Muito bom o trabalho do companheiro de batente, Carlos Roberto Pereira, o Carlos Rossi, cover do grande astro da música brega, Reginaldo Rossi. De fato, é impressionante a semelhança física, a desenvoltura e a bela voz do taxista, de 57 anos. O moço nasceu para brilhar e tem um carisma de chamar a atenção. Se a cidade tivesse mais companheiros com a educação do Carlos, sou capaz de dizer que o trânsito não seria tão ruim. Depois de conhecê-lo pessoalmente, Violeta e eu assistimos aos seus vídeos no YouTube – aquele site famoso da internet. Caramba! O sujeito é bom mesmo! Uma beleza!
Das músicas a gente nem gostava tanto, mas, agora, depois de conhecer a boa performance do Rossi mineiro, vamos fazer de tudo para acompanhar os sucessos do “Rei do brega” pernambucano. Claro que também não vamos perder de vista “o clone”, nosso colega, nascido em Governador Valadares. Pelo que soube, Carlos Rossi e a mulher, Rosângela Maria, vão abrir o Bar Fino Gosto, no Bairro Alto dos Pinheiros, na Região Noroeste de BH, logo depois da semana santa. O lugar já promete virar ponto de encontro. Além da boa música, parece que vai ter petiscos da melhor qualidade.
Combinamos com alguns amigos da praça: vamos lá prestigiar os tira-gostos do casal Rossi. Queremos ver e ouvir Garçon, ao vivo, na voz do sujeito multimídia, motorista profissional, permissionário, há mais de 35 anos. Também Mon amour, meu bem, ma femme, outro clássico. O Osmar, que já foi com a mulher num show do Carlos Rossi, em Betim, confirmou o talento do colega. “O cara manda bem demais. É tão bom quanto o original, que eu já vi duas vezes. Parece que o Reginaldo Rossi ensinou tudo o que sabe para o clone dele, em Belo Horizonte”, comentou. Boa sorte na carreira artística, companheiro Rossi! O céu é o limite!
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 28/3/12
Foto: Jorge Gontijo
Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara
quarta-feira, 28 de março de 2012
segunda-feira, 26 de março de 2012
A quarentona e o motoboy
Motoboy, estudante de administração, Adonias, de 23 anos, estava impossível com as mulheres. “Este aí não pode ver um rabo de saia”, criticava a mãe, viúva, tristíssima com a vida sob quadris que o filho caçula levava. Dona Clotildes, desde que perdeu o marido nos anos 2000, falava sozinha – para a vizinhança, loucura; para ela, recurso para não esquecer Roberval. Os dois, unha e carne, foram a fome e a vontade de comer em vida. Da união, seis filhos. Um único homem: Adonias, imagem e semelhança do pai.
Adonias gostava mesmo era de muita mulher. Tanto que não conseguia ter uma só. Estava sempre enrolado com cinco, seis mocinhas mais velhas. Tinha isso: não gostava de moça nova: “É coisa sem sal, que não tem pegada”, dizia. Para ele, boas sãos as meninas com mais de 30. “São mais inteligentes, perfumadas e chegadas num carinho”, dizia, professoral, aos mais chegados, nos intervalos das aulas de TGA. Até os sujeitos mais maduros, que preferiam as mais novinhas, entravam na roda para ouvir o jovem galã.
Na faculdade o Adonias fazia a festa. Na recém-fundada instituição particular, para a alegria do motoboy, a grande maioria das alunas estava na casa dos 40. Carentes, descasadas ou mal amadas, a mulherada fazia fila para cozinhar para o sujeito, já famoso naquelas bandas. Em casa, a mãe contava tudo para o falecido, enquanto pilotava o fogão: “Agora, só come na rua. Vem em casa só pra trocar de roupa. Vê se pode! Cada dia tá num cheiro de mulher diferente. Dá juízo, pro seu filho, Roberval!”.
Não durou muito. Coisa de dois períodos apenas. Foi o tempo de chegar na faculdade uma tal Lucimara, endiabrada – o Adonias de saia. Largada pelo marido, delegado de polícia, a quarentona sem filhos, decidiu virar o capeta sem roupa e encontrar novo amor. Emagreceu duas arrobas, cuidou dos dentes e da pele, cortou o cabelo e entrou para o curso de administração. Lá, no primeiro período, cruzou com o Adonias, atrasado em muitas disciplinas – já que estudar não era o forte do motoboy.
A professora fofa ensinava contabilidade há quase hora, quando, como sempre, chega o Adonias, virado, de noitada com vizinha de sala. Sentou-se atrás de Lucimara e não conseguiu pensar em nada ao sentir o perfume da caloura. Ela, de cabelos cacheados, vestida para matar: saltos de 15cm, vestidinho curto e decotado, colado no corpo, e calcinha fio dental. Já saíram de lá para o casarão erguido pelo policial. Bastou semana de cama e mesa para que os dois passassem a morar juntos. Adonias, surrado, nunca mais teve apetite para comer fora. Dona Clotildes, aliviada, disse ser coisa do velho Roberval.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 26/3/12
Adonias gostava mesmo era de muita mulher. Tanto que não conseguia ter uma só. Estava sempre enrolado com cinco, seis mocinhas mais velhas. Tinha isso: não gostava de moça nova: “É coisa sem sal, que não tem pegada”, dizia. Para ele, boas sãos as meninas com mais de 30. “São mais inteligentes, perfumadas e chegadas num carinho”, dizia, professoral, aos mais chegados, nos intervalos das aulas de TGA. Até os sujeitos mais maduros, que preferiam as mais novinhas, entravam na roda para ouvir o jovem galã.
Na faculdade o Adonias fazia a festa. Na recém-fundada instituição particular, para a alegria do motoboy, a grande maioria das alunas estava na casa dos 40. Carentes, descasadas ou mal amadas, a mulherada fazia fila para cozinhar para o sujeito, já famoso naquelas bandas. Em casa, a mãe contava tudo para o falecido, enquanto pilotava o fogão: “Agora, só come na rua. Vem em casa só pra trocar de roupa. Vê se pode! Cada dia tá num cheiro de mulher diferente. Dá juízo, pro seu filho, Roberval!”.
Não durou muito. Coisa de dois períodos apenas. Foi o tempo de chegar na faculdade uma tal Lucimara, endiabrada – o Adonias de saia. Largada pelo marido, delegado de polícia, a quarentona sem filhos, decidiu virar o capeta sem roupa e encontrar novo amor. Emagreceu duas arrobas, cuidou dos dentes e da pele, cortou o cabelo e entrou para o curso de administração. Lá, no primeiro período, cruzou com o Adonias, atrasado em muitas disciplinas – já que estudar não era o forte do motoboy.
A professora fofa ensinava contabilidade há quase hora, quando, como sempre, chega o Adonias, virado, de noitada com vizinha de sala. Sentou-se atrás de Lucimara e não conseguiu pensar em nada ao sentir o perfume da caloura. Ela, de cabelos cacheados, vestida para matar: saltos de 15cm, vestidinho curto e decotado, colado no corpo, e calcinha fio dental. Já saíram de lá para o casarão erguido pelo policial. Bastou semana de cama e mesa para que os dois passassem a morar juntos. Adonias, surrado, nunca mais teve apetite para comer fora. Dona Clotildes, aliviada, disse ser coisa do velho Roberval.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 26/3/12
sábado, 24 de março de 2012
Olhar que faz pensar...
Primeiro Mundo é de quinta
Por João Paulo
Esta semana, um brasileiro, Roberto Laudisio Curti, foi morto pela polícia australiana. O rapaz tomou choques, sofreu ataques de gás pimenta, foi surrado até falecer. O crime, que não houve, foi a suspeita do furto de um pacote de biscoitos. Ele era de classe média alta, a família mora em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, e estava na Austrália para aperfeiçoar o inglês.
