Entre outros vídeos, igualmente disponíveis na net, há dois que elucidam de forma impressionante as condições meteorológicas excecionais registadas no passado sábado, dia que ficará assinalado de forma trágica na nossa memória coletiva. Cheguei a eles através da Maria João Pires. O primeiro, filmado em Pedrogão Grande, tinha já sido assinalado
aqui (não deixem de ver). O segundo é o que se reproduz de seguida, captado em Pavia, no Alentejo, podendo ainda fazer-se referência a um
terceiro, que mostra logo no início as trovoadas desse dia.
Curiosamente, apesar das longas horas de emissão dedicadas ao incêndio, marcadas pela repetição incessante das imagens devastadoras da tragédia, não tenho visto nenhum deles (ou outros vídeos), passar nas televisões. Tal como não me pareceu que tenha sido dado particular destaque televisivo à confirmação,
pelo IPMA, das circunstâncias «
que determinaram situações no terreno de excecional gravidade», resultantes «
da conjugação da dinâmica do próprio incêndio e dos efeitos da instabilidade atmosférica», gerando um fenómeno, raro, de «
downburst». Isto é, um «
vento de grande intensidade que se move verticalmente em direção ao solo» e que, depois de o atingir, «
sopra de forma radial em todas as direções». Frequentemente confundido com um tornado, este fenómeno assume «
um grande impacto em caso de incêndio florestal, por espalhar fragmentos em direções muito diversas», amplificando assim, caótica e exponencialmente, a propagação do fogo, que fica fora de controlo.
Estas condições são de facto essenciais para responder a muitas das questões que o incêndio de Pedrogão Grande suscita. Basta imaginar o que terá acontecido, em termos de propagação do fogo, quando se vêem as imagens do
vídeo aí captado pelas 18h00 do passado sábado (a cerca de
30 Km da tragédia), confirmadas que estavam as previsões meteorológicas (temperaturas muito altas, que chegaram a atingir os 42-45ºC, níveis muito reduzidos de humidade relativa, vento e trovoada). É assim que se pode começar a conseguir compreender o inconcebível e o inimaginável, com a voracidade inusitada do incêndio, acelerada pelas condições climatéricas e pelo
downburst, a alterar por completo o «quadro convencional» de combate. A estrada que num dado momento seria segura a subitamente
deixar de o ser; a multiplicação rápida de frentes de incêndio a retirar capacidade de resposta a todos os pedidos de ajuda; as armadilhas do fogo a tornar-se imprevisíveis e, em muitos casos, inultrapassáveis. Muitas das questões que normalmente são centrais, como a causa da ignição, tornam-se aliás, perante este fenómeno, irrelevantes.
Para se ter uma ideia do impacto que estas condições pode assumir, em termos de intensidade e propagação das chamas, recorde-se que foi este o fenómeno responsável pelo incêndio de grandes dimensões que
destruiu a cidade de Fort McMurray, na província de Alberta, no Canadá, em maio de 2016, onde cerca de 80 mil pessoas tiveram de ser retiradas, devido ao avanço descontrolado das chamas, e mais de duas mil casas ficaram em cinzas:
Quer isto dizer que as causas deste incêndio, o maior da última década, e o mais grave em termos de número de mortes, se reduzem a um fenómeno climatérico excecional? Não, evidentemente que não. A isso junta-se o vasto e pesado rol de problemas estruturais da floresta portuguesa, há muito identificados e estudados. Aliás, a excecionalidade das circunstâncias climatéricas do incêndio do Pedrogão Grande, que será ainda necessário melhor compreender e detalhar, permite sobretudo enquadrar, e ajudar a compreender, a excecionalidade das suas dramáticas consequências, não retirando por isso um grama de importância e gravidade a esses problemas estruturais. Pelo contrário, redobram a necessidade e a premência de sobre eles agir, por pelo menos por duas razões: porque estaremos sempre a falar de mudanças num tempo longo, que importa impulsionar o quanto antes, e porque, estando as condições metereológicass excecionais associadas a alterações climáticas (
como se pensa que estejam), a tendência será para a sua crescente repetição.