mais agradável acabou por ficar para o fim, apenas porque sim. Refiro-me ao livro de contos "O Fim das Bichas" do Alface. Gostei do humor presente em todas as histórias, assim como da acção, e claro, da sua qualidade literária. Fiquei com vontade de ler, "Cuidado com os Rapazes" e "Cá Vai Lisboa".

O óleo é de Stephen Scott Youg.

sexta-feira, agosto 14, 2015

O João e a Sarah Gross


Durante a apresentação do livro, "Perguntem a Sarah Gross", da autoria de João Pinto Coelho, em Lisboa, a palavra que a historiadora Irene Pimentel mais enfatizou foi, maturidade.

Comecei a ler o romance  pouco tempo depois de escutar estas palavras e de conhecer o João, no meu regresso a Almada de cacilheiro.

Logo nos primeiros capítulos percebi o porquê da insistência da Irene. Até me apetecia duvidar que se tratava de uma primeira obra. Pela  sua qualidade e segurança (pelo menos aparente), diria que se tratava do quarto ou quinto romance do autor...

O autor aborda a história de Auschwitz com uma divisão temporal (o passado que são os anos 1920, 1930, 1940 e o presente que são os anos 1960), que no início até nos parecem dois romances dentro de um. Comecei por sentir mais interesse pelo "presente", muito graças à Kimberly, mas depois acabei por me identificar com a história e deixei de sentir qualquer diferença nestas viagens pelo tempo.

Quando acabei a sua leitura, não tive qualquer dúvida que se tratava de um dos melhores livros que  tinha lido nos últimos tempos.

Além de estar bem escrito, as personagens estavam muito bem construídas. E em termos históricos, embora não tenha um conhecimento profundo de tudo aquilo que envolve Auschwitz, pareceu-me verosímil, mesmo que alguns espaços até possam ter sido inventados...

Com um tema tão forte e sensível, o João podia ter-se deixado levar pelo lado "lamechas", mas não, aborda de uma forma extremamente realista todo este drama que ainda permanece tão vivo entre nós. Mesmo as violações e humilhações, não nos são oferecidas de forma gratuita, o leitor tem a possibilidade de as imaginar, de as viver, dentro de si.

Embora não se trate de um policial, "Perguntem a Sarah Gross", também nos oferece um final surpreendente.

Espero sinceramente que este romance "internacional" siga o caminho que merece e percorra o Mundo, dos Estados Unidos da América à Polónia, passando pela Alemanha, claro. E que chovam perguntas a Sara Gross... 

Nota: Estas palavras foram escritas no final de  Junho. Como frequento o blogue da editora do João (as "Horas Extraordinárias" de Maria Rosário Pedreira), onde costumamos partilhar as nossas leituras, pensava divulgá-las por lá, em jeito de comentário. Felizmente este livro está a ter a notoriedade que merece, com críticas positivas na "E", revista do "Expresso", reportagens no "Ipsilon" do "Público" e também na SIC (transmitida ontem no "Jornal da Noite"), pelo que faz todo o sentido publicar estas palavras no meu "Largo".

quinta-feira, agosto 13, 2015

Escrever com as Mãos num Livro e com um Pé no Chão e Outro na Lua


Isto de escrever, entre outras coisas, tem a sua piada. Por exemplo ontem, quando comecei a escrever, não tinha pensado em dar um exemplo concreto de uma das muitas pessoas que "se julgam maiores do que são".

Queria sim dizer que a escrita é de todos os que gostam de escrever (sem se estar refém dos critérios de qualidade ou da publicação de livros), mesmo que muitos não tenham estudos superiores.

Claro que quando estudamos, estamos sempre em aprendizagem e a escola é fundamental para o nosso crescimento intelectual. Mas há muitas outras formas de aprendizagem no mundo. A chamada "escola da vida" também é essencial para o nosso crescimento intelectual e social.

E como disse ontem, não há escolas que ensinem a contar histórias no papel (mesmo que existam por aí muitos cursos de escrita criativa...).

