segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A voz dos inocentes



Chegou a hora. Chegou a hora da voz dos inocentes. Finalmente chegou. Está na hora. Está na hora de falar, de dizer o que nos vai na alma, de falar bem alto o que queremos e porque queremos. Está na hora. É agora ou nunca. É chegado o momento da voz dos inocentes. A nossa voz.

Esta aguarela retrata dois universos tão coexistentes e diametralmente opostos. Os artistas têm sido, através dos tempos, os mensageiros dos modos de estar e sentir o mundo. O jogo das cores complementares e a divisão do espaço procuram, neste meu trabalho, retratar este nosso mundo tão desigual e inquietante.

E, aqui hoje, a inocência com as palavras de Florbela Espanca, in “ Charneca em Flor”:

Não Ser

“ Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
- Mantos rotos de estátuas mutiladas!
…”

E nada melhor terminando, esta crónica diária, com Hendel, em Rinaldo, HWV 7 “ Lascia Ch’io Pianga” na voz de Jarouussky para exprimir o amor, as lutas e sobretudo a voz dos inocentes.



domingo, 30 de agosto de 2009

Regressos





É o ritual do costume. Agora é o regressar das terras longínquas ou mesmo ali ao lado; é o regressar dos melhores e mais aprazíveis destinos turísticos, ou do campismo com direito a sofá e televisão para as horas da telenovela. É mesmo assim. E assim vivemos com a nossa felicidade. Uns com mais comprimidos anti-depressivos, outros, encontrando escapes socialmente ou não recomendáveis. E cá estamos nós, de novo, para as labutas do costume, por uns tempos mais queimadinhos e tristemente felizes. É a vida. De todos nós.


E porque a vida é um acumular de experiências e vivências, esta imagem traduz o meu eterno desejo de captar, registar e saborear o vivido. É a vida…de um pintor.

Hoje trago a poesia do meu amigo José Fanha e o poema “ A Propósito De Duas Pinturas De Watteau”:

“Em muitas cores me revejo
Feliz mas desencontrado
Pois vejo sempre outro lado
por trás do lado que vejo.”

E vos deixo com o fado de Coimbra e “ Samaritana”.


sábado, 29 de agosto de 2009









Influências




A circunstância, o meio e o desejo levam-nos a receber influências que marcam e definem o carácter e até a nossa vida. As nossas vidas. Uns são bafejados pelos deuses da sorte, outros, até mais capazes não conseguiram transpor as barreiras e ficaram para sempre na lama e na tristeza do obscuro viver. Uns descobrem em tempo os caminhos que muitos perfilam, no entanto, tantos há que só muito depois, e o depois significa outras eras, reconhecidos são. Quer uns, quer outros ajudaram a mudar o mundo, ora para o bem, ora para o mal. E assim caminhamos com as boas causas e, infelizmente, também com os maus desígnios.

África influenciou artistas como Picasso, Modigliani e Rodrigo, por exemplo. Eu que vivi alguns anos em terras africanas, de quando em vez, trabalho pensando nos grandes mestres e no meu passado. Esta imagem retrata também um desenho que, aqui, é um mero registo.

Li e adorei o Testamento do poeta luso-moçambicano Rui Knopfli:
“Se por acaso morrer durante o sono
não quero que te preocupes inutilmente.
Será apenas uma noite sucedendo-se
A outra interminavelmente…”
E vos deixo com a voz de Louis Armstrong cantando: What a wonderful Word”.


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O paraíso



O paraíso é o lugar ideal e o tempo certo onde tudo acontece na perfeição. Para mim o paraíso era pintar quando fosse essa a minha vontade, e não quando posso nas tardes de domingo; era ouvir as mais belas músicas, e não os discursos sem nexo; era viver serenamente sem as angústias minhas e dos outros; era nunca ter maleitas; era não ter medo do medo, e dos males que poderão cair nos meus; era ver o meu clube ganhar e dar-me alegrias, em vez de tormentas; era dizer o que me vai na alma; era tudo e nada ao mesmo tempo; era viver fora de mim; era eu ser outro, sendo eu mesmo; era…

Esta imagem é a simbologia da crença numa existência onde se busca a paz, que apenas existe no paraíso, que fica algures, em lado nenhum. Aqui, mais uma vez, a liberdade da criação permite a utilização de cores e formas, em excesso, como modo de representar plasticamente.


