"(...) ao próximo Governo não bastará boa vontade e sensatez para alterar o rumo da governação. Precisará de coragem e de um claro mandato dos cidadãos para fazer escolhas difíceis.Esse mandato não será concedido sem uma muito maior clarificação das medidas concretas que cada partido pretende adoptar."
Excerto do texto publicado no Público de hoje por Ana Drago, Daniel Oliveira, Henrique de Sousa, Isabel do Carmo, José Maria Castro Caldas, José Vítor Malheiros, Nuno Serra, Ricardo Paes Mamede e Rogério Moreira.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Lançamentos, hoje e amanhã em Lisboa
Da autoria de Luísa Schmidt, João Seixas e Alexandra Baixinho é hoje lançado o livro «Governação de Proximidade - As juntas de freguesia de Lisboa».
Analisando as escalas e os processos de ação sociopolítica de proximidade na governação urbana, os autores abordam os contextos e as dinâmicas à escala das freguesias de Lisboa, que foram objecto de transformações recentes a nível político e administrativo, oferecendo «uma base central para o melhor entendimento das exigências da governação de proximidade na cidade contemporânea» e constituindo assim «um guia de leitura e de informação aos fregueses sobre os seus direitos, convidando-os igualmente a intervir, mais e melhor» na vida da cidade.
A obra será apresentada por António Costa (presidente da CML) e Teresa Barata Salgueiro (professora do IGOT). A sessão realiza-se na Biblioteca da Imprensa Nacional, a partir das 18h00.
Amanhã, 12 de Dezembro, na Casa da Achada, a partir das 21h00, tem lugar a sessão de apresentação e debate sobre da colectânea de textos «Tempos Difíceis. As pessoas falam sobre a sua vida e o seu trabalho», editada pelo Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) e pela Cooperativa Outro Modo.
Um livro reúne textos de vários investigadores de ciências sociais, escritos a propósito das entrevistas que mantiveram com pessoas comuns (professores de música, operadores de call-center ou operárias têxteis, entre outros), convocando assim vozes e testemunhos, tantas vezes menosprezados no espaço público, por comparação com outras narrativas.
A sessão integra um exercício de dramatização de textos, pelo Grupo de Teatro Comunitário da Casa da Achada (Cátia Teixeira, Fernando Chainço, Filomena Galvão, Francisco d'Oliveira Raposo, Luís Arez), com orientação cénica de F. Pedro Oliveira, e que conta ainda com a participação do Coro da Casa da Achada, seguindo-se o debate, em que participam Ana Luísa Rodrigues, Bruno Monteiro, Francisco d’ Oliveira Raposo e Nuno Domingos.
Analisando as escalas e os processos de ação sociopolítica de proximidade na governação urbana, os autores abordam os contextos e as dinâmicas à escala das freguesias de Lisboa, que foram objecto de transformações recentes a nível político e administrativo, oferecendo «uma base central para o melhor entendimento das exigências da governação de proximidade na cidade contemporânea» e constituindo assim «um guia de leitura e de informação aos fregueses sobre os seus direitos, convidando-os igualmente a intervir, mais e melhor» na vida da cidade.
A obra será apresentada por António Costa (presidente da CML) e Teresa Barata Salgueiro (professora do IGOT). A sessão realiza-se na Biblioteca da Imprensa Nacional, a partir das 18h00.
Amanhã, 12 de Dezembro, na Casa da Achada, a partir das 21h00, tem lugar a sessão de apresentação e debate sobre da colectânea de textos «Tempos Difíceis. As pessoas falam sobre a sua vida e o seu trabalho», editada pelo Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) e pela Cooperativa Outro Modo.
Um livro reúne textos de vários investigadores de ciências sociais, escritos a propósito das entrevistas que mantiveram com pessoas comuns (professores de música, operadores de call-center ou operárias têxteis, entre outros), convocando assim vozes e testemunhos, tantas vezes menosprezados no espaço público, por comparação com outras narrativas.
A sessão integra um exercício de dramatização de textos, pelo Grupo de Teatro Comunitário da Casa da Achada (Cátia Teixeira, Fernando Chainço, Filomena Galvão, Francisco d'Oliveira Raposo, Luís Arez), com orientação cénica de F. Pedro Oliveira, e que conta ainda com a participação do Coro da Casa da Achada, seguindo-se o debate, em que participam Ana Luísa Rodrigues, Bruno Monteiro, Francisco d’ Oliveira Raposo e Nuno Domingos.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
Das viragens
1. Em vez de dedicar todos os seus recursos à análise e regulação do sector financeiro, o Banco que não é de Portugal e que um dia voltará a ser devota muitos recursos à análise e à desregulação das relações laborais (desregulação é um mau nome; na realidade, trata-se sempre e necessariamente de propor regras só que crescentemente favoráveis aos patrões, peço desculpa, ao “mercado”). Um dos economistas da abordagem da Almirante Reis ao “mercado”, que tende reduzir a força de trabalho a uma batata, é Mário Centeno. Centeno é agora o coordenador do grupo que irá definir a malha macroeconómica com que se irá coser um eventual governo do PS. Será que estamos perante um daqueles esforços inglórios para dar uma aparência técnica e despolitizada a escolhas políticas orçamentais, de resto em grande medida já fixadas pelos pesados constrangimentos orçamentais definidos pelos credores europeus e que, no fundo, correm o risco de ser aceites?
2. Entretanto, Vital Moreira já tinha saudado a menção da agenda da década à “economia social de mercado” de origem ordoliberal, ou seja, neoliberal alemã. Esta referência tinha-me escapado na análise crítica à agenda, já que estou demasiado habituado a vê-la em documentos deste campo político desgraçadamente colonizado. Retomando uma discussão com Vital Moreira – vitalpolitik – creio que não se pode dizer que a “economia social de mercado” escape às suas origens, constituindo um “noção compósita relativamente indeterminada” onde esquerda e direita se podem rever. Se é verdade que o SPD a aceitou no final dos anos cinquenta, dando um cunho mais progressivo ao social, a verdade é que a própria social-democracia foi influenciada pela lógica da regulação favorável à expansão da concorrência mercantil como principio socioeconómico dominante e pelo viés anti-keynesiano dos hegemónicos ordoliberais alemães desde os anos quarenta. Essa expressão fixou e fixa um campo de possíveis favorável à continuada colonização neoliberal da social-democracia, até por causa das estruturas europeias onde o neoliberalismo alemão está inscrito em estado mais puro, do BCE à Comissão Europeia, passando pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de liberdades para o capital.
3. Na ausência de uma outra correlação de forças, pode tratar-se em suma da continuação da lógica de articulação entre reformas neoliberais no campo “económico” e um certo discurso de investimento no “social”, de resto cada vez mais condicionado pelas regras austeritárias europeias, ou seja, Guterres, mas em modo europeu muito mais constrangedor, sem as facilidades aparentes da financeirização na sua fase exuberante dos anos noventa, num país com mais de uma década perdida, com um desemprego de massas e com uma direita muito mais assertiva, até porque as tais estruturas da UEM jogam a seu favor. Costa diz que ser humanista não é ser esquerdista e tem toda a razão. Creio, no entanto, que sem rupturas estruturais, estaremos condenados ao predomínio de políticas desumanizadoras e ao domínio de ideologias que ofuscam esta tendência pesada.
Leituras
«"Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (...), desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida". [Passos Coelho, no encerramento de um seminário sobre Economia Social, organizado pela União de Misericórdias de Portugal]
Portugal tornou-se nos últimos anos um país mais desigual em termos de distribuição de rendimentos e isso danifica seriamente o crescimento da economia, assinala a OCDE, num conjunto de estudos hoje divulgado. Por exemplo, o rendimento dos 10% mais ricos é hoje dez vezes superior ao dos 10% mais pobres.»
Miguel Abrantes, O Mexilhão de Passos
«É que ao ouvi-lo lembrei-me, sobretudo, dos mais 600.000 desempregados (e inactivos desencorajados). Lembrei-me do aumento da taxa de pobreza para 19% da população e da taxa de privação material severa para 10,9%. Mas também me lembrei dos pensionistas com pensões acima de 250 euros que não têm aumentos desde 2010 (...). Lembrei-me de funcionários com vencimentos congelados ou diminuídos. Lembrei-me da menor comparticipação nos medicamentos ou da redução de descontos nos transportes públicos para os mais velhos. Lembrei-me do aumento brutal dos impostos sobre o trabalho e da sobretaxa do IRS que transformou a classe média em ricos fiscais. (...) Lembrei-me da diminuição inexplicável dos beneficiários de prestações sociais como o rendimento social de inserção, complemento solidário para idosos e abono de família. (...). Neste orwelliano “triunfo dos mexilhões”, todos os mexilhões parecem iguais, mas há uns mais iguais do que outros.»
António Bagão Félix, Uma pérola: quando o mar bate na rocha, quem se lixa (não) é o mexilhão
«Os últimos anos foram inequivocamente os anos do acentuar das desigualdades. No país mais desigual da Europa, era do que não se precisava. De mais desigualdade. Acentuaram-se as desigualdades atendendo a quase todas as dicotomias imagináveis, muitas vezes a coberto de um discurso público cínico, de redução das desigualdades. (...) Um milhão e 200 mil não trabalham, de entre desempregados, inactivos e empregados a tempo parcial que querem trabalhar mais horas. E deste milhão e 200 mil, apenas 30 mil representam inactivos não disponíveis. Neste grande milhão vazio, 32% são jovens entre os 15 e os 24 anos. E 67% estão desempregados há mais de um ano. Fora aqueles que escaparam à miséria ao passar a fronteira. De todos os erros cometidos, o maior terá sido considerar o trabalho como uma simples variável idêntica a muitas outras. Considerar que a explosão do desemprego era algo tão anódino no papel como as variações dos juros da dívida ou da percentagem do défice.»
Miguel Romão, Um milhão e 200 mil
«O combater o abuso, o combater-se as pessoas não precisarem e preferirem receber um subsídio do que estar a trabalhar, isso são fraudes e não devem acontecer. E portanto todo o combate que deve ser feito a esse tipo de situações tem o apoio de toda a gente. Só que infelizmente o nosso problema não é esse. Nós temos relatórios sobre a pobreza em Portugal e é uma coisa bastante preocupante, especialmente porque atinge muitas crianças. E porque atinge já muitas pessoas que estão no emprego. Não é a ideia de que os pobres estão no desemprego. Não: há pessoas na pobreza que trabalham. E ainda por cima o ministro da Segurança Social tem feito um certo alarde sobre o número de cantinas sociais que tem aberto. Eu acho que nós nos devíamos todos envergonhar, como país, do número de cantinas que tem sido aberto. Nós tínhamos ao princípio umas oitenta e já vamos em mais de oitocentas. Isso significa pobreza, necessidade e pobreza.»
Manuela Ferreira Leite, (Política Mesmo, TVI24, Outubro de 2014)
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
Sobre este e outros países
Este país em que os recursos são transferidos do público para o privado e em que os rendimentos são canalizados do trabalho para o capital, dos cada vez mais pobres para os cada vez mais ricos, «só» é de crise para a grande maioria. Para os outros, é um campo imenso de oportunidades de negócios, mais ou menos lícitos mas plenos de promessas de lucro. Quando os enquadramentos legais e institucionais são frágeis, ainda por cima num ambiente social em que a acção colectiva de contra-poderes cidadãos (sindicais, associativos, etc.) é insuficiente, os ambientes altamente competitivos e a promessa de lucros frágeis, no contexto atrás descrito, promovem todo o tipo de práticas lesivas do interesse público, corrosivas do bem comum. Mesmo sabendo que parte das dificuldades da acção colectiva também resulta da própria situação de crise – que leva os que mais precisam da mudança a dedicar todo o seu tempo à sua própria sobrevivência diária –, não podemos deixar de investir as forças que temos na organização do combate feroz a este sistema criado para gerar mais desigualdades, mais corrupção, mais vidas perdidas. O nome desse sistema é neoliberalismo e, por agora, os presos nas malhas da desigualdade somos nós.
Sandra Monteiro, Corrupção e desigualdades, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Dezembro de 2014.
Também sobre este país na edição portuguesa em papel: António Carlos Santos analisa “a revolução fiscal do governo”, ou seja, a revolução que aumenta a desigualdade, Bruno Monteiro faz a “autópsia social dos acidentes de trabalho em Portugal”, ou seja, a autópsia da geração e transferência de custos sociais para os trabalhadores e Filipa Vala discute a “excelência asfixiante” numa ciência cada vez mais condicionada. Os presos nas malhas de que fala Sandra Monteiro somos mesmo nós.
