Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara
sábado, 28 de novembro de 2009
O sopro do diabo
Ah, Alcinólia! Estava ali a anunciação da tragédia. Desde criança a sujeita demonstrava incrível vocação para o mal. Pensava apenas em si mesma. Todo o resto, no entorno, não passava de acessório para manhas e vontades. Cresceu obtendo, de um jeito ou de outro, tudo o que queria. Pintou e bordou com tudo e com todos. Crescida sem pai ou mãe que a desse jeito ou educação, a sardenta da bunda larga era o cão chupando manga.
Ainda assim, horrenda por dentro e por fora, arranjou casamento. Um pobre Zacarias, que conheceu no lotação. Na época, o motorista do busão era muito bem casado e pai de três filhos. Simpático, apenas sorriu para a Alcinólia, como fazia para todos os seus passageiros. Mostrar os dentes para o dragão foi o suficiente para ter novo rumo na vida. A jabiraca, já beirando os 30, passou a marcar todos os horários do cidadão. Chegou a tomar a gaiola vermelha de vestido curto, cor-de-rosa e decotado, só para dar mole para o moço honesto do volante. Quanto mais ele se esquivava, mais atiçava a jaguatirica.
Foi assim por mais de mês. Até que Alcinólia foi parar em terreiro de macumba para encomendar trabalho. Queria porque queria arrancar o sujeito da mulher e dos filhos. Com a fotografia que fez do Zacarias nas mãos, pediu para a baixinha gorda do pescoço invisível: "Quero este homem debaixo do meu pé, custe o que custar". Gastou o que tinha e o que não tinha e saiu de lá com o sapato enfeitiçado: sob a palmilha, o nome Zacarias escrito com sangue de galinha preta. Também tomou sete banhos de canjica, acendeu vela vermelha e ofertou cachaça com farofa em sete encruzilhadas.
Não houve santo que amparasse o ateu. Do nada, como se influenciado por sopro do mal, Zacarias passou a desejar o tribufu. Chutou o pau da barraca em casa e, conforme o prometido, no 45º dia já estava morando com Alcinólia. Ninguém conseguia entender a troca que o Zacarias fez. Deixou para trás moça boa e mãe extraordinária para encarar o capeta. "Só pode estar possuído", lamentou o melhor amigo de viação. Alcinólia, soberba, desfilava a conquista arrancada no laço da bruxaria.
Vadia por natureza, sem estudo ou qualificação, Alcinólia vivia da pensão e dos aluguéis deixados pela avó, morta de desgosto. Com o salário do Zacarias ela não podia contar: o que não ia para a pensão alimentícia, dava apenas para a cachaça que o infeliz passou a entornar depois do concubinato traçado na chinela. E foi numa dessas bebedeiras, por tristeza e arrependimento, que ele engravatou o dragão: "Não há mal desejado que não volte dobrado", soprou tomado pelo diabo ao estrangular Alcinólia, que se findou que nem galinha preta do pescoço meio cortado.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 28 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
O fim do mundo
"Fomos parar em 2012. Um desespero. Tratava-se do fim do mundo. Uma superprodução americana, dirigida por um tal Roland Emmerich. Houve até quem gargalhasse com os excessos e com as piadinhas tão comuns ao humor norte-americano".
Foi grande a repercussão de “Carta aberta ao francês Olivier Rebellato”, publicada em Bandeira Dois na semana passada. O texto, que está se multiplicando pela internet, foi postado por um estrangeiro no site http://sites.google.com/site/oliviervsjosiane/ em inglês e francês. Também foi encaminhado às embaixadas do Brasil e da França. O advogado Rodrigo Dolabela, do Bairro São Bento, e Antonio Lourenço enviaram importante e-mail de apoio. O trágico acidente provocado por Olivier Rebellato, que deixou Wenner Gonçalves na cadeira de rodas e Josiane Ramos em estado vegetativo, vem mobilizando muita gente de bem.
Evandro, um generoso vendedor da drogaria Araújo fez questão de levar pessoalmente sua doação à menina, que, sem pai nem mãe, passa por sérias necessidades. Vander Possas e Ana Cândida Cardoso também fizeram importante contribuição. Dezenas de alunos da PUC Minas estão envolvidos diretamente numa série de ações para trazer um pouco de dignidade à garota, que sonhava ser atriz. A partir da próxima semana serão apresentados vários espetáculos teatrais com ingressos trocados por alimentos. Mais informações com Moema ou Patrícia no telefone (31) 3269-3260.