Sua irmã morava na mesma cidade, Sydney, e ficou sabendo da tragédia quando deu queixa à polícia sobre o desaparecimento do rapaz. Não é casual que dois jovens procurem morar no mesmo país estrangeiro, como se isso tecesse entre eles uma rede de reconhecimento que permitisse tornar mais acolhedora a nova situação. O grave é que seus destinos se encontrem num necrotério em razão do preconceito.
A situação, trágica sob qualquer ponto de vista, tem marcas ainda mais cruéis quando se analisa a forma como Roberto perdeu a vida. O uso de armas “não letais”, pelo visto, só funciona quando interessa à repressão. Assim, a morte sem metáforas do rapaz não foi exceção, mas a regra de uma polícia que diferencia as pessoas por sua origem. Se fosse no Brasil, seria com certeza pobre e preto. Na Austrália, bastou que fosse brasileiro.
É sempre perigoso generalizar comportamentos específicos como síntese de um povo ou de uma nação. Mas o que se percebe, seguidamente, é o preconceito cada vez mais afinado contra os estrangeiros em países ditos do Primeiro Mundo.
O Brasil, por muito tempo, parecia protegido dessa situação não por seus méritos, mas por suas culpas. Como exportava gente para exercer funções desvalorizadas, em condições precarizadas de trabalho, a discriminação era um horizonte temido, mas nunca contestado. O brasileiro de Governador Valadares, em algum desvão de sua menos-valia, achava que merecia ser maltratado.
Quando o Brasil – que hoje, felizmente, lota aeroportos e voos internacionais – passou a ser tratado de forma ambígua (para os estrangeiros, somos bons para gastar, mas ruins de conviver), começou a ficar claro o desprezo com que sempre fomos considerados. A situação da senhora presa por dias no aeroporto de Madri, em risco para sua integridade, por razões inaceitáveis, comoveu alguns. Já é alguma coisa frente à condenação universal que ela receberia há 10 anos – afinal, lugar de pobre sempre foi no Brasil.
Um país mais pobre, como a Espanha, com maior índice de desemprego, como a Espanha, em situação econômica desvantajosa no mercado internacional, como a Espanha, que discrimina trabalhadores brasileiros, como a Espanha, não tem estatuto ético para maltratar uma senhora de 70 anos que chegou pela porta da frente e foi expulsa pela área de serviço.
O próprio conceito de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo, que tem raízes geopolíticas, ganhou conotações qualitativas e morais. No tempo da guerra fria, o Primeiro Mundo reunia países capitalistas ricos ou economias afluentes e exportadoras de bens industrializados em regime de desvantagem comercial para os parceiros; Segundo Mundo eram as nações socialistas e comunistas alinhadas com a União Soviética; Terceiro Mundo era o apanhado compósito de países pobres e subdesenvolvidos.
A lógica era econômica e política. No entanto, por uma operação ideológica primária, foi convertida em padrão de julgamento. Integrantes do Primeiro Mundo eram países de primeira. O Segundo Mundo praticamente sumiu do mapa (alguém já ouviu falar em Segundo Mundo?) e o Terceiro se tornou uma espécie de classe média ressentida: inveja os ricos e faz de tudo para ficar perto deles.
Intercâmbio A triste história de Roberto Laudisio não é isolada. O caso lembra outros, como o do mineiro Jean Charles, com a ressalva de que se trata de pessoas pertencentes a mundos e classes sociais diferentes. Roberto não precisava trabalhar, pois tinha o apoio da família para investir em sua formação. Estava legalmente no país e, mesmo assim, trabalhava como garçom, experiência que certamente não se disporia a viver no Brasil.
A leva de jovens que deposita suas expectativas no projeto de viver e aprender em outros países precisa ficar atenta à carga de aprendizagem que está deixando para trás em seu próprio mundo. Os países afluentes não nos podem dar mais do que pagamos a eles, em dinheiro e subserviência. A busca do conhecimento, a mais nobre das demandas individuais, não deve ser barganhada pelo imperativo da independência e autonomia.
A vida no exterior pode ser o mais frutífero dos investimentos pessoais ou a maior derrocada do princípio de liberdade. A sedução pelo diferente, sobretudo quando se afigura superior em termos econômicos e históricos, só se realiza como construção quando se integra ao patrimônio individual. Os jovens que buscam o intercâmbio precisam compreender o conceito de forma estrita. Não podemos apenas ceder. A relação é de troca ou não há relação. O nome dessa situação de heteronomia é violência. Simbólica ou real.
Há jovens sem qualquer idealismo ou empenho pessoal em aprender submetendo-se a horas na fila na porta dos consulados americanos para receber um visto para gastar seu dinheiro em Miami. Só mesmo certo masoquismo e sentimento de inferioridade explica a boa vontade em participar dessa humilhação autoinflingida. E são as mesmas pessoas que costumam louvar como os países do Primeiro Mundo tratam bem seus cidadãos e têm bons serviços públicos.
Nunca se viu um protesto organizado que lançasse mão da prerrogativa de consumidores (já que cidadãos, no fundo, eles não são mesmo), como fazem todos os dias quando humilham vendedores de lojas e caixas de supermercados que cumprem seu trabalho.
Todos têm sua história favorita de humilhação de um operador de telemarketing (nessa hora, somos briosos e grossos), mas parecem imunes aos maus-tratos de funcionários descorteses dos consulados dos países de Primeiro Mundo. Tal assimetria não é explicada pelas relações diferentes (comerciais num caso e diplomáticas no outro) entre os agentes, mas pela nacionalidade deles. Os operadores de telemarketing são o Terceiro Mundo de nossas relações diárias, afinal, eles vivem de seu trabalho (nada é menos valorizado que o trabalho num contexto econômico de financeirização).
O mundo não tem dono. As fronteiras e divisas são resultado, sempre, de ódio e insegurança. Podemos nos furtar a elas e resumir nossas ambições, o que não é justo, ou desafiar verdades eternas como as neves e postular relações de igualdade. Caso contrário, gastaremos o fruto de nosso labor em escorregadores gigantes, comida ruim ou metida a besta, fotos com o Pateta, fronhas de mil fios e outras porcarias. Ou, pior, morrendo por engano sem receber por isso sequer um pedido verdadeiro de desculpas. O Primeiro Mundo, além de ser de quinta, não foi dotado do nobre sentimento da compaixão.
Estado de Minas - João Paulo - 24/3/12
quarta-feira, 21 de março de 2012
Cabeça quente, coração gelado
Impressionam-me, há tempos, os ruídos que escangalham as amizades. E são tantos que nem damos conta. Os mais comuns sáo dinheiro e conversa atravessada. Quando a gente menos espera, de onde a gente menos imagina, lá vem um evento ou um quiprocó besta para fazer ruir e mandar embora um amigo. Para o Adelson, “vai-se quem não é amigo de verdade. Porque amigo que é amigo suporta e sobrevive a qualquer tormenta”. Pode ser. O fato é que a coisa se agrava quando pensamos conhecer o outro. Ninguém conhece ninguém. Aprendi cedo que devemos fazer das decepções rampas para saltar buracos e seguir adiante.
Quem não já viveu os efeitos da cabeça quente e do coração gelado? No calor da emoção, falamos e ouvimos muita besteira. É difícil. E isso também faz estremecer até os laços mais firmes. Bandeira dois de hoje é resultado de conversa boa de domingo, entre amigos de sangue, pais e filhos: Osmar, companheiro velho de guerra, e seu filho, Henrique, de 20 anos, a professora Maria Helena e o caçula Daniel, estudante de psicologia. Violeta e eu tivemos o privilégio de participar do encontro. Todo mundo na mesa tinha história de gente querida distante por causa de algum ruído. Osmar foi o primeiro a falar:
“No meu caso, o problema foi dinheiro. Sempre é. Emprestei uma grana para um primo, até então, meu melhor amigo. A situação dele tava difícil, sem emprego. Entendi e não o cobrei por uns três anos. Aí, ele deu a volta por cima e montou um negócio que deu muito certo. Um dia, resolvi cobrar… porque queria fazer uma reforma lá em casa. Foi uma tempestade. Ele ficou chateado comigo… me pagou em dez vezes e nunca mais foi o mesmo com a minha família. Hoje, não empresto mais dinheiro pra ninguém. Porque quando você não perde o dinheiro, perde o amigo… Isso, se não perder os dois”.