Sandra Monteiro, Corrupção e desigualdades, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Dezembro de 2014.
Também sobre este país na edição portuguesa em papel: António Carlos Santos analisa “a revolução fiscal do governo”, ou seja, a revolução que aumenta a desigualdade, Bruno Monteiro faz a “autópsia social dos acidentes de trabalho em Portugal”, ou seja, a autópsia da geração e transferência de custos sociais para os trabalhadores e Filipa Vala discute a “excelência asfixiante” numa ciência cada vez mais condicionada. Os presos nas malhas de que fala Sandra Monteiro somos mesmo nós.
Quando Álvaro quis unir o patronato
Álvaro Santos Pereira é uma pessoa voluntarista que quer
mudar o mundo com a sua vontade. Isso não diz mal dele, mas a sua forma de olhar o mundo acaba por o punir.
No seu livro “Reformar sem medo”, o ex-ministro da Economia e do Emprego do governo de Passos Coelho conta a iniciativa – gorada – de unir um patronato demasiado dividido em Portugal. “Existem demasiadas vozes na CPCS [Comissão Permanente da Concertação Social]. No mínimo, existem demasiadas confederações patronais para tornar eficaz a voz dos patrões. Os patrões deviam falar a uma só voz, sem divergências notórias e sem descoordenação que, muitas vezes se regista entre as quatro confederações patronais”.
Álvaro acha que “seria igualmente bom se a parte sindical tivesse mais sintonia. Contudo, parece-me que isso será quase impossível, visto que a CGTP não tem demonstrado qualquer intenção de se aproximar da UGT, tal como os restantes parceiros”. Isto porque “a CGTP está demasiado radicalizada e demasiado controlada pelo Partido Comunista” e, “por isso, todos os restantes parceiros desconfiam da CGTP e preferem até que a maioria das discussões não seja feita na presença dessa central sindical”.
Posto esse cenário e “após estas consultas informais e após dois anos de trabalho com os parceiros, decidi que era chegada a hora de começar a agir para reformarmos a Concertação Social: É preciso um modelo mais próximo do espanhol, onde há apenas uma ou duas entidades patronais e um ou dois representantes sindicais. Uma voz para os patrões, e uma voz (principal) para os sindicatos. Uma alteração que nos poderia fazer apostar numa Concertação mais eficiente e menos centrada no aparato mediático”.
Imagina-se qual era a central sindical eleita como “principal”...
Continua Álvaro: “Por isso, no início da primavera de 2013, chamei ao meu gabinete os presidentes das seis confederações, as quatro confederações que têm presença na Concertação Social (CIP, CCP, CTP e CAP) mais as que nela não estão representadas (a Confederação da Construção e do Imobiliário, que durgiu de uma cisão da CIP, e a Confederação dos Serviços de Portugal, que foi constituída muito recentemente e que rivaliza com a CCP). E perguntei-lhes se estariam disponíveis para começar a rever o modelo de Concertação Social em relação à parte patronal”. Porque “havia demasiadas capelinhas para tudo e para nada”. E que “não tinha sentido haver seis confederações patronais, além das mais 700 associações empresariais, e que” – pasme-se agora – “era chegada a hora de concentrarmos esforços para que os patrões tivessem uma só voz”.
A iniciativa era importante porque “a CIP já tinha tentado fazer algo parecido uns anos antes, mas desta vez haveria um apoio informal por parte do Governo, de forma a reformar a Concertação”
O ministro sorri, voluntarioso, mas não percebe o sinal: “Eu disse-lhes que compreendia. E que contassem comigo para tentar ajudá-los a chegar a esse entendimento. E assim foi.”
Os presidentes levantaram-se para sair. Mas lembraram-se da comunicação social.
“Infelizmente, esse encontro não foi tão sigiloso como deveria ter sido, pois no final da reunião ficámos a saber que os jornalistas tinham sido avisados e estavam à espera à porta do Ministério. Por isso, combinámos dizer que o motivo da reunião tinha sido a minha intenção de lhes divulgar o supercrédito fiscal e os restantes incentivos ao investimento. Assim foi. E ninguém desconfiou do real motivo da reunião”.
Percebeu?
No seu livro “Reformar sem medo”, o ex-ministro da Economia e do Emprego do governo de Passos Coelho conta a iniciativa – gorada – de unir um patronato demasiado dividido em Portugal. “Existem demasiadas vozes na CPCS [Comissão Permanente da Concertação Social]. No mínimo, existem demasiadas confederações patronais para tornar eficaz a voz dos patrões. Os patrões deviam falar a uma só voz, sem divergências notórias e sem descoordenação que, muitas vezes se regista entre as quatro confederações patronais”.
Álvaro acha que “seria igualmente bom se a parte sindical tivesse mais sintonia. Contudo, parece-me que isso será quase impossível, visto que a CGTP não tem demonstrado qualquer intenção de se aproximar da UGT, tal como os restantes parceiros”. Isto porque “a CGTP está demasiado radicalizada e demasiado controlada pelo Partido Comunista” e, “por isso, todos os restantes parceiros desconfiam da CGTP e preferem até que a maioria das discussões não seja feita na presença dessa central sindical”.
Posto esse cenário e “após estas consultas informais e após dois anos de trabalho com os parceiros, decidi que era chegada a hora de começar a agir para reformarmos a Concertação Social: É preciso um modelo mais próximo do espanhol, onde há apenas uma ou duas entidades patronais e um ou dois representantes sindicais. Uma voz para os patrões, e uma voz (principal) para os sindicatos. Uma alteração que nos poderia fazer apostar numa Concertação mais eficiente e menos centrada no aparato mediático”.
Imagina-se qual era a central sindical eleita como “principal”...
Continua Álvaro: “Por isso, no início da primavera de 2013, chamei ao meu gabinete os presidentes das seis confederações, as quatro confederações que têm presença na Concertação Social (CIP, CCP, CTP e CAP) mais as que nela não estão representadas (a Confederação da Construção e do Imobiliário, que durgiu de uma cisão da CIP, e a Confederação dos Serviços de Portugal, que foi constituída muito recentemente e que rivaliza com a CCP). E perguntei-lhes se estariam disponíveis para começar a rever o modelo de Concertação Social em relação à parte patronal”. Porque “havia demasiadas capelinhas para tudo e para nada”. E que “não tinha sentido haver seis confederações patronais, além das mais 700 associações empresariais, e que” – pasme-se agora – “era chegada a hora de concentrarmos esforços para que os patrões tivessem uma só voz”.
A iniciativa era importante porque “a CIP já tinha tentado fazer algo parecido uns anos antes, mas desta vez haveria um apoio informal por parte do Governo, de forma a reformar a Concertação”
Imagine-se a cena. Um gabinete cheio com presidentes de confederações que se entreolham. “Ao ouvirem o que lhes transmiti, alguns concordaram, outros não. De qualquer maneira, alguns dos presentes disseram-me que era melhor que não se soubesse
que aquela reunião tinha acontecido. Que podia parecer que o Governo estava a interferir com a autonomia das confederações”. Podia lá?! “Que era melhor que, nos meses seguintes, os patrões falassem uns com os outros e
tentassem chegar a um entendimento.”
Os presidentes levantaram-se para sair. Mas lembraram-se da comunicação social.
“Infelizmente, esse encontro não foi tão sigiloso como deveria ter sido, pois no final da reunião ficámos a saber que os jornalistas tinham sido avisados e estavam à espera à porta do Ministério. Por isso, combinámos dizer que o motivo da reunião tinha sido a minha intenção de lhes divulgar o supercrédito fiscal e os restantes incentivos ao investimento. Assim foi. E ninguém desconfiou do real motivo da reunião”.
Percebeu?
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Os números por detrás dos números
Escreve-se melhor uma notícia com pouca informação disponível. O lead é escorreito, directo, claro. Dá um bom título, mas é capaz de não ser muito real. Com muita informação disponível, é mais difícil saber o que escolher para lead, encadear os factos numa leitura em fio. Tudo parece estar relacionado com tudo e o título tende a torna-se uma confusão, cheio de nuances.
Todos os jornalistas já passaram por isto. E arriscam-se a sentir o mesmo de cada vez que tiverem de escrever sobre o desemprego. Tudo porque as estatísticas oficiais padecem de várias limitações.
No seu Inquérito ao Emprego, o INE não publica valores absolutos do desemprego, mas apenas estimativas, construídas com base numa amostra de pessoas, inquiridas trimestralmente. Por isso, a definição dessa amostra tem um papel fundamental.
E tudo indica que a amostra esteja mal calibrada.
Veja-se o caso dos desempregados que declararam receber subsídio de desemprego. A pergunta - recebe subsídio? - é feita regularmente no Inquérito do Emprego. Mas o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) publicita valores administrativos - e absolutos - do número de desempregados apoiados. Seja com o subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego ou social de desemprego subsequente ou ainda com prolongamentos. Ou seja, é possível verificar neste caso como foi desenhada a amostra.
A tendência nas duas linhas é a mesma. E isso é bom.
Mas os números do INE e do IEFP deveriam ser aproximados porque se trata da mesma realidade. Só que a diferença é visível - há uma subavaliação pelo INE entre 80 e 120 mil pessoas desempregadas - e, no novo Inquérito ao Emprego, parece ser crescente.
E, como se pode ver no gráfico ao lado, esse hiato entre os valores do INE e do IEFP parece aumentar (linha azul) quando o desemprego sobe (linha vermelha) e diminuir quando o desemprego diminui. Mas nem sempre na mesma dimensão. O novo inquérito ao Emprego (desde 2011) parece acentuar essas oscilações. [nota: juntou-se os valores de 2011 apenas para dar a continuidade, embora não sejam os correctos, porque não comparáveis com 2010]
Isso quer dizer o quê? Apenas isso. Que o número de desempregados que declara receber subsídio está mal representado na amostra e de forma significativa. O INE deveria ter ajustado a sua amostra.
Tem esse facto consequências para o total de desempregados? Não se sabe, porque não há um valor absoluto do IEFP para o desemprego. Há apenas o "desemprego registado". E esse dado é um número administrativo dos desempregados inscritos nos centros de emprego, mas que é expurgado de diversas situações, incluindo as acções de política activa de emprego. É uma estatística gerida administrativamente e que não tem por isso de ser equivalente ao número de desempregados do INE.
Não há informação pública sobre o que motivou a sua variação, se foi a reforma, a emigração, a morte, a anulação administrativa de inscrições no IEFP ou as políticas activas de desemprego. Ou seja, o número de "desemprego registado" subavalia o desemprego inscrito nos centros de emprego.
Veja-se, no gráfico acima, a variação do "desemprego registado" e do número dos "novos desempregados, inscritos ao longo de cada mês". Os dados em bruto de quem se inscreve nos centros de emprego nem sempre são reflectidos no "desemprego registado" (sobretudo em 2013 e 2014) e, no entanto, este é o dado seguido pela comunicação social.
O que é interessante verificar é que as estatísticas mensais de desemprego - estimadas inicialmente pelo Eusotat e agora também pelo INE - são construídas com base numa mensualização dos dados trimestrais e com base no "desemprego registado" do IEFP. Ou seja, tudo indica que o nível de desemprego oficial mensal está a ser subavaliado.
A estas limitações, juntam-se outras.
Desde 2011, o novo Inquérito ao Emprego do INE subavalia o desemprego ao considerar como empregados quem esteja em Programas Ocupacionais de Emprego, sem que tenha sido colocada no inquérito alguma pergunta que permita quantificar quem está nessa situação (sabe-se que o número de pessoas tem sido crescente, mas desconhece-se se é reflectida nos valores oficiais).
Além disso, o INE acrescentou mais alterações:
* os trabalhadores sazonais passaram a contrato a prazo;
* o subemprego visível passou por um crivo de disponibilidade para trabalhar mais horas;
* os desempregados que procuram trabalho passaram a ter de estar no intervalo entre 15 e 75 anos, quando antes era 15 e mais anos;
* os inactivos estão sujeitos a esse crivo etário, sendo que entre 5 a 15 anos passam a ser designados por "outros inactivos".
Tal como se pode ver na nota do INE, os novos números reduziram o desemprego e aumentaram o emprego.