Normalmente a escrita está intimamente ligada à leitura. É por isso que quem gosta de escrever deve ler muito (esta sim, é a melhor "escola" dos escritores...). Sem darmos por isso vamos interiorizando a forma de escrita com que mais nos identificamos, ao mesmo tempo que nos vão surgindo acontecimentos que se passaram connosco ou apenas fruto da nossa imaginação (que quase sempre não têm nada a ver com o conteúdo do livro que estamos a ler...), que sentimos que podem dar uma boa história e nos levam à procura de uma folha em branco e de uma caneta.

O mais importante é termos sensibilidade suficiente para pararmos em qualquer lugar e ficarmos a olhar para o "mundo", mesmo que pareçamos maluquinhos - e é o que somos, não pensem que esta compulsão para a escrita é muito normal -, e inteligência. Sim, inteligência para nos olharmos ao espelho e percebermos quem somos e o que queremos.

O óleo é de Javad Azarmeh.

quarta-feira, agosto 12, 2015

Escrever Não é uma Coisa de Se Ter ou Não Tempo (Entre Outras Coisas)


Eu sei que escrever não é uma coisa de se ter ou não tempo. Nunca foi.

Quem gosta e quer escrever, escreve em qualquer lugar, utilizando tudo, desde os papelinhos que recebemos nas compras aos guardanapos de cafés (o que eu gosto de escrever, neste papel tipo "Bíblia"...).

Há muita gente que inventa desculpas absurdas para a sua falta de criatividade, quase sempre por se acharem importantes. Ou seja, por pensarem que escrever não devia ser tarefa para qualquer um, e que só não dizem que devia ser uma exclusividade de "doutores", por pudor. A menos absurda e mais banal desculpa acaba por ser a falta de tempo... 

Normalmente não ligo muito a estes comentários "destrambelhados", mas nunca esqueci as palavras quase "maternalistas" (com doses indisfarçáveis de inveja e cinismo...) de uma professora, sobre um prémio literário (no qual fui premiado...), que quase disse que foi uma pena não saber do prémio, pois se soubesse teria participado e sido premiada...

Estranhei sobretudo a certeza sobre o seu talento (que continua desconhecido...).

É por isso que é imperdoável, que passados mais de dez anos, continue sem conhecer um texto ou poema da "lavra" da dita senhora.

Digo isto sem qualquer tipo de preconceito, porque não tenho qualquer dúvida que aprendi muitas coisas na universidade, mas não a escrever, ficção, ensaio, teatro  ou poesia...

O desenho é de Pier  Toffoletti.

terça-feira, agosto 11, 2015

A Mulher das Perguntas Estranhas


Não sei porque razão ela me perguntou, quem eram os meus amigos.
Fiquei a pensar, agarrado apenas a uma mão.

Disse que eram poucos, cabiam quase apenas numa mão. E eram todos pessoas simples. Era muito confortável não ter um único amigo famoso. Só conhecidos, e poucos...

Ao fazer as contas, percebi que eram todos mais velhos que eu. E sempre foi assim.

Não sei se tem a ver com o facto de desde sempre ter amigos mais velhos que eu. Como o meu irmão era apenas mais velho que eu dois anos, os amigos dele acabaram por ser também os meus grandes amigos de infância.

Com um sorriso acrescentei que se chegar a velho, é possível que as coisas mudem...

Foi então que ela quis ir mais longe e saber se eu tinha outra explicação, passando por cima da infância. Eu fiquei algum tempo a pensar e depois disse que tinha que ver com as culturas e com o jornalismo. O jornalismo permitiu-me conhecer algumas pessoas extraordinárias, assim como as culturas. Não tive a sorte de conhecer ninguém da minha geração com quem mantivesse uma relação de proximidade e de amizade. Depois dei por mim a dizer que as pessoas com mais idade estão mais disponíveis para manterem relações de amizade sólidas e com maior cumplicidade, que a gente nova.