Maria Helena trouxe para a roda a história de amiga de infância que também desapareceu por causa de fofoca. “Alguém disse que eu disse qualquer coisa que ela não gostou. Tentei desfazer o mal entendido e não deu certo. Hoje, quando me vê, ela atravessa a rua, só para não ter que me cumprimentar. Fico muito triste”, lamentou. Henrique e Daniel, os mais jovens da mesa, citaram casos de dissabores com relacionamentos desfeitos por causa de conversas atravessadas dos outros. Daniel, já no exercício da psicologia em consultoria de RH, chamou a atenção para a imaturidade que está quase sempre por trás desses aborrecimentos.
“Tem a questão do tempo que vai passando e esfria ainda mais as amizades. O indivíduo, na hora da cabeça quente, fala o que não deve, escuta o que não quer e acaba se afastando do outro. Isso é muito comum de ocorrer em família. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica de recuperar a simpatia. Dificilmente os laços voltarão a ser como já foram em tempos de confiança. É muito chato perder o contato com as pessoas que você gosta, sem razão de ser, por bobeira. Vivemos situação parecida com a família da tia Graça, não é, mãe!?”. Maria Helena meneou a cabeça, confirmando.
Violeta e eu, assim como os demais, temos o que lamentar. Especialmente, a ausência de boa gente amiga, de talento raro para arrebatar simpatias e se empedrar de orgulho.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 21/3/12
Quem não já viveu os efeitos da cabeça quente e do coração gelado? No calor da emoção, falamos e ouvimos muita besteira. É difícil. E isso também faz estremecer até os laços mais firmes. Bandeira dois de hoje é resultado de conversa boa de domingo, entre amigos de sangue, pais e filhos: Osmar, companheiro velho de guerra, e seu filho, Henrique, de 20 anos, a professora Maria Helena e o caçula Daniel, estudante de psicologia. Violeta e eu tivemos o privilégio de participar do encontro. Todo mundo na mesa tinha história de gente querida distante por causa de algum ruído. Osmar foi o primeiro a falar:
“No meu caso, o problema foi dinheiro. Sempre é. Emprestei uma grana para um primo, até então, meu melhor amigo. A situação dele tava difícil, sem emprego. Entendi e não o cobrei por uns três anos. Aí, ele deu a volta por cima e montou um negócio que deu muito certo. Um dia, resolvi cobrar… porque queria fazer uma reforma lá em casa. Foi uma tempestade. Ele ficou chateado comigo… me pagou em dez vezes e nunca mais foi o mesmo com a minha família. Hoje, não empresto mais dinheiro pra ninguém. Porque quando você não perde o dinheiro, perde o amigo… Isso, se não perder os dois”.
Maria Helena trouxe para a roda a história de amiga de infância que também desapareceu por causa de fofoca. “Alguém disse que eu disse qualquer coisa que ela não gostou. Tentei desfazer o mal entendido e não deu certo. Hoje, quando me vê, ela atravessa a rua, só para não ter que me cumprimentar. Fico muito triste”, lamentou. Henrique e Daniel, os mais jovens da mesa, citaram casos de dissabores com relacionamentos desfeitos por causa de conversas atravessadas dos outros. Daniel, já no exercício da psicologia em consultoria de RH, chamou a atenção para a imaturidade que está quase sempre por trás desses aborrecimentos.
“Tem a questão do tempo que vai passando e esfria ainda mais as amizades. O indivíduo, na hora da cabeça quente, fala o que não deve, escuta o que não quer e acaba se afastando do outro. Isso é muito comum de ocorrer em família. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica de recuperar a simpatia. Dificilmente os laços voltarão a ser como já foram em tempos de confiança. É muito chato perder o contato com as pessoas que você gosta, sem razão de ser, por bobeira. Vivemos situação parecida com a família da tia Graça, não é, mãe!?”. Maria Helena meneou a cabeça, confirmando.
Violeta e eu, assim como os demais, temos o que lamentar. Especialmente, a ausência de boa gente amiga, de talento raro para arrebatar simpatias e se empedrar de orgulho.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 21/3/12
segunda-feira, 19 de março de 2012
As meninas do coronel
O que mais chamava a atenção do Landisley em Belo Horizonte não era o Parque Municipal Américo Renné Giannetti – embora ali, junto ao Teatro Francisco Nunes, fosse seu espaço predileto para leitura. Vindo de Araçuai, no Vale do Jequitinhonha, o estudante de direito estava impressionado mesmo era com o vizinho, de 84 anos, viúvo, coronel aposentado, muito chegado à certas extravagâncias.
Do parque, Landisley gostava muito. Tanto que, com a ajuda dos pais, médicos, alugou apartamento no centro da cidade com vista para o lago verde dos pedalinhos. O primeiro contato com o vizinho figuraça foi numa terça-feira, dia da mudança. Estavam os dois apenas, subindo, quando o elevador enguiçou. Foi o baixinho barrigudo, de terno branco impecável e gravata borboleta, quem puxou o assunto:
– Não se preocupe, meu filho. Você está com o coronel.
– Ah, sim.
– Como se chama?
– Landisley. E o senhor?
– Pode me chamar de coronel.
Landisley, de 18 anos, feliz com a vida nova na capital, morando sozinho pela primeira vez, achou o sujeito de cabelos pintados de cor acaju muito interessante. Na caixa de aço escangalhada, o velho acionou a luz do relógio de bolso e não tirou os olhos dos ponteiros.
– Daqui a… a 10 segundos o Pereira vai destravar o elevador.
– Como o senhor sabe?
– Eu o treinei para situações de emergência. Três, dois, um… agora!
E, como mágica, o elevador voltou a funcionar. Aquilo deu ao Landisley um ar de admiração que agradou bastante o coronoel. O mais curioso estava por vir. Na primeira noite do araçuaiano no Edifício Galapagos, gemidos femininos enlouquecidos vinham do andar debaixo. Landisley não resisitiu, deixou o miojo de lado e abriu a janela para ouvir melhor o show: “Ai, coronel! Assim… Ui, coronel! Isso… Corooooneeeeeel!!!”
E a coisa se repetiu, com variações de tons sobre o mesmo tema, por 47 minutos. No prédio de 21 andares, muitas cabeças para fora das janelas. O vizinho cabeludo, do mesmo piso, apoiado na esquadria de alumínio, cigarrinho de seda na ponta dos dedos, deu a ficha: “Você é novo aqui, não é!? Ligue não. São as garotas do coronel. Toda terça e quinta. Dizem que ele não faz nada não. Só treina as moças e paga pelos gritinhos”.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 19/3/12
Do parque, Landisley gostava muito. Tanto que, com a ajuda dos pais, médicos, alugou apartamento no centro da cidade com vista para o lago verde dos pedalinhos. O primeiro contato com o vizinho figuraça foi numa terça-feira, dia da mudança. Estavam os dois apenas, subindo, quando o elevador enguiçou. Foi o baixinho barrigudo, de terno branco impecável e gravata borboleta, quem puxou o assunto:
– Não se preocupe, meu filho. Você está com o coronel.
– Ah, sim.
– Como se chama?
– Landisley. E o senhor?
– Pode me chamar de coronel.
Landisley, de 18 anos, feliz com a vida nova na capital, morando sozinho pela primeira vez, achou o sujeito de cabelos pintados de cor acaju muito interessante. Na caixa de aço escangalhada, o velho acionou a luz do relógio de bolso e não tirou os olhos dos ponteiros.