Para arejar um pouco a cabeça e deixar de lado os aborrecimentos dos últimos tempos, aceitei o convite da Violeta para um cineminha no fim de semana. Fui sem rumo, sem saber o que veria. Costumamos fazer assim: chegamos na bilheteria e compramos entradas para o próximo horário. Fomos parar em 2012. Um desespero. Tratava-se do fim do mundo. Uma superprodução americana, dirigida por um tal Roland Emmerich. Houve até quem gargalhasse com os excessos e com as piadinhas tão comuns ao humor norte-americano. Violeta não achou a menor graça. Ficou tensa do início ao fim da película. Eu não sabia muito bem o que pensar.
Tudo o que vi em mais de duas horas de duração me fez dobrar as ideias. Saí da sala com a cabeça a mil. Não dei conta nem de conversar com a Violeta sobre o que senti. Cheguei em casa, mão no caderno, desci a caneta no papel. O fim do mundo é tema para mais de metro. O fim do mundo é aqui, agora. O homem já faz tempo perdeu o juízo (se é que o teve algum dia). E não vou nem citar o desrespeito ao planeta. Discutimos isso aqui outro dia. Falo da intolerância com o semelhante. Da ambição desenfreada, da deslealdade, da falsidade e da falta de caráter. Perdemos a noção e os limites. A vaidade anda comendo pelas beiradas o que há de bom no homem.
Tenho testemunhado e tomado conhecimento de cada coisa de fazer cair o queixo até de quem não presta. Mente-se em tudo que é lugar. Rouba-se cada vez mais descaradamente. Mata-se por pouco ou quase nada. Violência, miséria, abuso de poder e corrupção. É isso o fim do mundo.
É a destruição silenciosa que mais me dá medo.
Evandro, um generoso vendedor da drogaria Araújo fez questão de levar pessoalmente sua doação à menina, que, sem pai nem mãe, passa por sérias necessidades. Vander Possas e Ana Cândida Cardoso também fizeram importante contribuição. Dezenas de alunos da PUC Minas estão envolvidos diretamente numa série de ações para trazer um pouco de dignidade à garota, que sonhava ser atriz. A partir da próxima semana serão apresentados vários espetáculos teatrais com ingressos trocados por alimentos. Mais informações com Moema ou Patrícia no telefone (31) 3269-3260.
Para arejar um pouco a cabeça e deixar de lado os aborrecimentos dos últimos tempos, aceitei o convite da Violeta para um cineminha no fim de semana. Fui sem rumo, sem saber o que veria. Costumamos fazer assim: chegamos na bilheteria e compramos entradas para o próximo horário. Fomos parar em 2012. Um desespero. Tratava-se do fim do mundo. Uma superprodução americana, dirigida por um tal Roland Emmerich. Houve até quem gargalhasse com os excessos e com as piadinhas tão comuns ao humor norte-americano. Violeta não achou a menor graça. Ficou tensa do início ao fim da película. Eu não sabia muito bem o que pensar.
Tudo o que vi em mais de duas horas de duração me fez dobrar as ideias. Saí da sala com a cabeça a mil. Não dei conta nem de conversar com a Violeta sobre o que senti. Cheguei em casa, mão no caderno, desci a caneta no papel. O fim do mundo é tema para mais de metro. O fim do mundo é aqui, agora. O homem já faz tempo perdeu o juízo (se é que o teve algum dia). E não vou nem citar o desrespeito ao planeta. Discutimos isso aqui outro dia. Falo da intolerância com o semelhante. Da ambição desenfreada, da deslealdade, da falsidade e da falta de caráter. Perdemos a noção e os limites. A vaidade anda comendo pelas beiradas o que há de bom no homem.
Tenho testemunhado e tomado conhecimento de cada coisa de fazer cair o queixo até de quem não presta. Mente-se em tudo que é lugar. Rouba-se cada vez mais descaradamente. Mata-se por pouco ou quase nada. Violência, miséria, abuso de poder e corrupção. É isso o fim do mundo.