Recordo hoje as palavras de Marcel Proust, in “O Tempo Reencontrado”:

“ Os verdadeiros paraísos são os paraísos que se perderam”

E vos deixo com alguns trechos das melhores peças de Mozart, que certamente representam uma viagem em busca do paraíso.



quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O nosso mundo




Todos os dias o mundo onde vivemos (e só há este) muda. E nós mudamos também. Quem não muda, quem não quer mudar fica de fora. De fora significa caminhar contra a maré que tritura e destrói tudo e todos. Assim é. Para o melhor e para o pior. O pior é estar no sítio errado, no tempo errado. Este é o grande drama do nosso século. Circulamos de uma ponta a outra do planeta, encontramos culturas e modos de viver com interesses diferentes, e porque queremos impor os nossos ideais vivemos eternamente em conflito. Conflito de gerações e de povos. Até ao fim da nossa existência. Até ao fim do nosso mundo.

Esta aguarela ironicamente chamada “Jardim das Delícias”é a entrada de um espaço que criámos para enterrar os nossos entes queridos e chorar quantas vezes pela saudade e pelo remorso. Quantas vezes?

E recordo hoje, mais uma vez, Fernando Pessoa e “ O Livro do Desassossego”:

“ …Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.”

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Rir




Nada melhor que rir. Rir de alegria, de prazer, de felicidade. Rir com os amigos, rir com aqueles que amamos, rir com vontade de rir. Rir, como dizia o Almada, “ É a coisa mais séria da vida”.

Esta pintura em tela é um retrato que, como todos os outros, procura captar características únicas do retratado. Aqui o riso é a forma de expressão que julguei mais indicadora da personalidade do modelo, embora reconheça que na História da Pintura não é muito vulgar a representação do riso, porque rir é um estado de alma, que ultrapassa, felizmente, as normas e as posturas das rígidas vivências sociais. Rir, acontece quando estamos com aqueles que nos são próximos e rimos, umas vezes com malícia, outras com ternura, outras porque a vida também é para rir.


E vos deixo com a mestria e a genialidade daquele que fez do rir uma postura de vida, como aqui nesta obra, onde as trocas e baldrocas das relações humanas e das convenções matrimoniais são postas a ridículo com muito riso: Mozart e a ópera Don Giovanni aqui com a soprano Cristine Schafer e o barítono Simon Keenlyside cantando “ Là ci darem la mano”.


terça-feira, 25 de agosto de 2009

Passeios de Verão




É vê-los passar. Carros cheios de gente, malas e maletas. Aí vão eles para os lados do costume. Aos montes e felizes. Felizes por deixar para trás as referências diárias, e, partir em busca de horizontes diferentes. E o diferente seduz, encanta e enfeitiça. Diferente que é tão igual tantas vezes. É igual quando os passeios de domingo se fazem pelos mesmos caminhos; é igual quando as férias de Verão são na praia ou nas termas de sempre; é igual quando as canseiras e as maleitas se repetem; é igual quando não queremos ser diferentes. E não queremos ser diferentes, mesmo nos passeios de Verão.

Esta aguarela retrata um beijo tão comum nas vidas tórridas do Verão. Aqui a fantasia de vários espaços conjugados numa mescla de perspectivas, só possível no mundo imaginário, mais não é que a ilusão da vida e da arte.


E vos deixo com a música de Ciacomo Puccini, in Tosca, aqui no trecho E Lucevan le stelle cantado por Placido Domingo.


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Lembranças





Hoje lembrei-me de Cesário Verde e do poema “Flores Velhas”:

"Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em ti vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um voo…
"

Esta aguarela fez parte dos muitos estudos que realizei para ilustrar um livro de poemas de um amigo meu, e que agora me parece retratar este excerto do genial poeta que recordo hoje.

E vos deixo com um belo trabalho feito numa escola sobre o poeta que me encanta, de quando em vez.




domingo, 23 de agosto de 2009

Açores




Fiquei deslumbrado com os Açores. De um lado o mar, do outro, mesmo ali, o campo e a serra. É a conjugação perfeita de dois mundos. O verde matizado da natureza e o azul limpo e translúcido do oceano. O clima é tão próprio e ameno nas tardes quentes e incendiárias do Verão. Ali, naquele cantinho que não parece Portugal, está uma parte do paraíso, e que, a maioria dos portugueses, conhecedores das praias do outro lado do planeta, nem sonham com tanta beleza e tanto encanto. Nem sabem o que perdem. São outros modos de ver e sentir o mundo.