A tudo isto, há ainda que juntar "velhas" questões: as estatísticas oficiais do INE seguem de perto as metodologias do Eurostat que, desde sempre, visaram atenuar - politicamente - o fenómeno do desemprego.
É o caso do próprio apertado conceito de desempregado; ou do desemprego de longa duração que passou de seis meses para um ano, à medida que o desemprego se foi alargando na sociedade. Claro que o Inquérito de Emprego recolhe informação complementar para que se possa completar o retrato (subemprego visível, inactivos dispostos a trabalhar, desempregados indisponíveis, etc., etc.), mas é sempre um produto em "segundo grau", nunca reflectido na taxa oficial de desemprego.
Se o desemprego é o problema maior da sociedade, dever-se-ia construir indicadores mais fiáveis para melhor orientar as políticas públicas.
Todos os jornalistas já passaram por isto. E arriscam-se a sentir o mesmo de cada vez que tiverem de escrever sobre o desemprego. Tudo porque as estatísticas oficiais padecem de várias limitações.
No seu Inquérito ao Emprego, o INE não publica valores absolutos do desemprego, mas apenas estimativas, construídas com base numa amostra de pessoas, inquiridas trimestralmente. Por isso, a definição dessa amostra tem um papel fundamental.
E tudo indica que a amostra esteja mal calibrada.
Veja-se o caso dos desempregados que declararam receber subsídio de desemprego. A pergunta - recebe subsídio? - é feita regularmente no Inquérito do Emprego. Mas o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) publicita valores administrativos - e absolutos - do número de desempregados apoiados. Seja com o subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego ou social de desemprego subsequente ou ainda com prolongamentos. Ou seja, é possível verificar neste caso como foi desenhada a amostra.
A tendência nas duas linhas é a mesma. E isso é bom.
Mas os números do INE e do IEFP deveriam ser aproximados porque se trata da mesma realidade. Só que a diferença é visível - há uma subavaliação pelo INE entre 80 e 120 mil pessoas desempregadas - e, no novo Inquérito ao Emprego, parece ser crescente.
E, como se pode ver no gráfico ao lado, esse hiato entre os valores do INE e do IEFP parece aumentar (linha azul) quando o desemprego sobe (linha vermelha) e diminuir quando o desemprego diminui. Mas nem sempre na mesma dimensão. O novo inquérito ao Emprego (desde 2011) parece acentuar essas oscilações. [nota: juntou-se os valores de 2011 apenas para dar a continuidade, embora não sejam os correctos, porque não comparáveis com 2010]
Isso quer dizer o quê? Apenas isso. Que o número de desempregados que declara receber subsídio está mal representado na amostra e de forma significativa. O INE deveria ter ajustado a sua amostra.
Tem esse facto consequências para o total de desempregados? Não se sabe, porque não há um valor absoluto do IEFP para o desemprego. Há apenas o "desemprego registado". E esse dado é um número administrativo dos desempregados inscritos nos centros de emprego, mas que é expurgado de diversas situações, incluindo as acções de política activa de emprego. É uma estatística gerida administrativamente e que não tem por isso de ser equivalente ao número de desempregados do INE.
Não há informação pública sobre o que motivou a sua variação, se foi a reforma, a emigração, a morte, a anulação administrativa de inscrições no IEFP ou as políticas activas de desemprego. Ou seja, o número de "desemprego registado" subavalia o desemprego inscrito nos centros de emprego.
Veja-se, no gráfico acima, a variação do "desemprego registado" e do número dos "novos desempregados, inscritos ao longo de cada mês". Os dados em bruto de quem se inscreve nos centros de emprego nem sempre são reflectidos no "desemprego registado" (sobretudo em 2013 e 2014) e, no entanto, este é o dado seguido pela comunicação social.
O que é interessante verificar é que as estatísticas mensais de desemprego - estimadas inicialmente pelo Eusotat e agora também pelo INE - são construídas com base numa mensualização dos dados trimestrais e com base no "desemprego registado" do IEFP. Ou seja, tudo indica que o nível de desemprego oficial mensal está a ser subavaliado.
A estas limitações, juntam-se outras.
Desde 2011, o novo Inquérito ao Emprego do INE subavalia o desemprego ao considerar como empregados quem esteja em Programas Ocupacionais de Emprego, sem que tenha sido colocada no inquérito alguma pergunta que permita quantificar quem está nessa situação (sabe-se que o número de pessoas tem sido crescente, mas desconhece-se se é reflectida nos valores oficiais).
Além disso, o INE acrescentou mais alterações:
* os trabalhadores sazonais passaram a contrato a prazo;
* o subemprego visível passou por um crivo de disponibilidade para trabalhar mais horas;
* os desempregados que procuram trabalho passaram a ter de estar no intervalo entre 15 e 75 anos, quando antes era 15 e mais anos;
* os inactivos estão sujeitos a esse crivo etário, sendo que entre 5 a 15 anos passam a ser designados por "outros inactivos".
Tal como se pode ver na nota do INE, os novos números reduziram o desemprego e aumentaram o emprego.
A tudo isto, há ainda que juntar "velhas" questões: as estatísticas oficiais do INE seguem de perto as metodologias do Eurostat que, desde sempre, visaram atenuar - politicamente - o fenómeno do desemprego.
É o caso do próprio apertado conceito de desempregado; ou do desemprego de longa duração que passou de seis meses para um ano, à medida que o desemprego se foi alargando na sociedade. Claro que o Inquérito de Emprego recolhe informação complementar para que se possa completar o retrato (subemprego visível, inactivos dispostos a trabalhar, desempregados indisponíveis, etc., etc.), mas é sempre um produto em "segundo grau", nunca reflectido na taxa oficial de desemprego.
Se o desemprego é o problema maior da sociedade, dever-se-ia construir indicadores mais fiáveis para melhor orientar as políticas públicas.
Em defesa da disciplina partidária
Na sequência da notícia de que os deputados do PSD-Madeira iriam ser alvo de um processo disciplinar por terem votado contra o Orçamento do Estado para 2015, a direcção do LIVRE emitiu um comunicado condenando esse procedimento, bem como o princípio da disciplina de voto que lhe subjaz.
Estou há algum tempo envolvido num processo de construção de uma plataforma eleitoral que envolve o LIVRE, outras organizações políticas e várias dezenas de cidadãos sem filiação em qualquer organização política. Esta é uma colaboração necessária e justificada pela leitura semelhante que fazemos acerca da situação em que se encontra o país e das respostas que é preciso encontrar neste contexto específico. Este trabalho conjunto e a convergência de propósitos não impede que haja temas específicos em que divergimos - faz parte da noção de convergência na diversidade. Este é um deles.
O regime constitucional em que vivemos tem nos partidos políticos a sua base constitutiva. Assume-se que os partidos correspondem a instituições que organizam e representam os interesses e valores dos cidadãos, assumindo assim a inviabilidade de um regime baseado na democracia directa permanente. Quando votam, os cidadãos tomam por referência os programas partidários, assumindo que as organizações a que chamamos partidos encontrarão os métodos mais adequados de assegurar que esses programas terão tradução nas posições que os eleitos desses partidos assumem nos lugares que ocupam. Se não o fizerem, os partidos serão julgados em conformidade nas eleições subsequentes.
Assim, discordo da direcção do LIVRE quando esta afirma no seu comunicado que a disciplina partidária de voto é uma “anormalidade democrática” ou uma “subversão da democracia”. Pelo contrário, considero que constitui uma anormalidade no nosso regime democrático, nos termos em que ele actualmente existe, bem como uma subversão dos princípios constitucionais, que um deputado eleito por um partido vote sem respeitar o programa eleitoral pelo qual aceitou ser eleito. Em caso de dúvida sobre a interpretação a dar a esse programa perante casos concretos, cabe às estruturas formais dos partidos esclarecê-lo colectivamente, de acordo com as regras que vigoram em cada partido.
Certamente, em algumas ocasiões não haverá motivos para que as direcções dos partidos se sobreponham à consciência individual dos deputados – nomeadamente quando estão em causa decisões sobre os quais o programa dos partidos é omisso. Ou quando os próprios partidos assumem que os temas em causa devem ser decididos de acordo com a consciência de cada um. Isto já acontece no regime democrático português (e ainda bem), mas constitui a excepção e não a regra (e ainda bem).
No entanto, se há situação em que faz muito pouco sentido haver liberdade de voto é na votação do Orçamento de Estado – o qual define os aspectos estruturantes da intervenção do Estado na economia e na sociedade. Se eu tivesse votado num partido com base num programa específico, não gostaria de ver os deputados eleitos a votar contra esse programa por "uma questão consciência individual" num momento tão decisivo como é a aprovação de um Orçamento de Estado. Isto seria o fim da democracia representativa como a conhecemos.
Nada disto invalida que os partidos encontrem mecanismos para envolver mais os seus apoiantes – e não apenas as direcções partidárias – nas decisões que têm de tomar ao longo de uma legislatura. E será muito bom para a democracia portuguesa que surjam partidos cuja prática se aproxime mais de uma lógica de democracia participativa (por contraponto a uma lógica meramente representativa, validada de quatro em quatro anos).
Os eleitores poderão, então, escolher não apenas entre programas, mas entre formas de organização interna dos partidos. Alguns cidadãos escolherão votar em partidos com práticas altamente centralizadas, outros que apostam mais frequentemente na liberdade de voto dos seus deputados (esclarecendo, à partida, a que tipo de decisões tal se aplica), outros ainda que tentam validar junto dos seus apoiantes todas as decisões relevantes. O que a direcção de cada partido deve mesmo evitar fazer é tecer considerações sobre o modo como os outros partidos decidiram, democraticamente, organizar-se.
Estou há algum tempo envolvido num processo de construção de uma plataforma eleitoral que envolve o LIVRE, outras organizações políticas e várias dezenas de cidadãos sem filiação em qualquer organização política. Esta é uma colaboração necessária e justificada pela leitura semelhante que fazemos acerca da situação em que se encontra o país e das respostas que é preciso encontrar neste contexto específico. Este trabalho conjunto e a convergência de propósitos não impede que haja temas específicos em que divergimos - faz parte da noção de convergência na diversidade. Este é um deles.
O regime constitucional em que vivemos tem nos partidos políticos a sua base constitutiva. Assume-se que os partidos correspondem a instituições que organizam e representam os interesses e valores dos cidadãos, assumindo assim a inviabilidade de um regime baseado na democracia directa permanente. Quando votam, os cidadãos tomam por referência os programas partidários, assumindo que as organizações a que chamamos partidos encontrarão os métodos mais adequados de assegurar que esses programas terão tradução nas posições que os eleitos desses partidos assumem nos lugares que ocupam. Se não o fizerem, os partidos serão julgados em conformidade nas eleições subsequentes.
Assim, discordo da direcção do LIVRE quando esta afirma no seu comunicado que a disciplina partidária de voto é uma “anormalidade democrática” ou uma “subversão da democracia”. Pelo contrário, considero que constitui uma anormalidade no nosso regime democrático, nos termos em que ele actualmente existe, bem como uma subversão dos princípios constitucionais, que um deputado eleito por um partido vote sem respeitar o programa eleitoral pelo qual aceitou ser eleito. Em caso de dúvida sobre a interpretação a dar a esse programa perante casos concretos, cabe às estruturas formais dos partidos esclarecê-lo colectivamente, de acordo com as regras que vigoram em cada partido.
Certamente, em algumas ocasiões não haverá motivos para que as direcções dos partidos se sobreponham à consciência individual dos deputados – nomeadamente quando estão em causa decisões sobre os quais o programa dos partidos é omisso. Ou quando os próprios partidos assumem que os temas em causa devem ser decididos de acordo com a consciência de cada um. Isto já acontece no regime democrático português (e ainda bem), mas constitui a excepção e não a regra (e ainda bem).
No entanto, se há situação em que faz muito pouco sentido haver liberdade de voto é na votação do Orçamento de Estado – o qual define os aspectos estruturantes da intervenção do Estado na economia e na sociedade. Se eu tivesse votado num partido com base num programa específico, não gostaria de ver os deputados eleitos a votar contra esse programa por "uma questão consciência individual" num momento tão decisivo como é a aprovação de um Orçamento de Estado. Isto seria o fim da democracia representativa como a conhecemos.
Nada disto invalida que os partidos encontrem mecanismos para envolver mais os seus apoiantes – e não apenas as direcções partidárias – nas decisões que têm de tomar ao longo de uma legislatura. E será muito bom para a democracia portuguesa que surjam partidos cuja prática se aproxime mais de uma lógica de democracia participativa (por contraponto a uma lógica meramente representativa, validada de quatro em quatro anos).