– Daqui a… a 10 segundos o Pereira vai destravar o elevador.
– Como o senhor sabe?
– Eu o treinei para situações de emergência. Três, dois, um… agora!
E, como mágica, o elevador voltou a funcionar. Aquilo deu ao Landisley um ar de admiração que agradou bastante o coronoel. O mais curioso estava por vir. Na primeira noite do araçuaiano no Edifício Galapagos, gemidos femininos enlouquecidos vinham do andar debaixo. Landisley não resisitiu, deixou o miojo de lado e abriu a janela para ouvir melhor o show: “Ai, coronel! Assim… Ui, coronel! Isso… Corooooneeeeeel!!!”
E a coisa se repetiu, com variações de tons sobre o mesmo tema, por 47 minutos. No prédio de 21 andares, muitas cabeças para fora das janelas. O vizinho cabeludo, do mesmo piso, apoiado na esquadria de alumínio, cigarrinho de seda na ponta dos dedos, deu a ficha: “Você é novo aqui, não é!? Ligue não. São as garotas do coronel. Toda terça e quinta. Dizem que ele não faz nada não. Só treina as moças e paga pelos gritinhos”.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 19/3/12
quinta-feira, 15 de março de 2012
Amanhã tem "Os sem vergonhas"
O sucesso está de volta. De amanhã (sexta-feira) a domingo, tem Os sem vergonhas, com direção de Guilherme Leme, no Teatro Alterosa. No elenco, J. Bueno, Maurício Canguçu, Jefferson da Fonseca Coutinho, Leri Faria, Ilvio Amaral e André Prata. Em 22 de setembro de 2005 – ano de estreia da peça –, no caderno de Cultura do Estado de Minas, Marcello Castilho Avellar escreveu:
O forte é o enredo
O que a comédia Sem vergonhas tem a ver com alguns grandes textos clássicos, como Romeu e Julieta? O fato de ter o enredo como elemento principal de conquista do público, numa arte em que, freqüentemente, reinam a dramaturgia, a encenação ou a interpretação. Romeu e Julieta ganhou sua forma mais célebre na tragédia de William Shakespeare, mas sobrevive com vigor em versões como West side story. Sem vergonhasé versão do filme britânico Ou tudo ou nada, que tratava de um grupo de desempregados que, para sobreviver, decidia fazer um show de nudez.
Romeu e Julieta alcançou o status de obra-prima pela qualidade da escrita de Shakespeare. Esse fato não impede que alguém se emocione intensamente com West side story mesmo sem conhecer a tragédia em que se inspirou. A situação básica da peça –um casal de amantes que integram grupos inimigos – é anterior a Shakespeare, e funciona em outros lugares, com outras personagens. Ou tudo é nadamostrava nossos heróis no Reino Unido e dava a cada um deles um drama pessoal; Sem vergonhas vem para o Brasil, e cria novas personagens, com novos dramas. Alguém poderia fazer uma adaptação na Argentina, outra pessoa nos Estados Unidos – desde que dramaturgo, encenador e intérpretes não atrapalhassem, o resultado seria, no mínimo, engraçado.
A situação é tão eficiente para produzir, ao mesmo tempo, identificação do público e humor, que fica difícil separar os méritos desta materialização específica do enredo e os méritos do próprio enredo. A adaptação de Liane Lazovsky e Guilherme Leme (que também assina a direção) é esquemática, no sentido de evidenciar uma trajetória comum para cada uma das personagens, que em algum ponto deverão revelar algo completamente pessoal, e superar um obstáculo em seus percursos individuais; em compensação, dá vida a cada uma delas dentro destas trajetórias, pega o público de surpresa, conquista-o produzindo alguma impressão de verdade em cada uma delas. O texto é capaz, ainda, de construir um humor brasileiro, não apenas no sentido de lidar com linguagens brasileiras, mas de permitir ao espectador perceber a cena como parte – ou como o outro lado – de seu cotidiano.
Na ânsia de permitir a cada um dos atores apresentar sua própria forma de fazer humor, Leme suja um pouco a cena. Por um lado, acaba construindo, com isso, uma metáfora do próprio recorte de Brasil que apresenta: um espetáculo “sujo” para uma pobreza “suja”, o que dá vigor à sutil mensagem social de Sem vergonhas, e caminha para o gostoso sentimento de redenção no finaldo espetáculo. Por outro, acaba apresentando um elenco que nem sempre funciona como orquestra, cada um brilhando mais quando tem o drama pessoal de sua personagem a mostrar, e menos quando a lógica da cena é a do conjunto. O processo, ao mesmo tempo em que estimula saudavelmente os intérpretes a desenvolverem estilos próprios, acaba submetendo o timing de Sem vergonhas ao ritmo de cada um. Se não é o suficiente para interromper a sucessão de gargalhadas, faz com que as cenas que se apóiam em comediantes mais experientes, como Ílvio Amaral e Maurício Canguçu, acabem funcionando melhor.
Estado de Minas - Marcello Castilho Avellar - 22/9/05
quarta-feira, 14 de março de 2012
Kony 2012
KONY 2012 is a film and campaign by Invisible Children that aims to make Joseph Kony famous, not to celebrate him, but to raise support for his arrest and set a precedent for international justice.
Mais um dia para esquecer
Não entro no mérito da greve dos rodoviários, que instaurou novo caos em Belo Horizonte na segunda-feira, deixando dois milhões de trabalhadores sem ônibus. Isso é assunto para mais de metro. Não dá para ficar ao lado dos motoristas e menos ainda dar razão aos patrões. O que posso dizer é sobre a penúria de gente querida, conhecida, que comeu o pão que o diabo amassou por causa da paralisação. Mais uma vez a cidade viveu dia de aborrecimentos sem fim e o cidadão, como sempre, foi quem acabou pagando o pato.
Haviam nós em diversas regiões da capital. Parece que todos os carros de passeio da região metropolitana estavam nas ruas. Toda a frota dos companheiros de táxi não foi suficiente para atender à procura. E os poucos que conseguiram um carro de aluguel, na hora do rush, não saíram do lugar. O Adelson fez de tudo para ajudar uma senhora doente, que precisava chegar ao pronto-socorro. Teve que encostar o carro e pedir auxílio à polícia.
Só assim para a mulher seguir pela Avenida Francisco Sales, travada, por volta das 19h. Passei quase duas horas para avançar cinco quilômetros na Avenida do Contorno. A Sueli, companheira das mais valentes, que chega a rodar 16 horas por dia, me ligou para desabafar: “Marimbondo sem asa, Josiel! Pela mãe do guarda! Que palhaçada é essa? Espinafra lá no Aqui. Seu pai é quem tá certo. A gente vai ter é que ir morar no interior. BH é o ó!”.
E olhe, amigo leitor, a Sueli é quase uma monja. Foi a primeira vez na vida, em mais de 20 anos de amizade, que a ouvi tão destemperada. O Osmar foi outro. Mandou mensagem pelo celular: “Cumpade, aqui na Amazonas posso até desligar o motor. Não anda. Está um inferno. O pobre é muito azarado mesmo… Sem ônibus e debaixo desse pé d’água…”. A chuva amargou ainda mais a segunda-feira da boa gente de toda a BH e região metropolitana.
Lúcia Helena, passageira das antigas, moradora de Nova Lima, teve a maior dor de cabeça. Sem a babá para ficar com o pequeno Matheus, chegou atrasada no escritório e acabou perdendo trabalho importante com cliente de São Paulo. Contou-me que o empresário, muito sistemático, veio de Campinas apenas para o negócio e, por fim, acabou acertando com a concorrência. O João Luís, primo do Osmar, também perdeu venda porque não deu conta de chegar a Betim.