É a destruição silenciosa que mais me dá medo.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 25 de novembro de 2009
sábado, 21 de novembro de 2009
O amor e o seu duplo
Há quem pense amar duplamente, assim, por quase nada: um sorriso, um encontro casual. O Andrés, 34 anos, vendedor, sabe bem dos efeitos do que é fugaz. Quando estacionou o carro na pracinha da pequena cidade do Norte de Minas, à tardinha, depois de horas de estrada e de comércio na região, não imaginou sorte tão estranha. Estômago nas costas, entrou na única pizzaria do lugar. Queria mandar ver marguerita do tamanho da fome.
Numa mesa de canto, sozinha, Manuela fazia dançar pedras de gelo com o dedo no copo lagoinha. No prato, fatia fria intocada. Conversado, Andrés puxou assunto:
– Manuela?
– A gente se conhece?
– Mais ou menos. Da última vez que tive aqui tentei vender umas sandálias na sua loja. Mas você já tinha estoque e pediu para que eu voltasse outro dia.
– Ah... Mas isso faz muito tempo...
– Dois anos.
Bastou para que os dois fechassem o estabelecimento e varassem madrugada no banco da praça. Conversando, apenas. Ela falou sobre o vazio provocado pelo fim de compromisso sério. Ele pensou novo amor, seduzido pelo cheiro e pelo sorriso da bela mulher, de 29 anos. Aliás, 30. Completos ali, no coreto. “Decidi fazer uma festinha hoje, no clube, para enterrar o passado. Ficaria feliz se você fosse”, ela convidou. “Claro!”, ele respondeu. Enamorados, despediram-se, com a lua pela metade, com certo ar de futuro.
No hotel, na beira da estrada, o viajante não conseguiu pregar o olho. A luz subiu rápido e descortinou sábado de céu limpo, de azul raro. Andrés saiu cedo e percorreu o centro, em busca de roupa nova. Distribuiu mercadoria e fez bom negócio. Desligou o celular e tirou a tardinha de descanso. Dormiu sono perturbado pelo sorriso de Manuela. Chegou a sentir no travesseiro o cheiro da nativa. Sonhou perdido, excitado, como havia muito não sonhava. Acordou já era a hora, num susto, suando bicas. Banhou-se para lavar o pensamento. Longe, em Betim. Vestiu-se com elegância, como em dia de cerimônia.
No carro, na porta do clube, decidiu falar em casa antes de entrar e deixar para trás o telefone. Do outro lado da linha, a voz preocupada: “Amor, tentei falar com você a tarde toda. A Laurinha teve outra convulsão. Já está bem, mas a médica achou melhor ela ficar no hospital até amanhã. Quando você volta?”, perguntou a mulher companheira.
Andrés voltou logo, sem se despedir ou presentear Manuela.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 21 de novembro de 2009
Numa mesa de canto, sozinha, Manuela fazia dançar pedras de gelo com o dedo no copo lagoinha. No prato, fatia fria intocada. Conversado, Andrés puxou assunto:
– Manuela?
– A gente se conhece?
– Mais ou menos. Da última vez que tive aqui tentei vender umas sandálias na sua loja. Mas você já tinha estoque e pediu para que eu voltasse outro dia.
– Ah... Mas isso faz muito tempo...
– Dois anos.
Bastou para que os dois fechassem o estabelecimento e varassem madrugada no banco da praça. Conversando, apenas. Ela falou sobre o vazio provocado pelo fim de compromisso sério. Ele pensou novo amor, seduzido pelo cheiro e pelo sorriso da bela mulher, de 29 anos. Aliás, 30. Completos ali, no coreto. “Decidi fazer uma festinha hoje, no clube, para enterrar o passado. Ficaria feliz se você fosse”, ela convidou. “Claro!”, ele respondeu. Enamorados, despediram-se, com a lua pela metade, com certo ar de futuro.
No hotel, na beira da estrada, o viajante não conseguiu pregar o olho. A luz subiu rápido e descortinou sábado de céu limpo, de azul raro. Andrés saiu cedo e percorreu o centro, em busca de roupa nova. Distribuiu mercadoria e fez bom negócio. Desligou o celular e tirou a tardinha de descanso. Dormiu sono perturbado pelo sorriso de Manuela. Chegou a sentir no travesseiro o cheiro da nativa. Sonhou perdido, excitado, como havia muito não sonhava. Acordou já era a hora, num susto, suando bicas. Banhou-se para lavar o pensamento. Longe, em Betim. Vestiu-se com elegância, como em dia de cerimônia.