Os eleitores poderão, então, escolher não apenas entre programas, mas entre formas de organização interna dos partidos. Alguns cidadãos escolherão votar em partidos com práticas altamente centralizadas, outros que apostam mais frequentemente na liberdade de voto dos seus deputados (esclarecendo, à partida, a que tipo de decisões tal se aplica), outros ainda que tentam validar junto dos seus apoiantes todas as decisões relevantes. O que a direcção de cada partido deve mesmo evitar fazer é tecer considerações sobre o modo como os outros partidos decidiram, democraticamente, organizar-se.
domingo, 7 de dezembro de 2014
sábado, 6 de dezembro de 2014
A era da dívida
Depois de tomar conta do sector privado das economias avançadas e de dar origem à Grande Recessão de 2007-08, o endividamento alastrou posteriormente ao sector público e, nos tempos mais recentes, às economias emergentes. Sem mais sectores internos ou externos que sirvam de almofada, a próxima recessão global vai com certeza ser diferente para pior.
O endividamento tem a maior importância porque pode ser um motor, mas também um travão, da actividade económica. É um motor porque, quando fora do pleno emprego, acresce à procura. Quando eu, consumidor ou empresário, contraio um empréstimo e o utilizo para financiar uma despesa de consumo ou investimento, não estou simplesmente a utilizar as poupanças de outrém, tal como é sugerido pelo entendimento mais simplista (e errado) do sistema bancário. O montante que é creditado na minha conta quando contraio o empréstimo, e que eu utilizo posteriormente para consumir ou investir, não requer qualquer poupança anterior por parte de terceiros - é criado de forma escritural, a partir do nada, pelo banco. Nem sequer requer que o banco disponha de depósitos suficientes para cobrir a fracção legalmente exigida dos empréstimos adicionais concedidos, uma vez que esses mesmos empréstimos se transformam, directa ou indirectamente, nos depósitos que asseguram a sua própria cobertura.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
Sobre as condições à esquerda para conversar com o PS
Um leitor escreve a propósito do meu texto sobre O desafio de António Costa às esquerdas portuguesas: nas eleições de 2005, o PS prometeu reverter aspectos fundamentais do código de trabalho alterado por Bagão Félix (nomeadamente, o princípio do direito mais favorável ao trabalhador e a não caducidade das convenções colectivas enquanto não tiver sido negociada outra); no entanto, depois de eleitou recusou-se a cumprir a promessa; perante comportamentos destes, como podemos confiar no PS?
O problema vai colocar-se novamente, claro está. O PS afirma que é contra a austeridade, mas não temos a certeza que vá pôr um travão à austeridade quando estiver no governo. O PS diz que é contra a precariedade, mas não é certo que vá tomar as medidas necessárias para a combater na prática. O PS diz-se a favor da adopção por casais do mesmo sexo, mas não é certo que uma vez no governo aprove e faça cumprir uma lei nesse sentido.
À esquerda, todos estamos de acordo com as posições do PS que referi acima, pelo que não é preciso exigir que o PS as repita para poderemos conversar. Também não creio que valha a pena exigirmos como condição prévia para conversar que o PS assuma compromissos concretos antes das eleições - já vimos muitas vezes os partidos de governo a comprometerem-se com uma coisa antes de eleições e a fazer outra depois de eleitos. É por isso que não faço questão que os partidos de esquerda cheguem a acordo antes das eleições.
Há uma coisa que os partidos à esquerda do PS podem e devem dizer: se depois das eleições a sua força eleitoral for determinante, ela servirá para procurar assegurar que os compromissos que se assumiram (e que as várias esquerdas subscrevem) são cumpridos. Se a sua força eleitoral fôr muito grande, conseguirá influenciar muitas decisões. Se for pequena, terá de ver se faz sentido utilizá-la para conseguir que algumas das promessas sejam cumpridas. Se for muito pequena, dificilmente poderá fazer a diferença - e o seu envolvimento no governo pode até ser contra-producente.
Parece-me que esta mensagem é fácil de compreender. O que é difícil de compreender para a maioria dos eleitores é um partido afirmar à partida que não vai fazer diferença para o rumo da governação, pois não está disposto a discutir possíveis compromissos com quem muito provavelmente vencerá as eleições. Até pode haver muitas boas razões para um partido assumir tal posição - não há é muita gente que as perceba.
O problema vai colocar-se novamente, claro está. O PS afirma que é contra a austeridade, mas não temos a certeza que vá pôr um travão à austeridade quando estiver no governo. O PS diz que é contra a precariedade, mas não é certo que vá tomar as medidas necessárias para a combater na prática. O PS diz-se a favor da adopção por casais do mesmo sexo, mas não é certo que uma vez no governo aprove e faça cumprir uma lei nesse sentido.
À esquerda, todos estamos de acordo com as posições do PS que referi acima, pelo que não é preciso exigir que o PS as repita para poderemos conversar. Também não creio que valha a pena exigirmos como condição prévia para conversar que o PS assuma compromissos concretos antes das eleições - já vimos muitas vezes os partidos de governo a comprometerem-se com uma coisa antes de eleições e a fazer outra depois de eleitos. É por isso que não faço questão que os partidos de esquerda cheguem a acordo antes das eleições.
Há uma coisa que os partidos à esquerda do PS podem e devem dizer: se depois das eleições a sua força eleitoral for determinante, ela servirá para procurar assegurar que os compromissos que se assumiram (e que as várias esquerdas subscrevem) são cumpridos. Se a sua força eleitoral fôr muito grande, conseguirá influenciar muitas decisões. Se for pequena, terá de ver se faz sentido utilizá-la para conseguir que algumas das promessas sejam cumpridas. Se for muito pequena, dificilmente poderá fazer a diferença - e o seu envolvimento no governo pode até ser contra-producente.
Parece-me que esta mensagem é fácil de compreender. O que é difícil de compreender para a maioria dos eleitores é um partido afirmar à partida que não vai fazer diferença para o rumo da governação, pois não está disposto a discutir possíveis compromissos com quem muito provavelmente vencerá as eleições. Até pode haver muitas boas razões para um partido assumir tal posição - não há é muita gente que as perceba.
A banca e as finanças primeiro
No discurso que proferiu no passado dia 25 de Novembro no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o Papa Francisco exortou os deputados a construir uma Europa centrada na «pessoa humana» e não só na economia. Apelando à necessidade de «devolver dignidade ao trabalho», o Papa assinalou o risco de a preponderância concedida às «questões técnicas e económicas» reduzir o ser humano a uma «mera engrenagem, de um mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado». E lembrou, uma vez mais, as responsabilidades da Europa para evitar que o Mediterrâneo «se torne um grande cemitério», ao largo de Lampedusa.
Por cá, nem de propósito, um dia antes do discurso do Papa Francisco, os deputados do PSD e do CDS/PP chumbaram a proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2015, apresentada pelo PS, que previa a suspensão das penhoras e vendas de imóveis para compensar dívidas fiscais, quando estivesse em risco «a casa de morada de família» ou em situações de «famílias com membros desempregados» (para evitar, por exemplo, situações como esta). Contemplamos assim, uma vez mais, a «democracia cristã» e a «ética social na austeridade» em todo o seu esplendor.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
Contra o comércio livre
A propósito do debate (aqui e aqui) sobre a Parceria Transatlântica de
Comércio e Investimento UE-EUA (em inglês TTIP), convém lembrar que no comércio
extracomunitário, como nas demais políticas, a UE adopta os princípios do
neoliberalismo como se fossem teoria económica rigorosa e inquestionável. Por isso, vale a pena ler um texto didático em que são resumidos alguns argumentos contra o comércio livre. De seguida, a tradução de alguns parágrafos desse texto alinhados por mim.
David Ricardo assumia que o capital não tinha mobilidade. Se não estava a ser plenamente utilizado na produção de alguma coisa, seria transferido para a produção de outra coisa no mesmo país. Não seria usado para criar empregos noutro país. No presente sistema, com a mobilidade do capital, não há razão para empregar tanto o capital como o trabalho no país de origem se for possível obter maiores lucros noutro sítio. Neste caso, o comércio livre pode conduzir a uma efectiva perda de empregos.
Um argumento frequente a favor do comércio livre é o de que ele permite a produção de bens de consumo mais baratos, o que melhora a situação do país, mesmo considerando o custo da transferência de empregos para outros países. Isto é verdade apenas marginalmente. A maior parte da redução dos custos na produção dos bens importados é apropriada como lucros adicionais, não é passada ao consumidor. A redução do emprego significa que algumas pessoas perdem tudo imediatamente: aqueles que não encontram um novo emprego e os que apenas conseguem arranjar um emprego no sector dos serviços de baixos salários. Mas mesmo os que mantêm o emprego são prejudicados se o comércio [associado à deslocalização] significa uma perda do poder negocial do trabalho e a estagnação dos salários (daí a inexistência de um aumento significativo do salário mediano desde aproximadamente meados dos anos setenta).
A renúncia aos direitos aduaneiros e controlo do comércio é uma forma de traição das elites que possuem capital para aplicar no exterior, em detrimento do resto da população do seu país. Se noutro país há salários mais baixos, menores exigências ambientais, condições de trabalho dramaticamente inseguras e opressivas, isto é uma vantagem para esse país, e também para alguns [as elites] dentro do país em desvantagem. A resposta tradicional costuma ser: “claro, podem fazer isso, mas se o fizerem, aplicaremos aos produtos desses países tarifas compensatórias.” Os acordos de comércio livre, ao assumirem que é possível aplicar outras medidas por fora, acabam por forçar práticas de recurso (manipulação da taxa de câmbio) que, além de imperfeitas, em vez de gerarem receitas para o Estado implicam custos.
Qualquer nação maior que uma cidade-Estado, com excepção da Rússia, industrializou-se com a protecção de algum tipo de barreiras aduaneiras, o que inclui os EUA, Japão, Grã-Bretanha e China. Com isto não se pretende dizer que o comércio é sempre mau, apenas que é importante e deve ser sempre gerido. Tal como é indesejável que os preços de matérias-primas exportadas valorizem a moeda, ao ponto dos produtos manufacturados do país se tornarem não-competitivos, também não é desejável que pelo comércio se destrua a autossuficiência alimentar ou se amarre o país a uma especialização produtiva de baixo valor acrescentado. Se a Coreia do Sul e o Japão tivessem seguido os conselhos dos economistas ocidentais, como recordou Ha-Joon Chang, ainda hoje produziriam sobretudo seda e arroz, as produções em que tinham uma vantagem: não produziriam alguns dos melhores carros do mundo, precisamente aquilo em que os EUA tinham uma vantagem comparada.
David Ricardo assumia que o capital não tinha mobilidade. Se não estava a ser plenamente utilizado na produção de alguma coisa, seria transferido para a produção de outra coisa no mesmo país. Não seria usado para criar empregos noutro país. No presente sistema, com a mobilidade do capital, não há razão para empregar tanto o capital como o trabalho no país de origem se for possível obter maiores lucros noutro sítio. Neste caso, o comércio livre pode conduzir a uma efectiva perda de empregos.
Um argumento frequente a favor do comércio livre é o de que ele permite a produção de bens de consumo mais baratos, o que melhora a situação do país, mesmo considerando o custo da transferência de empregos para outros países. Isto é verdade apenas marginalmente. A maior parte da redução dos custos na produção dos bens importados é apropriada como lucros adicionais, não é passada ao consumidor. A redução do emprego significa que algumas pessoas perdem tudo imediatamente: aqueles que não encontram um novo emprego e os que apenas conseguem arranjar um emprego no sector dos serviços de baixos salários. Mas mesmo os que mantêm o emprego são prejudicados se o comércio [associado à deslocalização] significa uma perda do poder negocial do trabalho e a estagnação dos salários (daí a inexistência de um aumento significativo do salário mediano desde aproximadamente meados dos anos setenta).
A renúncia aos direitos aduaneiros e controlo do comércio é uma forma de traição das elites que possuem capital para aplicar no exterior, em detrimento do resto da população do seu país. Se noutro país há salários mais baixos, menores exigências ambientais, condições de trabalho dramaticamente inseguras e opressivas, isto é uma vantagem para esse país, e também para alguns [as elites] dentro do país em desvantagem. A resposta tradicional costuma ser: “claro, podem fazer isso, mas se o fizerem, aplicaremos aos produtos desses países tarifas compensatórias.” Os acordos de comércio livre, ao assumirem que é possível aplicar outras medidas por fora, acabam por forçar práticas de recurso (manipulação da taxa de câmbio) que, além de imperfeitas, em vez de gerarem receitas para o Estado implicam custos.