Esta pintura só foi possível depois de estar nos Açores. As minhas viagens servem para isso mesmo: absorver o vivido e transpor para a tela o observado. Sou sempre um pintor, mesmo longe das telas, das tintas e dos pincéis. A exuberância da natureza e a abundância do que vi só poderia conduzir a um excesso de pormenores nas minhas pinturas. Esta é a explicação que encontro para justificar o porquê, de ter colocado tantos elementos pictóricos, após ter conhecido os Açores. Segredos…da minha pintura.

E termino recordando Vitorino Nemésio com o excerto do poema “ Que Bem Sabe o Amor Constante”:

“Até no carro te canto,
Fala a fala, seio a seio,
Espantado de um encanto
Que mais parece receio

De te perder à partida
Pra te ganhar á chegada
Pois tu és a minha vida
Na ida e volta arriscada…”

sábado, 22 de agosto de 2009

Os tesouros





Temos tantos tesouros. Uns materiais, outros afectivos. Aqueles que amamos e que gostam de nós são, sem dúvida, os tesouros maiores. Os maiores de todos. Depois temos os outros, os tesouros materiais que valem o que valem, de acordo com a nossa personalidade, os nossos desejos, os nossos sonhos, a nossa cultura. Um dos meus tesouros é a colecção completa das obras de Mozart. É um tesouro enorme para mim. Vale o que vale, porque eu preciso de ouvir o genial compositor austríaco. Ele é um pouco de mim, porque todos os dias ouço a sua música. E quem descobre Mozart encontra e tem tantos tesouros.

Muitos foram os grandes homens de letras que escreveram sobre a música e não resisto a este excerto do poema “A Música“de Charles Baudelaire, in “As Flores do Mal”:

A música para mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!...”

E, porque hoje falo de Mozart, termino com a excelência da genial “Flauta Mágica” aqui na voz que mais admiro – Dietrich Fischer-Dieskau, no papel de Papageno.


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Infelizmente



Vivemos ora rodeados de tudo, ora sem quase nada. Este é o nosso mundo. De um lado a abastança; do outro, a penúria. De um lado da barricada há Valores. Há Direitos e Deveres. Uns só sabem o que é Direitos; outros, nem sabem o que é Deveres. E ainda outros nunca tiveram nem Direitos, nem sabem o que é Valores. E assim vivemos. Uns conscientes de que a vida afinal é curta. Outros pensando que o muito é pouco e só ambicionam ter mais e mais. E assim vivemos. Sempre assim foi. Talvez seja o nosso fado. Queiramos ou não. Infelizmente.


Esta obra representa a figuração do poder fora de moda. Gosto de fantasiar e ultrapassar a realidade, muito mais, sempre que faço uma aguarela.

E vos deixo hoje com Fernando Pessoa que já escrevia negativamente sobre a vida no "O Livro Do Desassossego:

“ O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente como um gato ou um cão – assim fazem os homens gerais, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfação do gato e do cão…”

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Pobre país




Pobre mundo este do chamado progresso e evolução social. Pobres, de nós, condenados ao silêncio e à solidão. Longe vão os tempos das famílias numerosas, das casas cheias, dos imprevistos e da comunhão dos afectos. Agora temos por companhia os cães e os gatos. São eles, os nossos amigos, com quem desabafamos nas muitas horas de solidão e tristeza. O que vejo é um país a envelhecer, sem gente jovem que renove a esperança e traga a vitalidade. O que vejo é a minha gente lusitana sem futuro. Pobre país. O meu país.

Esta aguarela retrata os gatos que servem de companhia àqueles que ficaram sós. Sob o ponto de vista plástico adoro retratar estes animais porque têm uma presença física esbelta. Estes felinos fazem parte da História da Arte desde sempre. Picasso, Chagall e Balthus não resistiram à beleza e ao encanto dos gatos, que nos servem tanto de companhia.

E vos deixo hoje com a música de Bellini que me tem servido de companhia: Norma, aqui com a voz inconfundível da Maria Callas em Casta Diva.