Uma das razões porque gosto de conversar com a "Mulher das perguntas estranhas", é ela fazer-me pensar, forçando-me quase a olhar para trás e também para dentro de mim...

segunda-feira, agosto 10, 2015

A Janela é Mais um Filme


Nunca tinha pensado nisso, mas sim, a janela também pode mostrar-nos o mundo de uma forma um pouco distorcida, mas nunca será um ecrã de televisão.

A janela não tem gente a comentar a realidade, nem legendas. E o actor principal até podemos ser nós.

A janela é mais um "filme", já que poderemos "inventar" as personagens que quisermos, ao mesmo tempo que lhe abrimos a porta e convidamos-as para entrar na fita que temos na cabeça.

O óleo é Eliseo Meifrein.

sábado, agosto 08, 2015

Um Rio Belo que Não Resiste a Tudo


Falei muito levemente de um Rio que já não existe, ontem, aqui no "Largo".

A nossa memória é muitas vezes curta. Eu tento lutar contra isso. Às vezes faço mesmo algum esforço por ter memória, especialmente quando não se tratam de coisas agradáveis... 

Há trinta anos as margens do Tejo (especialmente a Norte...) eram castanhas durante o ano inteiro. Nem mesmo no Verão o azul solar conseguia fazer milagres. 

Ainda não existiam as estações de tratamento de resíduos sólidos e a maior parte dos esgotos da região de Lisboa eram deitados para o Tejo.

Só a meio do Rio é que as coisas amenizavam e embora as águas permanecessem turvas, o verde conseguia vencer o castanho, muito graças ao Oceano, que estava logo ali...

sexta-feira, agosto 07, 2015

Olhar para Trás e Sorrir ao Som do Jazz


Ainda não vai ser este ano que vou voltar ao auditório ao ar livre da Gulbenkian, para assistir aos concertos do  "Jazz em Agosto".

Lembro-me das primeiras visitas, de gostar de ficar por ali, preso a uma namorada engraçada que tocava piano e gostava de fazer coisas um tudo nada "estrambólicas".

Entretanto passaram quase trinta anos.

Eu sei que nessa altura nem havia muito que fazer em Lisboa no mês de Agosto. Nem tão pouco havia o hábito de se passear à beira do Rio (ligeiramente mais feio que nos nossos dias...). Era cinema, esplanadas e jazz...

Nesses anos oitenta costumava ir de férias em Setembro, quando os dias começavam a minguar e a Foz do Arelho ficava com poucos donos...

O óleo é de Denis Fremond.

quinta-feira, agosto 06, 2015

O Mesmo País, Duas Realidades Diferentes


Não tenho qualquer dúvida que no nosso país existem pelo menos duas formas de olhar a realidade (sei que é demasiado simplismo, ou até preconceito, mas...).

As pessoas que lêem o "Correio da Manhã" e  assistem diariamente às telenovelas portuguesas, pensam que vivem num país manchado de sangue, onde se mata por tudo e por nada. E pior ainda, pensam a justiça não funciona e que vale quase tudo nesta sociedade para sobreviver...

Felizmente a realidade ainda é outra coisa.

O óleo é de Rafael Catala.

quarta-feira, agosto 05, 2015

Não Há Nada como um Bom Empurrão...


Não me lembro de ver um filme português tão publicitado na televisão. Nem sequer falhou os telejornais.

E os resultados estão à vista, "O Pátio das Cantigas" só no fim de semana de estreia conseguiu bater o recorde do filme português mais visto do ano.

Só espero que a "receita" se mantenha para outros filmes, outros actores e outros realizadores. Eu sei que é pedir muito, mas...

terça-feira, agosto 04, 2015

A Fábula do Emprego


Não há mês melhor para apresentar estatísticas do emprego e desemprego que Agosto.

Na breve passagem pelo Sul reparámos com espanto na "enormidade" de lojas que pediam empregados, aliás, para ser mais preciso, colaboradores.