Qualquer nação maior que uma cidade-Estado, com excepção da Rússia, industrializou-se com a protecção de algum tipo de barreiras aduaneiras, o que inclui os EUA, Japão, Grã-Bretanha e China. Com isto não se pretende dizer que o comércio é sempre mau, apenas que é importante e deve ser sempre gerido. Tal como é indesejável que os preços de matérias-primas exportadas valorizem a moeda, ao ponto dos produtos manufacturados do país se tornarem não-competitivos, também não é desejável que pelo comércio se destrua a autossuficiência alimentar ou se amarre o país a uma especialização produtiva de baixo valor acrescentado. Se a Coreia do Sul e o Japão tivessem seguido os conselhos dos economistas ocidentais, como recordou Ha-Joon Chang, ainda hoje produziriam sobretudo seda e arroz, as produções em que tinham uma vantagem: não produziriam alguns dos melhores carros do mundo, precisamente aquilo em que os EUA tinham uma vantagem comparada.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Assim se trata da nossa saúde
O Negócios tem hoje uma notícia interessante sobre as tendências mais importantes ao nível dos sistemas de saúde na UE, descritas num relatório da OCDE. O centro da notícia é que Portugal foi um dos países em que a despesa de saúde total (pública e privada) em % do PIB mais caiu. A notícia salvaguarda, no entanto, que a despesa total com Saúde mantém-se acima da média da UE. Em percentagem do PIB, bem entendido. O relatório não faz todos os desdobramentos que seriam úteis para uma análise da evolução, mas há alguns aspectos que merecem ser realçados:
1. A despesa em % do PIB desce muito mais do que a média da UE em anos em que o PIB português também caiu mais do que a média da UE, ou seja, a queda em valores absolutos é ainda mais acentuada.
2. Somos, a seguir à Grécia, o país com maior percentagem de maiores de 65 no total da população. Isto em 2012, antes do grande surto de emigração que este Governo provocou.
3. Por outro lado, em termos absolutos per capita, a despesa de saúde em Portugal está bem abaixo da média, apenas à frente dos países de Leste e Grécia.
4. Se considerarmos apenas a componente pública da despesa, passamos para trás da Grécia, ou seja, somos o país que menos gasta da Europa Ocidental.
5. Em termos de proporção dos gastos públicos nos gastos totais, temos uma das percentagens mais baixas (62%) de toda a UE, apenas acima da Bulgária, Hungria e Chipre, ou seja, temos um dos sistemas menos públicos.
6. Finalmente, o dado que mais salta à vista é o de que somos, de longe, o país em que a contribuição dos utentes mais aumentou nos últimos anos, (já representa 32% da despesa total) ao mesmo tempo que a tendência da média Europeia é de estabilização.
Em resumo, temos um dos sistemas de saúde mais privados da UE e, apesar de sermos um dos países em que a despesa total mais diminuiu, somos aquele em que os pagamentos das famílias mais aumentaram. Não é preciso ser um génio para fazer as contas. Aquilo a que temos assistido é a uma transferência dos custos da saúde para as famílias. As que podem, bem entendido. O relatório da OCDE não apresenta a evolução dos valores absolutos da despesa pública em cada país. Mas, se a nossa despesa total é das que mais desce, num contexto do maior aumento da despesa directa das famílias (que representa um terço do total), como dizia o outro, é fazer as contas.
Quando a corrupção é tão visível
Álvaro Santos Pereira, ex-ministro de Passos Coelho, no seu mais recente livro em que fala da sua experiência como ministro da Economia e do que não é politicamente correcto, nomeadamente a ideia de que o PAEF (Programa de Assistência Económica e Financeira) é tão ineficaz como perverso:
1) "Eu próprio tive alguns colegas de Governos europeus a relembrarem-me ser importante não nos esquecermos da solidariedade que tínhamos recebido da Europa, solidariedade que devia ser reconhecida nos processos de privatização."
(Claro, a face perversa dos PAEF é precisamente a venda ao desbarato de activos nacionais, vidé casos como EDP, REN, cedência da golden share na PT, e TAP na calha).
2) “Outro dos dossiês que fui aconselhado por muita gente a deixar de lado foi o das contrapartidas militares. Porquê? Porque o tema das contrapartidas foi sempre bastante controverso, envolvendo inúmeras suspeitas e acusações de corrupção e de financiamento partidário. Por isso, para muitos, esse era um assunto era proibido.”
(Como está o inquérito criminal? Houve corruptor, mas não corruptos?)
3) "um dos membros da minha equipa foi abordado por um representante dos produtores da energia lhe disse que como sabia que estávamos muito ocupados e não tínhamos recursos, eles próprios poderiam fazer as transposições de directivas e que depois nos entregariam as leis para fazermos o que entendêssemos. Pelo que parece isso já tinha acontecido no passado."
(Veja-se Código do Trabalho, 2003. As tais gorduras orçamentais que se perpetuam).
4) "É igualmente fundamental que uma estratégia anticorrupção seja proposta e consensualizada entre os principais partidos portugueses, de forma a acabar com os comportamentos menos transparentes, por vezes altamente lesivos do interesse público."
(Não se importa de elaborar mais sobre o que se passa? Talvez o MP o queira ouvir...).
5) "Não é com os programas de ajustamento actuais que vamos lá (...) Como poderá ser resolvido todo este elevadíssimo endividamento? Sinceramente, penso que a crise da dívida europeia só será resolvida com um reescalonamento a longo prazo da dívida dos países europeus mais endividados.”
(Pois, mas quem foi que abraçou a camisola dos PAEF...?)
Berlim e outro caso de uma moeda unificada |
(Claro, a face perversa dos PAEF é precisamente a venda ao desbarato de activos nacionais, vidé casos como EDP, REN, cedência da golden share na PT, e TAP na calha).
2) “Outro dos dossiês que fui aconselhado por muita gente a deixar de lado foi o das contrapartidas militares. Porquê? Porque o tema das contrapartidas foi sempre bastante controverso, envolvendo inúmeras suspeitas e acusações de corrupção e de financiamento partidário. Por isso, para muitos, esse era um assunto era proibido.”
(Como está o inquérito criminal? Houve corruptor, mas não corruptos?)
3) "um dos membros da minha equipa foi abordado por um representante dos produtores da energia lhe disse que como sabia que estávamos muito ocupados e não tínhamos recursos, eles próprios poderiam fazer as transposições de directivas e que depois nos entregariam as leis para fazermos o que entendêssemos. Pelo que parece isso já tinha acontecido no passado."
(Veja-se Código do Trabalho, 2003. As tais gorduras orçamentais que se perpetuam).
4) "É igualmente fundamental que uma estratégia anticorrupção seja proposta e consensualizada entre os principais partidos portugueses, de forma a acabar com os comportamentos menos transparentes, por vezes altamente lesivos do interesse público."
(Não se importa de elaborar mais sobre o que se passa? Talvez o MP o queira ouvir...).
5) "Não é com os programas de ajustamento actuais que vamos lá (...) Como poderá ser resolvido todo este elevadíssimo endividamento? Sinceramente, penso que a crise da dívida europeia só será resolvida com um reescalonamento a longo prazo da dívida dos países europeus mais endividados.”
(Pois, mas quem foi que abraçou a camisola dos PAEF...?)
Ranking de escolas: três perguntas simples
1. Por que continua o Ministério da Educação e Ciência a não exigir, aos colégios e demais escolas do ensino particular e cooperativo, informação de natureza socioeconómica sobre os alunos que as frequentam (nível de escolaridade dos país e percentagem de alunos beneficiários de Acção Social Escolar, por exemplo), à semelhança do que sucede com os estabelecimentos de ensino básico e secundário do sistema público de educação?
Como concilia o ministro Nuno Crato esta duplicidade de critérios com a proclamação e defesa de uma concepção una e abrangente de sistema educativo, que não diferencia o público do privado na relação com o Estado, ao qual caberia unicamente assegurar o cumprimento do direito à Educação, no matter how?
2. Por que continuam os órgãos de comunicação social a elaborar rankings que misturam, de forma superficial e leviana, resultados de escolas públicas e do ensino privado, quando toda a gente sabe que o principal factor explicativo das hierarquias obtidas decorre das diferenças de contexto socioeconómico, não sendo por isso sério nem credível elencar estabelecimentos de ensino a partir da simples arrumação de resultados dos exames?
Não deveriam os meios de comunicação social que se dedicam a estes exercícios (e unidades de investigação que se lhes associam) recusar-se a produzir rankings conjuntos (com escolas públicas e privadas), até que o Ministério da Educação se digne assegurar a disponibilização de dados que permitam calibrar adequadamente, para os dois sistemas, os resultados nos exames com os dados de caracterização da origem socioeconómica dos alunos?
3. Que explicação minimamente aceitável tem Nuno Crato para justificar que as bases de dados com os resultados dos exames (e respectiva informação complementar), fornecidas aos órgãos de comunicação social, não se encontrem disponíveis online (na página do MEC ou da DGEEC, por exemplo), de modo a permitir que quaisquer investigadores, unidades de investigação ou simples cidadãos a elas possam ter acesso, não ficando assim dependentes das análises e exercícios de construção de rankings efectuados pelos órgãos de comunicação social?
Há uma resposta relativamente simples para estas três questões: é que o segredo, deliberado ou cúmplice, é parte integrante da alma dos negócios privados em Educação.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
A economia política também é um desporto de combate*
1. Usando como pretexto o lançamento do livro A Economia Política do Retrocesso, José Reis, Miguel Cadilhe e Nuno Teles tentarão responder amanhã à pergunta: “Da instabilidade bancária ao risco do colapso?”. O debate será na sede do Montepio Geral em Lisboa às 18h30m. Mais detalhes aqui. O ponto de partida deste debate é o livro, em geral, e um dos seus capítulos, que se debruça sobre as origens europeias do processo de financeirização nacional, escrito por José Reis, Ana Santos, Nuno Teles e por mim, prolongando e aprofundando reflexões que temos desenvolvido sobre estes e outros temas de economia política (ver aqui, aqui ou aqui).
2. Entretanto, também amanhã, mas em Coimbra, estarei a debater com outros, pelas 21h30, um livro absolutamente notável, precedido de leitura pública de excertos. Chama-se Tempos Difíceis e é uma compilação de artigos que têm saído mensalmente no Le Monde Diplomatique – edição portuguesa numa série com este nome. Tratou-se de dar voz aos que não têm voz, de histórias de vida e de trabalho recolhidas por quem sabe ouvir o outro num tempo cada vez difícil por causa, defenderei eu, da tal economia política do retrocesso. É um tempo cada vez mais difícil em concreto para a “manipuladora de aves”, para a operária têxtil com 55 anos, para o jovem professor precário numa escola “difícil”, para o habitante do bairro que não é elegante, para os de baixo. Graças a vários sociólogos e antropólogos empenhados e competentes, os últimos desta economia política são neste livro os primeiros.
*A sociologia, garantiu-nos Pierre Bourdieu, é um “desporto de combate”
*A sociologia, garantiu-nos Pierre Bourdieu, é um “desporto de combate”
O desafio de António Costa às esquerdas portuguesas
No discurso de encerramento do XX Congresso do PS, confirmou-se que António Costa quer apresentar-se aos eleitores como líder de um partido de esquerda.
Já não está apenas em causa a defesa do Estado Social, que sempre fez parte da agenda dos socialistas – independentemente de como esta foi sendo, na prática, interpretada pelos sucessivos governos em que marcaram presença. O discurso de Costa foi mais além do que as lideranças do PS nos habituaram, seja em questões de valores (como a adopção por casais do mesmo sexo) ou na postura em relação à Europa (como na referência crítica à união monetária).
O líder socialista não se limitou a desafiar o espaço de afirmação programática dos partidos à sua esquerda: António Costa desafiou-os a “sair do conforto do protesto” e a serem “parte da solução”.