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Viagens na minha terra





Adoro ir por aí. Por aí onde sei que estou seguro e contemplativo. Gosto de saborear novas paisagens e conhecer outros modos e outros encantos. Por aí é também perto de casa, por ruelas, pracetas e ribeiros ornamentados e apaladados pelo sabor lusitano. Por aí é viajar na minha terra, na minha identidade com a minha gente, com os dissabores próprios mas tão autênticos. Por aí é descobrir o meu passado, as minhas origens, as minhas memórias. Por aí é saber quem sou e porque sou quem sou.

De quando em vez faço uns desenhos grotescos. Gosto de experimentar o excesso da forma como fuga da elegância estereotipada dos nossos dias. Este desenho é um jogo de descobertas, porque a arte deve ser sempre uma procura de descobertas.

E recordo as palavras de Almeida Garrett, in "Viagens na minha terra":
“ …Estas minhas interessantes viagens hão-de ser uma obra-prima, erudita, brilhante de pensamentos novos, uma coisa digna do século…”

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Verdes são os campos




É Verão. É tempo de olhar e ver. Ver os campos verdes e saborear a beleza da natureza tão fértil e pungente neste agora triste país. É tempo de voltar a crer. É tempo de mudar o que está mal. É tempo de dizer e fazer. É tempo de sonhar. É tempo de acreditar. É chegado o tempo, porque é o tempo dos verdes campos. Campos de novas alegrias, de novas esperanças.


Tal como na vida procuro sempre campos novos na pintura. Esta obra retrata os verdes campos, deste país tão belo, e que tantas vezes foi pintado pelos nossos artistas como Carlos Carreiro, Mário Botas, Costa Pinheiro e Amadeo.


É vos deixo com a voz de José Afonso cantando a poesia do autor dos Lusíadas em "Verdes são os campos".



segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Saudades



O passado deve ser sempre recordado positivamente. Quando penso na minha adolescência só quero recordar o lado bom. E o lado bom traz-me as saudades da praia. Era o calor intenso que queimava os pés ao sair da água do mar, essa sim quente e límpida; era a alegria de ter, logo ali, o areal extenso e cheio de alegria; era o modo de estar; era a postura de vida; era as cores do sol que ao fim do dia nos gratificavam com a beleza cromática só descritível vendo; era o conviver com tantas culturas de gentes de tantos lados; era o saber estar longe da velha Europa e tão perto do futuro; era tanta incógnita; era tanto desejo de transformar e acreditar na mudança; era tudo. E tudo acabou.

Hoje trago a poesia do moçambicano Rui Knopfli e um excerto do poema “ Gritarás o meu nome”:

“Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz será
como a do vento sobre a areia:
um som inútil de encontro ao silêncio.

Não responderei ao teu apelo,
Embora ardentemente o deseje.
O lugar onde moro é um obscuro
Lugar de pedra e mudez…”

E vos deixo com a voz de Mariza (natural também de Moçambique) em “ Menino do Bairro Negro”interpretando uma canção de José Afonso, meu antigo professor.



domingo, 16 de agosto de 2009


Moçambique

Nasci em África. Quando vi o filme África Minha, como todos os naturais, senti saudades. Saudades de um mundo deixado, de um mundo já não existente, de um mundo apenas aparentemente belo e perfeito no cinema. África é outra coisa. África é tudo menos bucólica e apaixonante na sua expressão mais nobre. África é um espaço enorme com tudo de bom, num mundo habitado por outros interesses. Infelizmente África é outra realidade. Infelizmente.

Esqueci, procuro esquecer, cada vez mais onde vivi em Moçambique os meus primeiros anos, donde, a minha obra plástica tem apenas pontualmente uma referência africana.

E hoje lembrei-me do meu conterrâneo Mia Couto e da sua obra Raiz de Orvalho e Outros Poemas e do poema Fui Sabendo de Mim:


“Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia”


E vos deixo hoje com a música sempre apaixonante de Mozart, utilizada pelo cinema americano no filme África Minha: Concerto para clarinete, 2 segundo andamento dirigido por Claudio Abbado e com o clarinetista Alessandro Carbonare.


sábado, 15 de agosto de 2009

Ditos Populares



“Nem tudo é o que parece. Em estética o que parece é. Nem tudo o que luz é ouro. Quem vê caras não vê corações. Não há bela sem senão.”
Estes ditos populares são a expressão da sabedoria de um povo que já não vai em cantigas, embora apareçam muitas “Donas Brancas” de quando em vez. É a vida …com as certezas e os enganos de todos nós.

