A Grécia exige à Alemanha €279 mil milhões, incluindo €10.3 mil milhões relativos a empréstimos forçados, por reparações de Guerra pela ocupação nazi, de acordo com os cálculos do
General Accounting Office, o equivalente ao Tribunal de Contas português. A notícia, que não é de agora, foi avançada pelo primeiro ministro em Abril de 2015 quando foi criado um
comité especial para avaliar este assunto
.
Como é sabido, o Acordo de Londres de 1953 adiou para o futuro, pós-unificacão das Alemanhas, a realização de uma conferência que encerrasse a questão das reparações de guerra, empréstimos e contribuições forçadas impostas aos territórios ocupados, embora tenha havido um pagamento inicial de DM115 milhões em 1960 destinado a compensações individuais, faltando por isso o custo da reposição das infraestruturas destruídas, os crimes de guerra e o empréstimo forçado.
Depois da unificação, em Setembro de 1990, foi assinado o Acordo 2+4 entre a Alemanha e os países aliados – EUA, Reino Unido, França e União Soviética - no qual estes países renunciavam a quaisquer reivindicações sobre as reparações de Guerra. Porém, a Grécia ficou de fora deste acordo, tendo sido inclusive o único país a formalizar queixas contra a Alemanha, acções individuais nos tribunais alemães, e uma acção colectiva no tribunal grego de primeira instância de Livadia, confirmado por decisão do Supremo Tribunal grego. Embora para a Alemanha aquele acordo de 1990 encerre o assunto, o mesmo não se passa com o povo Grego que foi profundamente humilhado e devastado durante a 2a Grande Guerra e com o governo Grego.
No passado dia 18 de Agosto este assunto voltou a ser debatido na RT Internacional num debate que reuniu Eike Hamer, comentador politico alemão e Marina Prentoulis, membro do Syriza (vídeo acima).
Agora que se avizinha a Cimeira de Líderes do Sul, que reúne, no próximo dia 9 de Setembro, Portugal, Espanha, França, Itália, Chipre e Malta em Atenas a convite do primeiro ministro grego para debater a forma como os países do Sul podem ganhar poder de influência numa Europa dominada pelos interesses dos países do centro, este debate é interessante na medida em que é revelador da atitude da Alemanha perante a zona Euro, o papel que se autoatribui, bem como o desafio que é colocado aos líderes do Sul na criação de uma Europa justa e solidária.
Assim, na perspectiva da Alemanha:
a) A atitude da Grécia é insana e completamente despropositada dado que houve um pagamento em 1960 e a Alemanha unilateralmente encerrou o assunto em 1990 com o Acordo 2+4. Mais ainda,
b) A atitude grega constituí uma ameaça à paz na Europa ao reabrir um dossier que tem mais de 70 anos, sendo vital que a paz na Europa não seja ameaçada em tempos tão conturbados;
c) A Alemanha é vítima de grande injustiça porque é ela o maior contribuidor líquido para a União Europeia, em geral, e para o resgate Grego em particular;
d) O problema é a Grécia, isto é, não é um problema de dinheiro mas de má política, maus governantes e uma elite corrupta que desvia o dinheiro pago pela Alemanha para o exterior, especificamente para a city em Londres (desta vez a preguiça do povo grego não foi mencionada).
Esta análise apresenta graves equívocos quanto à Grécia, nomeadamente:
1.relativamente às reparações de guerra,
a) que os crimes contra a humanidade nunca prescrevem;
b) que a Grécia nunca assinou nenhum acordo no qual abdicava das reparações de guerra, existindo uma nota verbal da embaixada alemã em Atenas, de 31 de Março de 1967, que se refere ao pagamento de DM115 milhões por compensações individuais adiantando que o “governo federal nunca assumiu que o governo Grego tinha intenções de formalmente abdicar dos seus direitos legais relativos à ocupação durante a 2a Grande Guerra”;
c) que o supremo tribunal grego reconheceu recentemente a obrigatoriedade da Alemanha pagar €28.6 milhões à pequena vila de Distomo que perdeu 218 concidadãos em virtude da ocupação nazi, no massacre de 10 Junho de 1944, permitindo o arresto de bens, o qual requer a autorização do governo;
2. relativamente ao destino dos pagamentos feitos pela Alemanha
a) que estes tiveram por contrapartida da emissão de dívida bilateral e dívida multilateral intermediada pelas autoridades europeias, a qual é remunerada com o pagamento de juro e deverá ser paga mediante um calendário de amortizações;
b) que esta nova dívida, apresentada como uma injeção de liquidez para resgatar a Grécia mais não foi que uma forma encapotada de resgatar os investidores financeiros privados alemães e franceses;
c) que a restruturação de dívida que se seguiu foi muito superior e mais penalizadora para os investidores gregos residuais por culpa da falta de reconhecimento da insolvência Grega e das medidas de austeridade impostas pelos credores oficiais;
d) que a nova dívida emitida não se destinou aos gregos e a recuperar o país. Na verdade, de acordo com o Comité para a Absolvição da Dívida do terceiro mundo (CADPM), dos €330 milhões recebidos ao longos dos 3 resgates, mais de metade destinou-se ao pagamento do serviço da dívida anterior, €173.5 milhões; mais de um quinto, €73.5 milhões foi para resgatar a banca; 10% para a restruturação de 2012 e apenas 7%, 24.6 milhões para cobrir o défice orçamental;
3. relativamente à eleição do Syriza, que representa uma quebra de estrutura, especialmente porque este partido e o seu governo não se identificam, e combatem, as elites corruptas gregas.
Esta análise ignora também a questão da superestrutura económica, especificamente as graves implicações intrínsecas à arquitetura institucional do Euro, o papel das autoridades europeias na proteção dos interesses do sector financeiro e dos países do centro no formato escolhido para a resolução da crise financeira de 2007-2010, desresponsabilizando a Alemanha pelas suas políticas neo-mercantilistas que em muito tem contribuído para os graves desequilíbrios macroeconómicos da zona Euro que culminaram na crise de dívida soberana.
Porém, ela representa, acima de tudo, uma total falta de solidariedade por parte da Alemanha que beneficiou de uma generosa restruturação em 1953 na qual, não só se reduziu o capital em dívida em mais de 50% (entre 50-65%, em rigor); os juros tiveram um período de carência de 5 anos, enquanto que o juro atrasado teve uma taxa simbólica de 1%; o serviço da dívida estava condicionado à evolução do comércio externo, não devendo ultrapassar 5% da balança de transações correntes; mas acima de tudo, deixando espaço para a monitorização do desempenho do país e para a revisão dos termos do acordo caso estes se revelassem excessivos para o justo desempenho económico.
Em suma, a Cimeira dos Líderes do Sul, de 9 de Setembro, é um acontecimento fundamental para o futuro da Europa. Espera-se que seja um primeiro passo para a resolução do problema da dívida no âmbito de uma conferência multilateral à escala Europeia.