PCP e Bloco de Esquerda reagiram mal ao desafio – e têm bons motivos para isso. Em primeiro lugar, porque a esquerda não pode menorizar o papel do protesto. Mesmo em contextos históricos em que a esquerda governa, ter um forte movimento social disponível para o protesto em defesa dos interesses gerais da população constitui uma defesa fundamental contra as múltiplas pressões a que qualquer governo está sujeito e que têm pouco a ver com a defesa do bem comum. Isto é ainda mais importante num contexto em que países como Portugal enfrentam uma chantagem sem precedentes das instituições europeias, as quais vêm como única saída para a situação actual a delapidação do Estado Social, a perda de direitos sociais e laborais, e a contínua degradação de salários e pensões. Dado este contexto externo, PCP e BE afirmam não ver qual “a solução” de que deveriam estar disponíveis para fazer parte em conjunto com o PS.
Dito isto, o desafio de António Costa não deixa de ser politicamente eficaz. Por muito que se reveja nos diagnósticos que a esquerda vem fazendo, a maioria das pessoas anseia por respostas. Quando PCP e BE afirmam que não há soluções com o PS, estão apenas a dizer a quem os ouve que não há soluções à vista. Face a isto, restam duas possibilidades a grande parte dos eleitores: ou desistem de votar, ou votam no mal menor.
No entanto, o desafio lançado por António Costa é também, necessariamente, um desafio às próprias fileiras socialistas. A partir do momento que o líder socialista sugere que as pressões europeias inviabilizam o desenvolvimento do país, as pessoas querem saber o que pretende o PS fazer em relação a isso. Por outras palavras, Costa expõe-se ainda mais à crítica da falta de clareza sobre as soluções que preconiza. E também desafia o PS a analisar criticamente as opções políticas que fez ao longo das últimas décadas.
O desafio maior, porém, é dirigido a todas as pessoas que se revêm nos princípios de uma sociedade decente e que não desistem de procurar as melhores soluções, sem se resignarem perante a força das pressões externas. A estratégia de António Costa tem a vantagem de tornar mais claro que Portugal e os portugueses vão enfrentar no futuro próximo escolhas muito difíceis. Cabe-nos a todos, enquanto cidadãos, ajudar as explicitar essas escolhas e as suas implicações – e tomar decisões sobre os riscos que estamos ou não dispostos a assumir.
Estes ainda podem vir a ser tempos interessantes.
Já não está apenas em causa a defesa do Estado Social, que sempre fez parte da agenda dos socialistas – independentemente de como esta foi sendo, na prática, interpretada pelos sucessivos governos em que marcaram presença. O discurso de Costa foi mais além do que as lideranças do PS nos habituaram, seja em questões de valores (como a adopção por casais do mesmo sexo) ou na postura em relação à Europa (como na referência crítica à união monetária).
O líder socialista não se limitou a desafiar o espaço de afirmação programática dos partidos à sua esquerda: António Costa desafiou-os a “sair do conforto do protesto” e a serem “parte da solução”.
PCP e Bloco de Esquerda reagiram mal ao desafio – e têm bons motivos para isso. Em primeiro lugar, porque a esquerda não pode menorizar o papel do protesto. Mesmo em contextos históricos em que a esquerda governa, ter um forte movimento social disponível para o protesto em defesa dos interesses gerais da população constitui uma defesa fundamental contra as múltiplas pressões a que qualquer governo está sujeito e que têm pouco a ver com a defesa do bem comum. Isto é ainda mais importante num contexto em que países como Portugal enfrentam uma chantagem sem precedentes das instituições europeias, as quais vêm como única saída para a situação actual a delapidação do Estado Social, a perda de direitos sociais e laborais, e a contínua degradação de salários e pensões. Dado este contexto externo, PCP e BE afirmam não ver qual “a solução” de que deveriam estar disponíveis para fazer parte em conjunto com o PS.
Dito isto, o desafio de António Costa não deixa de ser politicamente eficaz. Por muito que se reveja nos diagnósticos que a esquerda vem fazendo, a maioria das pessoas anseia por respostas. Quando PCP e BE afirmam que não há soluções com o PS, estão apenas a dizer a quem os ouve que não há soluções à vista. Face a isto, restam duas possibilidades a grande parte dos eleitores: ou desistem de votar, ou votam no mal menor.
No entanto, o desafio lançado por António Costa é também, necessariamente, um desafio às próprias fileiras socialistas. A partir do momento que o líder socialista sugere que as pressões europeias inviabilizam o desenvolvimento do país, as pessoas querem saber o que pretende o PS fazer em relação a isso. Por outras palavras, Costa expõe-se ainda mais à crítica da falta de clareza sobre as soluções que preconiza. E também desafia o PS a analisar criticamente as opções políticas que fez ao longo das últimas décadas.
O desafio maior, porém, é dirigido a todas as pessoas que se revêm nos princípios de uma sociedade decente e que não desistem de procurar as melhores soluções, sem se resignarem perante a força das pressões externas. A estratégia de António Costa tem a vantagem de tornar mais claro que Portugal e os portugueses vão enfrentar no futuro próximo escolhas muito difíceis. Cabe-nos a todos, enquanto cidadãos, ajudar as explicitar essas escolhas e as suas implicações – e tomar decisões sobre os riscos que estamos ou não dispostos a assumir.
Estes ainda podem vir a ser tempos interessantes.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
O motor mudou mesmo?
O primeiro-ministro deu uma entrevista à RTP na passada quinta-feira. Digo "deu" porque, de facto, não houve muito contraditório consistente. E houve várias afirmações de Pedro Passos Coelho que mereciam contestação. Uma delas foi:
"O modelo económico que era prosseguido até à intervenção externa era um modelo gerador de desemprego. E nós temos de mudar o paradigma de crescimento em Portugal (...) E penso que já estamos a inverter isso" (ver, ao minuto 42:40).
Na verdade, o primeiro-ministro acabou por não elaborar muito sobre esse novo modelo. Mas supõe-se que a ideia seja a repetida longamente pelo Governo e que pretende mostrar que, afinal, estão aí os resultados da austeridade virtuosa, que visou alterar o défice de competitividade da economia portuguesa e prepará-la para os enormes desafios da globalização. Algo assim:
O gráfico representa a variação homóloga (em valor nominal) das várias componentes do PIB.
Leitura oficial: a contração da procura interna fez cair as importações, acabou por criar um superávite comercial que puxou para cima o PIB, o investimento, e com ele o emprego e o consumo privado.
Mas é um pouco mais complexo.
Em primeiro lugar, parece haver uma relação entre o crescimento da produção e a procura externa e interna, como é visível no saldo das respostas extremas nos questionários de opinião aos empresários, compilados pelo INE e que dão uma ideia das suas expectativas.
Algo aconteceu no final de 2012 e que marcou o andamento da economia. E esteve relacionado com a procura externa. Foram as nossas mercadorias que se venderam melhor, houve um aumento abrupto da competitividade a ponto de termos conseguido penetrar tão rapidamente nos mercados externos ou foi apenas uma subida da procura externa? Ou foi o aumento da produção de refinaria petrolífera? O certo é que parece ter se reflectido igualmente na procura interna. Foram as pessoas que pouparam menos, depois de um primeiro choque? Foi o Tribunal Constitucional? Era importante analisar melhor esta alteração.
E depois, um pouco depois, já no 2º trimestre de 2013, acabou por se reflectir no andamento do emprego. E teve um comportamento parecido no início de 2014, após uma ligeira inflexão na procura externa e interna.
É "isso" sinal de mudança de paradigma?
A situação que se vive em 2014 nem tem um perfil distinto da vivida antes da intervenção externa. Veja-se o contributo de cada componente da procura agregada para o crescimento do PIB, estimadas pelo INE, mas desta vez em volume (expurgado o efeito dos preços):
Ou seja, desta vez a recuperação do PIB parece ser explicada, antes, pela subida do consumo privado e do investimento (em menor grau) e que essas componentes acabam por prejudicar aquilo que - para Passos Coelho, Paulo Portas e a direita - seria um sinal de uma retoma mais saudável, com um equilíbrio das contas externas. Em volume, o saldo comercial já é negativo e é explicado pela elevada componente importada do consumo e do investimento. Ou seja, nada parece ter mudado em três anos, desse ponto de vista.
O que fica pelo caminho desta terapia é antes um enorme "exército de reserva" de desempregados e da delapidação do capital fixo (outro bom tema a abordar) que puxa a retribuição salarial para baixo, agrava os efeitos do envelhecimento populacional e com ele da estabilidade das contas da Segurança Social e do próprio âmbito da cobertura do Estado Social. Algo que, por acaso, nem está fora da estratégia da direita em Portugal. Só entre 2011 e 2014 foram destruídos 209,9 mil postos de trabalho, dos quais 42 mil na indústria, 147 mil na construção e 82,4 mil na agricultura. Os serviços criaram 73 mil.
Mas a recente subida do emprego não parece ser um sinal de mudança de paradigma. É mais o regresso ao velho modelo que Passos Coelho tanto condena e que finalmente, e malgré lui, está a respirar melhor. Mas que ainda se constipa quando a procura externa espirra e que se expande e encolhe consoante a procura interna. Será, antes, um sinal de que o Governo mudou de política e nem vê que isso está a acontecer diante dos seus narizes?
A prova é que, quando comparamos a estrutura do emprego por ramos de actividade (ainda que tendo em conta a alteração do inquérito ao emprego a partir de 2011), antes da crise e depois da intervenção externa, não se vêem mudanças significativas.
Veja-se onde estão a ser criados os novos empregos entre o 2º trimestre de 2013 e o 3º trimestre de 2014 (dados coligidos pelo INE, já revistos em 2014):
Por outro lado, quando se analisa as variações homólogas, verifica-se a recuperação dos "velhos" sectores, até dos ligados à construção e dos serviços com ele relacionados.
Estamos a voltar ao "velho" modelo "gerador de desemprego" porque a questão de fundo - a cambial - ainda não foi tratada como deve ser e tem sido omitida sistematicamente.
"O modelo económico que era prosseguido até à intervenção externa era um modelo gerador de desemprego. E nós temos de mudar o paradigma de crescimento em Portugal (...) E penso que já estamos a inverter isso" (ver, ao minuto 42:40).
Na verdade, o primeiro-ministro acabou por não elaborar muito sobre esse novo modelo. Mas supõe-se que a ideia seja a repetida longamente pelo Governo e que pretende mostrar que, afinal, estão aí os resultados da austeridade virtuosa, que visou alterar o défice de competitividade da economia portuguesa e prepará-la para os enormes desafios da globalização. Algo assim:
O gráfico representa a variação homóloga (em valor nominal) das várias componentes do PIB.
Leitura oficial: a contração da procura interna fez cair as importações, acabou por criar um superávite comercial que puxou para cima o PIB, o investimento, e com ele o emprego e o consumo privado.
Mas é um pouco mais complexo.
Em primeiro lugar, parece haver uma relação entre o crescimento da produção e a procura externa e interna, como é visível no saldo das respostas extremas nos questionários de opinião aos empresários, compilados pelo INE e que dão uma ideia das suas expectativas.
Algo aconteceu no final de 2012 e que marcou o andamento da economia. E esteve relacionado com a procura externa. Foram as nossas mercadorias que se venderam melhor, houve um aumento abrupto da competitividade a ponto de termos conseguido penetrar tão rapidamente nos mercados externos ou foi apenas uma subida da procura externa? Ou foi o aumento da produção de refinaria petrolífera? O certo é que parece ter se reflectido igualmente na procura interna. Foram as pessoas que pouparam menos, depois de um primeiro choque? Foi o Tribunal Constitucional? Era importante analisar melhor esta alteração.
E depois, um pouco depois, já no 2º trimestre de 2013, acabou por se reflectir no andamento do emprego. E teve um comportamento parecido no início de 2014, após uma ligeira inflexão na procura externa e interna.
É "isso" sinal de mudança de paradigma?
A situação que se vive em 2014 nem tem um perfil distinto da vivida antes da intervenção externa. Veja-se o contributo de cada componente da procura agregada para o crescimento do PIB, estimadas pelo INE, mas desta vez em volume (expurgado o efeito dos preços):
Ou seja, desta vez a recuperação do PIB parece ser explicada, antes, pela subida do consumo privado e do investimento (em menor grau) e que essas componentes acabam por prejudicar aquilo que - para Passos Coelho, Paulo Portas e a direita - seria um sinal de uma retoma mais saudável, com um equilíbrio das contas externas. Em volume, o saldo comercial já é negativo e é explicado pela elevada componente importada do consumo e do investimento. Ou seja, nada parece ter mudado em três anos, desse ponto de vista.