Esta pintura "Não Há Bela Sem Senão" faz parte do período da representação espacial onde procurei realçar a perspectiva, e que aqui retrata uma fachada de um prédio tão comum na cidade do Porto. Durante esta fase, o rigor geométrico das formas e da composição nasceu pelo desejo de descobrir, como é meu timbre, novos caminhos pictóricos.

E vos deixo com as palavras de Francisco Quevedo, in Antologia Poética e um excerto do poema “Desenganado da Aparência Exterior”:

Desenganado da Aparência Exterior Com O Exame Interior E Verdadeiro

“Vês tu este gigante corpulento
que solene e soberbo se reclina?
Pois por dentro é farrapos e faxina,
e é um carregador seu fundamento…”

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Primeira pintura




Esta é a primeira pintura que fiz e logo um auto-retrato. Um retrato tem dificuldades enormes. Impõe que haja uma semelhança entre o retratado e a pintura propriamente dita. Parece fácil, mas é sempre uma enorme batalha, no entanto, adoro fazer retratos. É o desafio, é o confronto, é o teste, é o querer demonstrar que sou capaz, é a luta permanente para provar que consigo. Eu sou assim.
O auto-retrato é feito por todos os artistas, por opção, ou, por falta de modelos. O próprio pintor tendo um espelho basta-se a si próprio para ter um objecto artístico: ele próprio.
Este retrato foi a iniciação ao óleo. Foi a primeira abordagem fora do contexto da sala de aula. Foi a descoberta do caminho desejado. Foi sentir orgulho perante o desafio. Foi o sonhar. E o sonho se fez realidade. Desde então não mais parei.

E vos deixo com as palavras de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)in, “Poemas”:


“Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalto próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu…”

E termino com a música sempre genial do maior de todos os compositores: Mozart, aqui no Concerto com Violino No. 5 (K. 219) primeiro movimento,com a interpretação ao violino de Anne-Sophie Mutter.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Felizmente





Há dias em que as memórias nos trazem recordações de episódios que nos marcaram e que nos deixam felizes. Felizmente.

Esta é mais uma aguarela sobre a contemplação do mar e do céu e, obviamente, dos pensamentos felizes. Felizmente

E hoje lembrei-me de Friedrich Nietzsche e do poema A Minha Felicidade da obra A Gaia Ciência:

“ Depois de estar cansado de procurar
Aprendi a encontrar.
Depois de um vento me ter feito frente
Navego com todos os ventos”


E vos deixo com a música de Jacques Offenbach: Barcarola, aqui nas vozes de Anna Netrebko e Elina Garanca.



quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Loucuras de Verão




A brisa, o calor, o desejo, a afirmação constroem as loucuras de Verão. É vê-los passar. Uns atrás de outros. Continuamente. É o viver saboreando o viver. Felizmente que há as loucuras de Verão. Felizmente que há loucuras. Felizmente que há Verão. Felizmente que assim é, todos os anos, as loucuras de Verão. Sempre assim foi. Sempre assim será, no Verão, as loucuras de Verão. Loucuras sem loucos, apenas e só gente que quer viver as loucuras de Verão. Felizmente que assim é. O Verão.

Esta tela retrata um típico carro americano que faz as delícias e as loucuras de Verão…

Aqui, nesta minha pintura de grande formato, um elemento (o carro), só por si, ocupa quase que a tela por completo, na linha descrita pela figuração do cinema que tanto me encanta.

E vos deixo com um dos poetas portugueses que mais gosto, talvez porque melhor entenda as suas palavras: António Gedeão. E com um excerto do Poema da Auto-estrada termino hoje esta crónica diária:

"Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
Modelando a coxa fina
De impaciente nervura.
Como guache lustroso,
Amarelo de indantreno,
Blusinha de terileno
Desfraldada na cintura.

Fuge, fuge Leonereta.
Vai na brasa de lambreta…”

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Alegrias de Verão




É Verão. É o tempo de saborear os calores e os prazeres dos tórridos dias, onde a água dos mares ou dos rios enche de encanto os mais novos e delicia os mais velhos. É o tempo dos passeios em férias caseiras ou em terras estranhas. É o tempo da descoberta das virtudes das primaveras sempre em renovação. É o tempo de viver em alegria as noites longas e sentidas. É o tempo de ver, ouvir e rir. É o tempo das alegrias de Verão.

