O Caminho (Nem) Sempre Percorrido
Naquele dia azul acinzentado, pintado a aguarela, Helena viu-se obrigada a cessar os próprios passos. Helena era uma menina, mas tinha nome de mulher. Os cabelos eram canudos inocentemente dourados e os olhos, apesar da ingenuidade azul que transpareciam, deixavam entrever a amargura, disfarçada das mesmas matizes. Naquele dia, de facto, tudo era azul. Desde os olhos à amargura. O vestido e mesmo a cor do dia.
Contudo, ainda que o azul dominasse, aquele momento pareceu-lhe obviamente branco. Era mesmo branco demais. Estranhamente branco demais. Dava-lhe demasiado tempo para pensar em si própria. O vazio e a angústia dominavam-na agora que não tinha lugar algum onde semear os seus passos.
Helena estava cega. Completamente cega, e ao contrário do que já imaginara, o mundo não se tornava negro. Era dolorosamente alvo.
Foi nesse momento que percebeu que avançar não seria possível. Demorou-se a olhar o vazio até ao limite do suportável e corajosamente começou a rodar sobre si mesma. Era a primeira vez que se permitia dar meia volta e enfrentar finalmente o que deixara para trás. Pensava ela que deixara para trás. Não percebera até então que não olhar para trás apenas aumentaria o peso daquilo que aparentemente se tornava passado mas na realidade se transformava em cada vez mais presente.
Helena voltou-se devagar. Dolorosamente verificou o rasto de destruição atrás de si. Com os olhos cheios de chuva viu as feridas abertas. Viu as feridas perfuradas. Viu o sangue vermelho escuro que era o manto que seguia no seu encalço. Viu tudo e chorou alto, ajoelhada no chão, as mãos nos cabelos, a face escondida no colo ferido.
Depois secou as lágrimas, levantou-se e devagar caminhou para trás. Aproximou-se da primeira ferida e derramou um beijo sobre ela. Agora ía ficar por ali por algum tempo.
"La Voile Bleu, Damour, Lebanon", T. Hulubey