No carro, na porta do clube, decidiu falar em casa antes de entrar e deixar para trás o telefone. Do outro lado da linha, a voz preocupada: “Amor, tentei falar com você a tarde toda. A Laurinha teve outra convulsão. Já está bem, mas a médica achou melhor ela ficar no hospital até amanhã. Quando você volta?”, perguntou a mulher companheira.
Andrés voltou logo, sem se despedir ou presentear Manuela.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 21 de novembro de 2009
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
ArcelorMittal
Campanha de vigilância compartilhada ArcelorMittal
Filme: Sempre juntos pela vida
Com Jefferson da Fonseca Coutinho, Leo Quintão, Ana Luisa Alves e grande elenco.
Direção: Marko Costa
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Carta aberta ao francês Olivier Rebellato
Olivier,
Você é garoto ainda e, ao que sei, cheio de vida. Aos 20 anos, endinheirado e saudável, tem o mundo pela frente. Muito triste o que ocorreu em 17 de abril, quando você dirigia seu carrão pela Savassi e mudou para sempre a vida de cinco jovens brasileiros. Especialmente o futuro da estudante de teatro Josiane Ramos, de 27, que, desde então, vive em estado vegetativo. Wenner Silva Gonçalves, de 24, motorista do outro veículo, também segue novo rumo, em cadeira de rodas. André Eduardo Magalhães, de 26, sofreu um acidente vascular cerebral. Naturalmente, você também é vítima dessa tragédia. Entendo assim. Acho pouco provável que esteja em paz depois do acidente.
A Justiça brasileira acreditou em você. Na sua honra e no seu compromisso. Tanto é que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) concedeu liminar que liberou o seu passaporte. Entenderam que você, por residir e ter negócios em Belo Horizonte, não deixaria o país para fugir de qualquer responsabilidade. Estavam enganados. Soube pela mídia que você desfez de tudo na cidade e foi embora. E o pior: sem oferecer o menor auxílio ou satisfação às vítimas da colisão que você provocou.
Você é garoto ainda e, ao que sei, cheio de vida. Aos 20 anos, endinheirado e saudável, tem o mundo pela frente. Muito triste o que ocorreu em 17 de abril, quando você dirigia seu carrão pela Savassi e mudou para sempre a vida de cinco jovens brasileiros. Especialmente o futuro da estudante de teatro Josiane Ramos, de 27, que, desde então, vive em estado vegetativo. Wenner Silva Gonçalves, de 24, motorista do outro veículo, também segue novo rumo, em cadeira de rodas. André Eduardo Magalhães, de 26, sofreu um acidente vascular cerebral. Naturalmente, você também é vítima dessa tragédia. Entendo assim. Acho pouco provável que esteja em paz depois do acidente.
A Justiça brasileira acreditou em você. Na sua honra e no seu compromisso. Tanto é que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) concedeu liminar que liberou o seu passaporte. Entenderam que você, por residir e ter negócios em Belo Horizonte, não deixaria o país para fugir de qualquer responsabilidade. Estavam enganados. Soube pela mídia que você desfez de tudo na cidade e foi embora. E o pior: sem oferecer o menor auxílio ou satisfação às vítimas da colisão que você provocou.
Segundo o advogado das irmãs Viviane e Josiane Ramos, Marcos Luiz Egg Nunes, você cometeu quatro infrações: avanço de sinal, dirigir em alta velocidade, dirigir em estado de embriaguez e, por fim, não tinha licença para dirigir no Brasil. Tudo devidamente comprovado por documentos e testemunhas. É lamentável. Nessa história triste, sinceramente, muita coisa não entra na cabeça de várias pessoas de bem que conheço. Conversamos muito sobre você. Como, simplesmente, virar as costas e voltar para casa, no estrangeiro? Li e ouvi que você até zombou de nossas leis. Uma meninice, imagino.
Sabe, Olivier, decidi dedicar este espaço a você num apelo. Não podemos voltar no tempo e mudar isso ou aquilo. Mas podemos agir no agora, com responsabilidade e juízo, pela paz de nossa consciência. Espero, sinceramente, que você tenha vida longa. Mas, se não fizer algo, sabe que os anos pela frente, certamente, serão marcados pelo que deixou de fazer. Faça por você mesmo, Olivier. Não queira passar o resto da vida sem poder se ver no avesso do espelho. Conheço gente assim que foi infeliz até o último suspiro. Pense nisso. A foto acima é de dia feliz, como era a Josiane.