Esta pintura é um retrato onde predomina o sorriso. Aqui, mais uma vez, procurei, num enquadramento singular, colocar a personagem distante do olhar fotográfico e próximo da visão cinematográfica. Histórias… da minha pintura.


E termino relembrando as palavras de Fiodor Dostoievski, in “O Adolescente”:

“ O Riso é o Melhor Indicador da Alma.”

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Por aí






É mesmo assim. Momentos há que se anda por aí. Por aí sem rumo nem beira. Por aí.
É mesmo assim. Umas vezes mais crentes, outras nem tanto. Umas vezes vislumbrando uma luz ao fundo do túnel, outras sem túnel nenhum.
É mesmo assim. Os dias passam e quando a esperança deixou de ser esperança o que aí vem, pode ser um novo rumo, ou o fim.
É mesmo assim.

E vos deixo com a um trecho da ópera L´Elisir d` Amore de Donizetti, na voz inconfundível de Pavarotti cantando Una furtiva lagrima.



domingo, 9 de agosto de 2009

Auto-retrato




Retratar o próprio corpo e daí exprimir uma forma de ser e estar é o objectivo principal do auto-retrato. É muito interessante ver como tantos se representaram e se olharam ao espelho. As divergências, os contextos, os modos de ver, sentir e viver o mundo nos retratos de Leonardo, Van Gogh, Chagall, Mário Elóy, Mário Botas,Lucian Freud, Andy Wharol, Frida Kahlo são o exemplo claro da diversidade que habita em nós.

Este é o meu último auto-retrato. Ele foi feito em 92 e é uma pintura sobre madeira (material que gosto muito pela textura, pela durabilidade e até pela História), com uma configuração recortada, que se enquadrava na série de trabalhos que fiz nessa época, caracterizados pela forma irregular e tendo como sugestão formal o corpo humano. Histórias …da minha pintura

E vos deixo com as palavras de Álvares de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa), in Da “Tabacaria”:

“Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!”

sábado, 8 de agosto de 2009

Retrato



Retrato é a descrição de alguém, algum acontecimento ou algum espaço. Retrato é a visão da realidade que nos cerca. Retratamos os outros de acordo com os nossos desejos descritivos. Uns é de um modo transparente como a água límpida, outros é, pelo contrário, turva e inquietante. Um retrato é, afinal, um modo de olhar o mundo e de nos retratarmos.

Esta pintura, de grande formato, executada em apenas dois dias (no tempo em que fazia com a velocidade de um relâmpago as minhas obras), é em tons cinza. O retrato procura criar um ambiente de acordo com a personalidade da própria retratada, daí a escolha dos cinzentos, dos azuis e da pose elegante e tão pausada.


E vos deixo com as palavras de Beaumarchais:

“ Ai! Porque é que as coisas são assim e não de outra maneira?”

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Acaso





É mesmo assim. Acontece. Acontece simplesmente. E ao acontecer, por acaso, tudo pode mudar. Até a vida. A vida de todos nós. E tudo acontece por acaso. O ir por aqui e não por ali faz toda a diferença. A diferença de uma vida. A nossa vida. É tão simples como tudo acontece, no entanto, é tão complicado resolver o depois. O nosso destino é, tão só, a sucessão de acasos, que pouco a pouco foram construindo o percurso da vida. Conhecemos e desconhecemos pessoas e situações por acaso. Basta um instante para estar, ou não estar, no sítio certo, ou, no sítio errado. O acaso é isso mesmo. Sem nada fazer prever, vivemos ou não, um acontecimento feliz ou catastrófico. É o acaso que traça este nosso viver e dele optamos umas vezes bem, muitas outras mal. É mesmo assim. O acaso.



Esta aguarela retratando o mar e as ondas serve hoje de meditação sobre o acaso da vida.


E vos deixo com a música sublime de Gustave Mahler que descobri ouvindo a antena 2, e os apaixonantes programas radiofónicos de António Cartaxo. Aqui com a direcção de Bernstein : Adagietto Simfonia 5.






quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Férias




Significado de férias:

- É o despertador que não toca; é a acalmia dos actos; é a abundância do tempo; é o estar pelo estar; é a despreocupação das circunstâncias; é o não ter de fazer ou fazer; é o saber usufruir; é a liberdade do estar; é tanta coisa; é isto e aquilo, e mais isto e mais aquilo.


Este desenho é um dos muitos esboços que registo tudo o que me cerca, desde que tenha à mão um meio riscador e um suporte.