O que fica pelo caminho desta terapia é antes um enorme "exército de reserva" de desempregados e da delapidação do capital fixo (outro bom tema a abordar) que puxa a retribuição salarial para baixo, agrava os efeitos do envelhecimento populacional e com ele da estabilidade das contas da Segurança Social e do próprio âmbito da cobertura do Estado Social. Algo que, por acaso, nem está fora da estratégia da direita em Portugal. Só entre 2011 e 2014 foram destruídos 209,9 mil postos de trabalho, dos quais 42 mil na indústria, 147 mil na construção e 82,4 mil na agricultura. Os serviços criaram 73 mil.
Mas a recente subida do emprego não parece ser um sinal de mudança de paradigma. É mais o regresso ao velho modelo que Passos Coelho tanto condena e que finalmente, e malgré lui, está a respirar melhor. Mas que ainda se constipa quando a procura externa espirra e que se expande e encolhe consoante a procura interna. Será, antes, um sinal de que o Governo mudou de política e nem vê que isso está a acontecer diante dos seus narizes?
A prova é que, quando comparamos a estrutura do emprego por ramos de actividade (ainda que tendo em conta a alteração do inquérito ao emprego a partir de 2011), antes da crise e depois da intervenção externa, não se vêem mudanças significativas.
Veja-se onde estão a ser criados os novos empregos entre o 2º trimestre de 2013 e o 3º trimestre de 2014 (dados coligidos pelo INE, já revistos em 2014):
Por outro lado, quando se analisa as variações homólogas, verifica-se a recuperação dos "velhos" sectores, até dos ligados à construção e dos serviços com ele relacionados.
Estamos a voltar ao "velho" modelo "gerador de desemprego" porque a questão de fundo - a cambial - ainda não foi tratada como deve ser e tem sido omitida sistematicamente.
domingo, 30 de novembro de 2014
E agora?
Agora há um vazio. Partidos políticos que estão no lugar que há muito ocupam embora tenham perdido a confiança de grande parte dos seus apoiantes. Um governo que está a usar a proteção da União Europeia e das suas troikas para transformar a sociedade portuguesa em benefício de uma ínfima minoria.
Agora há uma maioria no poder que nas próximas eleições deverá ser afastada, mas nada de sólido e confiável para a substituir.
Agora queremos diferentes coisas. Coisas contraditórias. Segurança, por um lado. Mudança, por outro. Não queremos correr riscos. Queremos corrê-los para que tudo não fique na mesma. Sabemos que a política não é pêra doce, nem nada que seja sempre bonito de se ver. Não queremos meter-nos na política. Queremos meter-nos porque se não haverá outros (eventualmente os menos recomendáveis) que o farão por nós. Sabemos que a política nesta União Europeia deixou de ser a arte do possível. Sabemos que se não houver quem queira arriscar o (quase) impossível, outros continuarão a fazer o que dizem ser a única possibilidade.
Agora há um vazio político que começa a preencher-se. Vemos nascer novos movimentos políticos, partidos, candidaturas, muitos deles exprimindo sincera vontade de mudança. Vemos gente que se mobiliza e organiza. Alguns trazem consigo experiências anteriores. Outros chegam agora. Concordam, discordam, discutem, unem-se, dividem-se, aprendem. Não são super-homens, nem super-mulheres com estômago para tudo. São frágeis como é normal. Ainda bem que assim é. Talvez haja lugar para muito mais gente nessa política de gente frágil. Dessa forma não ficamos dependentes de heróis com estômago de aço.
sábado, 29 de novembro de 2014
Austeridade, emigração e desemprego
Na linha de declarações como as proferidas há uns meses por Maria Cavaco Silva ou Joaquim Azevedo, Passos Coelho garantiu recentemente ser «falsa» a ideia de que «o desemprego só baixa porque as pessoas emigram», acrescentando que Portugal tem sido um país de emigração desde há muitos anos e que a situação de «hoje não é muito diferente de 2007 ou 2008».
Num ponto o primeiro-ministro tem razão: não é «só» a emigração que contribui para gerar a ilusão de que o desemprego está a baixar de forma relevante. Como procurei demonstrar aqui, uma estimativa minimamente consistente dos verdadeiros níveis de desemprego há-de somar, ao número oficial de desempregados, os «desempregados ocupados» e os «desencorajados», bem como as estimativas de «expatriados» (ou seja, da emigração de população activa). O que faz com que a diferença entre os valores de «desemprego oficial» e de «desemprego real» daí resultantes aumente de quatro pontos percentuais (Junho de 2011) para treze pontos percentuais (Setembro de 2014).
Mas concentremo-nos na relação entre emigração e desemprego. De acordo com as estimativas disponíveis mais credíveis, não é verdade - ao contrário do que diz Passos Coelho - que Portugal seja, há muitos anos, um país de emigração. De facto, a inversão mais recente do saldo migratório (segundo o INE), ocorreu apenas em 2011, quando o número de saídas (emigrantes) passou a superar o das entradas (imigrantes), agravando-se desde então até se atingir, em 2013, uma perda líquida de -36 mil pessoas (sendo que o saldo migratório ainda era positivo em 2010, em cerca de 4 mil).
Mas há mais: também não é verdade que a emigração tenha estado a aumentar ao longo dos últimos anos. De facto, o seu valor até diminuiu entre 2007 e 2010 (ano em que se estima tenham saído do país cerca de 70 mil pessoas), para acelerar desde então até às cerca de 110 mil saídas, em 2013. Uma explicação plausível para esta inversão é aliás dada pelo próprio Observatório da Emigração, que associa a descida dos valores, entre 2008 e 2010, aos «impactos da crise financeira global» (não sendo portanto uma originalidade portuguesa, no contexto da União Europeia) e o seu recrudescer, a partir dessa data, à «assimetria da crise das dívidas soberanas na Europa». Tornando pois sobejamente evidente a estreita relação que existe entre fluxos migratórios e políticas de austeridade.
E nem de propósito, uma investigação recente, no âmbito do Projecto «Generation E», vem confirmar o que há muito se suspeita: que os dados oficiais não contam tudo, estimando-se que «o número de jovens que emigraram dos países do Sul da Europa seja o dobro do registado», sobretudo pela falta de assentamentos oficiais das saídas e pelo facto de muitos dos que emigraram (cerca de metade, em diferentes países) não terem alterado a sua residência. A título de exemplo, é referido que «só o número de entradas registadas nos três países com mais imigração portuguesa em 2013 - Reino Unido, Suíça, Alemanha, num total de 55.910 indivíduos - é mais elevado do que aquele que é apontado pelo INE para as saídas permanentes no mesmo ano para todos os destinos (53.786)». Ou seja, um exemplo do que Saskia Sassen designa por «eventos invisíveis».
Mas há ainda um outro dado desta investigação que importa reter. Dos jovens emigrantes portugueses abrangidos pelo estudo, cerca de 86% referenciam as «questões laborais» entre os factores que estiveram na base da decisão por emigrar, o que reforça, novamente, a ideia de que a recente sangria de quadros qualificados é indissociável da escolha, empobrecedora, inútil e fracassada, pelas políticas de austeridade como forma de sair da crise.
Num ponto o primeiro-ministro tem razão: não é «só» a emigração que contribui para gerar a ilusão de que o desemprego está a baixar de forma relevante. Como procurei demonstrar aqui, uma estimativa minimamente consistente dos verdadeiros níveis de desemprego há-de somar, ao número oficial de desempregados, os «desempregados ocupados» e os «desencorajados», bem como as estimativas de «expatriados» (ou seja, da emigração de população activa). O que faz com que a diferença entre os valores de «desemprego oficial» e de «desemprego real» daí resultantes aumente de quatro pontos percentuais (Junho de 2011) para treze pontos percentuais (Setembro de 2014).
Mas há mais: também não é verdade que a emigração tenha estado a aumentar ao longo dos últimos anos. De facto, o seu valor até diminuiu entre 2007 e 2010 (ano em que se estima tenham saído do país cerca de 70 mil pessoas), para acelerar desde então até às cerca de 110 mil saídas, em 2013. Uma explicação plausível para esta inversão é aliás dada pelo próprio Observatório da Emigração, que associa a descida dos valores, entre 2008 e 2010, aos «impactos da crise financeira global» (não sendo portanto uma originalidade portuguesa, no contexto da União Europeia) e o seu recrudescer, a partir dessa data, à «assimetria da crise das dívidas soberanas na Europa». Tornando pois sobejamente evidente a estreita relação que existe entre fluxos migratórios e políticas de austeridade.
E nem de propósito, uma investigação recente, no âmbito do Projecto «Generation E», vem confirmar o que há muito se suspeita: que os dados oficiais não contam tudo, estimando-se que «o número de jovens que emigraram dos países do Sul da Europa seja o dobro do registado», sobretudo pela falta de assentamentos oficiais das saídas e pelo facto de muitos dos que emigraram (cerca de metade, em diferentes países) não terem alterado a sua residência. A título de exemplo, é referido que «só o número de entradas registadas nos três países com mais imigração portuguesa em 2013 - Reino Unido, Suíça, Alemanha, num total de 55.910 indivíduos - é mais elevado do que aquele que é apontado pelo INE para as saídas permanentes no mesmo ano para todos os destinos (53.786)». Ou seja, um exemplo do que Saskia Sassen designa por «eventos invisíveis».
Mas há ainda um outro dado desta investigação que importa reter. Dos jovens emigrantes portugueses abrangidos pelo estudo, cerca de 86% referenciam as «questões laborais» entre os factores que estiveram na base da decisão por emigrar, o que reforça, novamente, a ideia de que a recente sangria de quadros qualificados é indissociável da escolha, empobrecedora, inútil e fracassada, pelas políticas de austeridade como forma de sair da crise.
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Tempo de viragem
Portugal enfrenta uma grave conjuntura política que é parte da crise global em que nos encontramos. Em poucos dias, vários altos quadros da administração pública, assim como um ex-primeiro-ministro e pessoas que lhe são próximas, foram detidos e constituídos arguidos de crimes de corrupção e(ou) fuga aos impostos e lavagem de dinheiro. Acresce a escandalosa violação do segredo de justiça, que tem sido explorada pela comunicação social para melhorar o negócio. Isto pouco depois da constituição como arguido do presidente do BES, aquele que passava por ser o "dono disto tudo". Por estes dias, os portugueses tomaram consciência de que o crime de colarinho branco pode ter chegado ao mais alto nível do Estado, em articulação com o sistema financeiro. Agravando a situação, temos o novo líder do PS atingido pelo clima de suspeição associado a José Sócrates, seu apoiante de primeira linha, a que se juntam os fumos de corrupção há muito também perceptíveis no campo político do actual governo. Está em causa a saúde da nossa democracia.
Esta crise da política portuguesa emerge das relações promíscuas entre partidos, Estado e sistema económico financeirizado. Ao contrário do que os neoliberais querem fazer crer, não se trata apenas de delitos criminais e de falhas de regulação a resolver com melhor legislação. É o sistema neoliberal que funciona assim, e hoje só pode funcionar assim. Em Portugal, as políticas agressivamente promovidas por ideias e interesses ligados à finança, não só produziram um enorme desastre social, económico e financeiro como agravaram os problemas estruturais do país. Além do ataque imoral aos rendimentos de funcionários públicos e pensionistas, além da degradação criminosa do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, o neoliberalismo tem destroçado as vidas de centenas de milhares de desempregados, empobrecido a classe média, feito emigrar os seus jovens, delapidado o investimento feito em ciência, congelado o investimento público e privado e desprezado a cultura. O neoliberalismo inscrito nos tratados da UE é uma armadilha mortal para o país, mas os partidos do arco da (des)governação são parte integrante dessa mesma armadilha.
A saída deste desastre não será conduzida por estes partidos, nem pelas elites que prometeram o desenvolvimento do país com a sua participação no "pelotão da frente" da UE. Venderam tranquilamente a nossa soberania a troco de "fundos estruturais", disfarçando o negócio com a retórica da "soberania partilhada" e da Europa "social". Na verdade, foram responsáveis pela desindustrialização do país, o subdesenvolvimento da agricultura, das florestas e das pescas, assim como da desertificação do Interior. O dinheiro fácil comprou a sua submissão à globalização sem freios, facilitou o investimento público sem critério, financiou a especulação imobiliária, deixou em roda livre o sistema financeiro e conduziu o país a um dramático endividamento externo. Os partidos que governaram o país foram, no mínimo, cúmplices do saque dos recursos do Estado. Toleraram a criminalidade económica e fecharam os olhos à pequena e grande corrupção, dentro e fora dos partidos, nas autarquias e no poder central. Pior, contribuíram para a desmoralização geral porque garantem aos cidadãos que, qualquer que seja o partido eleito, no essencial a política será a mesma.