P.S. Ao amigo leitor: Josiane Ramos, sem pai, nem mãe, passa por sérias necessidades. Quem puder colaborar de alguma maneira com fraldas ou alimentos, entre em contato com Moema ou Patrícia pelo telefone (31) 3269-3260.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 18 de novembro de 2009
Sabe, Olivier, decidi dedicar este espaço a você num apelo. Não podemos voltar no tempo e mudar isso ou aquilo. Mas podemos agir no agora, com responsabilidade e juízo, pela paz de nossa consciência. Espero, sinceramente, que você tenha vida longa. Mas, se não fizer algo, sabe que os anos pela frente, certamente, serão marcados pelo que deixou de fazer. Faça por você mesmo, Olivier. Não queira passar o resto da vida sem poder se ver no avesso do espelho. Conheço gente assim que foi infeliz até o último suspiro. Pense nisso. A foto acima é de dia feliz, como era a Josiane.
P.S. Ao amigo leitor: Josiane Ramos, sem pai, nem mãe, passa por sérias necessidades. Quem puder colaborar de alguma maneira com fraldas ou alimentos, entre em contato com Moema ou Patrícia pelo telefone (31) 3269-3260.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 18 de novembro de 2009
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
O sonho dentro do sonho
"Inesquecível a performance musical nordestina de Pedro Gracindo, logo na abertura de 'Clandestinos'. Sem falar na pluralidade de Adelaide de Castro"
Dos três mil inscritos de todo o Brasil, 400 foram entrevistados. Trinta participaram das oficinas. Apenas 14 atores foram escolhidos. Começa assim, antes mesmo de o espetáculo existir, a saga dos anônimos de João Falcão. Clandestinos, peça apresentada no fim de semana em Belo Horizonte, traz o sonho para dentro do sonho e privilegia a vontade de quem busca um lugar ao sol como artista.
O dramaturgo e diretor João Falcão conhece bem as agruras da carreira. Passou por maus bocados quando deixou o Recife, em 1985, para tentar a vida no Rio de Janeiro. Desde então, certamente, começou a compor sua trama baseada na vida dura – como ela é. Por fim, reconhecido, ao levar para o tablado sua comédia romântica musicada, o pernambucano faz um desabafo público bem-humorado pelo indigesto pão que o diabo amassou em tempos difíceis na “Hollywood brasileira”.
Clandestinos atinge, de maneira diferente, dois públicos. A plateia comum pode vê-lo como montagem bem acabada e honesta, tecnicamente funcional, com timing individual e verve cômica. Sonhadores, românticos e operários da fantasia encontram em cena o abraço de boa sorte – ou de “merda”, como dizemos nos bastidores do teatro. Para a empreitada, João Falcão montou trupe de luxo. Trouxe à ribalta talentos desconhecidos que não deixam nada a desejar aos mais bem-sucedidos atores do país.
O autor e diretor, amparado pela boa direção musical de Ricco Viana, soube valorizar as aptidões particulares do elenco. É emocionante ouvir You don’t know me na bela voz de Bruno Ferraz. Inesquecível a performance musical nordestina de Pedro Gracindo, logo na abertura. Sem falar na pluralidade de Adelaide de Castro, mineirinha de Três Corações. São muitos os pontos altos que fazem de Clandestinos obra de valor. Eduardo Landim e Emiliano D’Avila são contagiantes. Alejandro Claveaux, outro destaque, desfila tipos com graça, segurança e intenção.
Impagáveis os excessos trágicos do teatro-cabeça representados pela paulista Renata Guida. O chamado teatro vertical ganhou sátira honrosa pelas vísceras da atriz. Entre os melhores da cena revela-se Elisa Pinheiro. Habilidosa, mantém-se a um palmo do inacreditável. Já Fabio Enriquez, ator que alinhava a história, sabe somar, com a empáfia característica de quem caça talentos.
O único senão fica por conta do esvaziamento provocado pela repetição do tema por quase duas horas. Tropeço menor de dramaturgia, minimizado pela boa presença dos intérpretes. Clandestinos toca pelo conjunto, na boa roupagem de Kika Lopes. Pesquisador da atmosfera fantástica, João Falcão reuniu grupo de primeira linhagem para a estreia de sua Companhia Instável. Bom para o teatro brasileiro.
Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 16/11/09
Foto: Marco Antônio Gambôa
O dramaturgo e diretor João Falcão conhece bem as agruras da carreira. Passou por maus bocados quando deixou o Recife, em 1985, para tentar a vida no Rio de Janeiro. Desde então, certamente, começou a compor sua trama baseada na vida dura – como ela é. Por fim, reconhecido, ao levar para o tablado sua comédia romântica musicada, o pernambucano faz um desabafo público bem-humorado pelo indigesto pão que o diabo amassou em tempos difíceis na “Hollywood brasileira”.
Clandestinos atinge, de maneira diferente, dois públicos. A plateia comum pode vê-lo como montagem bem acabada e honesta, tecnicamente funcional, com timing individual e verve cômica. Sonhadores, românticos e operários da fantasia encontram em cena o abraço de boa sorte – ou de “merda”, como dizemos nos bastidores do teatro. Para a empreitada, João Falcão montou trupe de luxo. Trouxe à ribalta talentos desconhecidos que não deixam nada a desejar aos mais bem-sucedidos atores do país.
O autor e diretor, amparado pela boa direção musical de Ricco Viana, soube valorizar as aptidões particulares do elenco. É emocionante ouvir You don’t know me na bela voz de Bruno Ferraz. Inesquecível a performance musical nordestina de Pedro Gracindo, logo na abertura. Sem falar na pluralidade de Adelaide de Castro, mineirinha de Três Corações. São muitos os pontos altos que fazem de Clandestinos obra de valor. Eduardo Landim e Emiliano D’Avila são contagiantes. Alejandro Claveaux, outro destaque, desfila tipos com graça, segurança e intenção.
Impagáveis os excessos trágicos do teatro-cabeça representados pela paulista Renata Guida. O chamado teatro vertical ganhou sátira honrosa pelas vísceras da atriz. Entre os melhores da cena revela-se Elisa Pinheiro. Habilidosa, mantém-se a um palmo do inacreditável. Já Fabio Enriquez, ator que alinhava a história, sabe somar, com a empáfia característica de quem caça talentos.
O único senão fica por conta do esvaziamento provocado pela repetição do tema por quase duas horas. Tropeço menor de dramaturgia, minimizado pela boa presença dos intérpretes. Clandestinos toca pelo conjunto, na boa roupagem de Kika Lopes. Pesquisador da atmosfera fantástica, João Falcão reuniu grupo de primeira linhagem para a estreia de sua Companhia Instável. Bom para o teatro brasileiro.
Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 16/11/09
Foto: Marco Antônio Gambôa
sábado, 14 de novembro de 2009
Sábado e domingo tem "Os sem vergonhas"
Hoje (dia 14), às 21h, e amanhã (domingo), às 19h, tem "Os sem vergonhas" no Sesi de Betim (BR-381 - Km 436). Peça, comédia inspirada no filme "Ou tudo ou nada", desde 2005, é sucesso em todo o Brasil
Em São Paulo, André, Maurício, Jefferson e Ilvio
No elenco, J. Bueno, Leri Faria, André Prata, Maurício Canguçu, Ilvio Amaral e Jefferson da Fonseca Coutinho. "Os sem vergonhas" conta a história de seis desempregados que resolvem ganhar a vida tirando a roupa. O resultado é uma farra que traz à cena os desacertos dos cidadãos comuns. Imperdível!
"Os Sem Vergonhas"
Dias 14 e 15, às 19h e 21h
Sesi Betim (BR-381,Km 436)
R$ 10 antecipado nas lojas Carlaile Sports do Centro e Água de Cheiro, no Betim Shopping. Na hora, o ingressos custam R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
Leia a crítica de Marcello Castilho Avelar:
Matar ou morrer
Teresa sempre teve queda por homem que não presta. Qual mulher não tem? Desde as primeiras travessuras com o quadril, ainda garota, podia ser vista em má companhia. De estudar nunca gostou: “Não é pra mim”. A droga veio cedo: cola e loló. O crack conseguiu evitar porque viu a melhor amiga morrer noiada: cena de terror em manhã chuvosa, sob o Viaduto Castelo Branco. Teresa jamais esqueceu a imagem da menina magrela vestida de saco e jornal. Daí, deixou as ruas e se ajeitou em barracão de fundos no Bairro Pindorama.
