José Sócrates chegou a ser dado como politicamente ferido ou mesmo eventualmente morto, mas sobreviveu nas urnas e ganhou mesmo um novo fôlego. É certo que perdeu a maioria absoluta, mas a distância a que ficou do PSD, cerca de 7,5 pontos percentuais, é motivo mais que suficiente para cantar vitória eleitoral.
Com um Parlamento maioritariamente de esquerda - PS, BE e PCP somam quase 55 por cento -, à vitória dos socialistas soma-se uma subida histórica do Bloco de Esquerda (BE) e uma surpreendente e também histórica recuperação do CDS, que atinge um resultado que não conseguia há mais de duas décadas. Aliás, o CDS é o único partido cujos 21 deputados podem formar maioria com o PS, mesmo que os socialistas não elejam nenhum dos quatro deputados da emigração. Isto, além de os socialistas se poderem juntar ao PSD e reeditar o Bloco Central, o que tem sido afastado pelos dois partidos.
Quando ainda falta apurar os votos da emigração, que só serão conhecidos a 7 de Outubro, o PS obtém 36,56 por cento. Elege 96 deputados, longe dos 121 deputados de 2005, então com 45,03 por cento. Já no que se refere a votos está com 2.068.665 votos, quando nas últimas legislativas obteve 2.588.312 votos.
O PS perde assim cerca de meio milhão de votos e tem o pior resultado percentual desde que, em 1991, Jorge Sampaio perdeu as eleições para Cavaco Silva. A vitória do PS caracteriza-se ainda por este partido não aumentar o número de deputados em nenhum círculo eleitoral.
Ao perder a maioria absoluta, o PS terá de passar a negociar parlamentarmente os apoios de que precisa para governar e aprovar os Orçamentos de Estado. O líder do PS não abriu ontem o jogo sobre se irá governar sozinho ou procurar um acordo com outro partido parlamentar. José Sócrates, contudo, afirmou que vai ouvir os outros partidos e frisou a necessidade de estabilidade. Pelo que poderá tentar encontrar um parceiro para acordo de Governo - e aqui o CDS aparece como a força mais bem posicionada, até por questões aritméticas - ou para entendimentos parlamentares.
PSD, o derrotado
O grande derrotado da noite é o PSD, apesar de ter melhorado em relação aos resultados de 2005, tendo em conta que ainda falta apurar os círculos da emigração. Com 29,09 por cento e 78 deputados eleitos no território nacional, o PSD obteve 1.646.097 votos, quando em 2005 teve 1.653.425 votos finais (28,77 por cento e 75 deputados).
Apesar da recuperação, pois mesmo sem os círculos da emigração onde elege sempre, já aumentou a bancada parlamentar, o PSD perdeu em termos globais as eleições. Com uma liderança muito personalizada e com uma campanha feita em função desta líder, Manuela Ferreira Leite é assim a grande derrotada da noite eleitoral.
Os resultados do PS e do PSD somados dão cerca de 65 por cento do Parlamento, que é o mais baixo resultado eleitoral dos dois partidos do centro desde a década de 80, quando foi formado o PRD. Essa erosão do centro que leva ao fim do que a ciência política chama de tendência para a bipolarização do sistema surge em consequência da subida dos partidos médios: o CDS, o BE e o PCP.
A vitória de Portas
O CDS é um dos vencedores da noite e assume-se eleitoralmente de novo como a terceira força política na Assembleia da República. O CDS atinge os 10,46 por cento e elege 21 deputados com 592.064 votos no continente, o que é o seu melhor resultado dos últimos 24 anos, já que em 1985 elegeu 22 deputados e teve 9,96 por cento. Desde então só perdeu deputados. Até ter sido mesmo nos anos 90 o "partido do táxi", com bancadas de quatro e cinco deputados. O CDS voltou a eleger ou elege pela primeira vez em distritos como Braga, Coimbra, Faro, Leiria, Setúbal e na Madeira.
Ganhador também é o BE. Fica à frente do PCP e atinge o melhor resultado da sua história. Obtém 9,85 por cento e elege 16 deputados com 557.109 votos. Em 2005, o BE era a quinta força parlamentar com 6,35 por cento e elegeu oito deputados com 364.971 votos. O BE dobra desta forma a bancada e elege pela primeira vez em círculos como Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria e Santarém.
Já o PCP fica em quinta força parlamentar. Mas consegue manter a percentagem de 7,88 por cento e aumentar em um o número de deputados, passado a quinze. Assim como crescer em número de votos, já que, mesmo antes de apurados os círculos da emigração, o PCP obtém 446.174 votos quando em 2005 teve 433.369 nos resultados globais.
Estes resultados foram condicionados pelo aumento da abstenção. Ontem não foram votar 39,4 por cento dos eleitores, quando em 2005 a abstenção foi de 35,74 por cento. É preciso, contudo, ter em conta que nestas eleições aumentou o peso dos eleitores-fantasma, por terem sido automaticamente recenseados todos os cidadãos inscritos no arquivo nacional de identificação, devido à criação do cartão de cidadãos. Ou seja, o aumento da abstenção pode não ser real. Em termos absolutos votaram ontem menos 70 mil pessoas.