E, porque o tempo é de férias, vos deixo com a música argentina e o tango na voz de Carlos Gardel em Volver


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Praia




É o tempo próprio para falar da praia. Meio mundo anda por lá. Uns por tradição, outros por convicção e outros ainda sem saberem bem porquê. Eu gosto e não gosto da praia. Gosto do colorido, da alegria inerente, da liberdade das poses, do sabor do calor e do espaçamento do tempo que conduz à meditação, enquanto se olha para o mar. Não gosto do tempo perdido, dos gestos inúteis, da futilidade do estar quando nada se faz. Eu sou assim.

Esta aguarela retrata um modo de estar na libertária vivência do areal. Juntei, nesta imagem, também, um brinquedo representativo de um modo de viver em tempos idos. Histórias associadas à minha pintura…


E vos deixo com a voz de Tino Rossi cantando um tema tão próprio dos amores de Verão: "Besamo Mucho"…




terça-feira, 4 de agosto de 2009

Mar





Adoro o mar. O mar dá-me o prazer da diferença. É o movimento constante e desigual das ondas; é a luz que bate na água e deixa um espelho de cores; é o sentir a fronteira entre o solo seguro e as águas das incertezas; é o olhar a linha do horizonte e desejar descobrir outros mundos; é o cheiro da água salgada; é o cantar da passarada em busca do peixe; é as gentes da orla marítima; é o estar perante o mar; é o sentir o mar; é também as memórias que o mar me traz; é tanta coisa. Simplesmente adoro o mar.

Esta pintura, feita faz tempo, retrata um olhar o mar. Mais uma vez procurei sugerir um ambiente onde o espaço com profundidade prolonga visualmente os limites da tela. Histórias …da minha pintura.

E vos deixo com um excerto do poema O Homem e o Mar de Charles Baudelaire, in “ As Flores do Mal”:

“Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente…”

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Caruso

Estar e não estar



Estar e não estar é dizer que viajamos no espaço e no tempo, sem sair donde estamos vivendo muitas vidas no mesmo instante. Felizmente. Como é bom vencer as barreiras imaginárias das fronteiras físicas e percorrer o mundo em cenários fantasmagóricos. Como é bom prolongar o sonho das tardes de Verão nas invernias de Inverno. Como é bom alterar tudo e passar de um contexto agreste para um bucólico viver imaginativo. Como é bom estar e não estar.


Esta imagem tem uma aguarela cujo tema é o Verão.

E termino com um excerto do poema de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)” Passagem das Horas”:

“Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através das janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero…”

domingo, 2 de agosto de 2009

Sonhos de Verão





É Verão. É o tempo de sonhar com as viagens que gostaríamos de fazer e que nunca se concretizarão. É o tempo de sonhar com cavalgadas por caminhos que não existem. É o tempo de olhar o mar e pensar em sonhos que são isso mesmo: sonhos. Só sonhos. Somente sonhos. Sonhos de Verão. E, quando o Verão acabar, acabam esses sonhos: os sonhos de Verão. E com ele os pensamentos dos amores desejados e eternamente perdidos. Pobres sonhos de Verão.

Esta aguarela acompanhada de um brinquedo de lata completam os “Sonhos de Verão”.

E vos deixo com um excerto de um poema de Paul Verlaine, in “Melancolia”:

O Meu Sonho Habitual

"Tenho às vezes um sonho estranho e penetrante
Com uma desconhecida, que amo e que me ama
E que, de cada vez, nunca é a mesma
Nem é bem qualquer outra, e me ama e compreende…”

sábado, 1 de agosto de 2009

Uns e outros



Chegaram as férias. Uns irão à descoberta de novos mundos; outros para os sítios do costume. Uns em busca do elixir da felicidade; outros resignados ou satisfeitos com a sorte repetem os mesmos lugares, os mesmos rituais estivais. Uns procurando encontrar em terra alheia o fascínio pelo exótico; outros saboreando mais uma vez o usual. Quer uns, quer outros desejam viver momentos diferentes, longe das angústias e das trivialidades do viver. E assim se vive. Uns e outros.

Esta pintura de pequenas dimensões é um retrato da praia e das gentes usufruindo ou sonhando com os prazeres de Verão.

E vos deixo com o poema de António Boto, in ´Canções`:
“Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos,
Fallou-me do seu destino,
Do seu fado…”