Na época, aos 15, sucumbiu pela falta de algo útil a fazer e acabou indo morar com Bedéu, quatro anos mais velho, flanelinha marginal, achacador. Sujeitinho da pior estirpe. Batia sem dó na companheira, por qualquer motivo. Mas, para o que a menina queria, o bigodinho prestava. O moço era bom de indecências. Juntos, na fome e vontade de comer, alimentavam-se, dias e noites, de suor, ritmo e berros de “eu te amo!”. Verdade: coisar-se custa pouco. Nas horas vagas, quando estavam de roupa, batiam ponto nos teatros e casas de shows para descolar dinheirinho fácil com os donos de carro na cidade.
Bedéu queria subir na vida: “Quero mais, minha preta! Quero mais!”. De achacador barato passou a assaltante. Descolou revólver 38 na mão de colega de achaque e começou a fazer a festa na Região da Pampulha. Em pouco mais de ano foi se ajeitando no crime. Grávida de gêmeos, Teresa, em casa, apenas tomava conta da grana. E cuidava bem, atravessando joias e objetos de valor. Quando as crianças nasceram, de tão feliz Bedéu presenteou a acamada com um Rossi 38, modelo 718: “Agora você vai precisar. Pra proteger os moleque”.
O tempo passou rápido e, entre um murro e um sopapo, os dois se iam. Mais ou menos felizes com João Elias e João Miguel correndo pela casinha nova no Bairro Rio Branco. Depois que foi preso e passou dois anos na cadeia, Bedéu ficou ainda mais violento. O que antes fazia bêbado, agora era a qualquer instante. Já havia matado um casal por dois celulares e R$ 130. Em casa, a mão pesada passou a descer com mais força na parceira e nos garotos. Numa noite, Bedéu chegou a desmaiar João Miguel com sopapo. Na ocasião, levou 22 pontos na barriga, vitimado pela fúria da mãe. Teresa desceu-lhe a faca de cozinha: “Nas criança não, desgraçado!”.
Arrancar sangue do outro ficou comum e o amor em gotas se foi. Idas e vindas passadas, muitas, separaram-se. Bedéu, inconformado, não dava sossego à família. Ameaças, o escambau. Era madrugada de desespero quando ele foi alvejado no peito. Levado ao hospital pelos vizinhos, sobreviveu. Na UTI, Teresa terminou o serviço. Descarregou dois trabucos no infeliz. O dele e o dela, presente de dia feliz.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 14 de novembro de 2009
Na época, aos 15, sucumbiu pela falta de algo útil a fazer e acabou indo morar com Bedéu, quatro anos mais velho, flanelinha marginal, achacador. Sujeitinho da pior estirpe. Batia sem dó na companheira, por qualquer motivo. Mas, para o que a menina queria, o bigodinho prestava. O moço era bom de indecências. Juntos, na fome e vontade de comer, alimentavam-se, dias e noites, de suor, ritmo e berros de “eu te amo!”. Verdade: coisar-se custa pouco. Nas horas vagas, quando estavam de roupa, batiam ponto nos teatros e casas de shows para descolar dinheirinho fácil com os donos de carro na cidade.
Bedéu queria subir na vida: “Quero mais, minha preta! Quero mais!”. De achacador barato passou a assaltante. Descolou revólver 38 na mão de colega de achaque e começou a fazer a festa na Região da Pampulha. Em pouco mais de ano foi se ajeitando no crime. Grávida de gêmeos, Teresa, em casa, apenas tomava conta da grana. E cuidava bem, atravessando joias e objetos de valor. Quando as crianças nasceram, de tão feliz Bedéu presenteou a acamada com um Rossi 38, modelo 718: “Agora você vai precisar. Pra proteger os moleque”.
O tempo passou rápido e, entre um murro e um sopapo, os dois se iam. Mais ou menos felizes com João Elias e João Miguel correndo pela casinha nova no Bairro Rio Branco. Depois que foi preso e passou dois anos na cadeia, Bedéu ficou ainda mais violento. O que antes fazia bêbado, agora era a qualquer instante. Já havia matado um casal por dois celulares e R$ 130. Em casa, a mão pesada passou a descer com mais força na parceira e nos garotos. Numa noite, Bedéu chegou a desmaiar João Miguel com sopapo. Na ocasião, levou 22 pontos na barriga, vitimado pela fúria da mãe. Teresa desceu-lhe a faca de cozinha: “Nas criança não, desgraçado!”.