Na manhã de ontem, todos os companheiros tinham histórias de transtornos para contar. Na universidade, mais da metade da turma não compareceu pelo segundo dia. Até o fechamento do texto na minha caderneta – rascunho para passar para o computador e enviar para a redação de nosso Aqui – não havia a menor perspectiva de solução para o caos que se repetia com a greve. Só o tempo parecia colaborar – com o céu menos carregado a penúria é menor. Já nos pontos de ônibus, a situação continuava de fazer dó.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 14/3/12
Haviam nós em diversas regiões da capital. Parece que todos os carros de passeio da região metropolitana estavam nas ruas. Toda a frota dos companheiros de táxi não foi suficiente para atender à procura. E os poucos que conseguiram um carro de aluguel, na hora do rush, não saíram do lugar. O Adelson fez de tudo para ajudar uma senhora doente, que precisava chegar ao pronto-socorro. Teve que encostar o carro e pedir auxílio à polícia.
Só assim para a mulher seguir pela Avenida Francisco Sales, travada, por volta das 19h. Passei quase duas horas para avançar cinco quilômetros na Avenida do Contorno. A Sueli, companheira das mais valentes, que chega a rodar 16 horas por dia, me ligou para desabafar: “Marimbondo sem asa, Josiel! Pela mãe do guarda! Que palhaçada é essa? Espinafra lá no Aqui. Seu pai é quem tá certo. A gente vai ter é que ir morar no interior. BH é o ó!”.
E olhe, amigo leitor, a Sueli é quase uma monja. Foi a primeira vez na vida, em mais de 20 anos de amizade, que a ouvi tão destemperada. O Osmar foi outro. Mandou mensagem pelo celular: “Cumpade, aqui na Amazonas posso até desligar o motor. Não anda. Está um inferno. O pobre é muito azarado mesmo… Sem ônibus e debaixo desse pé d’água…”. A chuva amargou ainda mais a segunda-feira da boa gente de toda a BH e região metropolitana.
Lúcia Helena, passageira das antigas, moradora de Nova Lima, teve a maior dor de cabeça. Sem a babá para ficar com o pequeno Matheus, chegou atrasada no escritório e acabou perdendo trabalho importante com cliente de São Paulo. Contou-me que o empresário, muito sistemático, veio de Campinas apenas para o negócio e, por fim, acabou acertando com a concorrência. O João Luís, primo do Osmar, também perdeu venda porque não deu conta de chegar a Betim.
Na manhã de ontem, todos os companheiros tinham histórias de transtornos para contar. Na universidade, mais da metade da turma não compareceu pelo segundo dia. Até o fechamento do texto na minha caderneta – rascunho para passar para o computador e enviar para a redação de nosso Aqui – não havia a menor perspectiva de solução para o caos que se repetia com a greve. Só o tempo parecia colaborar – com o céu menos carregado a penúria é menor. Já nos pontos de ônibus, a situação continuava de fazer dó.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 14/3/12
segunda-feira, 12 de março de 2012
O barraco do dragão
Joaquim não reconheceu a casinha em que morava. A mesma quaresmeira na calçada, a quadra poliesportiva na praça e Tod, o cão vira-lata encontrado na rua no mês passado, a sorrir no portão. Mas o barracão... “estranho...”, soprou palavra para si mesmo. Com o molho de chaves na mão, ficou parado por um tempo, tentando reconhecer algo do muro sem reboque para dentro. Nada. Tinha plena convicção de jamais ter estado diante daquela porta. O chaveiro era seu - ele sabia bem daquele sol esculpido na madeira, presente do irmão presidiário.
Criou coragem e enfiou a chave maior na fechadura, que destravou fácil. Logo na entrada, foi surpreendido por garoto de três anos, carinhoso e cheio de saudade: “Papai! Papai!" Joaquim não teve como recusar o abraço. Não se pode negar recepção tão sincera. Mas o pedreiro não fazia a menor ideia de quem podia ser aquele garoto. “Filho? Meu?”, quis saber em silêncio. Jamais, em toda a vida, em tempo algum, teve nos braços aquele garoto. Disso, estava seguro.
Não demorou para a mulher, linda, sorridente, carinhosa como não havia em Belo Horizonte, aparecer com avental branco de coração estampado. Nele, dois nomes bordados: “Joaquim e Maria”. “Joaquim até podia ser ele, mas “Maria? Será possível?”, suspirou, beijado como se fosse o homem e o pai de família mais importante do mundo. No corredor, outra criança correndo: uma menina, de ano e meio, no máximo, abraçada a uma boneca de pano. “Papi! Papi!”
O colo ficou pequeno para tanto dengo. O garoto num braço, a menininha no outro, e Maria, a doce mulher a acariciar-lhe o rosto suado: “Que bom que você chegou mais cedo, Juca! Os meninos e eu preparamos uma surpresinha pra você... vem ver”, tomou-lhe a bolsa para leva-lo à cozinha. “Juca” era apelido de infância, apenas os mais íntimos o chamavam assim. Mesa posta para quatro, com balões coloridos espalhados por todo o ambiente. Ao fundo, cartolina escrita a mão: “Papis, feliz aniversário! Amamos você!”. O cheiro bom de assado: “Hum...!”
Joaquim não sabia o que dizer. Deixou lágrima rolar de bobeira. Começou a acreditar na beleza do que estava vivendo, por sonho antigo. Chorou por dentro, sem saber exatamente o porquê. Olhou fundo, nos olhos da mulher e das duas crianças, e se viu inteiro, querido e amado, como sempre desejou. Beijou Maria demoradamente e abraçou os filhos, fazendo-os seus. Não se importou mais em não reconhecer os três. “O nosso quarto...”, ele tentou dizer... Maria o ajudou, sorrindo lindo: “No final do corredor, esqueceu?”.
Ele deixou a família por instante e foi até a suíte. Na cabeceira da cama, nos criados, fotos dele, feliz da vida, entre a mulher e o casal de filhos. No armário branco, todas as roupas do seu gosto e medida muito bem cuidadas. “Um segundo apenas”, pediu baixinho para si, ao deitar-se na cama e acordar de supetão com o despertador na voz da Matilda: “Levanta, desgraça! Vai perder a hora, infeliz!”. Viu aquele dragão estúpido e sem coração e, enfim, reconheceu a mulher do ventre seco, que cheirava cinzeiro. Teve vontade de morrer.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 12/3/12
Criou coragem e enfiou a chave maior na fechadura, que destravou fácil. Logo na entrada, foi surpreendido por garoto de três anos, carinhoso e cheio de saudade: “Papai! Papai!" Joaquim não teve como recusar o abraço. Não se pode negar recepção tão sincera. Mas o pedreiro não fazia a menor ideia de quem podia ser aquele garoto. “Filho? Meu?”, quis saber em silêncio. Jamais, em toda a vida, em tempo algum, teve nos braços aquele garoto. Disso, estava seguro.
Não demorou para a mulher, linda, sorridente, carinhosa como não havia em Belo Horizonte, aparecer com avental branco de coração estampado. Nele, dois nomes bordados: “Joaquim e Maria”. “Joaquim até podia ser ele, mas “Maria? Será possível?”, suspirou, beijado como se fosse o homem e o pai de família mais importante do mundo. No corredor, outra criança correndo: uma menina, de ano e meio, no máximo, abraçada a uma boneca de pano. “Papi! Papi!”
O colo ficou pequeno para tanto dengo. O garoto num braço, a menininha no outro, e Maria, a doce mulher a acariciar-lhe o rosto suado: “Que bom que você chegou mais cedo, Juca! Os meninos e eu preparamos uma surpresinha pra você... vem ver”, tomou-lhe a bolsa para leva-lo à cozinha. “Juca” era apelido de infância, apenas os mais íntimos o chamavam assim. Mesa posta para quatro, com balões coloridos espalhados por todo o ambiente. Ao fundo, cartolina escrita a mão: “Papis, feliz aniversário! Amamos você!”. O cheiro bom de assado: “Hum...!”