Estes partidos decepcionaram o povo e degradaram a nossa democracia. Portugal precisa de uma proposta inovadora e de novos protagonistas dispostos a recuperar o sentido de serviço público na acção política. Uma proposta que formule um novo horizonte para Portugal: um país soberano, aberto ao mundo, exigente na sua democracia, profundamente solidário, respeitador do ambiente natural, preocupado com a qualidade de vida dos seus cidadãos.
O povo português não se dá por vencido e não baixará os braços enquanto não recuperar o controlo do seu destino. Portugal precisa de uma alternativa, não apenas de alternância. Vivemos um tempo de viragem.
(O meu artigo no jornal i)
Aqui D’El Rei que é preciso investimento (público)
Apesar de ter presidido ao eurogrupo que arrasou a Grécia, Juncker, não empalidece, não cora, não pestaneja, quando diz ao Parlamento Europeu: “Vejo crianças em Tessalónica a entrar numa sala de aula nova em folha, cheia de computadores”.
O mesmo Juncker que em 2010 presidiu ao “aqui D’El Rey que é preciso acabar com o despesismo”, vê, como se só os burros não tivessem visto sempre, a necessidade de um impulso público ao investimento. Tem visões: fala de um novo Fundo Europeu para o Investimento Estratégico capaz de financiar investimento no valor de 315 mil milhões de euros sem gastar um cêntimo que seja de recursos públicos.
Como é que isto é feito? Juncker explica: Pega-se em 8 mil milhões do orçamento comunitário para apoiar uma garantia do tipo “se houver azar a gente paga” de 16 mil milhões, acrescentam-se outros 5 mil milhões do Banco Europeu de Investimento (se calhar também em garantias), mistura-se tudo e põe-se em reserva. São 21 mil milhões. Com estes 21 milhões em reserva, o Banco Europeu de Investimento pode emprestar 63 mil milhões para financiar projetos de investimento.
Mas para os 315 mil milhões faltam ainda 252 mil milhões? Ah, explica Juncker, isso é dinheiro de investidores privados.
Se bem entendo, e não é fácil entender, uma instituição financeira qualquer (se calhar o tal Fundo Europeu para o Investimento Estratégico) irá emitir títulos no valor de 252 mil milhões que serão adquiridos por privados para juntar aos 63 mil milhões do BEI e financiar os tais projetos do plano de investimento. Estes títulos – e isto é parte mais mal explicada - estão certamente cobertos por garantias públicas passíveis se de serem acionadas caso os projetos de investimento corram mal e não consigam remunerar os investidores financeiros privados.
Nesta engenharia catastrófica, o dinheiro público serve mais uma vez para anular o risco de investimento que é privado. Não há dinheiro público agora. Rezamos para que não haja no futuro. Uma gigantesca PPP.
É preciso investimento e tem de ser assim, diz Jucker, “porque o dinheiro não vai cair do céu. Nós não temos uma máquina de imprimir dinheiro. Temos de atrair dinheiro e fazê-lo trabalhar para nós”. Falso. A eurozona tem uma máquina que faz cair dinheiro do céu. Chama-se Banco Central Europeu. Essa máquina de fazer dinheiro está a comprar lixo tóxico aos bancos e outras instituições financeiras em grande quantidade. Esse dinheiro não é transformado em investimento produtivo (que cria emprego), mas canalizado de novo para ativos financeiros.
Desta forma o valor dos ativos mantém-se ou aumenta apesar da economia continuar estagnada. Os donos dos ativos agradecem. Juncker espera agora atrair parte desse dinheiro que circula na esfera financeira para o seu fundo, limpo de risco pelas garantias públicas e bem remunerado. Os donos do dinheiro agradecem.
E que tal se essa máquina de fazer dinheiro financiasse diretamente o investimento necessário? “Ah isso não pode ser porque senão os bancos e as instituições financeiras privadas ficavam sem as margens que alimentam o seu negócio parasitário”. “Ah isso não pode ser porque nós proibimos isso nos tratados da União”. “Ah isso não pode ser senão os orçamentos ficavam menos comprimidos e os trabalhadores e pensionistas ainda se iam lembrar de exigir a reposição dos salários e das pensões e se os salários e pensões são repostos lá aumentam os custos de trabalho e diminuem os nossos lucros que nós não utilizamos em investimento produtivo porque como os salários e pensões são baixos não há mercado para produtos e serviços e nós somos obrigados a “investir” em ativos financeiros e a alimentar bolhas especulativas que um dia vão rebentar de novo fazendo ir tudo pelo ar”. “Ufff. Desculpem lá, se calhar o que fazemos não faz nenhum sentido, mas não sabemos fazer outra coisa e entretanto ficamos ainda mais ricos”.
Leituras
Renato Miguel do Carmo, Para matar de vez a desigualdade
«Os dados do INE vieram dizer-nos que, em 2012, 18,7% da população portuguesa estava em risco de pobreza. Em 2009, esta percentagem era de 17,9%. Mas, se esta diferença parece curta, isso resulta de a quebra dos rendimentos das famílias ter conduzido à diminuição do limiar de pobreza e, consequentemente, a que muitas famílias deixassem de ser estatisticamente pobres, ainda que a sua situação não se alterasse. Se ancorarmos a linha de pobreza em valores de 2009, o risco de pobreza em 2012 é de 24,8%, o que aponta já para um aumento significativo deste indicador nos últimos anos.»
Ana Rita Ferreira, Pobreza, desigualdade e políticas sociais hoje
«A alegada insustentabilidade financeira da Segurança Social é justificada pelos governantes com a redução dos saldos do sistema previdencial nos últimos três anos. Ora, neste período, a desvalorização salarial e o aumento do desemprego significaram uma perda de cerca de 3.000 milhões de euros para a Segurança Social, pelo crescimento da despesa global com subsídios de desemprego, apesar dos cortes, e pela redução da receita. A perda de recursos para o país representada pela massiva emigração e a mais baixa taxa de natalidade das últimas décadas, inseparáveis da instabilidade e da falta de futuro sentida pelas gerações mais jovens, têm também evidentes repercussões negativas.»
Grupo de Trabalho da Segurança Social do CDA, Há futuro para uma Segurança Social pública, universal e solidária!
«Numa altura em que a (suposta) insustentabilidade da Segurança Social tem servido de pretexto para cortes nas pensões e nas prestações de pobreza, e em que se multiplicam os grupos de trabalho nomeados para resolver o desequilíbrio financeiro da Segurança Social, a promoção de mais um vale isento de TSU não é justificável nem coerente com esse mesmo discurso. No entanto, se olharmos para lá do discurso e dos sound bites concluímos, com relativa facilidade, que este tipo de medidas serve na perfeição uma estratégia de descapitalização e de descrédito da Segurança Social pública, universal, tal como a conhecemos.»
Mariana Trigo Pereira, Vale mais um rombo nas contas da Segurança Social?
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
Não é defeito, é feitio – Liberdade de circulação de capitais
Embora as informações não sejam oficiais, vou dar um pequeno “salto de fé” em relação aos diferentes casos de crime económico que têm assolado o nosso país nos tempos que correm (BES, Vistos Gold, prisão de Sócrates) e assumir que as notícias que temos correspondem a uma realidade não muito longínqua. O que é que estes casos têm em comum? Todos eles emergem de uma complexa arquitectura financeira que potencia o seu aproveitamento para múltiplos fins ilícitos. Estes casos vão bem para lá de uma qualquer discussão sobre a idoneidade individual. Neste post limito-me ao provavelmente mais saliente pilar desta arquitectura à luz dos recentes casos de polícia: a livre circulação de capitais.
O fim dos controlos de capitais em Portugal recua à adesão à CEE e à criação de um mercado único europeu de capital que veio a desembocar na moeda única. Para lá dos argumentos sobre uma acrescida eficiência na afectação de capital no espaço europeu, o argumento de expansão das liberdades foi essencial à promoção desta agenda política. Não só as empresas podiam transferir fundos de um lado para o outro, como os indivíduos deixavam de estar obrigados ao registo e taxação dos seus movimentos, para além do fim dos limites de acesso a moeda estrangeira nas viagens internacionais. Um argumento posteriormente reiterado para nos convencer das vantagens do Euro.
No entanto, a liberdade de circulação de capitais, além de promover os fluxos especulativos que saltam de pouso em pouso num “ai” e contribuem para a instabilidade financeira, entrou em claro conflito com as diferentes jurisdições nacionais. Hoje, é fácil e barato ter contas no Luxemburgo, Suíça ou Portugal, sem grandes perguntas de cada Estado. Não só se pagam poucos impostos, mas é sobretudo difícil seguir o rastro do dinheiro em relação à sua origem (lembrem-se de Carlos Costa, quando este dizia que o que se passava no Luxemburgo com o GES estava fora da sua jurisdição). Mas a perversidade da liberdade de circulação de capitais não acaba aqui. Os Estados não só não conseguem saber a origem e o destino dos capitais que circulam nas suas jurisdições, como se vêem compelidos a entrar numa “corrida para o fundo” na sua capacidade de os atrair. No caso português lembremo-nos do off-shore da madeira, do RERT, aqui escrutinado pelo João Ramos Almeida, ou da venda dos vistos Gold. Tudo vale, tudo está à venda.
Neste “regime de economia política” as estruturas e incentivos corroem a ética e os alicerces morais. Se queremos discutir politicamente o que se está a passar, então precisamos de atacar esta economia política. Acabar com a irrestrita circulação de capitais é dinamitar um dos principais pilares que a sustém.
PS: Num mundo onde as transacções são cada vez mais electrónicas, onde a moeda deixa ter qualquer manifestação física, é curioso observar como a circulação de notas e moedas subsiste e cresce ao longo dos anos nas principais economias. Os motivos podem ser vários, mas a fraude é obviamente uma das explicações mais convincentes para esta permanência sistémica.
O fim dos controlos de capitais em Portugal recua à adesão à CEE e à criação de um mercado único europeu de capital que veio a desembocar na moeda única. Para lá dos argumentos sobre uma acrescida eficiência na afectação de capital no espaço europeu, o argumento de expansão das liberdades foi essencial à promoção desta agenda política. Não só as empresas podiam transferir fundos de um lado para o outro, como os indivíduos deixavam de estar obrigados ao registo e taxação dos seus movimentos, para além do fim dos limites de acesso a moeda estrangeira nas viagens internacionais. Um argumento posteriormente reiterado para nos convencer das vantagens do Euro.
No entanto, a liberdade de circulação de capitais, além de promover os fluxos especulativos que saltam de pouso em pouso num “ai” e contribuem para a instabilidade financeira, entrou em claro conflito com as diferentes jurisdições nacionais. Hoje, é fácil e barato ter contas no Luxemburgo, Suíça ou Portugal, sem grandes perguntas de cada Estado. Não só se pagam poucos impostos, mas é sobretudo difícil seguir o rastro do dinheiro em relação à sua origem (lembrem-se de Carlos Costa, quando este dizia que o que se passava no Luxemburgo com o GES estava fora da sua jurisdição). Mas a perversidade da liberdade de circulação de capitais não acaba aqui. Os Estados não só não conseguem saber a origem e o destino dos capitais que circulam nas suas jurisdições, como se vêem compelidos a entrar numa “corrida para o fundo” na sua capacidade de os atrair. No caso português lembremo-nos do off-shore da madeira, do RERT, aqui escrutinado pelo João Ramos Almeida, ou da venda dos vistos Gold. Tudo vale, tudo está à venda.
Neste “regime de economia política” as estruturas e incentivos corroem a ética e os alicerces morais. Se queremos discutir politicamente o que se está a passar, então precisamos de atacar esta economia política. Acabar com a irrestrita circulação de capitais é dinamitar um dos principais pilares que a sustém.
PS: Num mundo onde as transacções são cada vez mais electrónicas, onde a moeda deixa ter qualquer manifestação física, é curioso observar como a circulação de notas e moedas subsiste e cresce ao longo dos anos nas principais economias. Os motivos podem ser vários, mas a fraude é obviamente uma das explicações mais convincentes para esta permanência sistémica.
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