Com tanto cartaz, quase que apetece dizer que no Algarve só não trabalha quem não quer. Mesmo que não saibamos as condições oferecidas (ordenado, horas de trabalho diárias e folgas...).

É atrás deste mês que o PSD afirma (com o ar sério e solene do pequenote que foi baptizado com nome de "imperador"...) ter criado quase duzentos mil novos empregos. Do lado do PS diz-se o óbvio, que não é nada assim, como penso que todos sabemos (ou pelo menos devíamos saber).

Além dos muitos emigrantes, há também aqueles que desistiram de procurar trabalho e contam o tempo que falta para se candidatarem à reforma (outra desilusão...).

Habituado a tanta coisa estranha, nem me causa espanto que muito boa gente se deixe levar por mais esta fábula...

O óleo é de Montgmery Flagg.

segunda-feira, agosto 03, 2015

Fugir da Realidade


Há sempre a tentação de deixar de olhar, de ouvir, de acreditar.
De pensar que este mundo não existe... 
Que a televisão há muito tempo que só passa filmes disfarçados de realidade...
Que as guerras a Oriente são uma farsa, que as cidades destruídas são apenas um cenário, e é sempre o mesmo...
Que aquelas pessoas que andam a tentar chegar às Ilhas Britânicas, em saltos acrobáticos para comboios rápidos ou escondidas nos lugares mais estranhos que se conhecem, não passam de duplos de actores, pintados de preto, que afinal vivem em bairros luxuosos de Paris e não nas ruas de Calais...

Mas quando prometo a mim mesmo não voltar a ver mais notícias na televisão -  ficção por ficção vejo da boa, dos filmes e séries -, passo dentro da noite pela cidade grande e quase que tropeço nas pessoas de todas as idades, que agora nem precisam de mantas, para esconderem o rosto e os corpos do calor nocturno e dos olhares curiosos.
Reparo que nenhum deles se chama Cecil, nem é parecido com um peluche.
Sei apenas que deixaram de contar há muito para o país desenhado pelas televisões. Só aparecem no Natal, tal como o homem das barbas brancas e fato encarnado, como figurantes da festa das prendas e dos sorrisos de plástico.
Antes de apanhar o último barco da noite, olho o Tejo e sinto-me estranho, arrepio-me.
Já dentro do cacilheiro, sem perder o rio de vista, que brilha com a lua cheia, volto a arrepiar-me. Descubro que tenho medo.
Tenho medo que também se tornem invisíveis para o meu olhar.

Tenho medo de deixar de ser humano...

Tenho medo de deixar de acreditar.

O óleo é de Stephen Scott Young.

domingo, agosto 02, 2015

Casas com Cheiro a Mar


A casa onde tenho passado férias nos últimos anos fica a pelo menos uns dois quilómetros do mar. Para mim é a distância certa, mais que suficiente para se ouvirem as ondas, ao fim do dia. 

A praia do Cabeço ainda beneficia da protecção do Parque Natural da Ria Formosa,  sem dunas nem casas em perigo. 

Embora já tenha feito férias rente ao Atlântico, nunca achei piada às construções feitas em cima das praias, com os seus donos quase a quererem que se tornem privadas. Curiosamente o mar tem-me dado razão e há muito boa gente arrependida de ter pensado mais no umbigo que na força da natureza. 

Mas não se ouvem apenas as ondas, também se cheira o mar.

Basta abrir as portas e as janelas logo pela manhã para nos deliciarmos com a maresia...

O óleo é de Raymond Wintz.

sábado, agosto 01, 2015

Agosto ao Sábado


Não me lembro de um início do mês de Agosto ao sábado.

É bom, especialmente para quem acaba as férias, porque temos o fim de semana para nos preparamos para a semana que se avizinha.

Foram umas férias calmas, com muito calor pelo Sul (provavelmente as mais quentes dos últimos vinte anos...). 

Houve descanso com muitos banhos no mar, vários passeios aqui e ali e também algumas leituras, como de costume.

O óleo é de René Magritte.