Joaquim não sabia o que dizer. Deixou lágrima rolar de bobeira. Começou a acreditar na beleza do que estava vivendo, por sonho antigo. Chorou por dentro, sem saber exatamente o porquê. Olhou fundo, nos olhos da mulher e das duas crianças, e se viu inteiro, querido e amado, como sempre desejou. Beijou Maria demoradamente e abraçou os filhos, fazendo-os seus. Não se importou mais em não reconhecer os três. “O nosso quarto...”, ele tentou dizer... Maria o ajudou, sorrindo lindo: “No final do corredor, esqueceu?”.
Ele deixou a família por instante e foi até a suíte. Na cabeceira da cama, nos criados, fotos dele, feliz da vida, entre a mulher e o casal de filhos. No armário branco, todas as roupas do seu gosto e medida muito bem cuidadas. “Um segundo apenas”, pediu baixinho para si, ao deitar-se na cama e acordar de supetão com o despertador na voz da Matilda: “Levanta, desgraça! Vai perder a hora, infeliz!”. Viu aquele dragão estúpido e sem coração e, enfim, reconheceu a mulher do ventre seco, que cheirava cinzeiro. Teve vontade de morrer.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 12/3/12
quinta-feira, 8 de março de 2012
Refém da solidão
A notícia, ruim, correu rápido a cidade em fim de manhã. A morte do gorila Idi Amin aos 39 anos, tendo na alcova duas companheiras mais jovens, virou piada pronta para engraçadinhos e embargou a garganta dos mais sérios. Ouvia-se em muitas esquinas que Idi “não tinha dado conta das companheiras” ou que “havia tomado estimulante sexual falsificado”. Graça rasa no lixo, em outros cantos, o assunto era de apertar o coração de muitas gerações.
O sujeito de nascimento sem documentação, supostamente em 1973, em meio à floresta tropical africana e levado para o zoológico francês Saint-Jean-Cap-Ferrat, chegou a Belo Horizonte ainda garoto, com 2 anos e não demorou para conquistar o coração da cidade. Não veio só. Teve ao lado a fêmea Dada, de idade aproximada. Em 1978, a jovem companhia de Idi não resistiu a uma infecção generalizada e morreu, dando início à longa história de solidão do único representante da espécie em cativeiro na América do Sul.
Reservado, discreto e robusto, o gorila ensimesmado, cada vez mais querido por todos na Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte (FZB-BH), passou a vida fazendo a alegria e despertando a curiosidade de crianças e adultos, visitantes de seu recanto próximo à Lagoa da Pampulha. Em 1984, o encontro anunciado com Cleópatra, fêmea vinda do zoológico de São Paulo. Desidratada e com diarreia, a gorila teve quadro clínico agravado e, assim como Dada, não resistiu.
Foram duas semanas apenas, antes do mais longo período de vazio e falta de graça na vida do solitário Idi. Para dar conta dos dias, além da paisagem e dos cuidados de seus tratadores, um velho pneu companheiro. Não foram raras as aparições de Idi Amin sob o céu, trazendo consigo a borracha fria amiga, surrada e carinhada. Do que mais chamava a atenção em Idi, o olhar profundo do moço, capaz de marcar para sempre.
Marca já bem conhecida pelas duas fêmeas Imbi e Kifta, de 11 anos, vindas da Fundação Aspinall, da Inglaterra, em agosto de 2011 para, finalmente, por fim à solidão de Idi. “O amor está no ar”, estampavam as faixas de boas-vindas às duas moçoilas nas ruas do zoológico. A cidade fez festa e sonhou filhotes. Conforme nota da administração, “a adaptação entre o gorila Idi e as fêmeas foi perfeita desde o primeiro momento.
Agora, com a morte de Idi Amin, não se sabe qual será o destino das fêmeas. A FZB vai tentar conseguir um macho e trazê-lo para BH, mas não descarta a possibilidade de as duas serem devolvidas à Fundação Aspinall, pois Imbi e Kifta vieram para a capital mineira como parte de um projeto de reprodução e preservação da espécie.
Estado de Minas - Jefferson da Fonsecas Coutinho
O sujeito de nascimento sem documentação, supostamente em 1973, em meio à floresta tropical africana e levado para o zoológico francês Saint-Jean-Cap-Ferrat, chegou a Belo Horizonte ainda garoto, com 2 anos e não demorou para conquistar o coração da cidade. Não veio só. Teve ao lado a fêmea Dada, de idade aproximada. Em 1978, a jovem companhia de Idi não resistiu a uma infecção generalizada e morreu, dando início à longa história de solidão do único representante da espécie em cativeiro na América do Sul.
Reservado, discreto e robusto, o gorila ensimesmado, cada vez mais querido por todos na Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte (FZB-BH), passou a vida fazendo a alegria e despertando a curiosidade de crianças e adultos, visitantes de seu recanto próximo à Lagoa da Pampulha. Em 1984, o encontro anunciado com Cleópatra, fêmea vinda do zoológico de São Paulo. Desidratada e com diarreia, a gorila teve quadro clínico agravado e, assim como Dada, não resistiu.
Foram duas semanas apenas, antes do mais longo período de vazio e falta de graça na vida do solitário Idi. Para dar conta dos dias, além da paisagem e dos cuidados de seus tratadores, um velho pneu companheiro. Não foram raras as aparições de Idi Amin sob o céu, trazendo consigo a borracha fria amiga, surrada e carinhada. Do que mais chamava a atenção em Idi, o olhar profundo do moço, capaz de marcar para sempre.
Marca já bem conhecida pelas duas fêmeas Imbi e Kifta, de 11 anos, vindas da Fundação Aspinall, da Inglaterra, em agosto de 2011 para, finalmente, por fim à solidão de Idi. “O amor está no ar”, estampavam as faixas de boas-vindas às duas moçoilas nas ruas do zoológico. A cidade fez festa e sonhou filhotes. Conforme nota da administração, “a adaptação entre o gorila Idi e as fêmeas foi perfeita desde o primeiro momento.
Agora, com a morte de Idi Amin, não se sabe qual será o destino das fêmeas. A FZB vai tentar conseguir um macho e trazê-lo para BH, mas não descarta a possibilidade de as duas serem devolvidas à Fundação Aspinall, pois Imbi e Kifta vieram para a capital mineira como parte de um projeto de reprodução e preservação da espécie.
Estado de Minas - Jefferson da Fonsecas Coutinho
quarta-feira, 7 de março de 2012
Educação para a vida
Hudson Carlos Oliveira, o Ice Band, é sujeito de muita responsabilidade. Tem o meu respeito, assim como o de muitos companheiros de praça que conhecem seu trabalho na luta contra a violência. Já há tempos, em Belo Horizonte e região metropolitana, especialmente nas escolas públicas e nos aglomerados, o rapper vem levando sua música e suas ideias de atitude e paz. Hoje, bom moço, artista e pai de família, Hudson viu a morte de perto em tempos de sombras. Passado feito exemplo pelo futuro dos desfavorecidos.
Ontem, o clipe de “Moro numa favela”, do rapper Ice Band, fez o maior sucesso no computador do Adelson. O trecho “favela/dignidade/povo que trabalha suor escorre pelo rosto/vou dizer a verdade” fez os companheiros de praça aprenderem a batida do hip-hop. “Pro rico na cadeia nunca há lugar/mas para os pobres/sempre haverá”, mandou bem o Natanael, descolado, fã das antigas do Hudson. Mandamos por e-mail o link com o clipe para todos os amigos. Depois, aqui com os meus botões, fiquei pensando na importância de trabalhos assim, de protesto, de educação. Cuidado fundamental voltado para aqueles que estão mais expostos a graves problemas sociais. Ainda mais especiais quando liderados por gente que sabe dar exemplo.
O velho Botelho, Violeta e eu conversamos sempre sobre a violência. Temos amigos caros, moradores de favelas. Pessoas que, além das dificuldades comuns a todos, ainda precisam lidar com o preconceito. Discriminar é também um ato de violência. Infelizmente, a maioria da nossa população discrimina. Conhecer artistas educadores como o Hudson Carlos faz a gente acreditar e ter mais fé no ser humano.
Em 2010, de graça, o rapper foi espancado num bar por sete sujeitos. “Foi puro preconceito”, afirmou um conhecido que testemunhou o absurdo. Em vez de descer ao nível de seus agressores, depois de tempos de hospital, Ice Band se empenhou ainda mais no movimento “desarme a violência que há em você”. Melhor seria o Brasil com mais educação assim, para a vida. Salve, Hudson! Meu abraço na família!
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 7/3/12
Ontem, o clipe de “Moro numa favela”, do rapper Ice Band, fez o maior sucesso no computador do Adelson. O trecho “favela/dignidade/povo que trabalha suor escorre pelo rosto/vou dizer a verdade” fez os companheiros de praça aprenderem a batida do hip-hop. “Pro rico na cadeia nunca há lugar/mas para os pobres/sempre haverá”, mandou bem o Natanael, descolado, fã das antigas do Hudson. Mandamos por e-mail o link com o clipe para todos os amigos. Depois, aqui com os meus botões, fiquei pensando na importância de trabalhos assim, de protesto, de educação. Cuidado fundamental voltado para aqueles que estão mais expostos a graves problemas sociais. Ainda mais especiais quando liderados por gente que sabe dar exemplo.
O velho Botelho, Violeta e eu conversamos sempre sobre a violência. Temos amigos caros, moradores de favelas. Pessoas que, além das dificuldades comuns a todos, ainda precisam lidar com o preconceito. Discriminar é também um ato de violência. Infelizmente, a maioria da nossa população discrimina. Conhecer artistas educadores como o Hudson Carlos faz a gente acreditar e ter mais fé no ser humano.
Em 2010, de graça, o rapper foi espancado num bar por sete sujeitos. “Foi puro preconceito”, afirmou um conhecido que testemunhou o absurdo. Em vez de descer ao nível de seus agressores, depois de tempos de hospital, Ice Band se empenhou ainda mais no movimento “desarme a violência que há em você”. Melhor seria o Brasil com mais educação assim, para a vida. Salve, Hudson! Meu abraço na família!
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 7/3/12
segunda-feira, 5 de março de 2012
O estranho mundo de Alice
Minha gratidão aos companheiros de cena e de vida pela temporada de "Alice ao avesso" na 38ª Campanha de Popularização Teatro & Dança de Minas Gerais. Mais uma longa jornada absurdo adentro. Valeu Querida Companhia! Já estamos à nossa frente, quando estávamos atrás de nós. Excelente a acolhida do Teatro Dom Silvério e da Sala Ceschiatti.
Foram dois meses de entrega, dedicação e novas descobertas. Valeu, Guilherme Leme e Docy Moreira! Crítica boa é a que constrói. Vocês "incendiaram" nossa inquietude. O pequeno recorte fotográfico de ontem registra um pouquinho do estranho que nos seduz.
Ana Cândida, Paula Sá, Elisa Nasario, Wallison Reis, João Porto, Emílio Zanotelli e Lilian Campomizzi, obrigado! Rosa, Patrícia, Larissa e Amanda, sem vocês, "nada é como é ou poderia ter sido, não é!?" Salve, Carroll!
A lógica do absurdo
Por Marcello Castilho Avellar
O romance Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898), pertence a uma categoria integrada por poucos membros. Mais do que contar uma história ou apresentar personagens e peripécias, propõe ao leitor uma lógica que pertence exclusivamente ao universo da ficção, que não finge ter vínculos objetivos com as lógicas do mundo real, e povoa-a com arquétipos. Talvez por isso sua adaptação para outras linguagens seja tão difícil, como verificamos recentemente no filme homônimo dirigido por Tim Burton. O espetáculo Alice ao avesso, que Jefferson da Fonseca dirigiu para a Querida Companhia, vence exatamente por compreender a singularidade do material em que se inspira.
Alice ao avesso não pretende simplesmente recontar no palco o livro de Lewis Carroll, nem explicá-lo. Na essência, aceita sua lógica absurda, assume seus arquétipos e verifica sua atualidade. Arquétipos, como entes do inconsciente humano, tendem à atemporalidade. Se no século 19 criaturas como Alice ou a Rainha de Copas falavam das contradições da Inglaterra vitoriana, no Brasil do século 21 elas continuam capazes de dizer algo, mesmo que este algo seja diferente do que era há século e meio atrás. Uma festa, música eletrônica, piadas e situações contemporâneas constituem o material colocado sobre a estrutura criada pelo autor. No processo, Alice ao avesso fala ao espectador tanto de seu tempo quanto do que ele divide com milênios de história humana, dos medos contemporâneos ao fascínio pelo desconhecido que parece inerente à humanidade.
É produção que confia mais no elenco que em recursos materiais. E os jovens intérpretes se saem bem, transformam em algo que parece ser deles a história escrita por outro e sonhada por muitos. Se não chega a fazer de sua precariedade material um manifesto estético, Alice ao avesso pelo menos é capaz de incorporá-la a certo clima de teatro underground que combina tanto com o espaço em que se apresenta – o Sesi Holcim é apertado, claustrofóbico – quanto com o clima onírico que propõe. O resultado é algo que consegue produzir desconforto mesmo enquanto diverte.
Estado de Minas - 26/1/11
Foram dois meses de entrega, dedicação e novas descobertas. Valeu, Guilherme Leme e Docy Moreira! Crítica boa é a que constrói. Vocês "incendiaram" nossa inquietude. O pequeno recorte fotográfico de ontem registra um pouquinho do estranho que nos seduz.
Ana Cândida, Paula Sá, Elisa Nasario, Wallison Reis, João Porto, Emílio Zanotelli e Lilian Campomizzi, obrigado! Rosa, Patrícia, Larissa e Amanda, sem vocês, "nada é como é ou poderia ter sido, não é!?" Salve, Carroll!
A lógica do absurdo
Por Marcello Castilho Avellar
O romance Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898), pertence a uma categoria integrada por poucos membros. Mais do que contar uma história ou apresentar personagens e peripécias, propõe ao leitor uma lógica que pertence exclusivamente ao universo da ficção, que não finge ter vínculos objetivos com as lógicas do mundo real, e povoa-a com arquétipos. Talvez por isso sua adaptação para outras linguagens seja tão difícil, como verificamos recentemente no filme homônimo dirigido por Tim Burton. O espetáculo Alice ao avesso, que Jefferson da Fonseca dirigiu para a Querida Companhia, vence exatamente por compreender a singularidade do material em que se inspira.
Alice ao avesso não pretende simplesmente recontar no palco o livro de Lewis Carroll, nem explicá-lo. Na essência, aceita sua lógica absurda, assume seus arquétipos e verifica sua atualidade. Arquétipos, como entes do inconsciente humano, tendem à atemporalidade. Se no século 19 criaturas como Alice ou a Rainha de Copas falavam das contradições da Inglaterra vitoriana, no Brasil do século 21 elas continuam capazes de dizer algo, mesmo que este algo seja diferente do que era há século e meio atrás. Uma festa, música eletrônica, piadas e situações contemporâneas constituem o material colocado sobre a estrutura criada pelo autor. No processo, Alice ao avesso fala ao espectador tanto de seu tempo quanto do que ele divide com milênios de história humana, dos medos contemporâneos ao fascínio pelo desconhecido que parece inerente à humanidade.
É produção que confia mais no elenco que em recursos materiais. E os jovens intérpretes se saem bem, transformam em algo que parece ser deles a história escrita por outro e sonhada por muitos. Se não chega a fazer de sua precariedade material um manifesto estético, Alice ao avesso pelo menos é capaz de incorporá-la a certo clima de teatro underground que combina tanto com o espaço em que se apresenta – o Sesi Holcim é apertado, claustrofóbico – quanto com o clima onírico que propõe. O resultado é algo que consegue produzir desconforto mesmo enquanto diverte.
Estado de Minas - 26/1/11
O segredo do juiz careca
Bom sujeito o setentão, magistrado da pinta no tronco. Tão bom que dedicou meio século de vida para agradar os outros. Primeiro, pais e avós – gente tradicional do interior de Minas. Depois, a mulher e os três filhos varões. Anos adentro, Jota guardou segredo, vontade mais íntima, sob a mancha de nascença no lado esquerdo do peito. A nem todo amor secreto é possível dar sono a eternidade.
Uma vez por ano, na primeira segunda-feira de março, o juiz pausa a linha da vida para rever a farsa. Em casa, para a mulher companheira, diz participar de encontro fechado com os colegas de direito da universidade. Meia verdade. O encontro existe. Todos os anos, na cobertura de prédio luxuoso na Região Centro-Sul, cerca de 40 formandos muito bem sucedidos celebram os idos de 1960. O fato é que o juiz nem sempre comparece.
Jota, quando presente, não passa mais de meia hora na festa. Reservado, distribui apertos de mão, ois e olás e desaparece. Tem outro endereço: um apartamento de frente, na altura da cobertura, comprado sem a família saber, especialmente para observar o evento. É lá que ele, com a gravata frouxa e binóculo nas mãos, desperta seu sonho mais antigo. Contenta-se à distância e soma os dias em silêncio pelo instante.
Antes, Jota esteve na comemoração. Não mentiu alegria para a maioria e teve nos braços o corpo amado que lhe pesou prazer em tempos às escondidas. Cinco meses, logo que veio do Vale do Rio Doce para fazer direito. Aí, com a gravidez da noiva, prima, filha de coronel casca grossa do interior, Jota fez sombra o querer. O mundo naquele abraço de minuto e meio. Não trocaram palavra. Os olhares profundos, vazio de toda vez, apenas.
Ele nem titubeou para deixar a cena, tomar elevador e atravessar a rua. Tudo sem olhar para trás, como de costume. No imóvel, sem armários, com vista para a festa, uma única cadeira. Nela, de ferro, o homem a ver tão perto o objeto proibido. Ainda que envelhecido, a mesma delicadeza. Os cabelos ralos, embranquecidos, fazem lembrar os fios suados nas noites indecentes de outrora. Da pessoa, não menos reservada, nunca soube muito. “Não se casou. Teve um filho. Há tempos. Médico”, disseram perto do juiz num encontro passado.
Jota, orgulho da ordem, 72 anos, libertou sopro vindo das entranhas: “Chega”. Virou o resto da garrafa de vinho trazido de casa e voltou à rua para subir cobertura. Lá, diante de todos, para a surpresa dos colegas advogados, delegados, procuradores e juízes aposentados, puxou segredo pelo braço e lascou-lhe beijo de novela. Até o quarteto de cordas emudeceu Bach. No salão de luxo, todos os olhares para Jota, que tomou Eme pelas mãos para todo o sempre.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 5/3/12
Uma vez por ano, na primeira segunda-feira de março, o juiz pausa a linha da vida para rever a farsa. Em casa, para a mulher companheira, diz participar de encontro fechado com os colegas de direito da universidade. Meia verdade. O encontro existe. Todos os anos, na cobertura de prédio luxuoso na Região Centro-Sul, cerca de 40 formandos muito bem sucedidos celebram os idos de 1960. O fato é que o juiz nem sempre comparece.
Jota, quando presente, não passa mais de meia hora na festa. Reservado, distribui apertos de mão, ois e olás e desaparece. Tem outro endereço: um apartamento de frente, na altura da cobertura, comprado sem a família saber, especialmente para observar o evento. É lá que ele, com a gravata frouxa e binóculo nas mãos, desperta seu sonho mais antigo. Contenta-se à distância e soma os dias em silêncio pelo instante.
Antes, Jota esteve na comemoração. Não mentiu alegria para a maioria e teve nos braços o corpo amado que lhe pesou prazer em tempos às escondidas. Cinco meses, logo que veio do Vale do Rio Doce para fazer direito. Aí, com a gravidez da noiva, prima, filha de coronel casca grossa do interior, Jota fez sombra o querer. O mundo naquele abraço de minuto e meio. Não trocaram palavra. Os olhares profundos, vazio de toda vez, apenas.
Ele nem titubeou para deixar a cena, tomar elevador e atravessar a rua. Tudo sem olhar para trás, como de costume. No imóvel, sem armários, com vista para a festa, uma única cadeira. Nela, de ferro, o homem a ver tão perto o objeto proibido. Ainda que envelhecido, a mesma delicadeza. Os cabelos ralos, embranquecidos, fazem lembrar os fios suados nas noites indecentes de outrora. Da pessoa, não menos reservada, nunca soube muito. “Não se casou. Teve um filho. Há tempos. Médico”, disseram perto do juiz num encontro passado.
Jota, orgulho da ordem, 72 anos, libertou sopro vindo das entranhas: “Chega”. Virou o resto da garrafa de vinho trazido de casa e voltou à rua para subir cobertura. Lá, diante de todos, para a surpresa dos colegas advogados, delegados, procuradores e juízes aposentados, puxou segredo pelo braço e lascou-lhe beijo de novela. Até o quarteto de cordas emudeceu Bach. No salão de luxo, todos os olhares para Jota, que tomou Eme pelas mãos para todo o sempre.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 5/3/12
sábado, 3 de março de 2012
O fenômeno continua
Sem explicação: quase dois milhões de pagantes em 14 anos Brasil afora. Última semana para ver Acredite, um espírito baixou em mim, no Sesc Palladium. No elenco, amigos muito caros: Ilvio Amaral, Maurício Canguçu, Enzo Silveira, Flávia Fernandes e Felipe Cunha.
Privilégio fazer parte da história – no palco e em livro – do maior sucesso de público da cena teatral de Minas Gerais. Domingo passado, câmera na mão, pequeno registro da química que se faz fenômeno entra ano sai ano. Produção, amigos e público agradecem!
Só hoje e amanhã!
SESC Palladium (Grande Teatro)
Hoje, sábado, às 21h e amanhã (domingo), às 19h
Autor: Ronaldo Ciambroni | Diretor: Sandra Pêra
Produtor: Cangaral Produções Artísticas Ltda | Cenógrafo: Carlinhos Barros Santos | Figurinista: Ana Luiza| Trilha Adap-tada: Ênio Reis | Técnico: Walisson Silva | Efeitos: Rômulo Duque e Rogério Dawisc| Administração: Andersson Cleyton | Ass. dir.Manoelita Lustosa | Site: www.cangaral.com.br
Sesc Palladium
(Rua Rio de Janeiro, 1046 – Centro - Belo Horizonte - MG)
Informações: (31) 3214 5350
Ingressos à venda na bilheteria do teatro e nos postos do SINPARC.
Privilégio fazer parte da história – no palco e em livro – do maior sucesso de público da cena teatral de Minas Gerais. Domingo passado, câmera na mão, pequeno registro da química que se faz fenômeno entra ano sai ano. Produção, amigos e público agradecem!
Só hoje e amanhã!
SESC Palladium (Grande Teatro)
Hoje, sábado, às 21h e amanhã (domingo), às 19h
Autor: Ronaldo Ciambroni | Diretor: Sandra Pêra
Produtor: Cangaral Produções Artísticas Ltda | Cenógrafo: Carlinhos Barros Santos | Figurinista: Ana Luiza| Trilha Adap-tada: Ênio Reis | Técnico: Walisson Silva | Efeitos: Rômulo Duque e Rogério Dawisc| Administração: Andersson Cleyton | Ass. dir.Manoelita Lustosa | Site: www.cangaral.com.br
Sesc Palladium
(Rua Rio de Janeiro, 1046 – Centro - Belo Horizonte - MG)
Informações: (31) 3214 5350
Ingressos à venda na bilheteria do teatro e nos postos do SINPARC.
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