Arrancar sangue do outro ficou comum e o amor em gotas se foi. Idas e vindas passadas, muitas, separaram-se. Bedéu, inconformado, não dava sossego à família. Ameaças, o escambau. Era madrugada de desespero quando ele foi alvejado no peito. Levado ao hospital pelos vizinhos, sobreviveu. Na UTI, Teresa terminou o serviço. Descarregou dois trabucos no infeliz. O dele e o dela, presente de dia feliz.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 14 de novembro de 2009
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Pontiac
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
O problema da falta de educação
Muito vem sendo falado sobre o caso da estudante Geisy Arruda (foto), da Universidade Bandeirante (Uniban), do ABC Paulista. Assunto de todas as mídias, a moça do vestido curto cor-de-rosa, desrespeitada vergonhosamente por colegas universitários (falam em centenas), ganhou espaço em páginas e mais páginas de jornais de todo o Brasil, com direito a notícia até no New York Times.
Venho acompanhando o caso com muita atenção porque o assunto “educação” não me sai do bloco de anotações. Sou mais uma vez vestibulando e, velho estudante, para mim, toda e qualquer instituição de ensino deveria ser templo sagrado contra a ignorância. Como podemos ver, infelizmente, não é a realidade. E como o governo não dá conta, com o ensino público de mal a pior, a educação virou negócio.
O que ocorreu em São Paulo reflete bem a que ponto chegamos com a educação no Brasil. Professores com salários de fome, despreparados, outros desmotivados, e escolas particulares de baixíssimo nível espalhadas país afora. E o que mais me impressiona é que alunos ignorantes, como estes da Uniban, acabam professores amanhã.
Conheci um sujeito, vizinho em Santa Efigênia, que entrou para uma faculdade do tipo “pagou-passou”, fez uma pós-graduação a distância. A irmã mais velha dele, minha amiga, fazia quase todos os trabalhos para ele. Hoje, o cidadão é professor da faculdade que o formou. Outro dia, numa festa, me disse: “Vai pra lá, Josiel. Lá é tranquilo”. Francamente! É a indústria do diploma fazendo de bobo o brasileiro.
Não vai ser com um número cada vez maior de diplomados (assim) que vamos construir um país melhor. Precisamos de conhecimento. De educação de qualidade. É uma vergonha o que houve com a moça do ABC Paulista. Virou piada. Prato cheio para os programas de humor barato que, a cada dia, emburrecem ainda mais o telespectador. Hoje, qualquer mané pode ter diploma. Já educação… não é para qualquer sujeito.
Revolta-me tudo isso. Não consigo entender os maus alunos que pegam carona nos trabalhos dos outros, que até pagam por monografia qualquer. Tenho uma passageira que ganha a vida fazendo monografias e dissertações. Conhecedora das normas acadêmicas, começou como revisora. Por fim, pela demanda altíssima, passou a fazer tudo. Bom para ela, que, com isso, tem aprendido muito sobre vários cursos.
A Uniban, depois de expulsar a Geisy, voltou atrás. Menos mal. Contudo, vai ter trabalho para resgatar o respeito de muita gente. Certamente, vai ter que rever seu processo seletivo para tentar filtrar o bando de gente despreparada que lá se encontra. Que o ocorrido sirva de lição contra a picaretagem que assola a educação no Brasil.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 11 de novembro de 2009
Venho acompanhando o caso com muita atenção porque o assunto “educação” não me sai do bloco de anotações. Sou mais uma vez vestibulando e, velho estudante, para mim, toda e qualquer instituição de ensino deveria ser templo sagrado contra a ignorância. Como podemos ver, infelizmente, não é a realidade. E como o governo não dá conta, com o ensino público de mal a pior, a educação virou negócio.
O que ocorreu em São Paulo reflete bem a que ponto chegamos com a educação no Brasil. Professores com salários de fome, despreparados, outros desmotivados, e escolas particulares de baixíssimo nível espalhadas país afora. E o que mais me impressiona é que alunos ignorantes, como estes da Uniban, acabam professores amanhã.
Conheci um sujeito, vizinho em Santa Efigênia, que entrou para uma faculdade do tipo “pagou-passou”, fez uma pós-graduação a distância. A irmã mais velha dele, minha amiga, fazia quase todos os trabalhos para ele. Hoje, o cidadão é professor da faculdade que o formou. Outro dia, numa festa, me disse: “Vai pra lá, Josiel. Lá é tranquilo”. Francamente! É a indústria do diploma fazendo de bobo o brasileiro.
Não vai ser com um número cada vez maior de diplomados (assim) que vamos construir um país melhor. Precisamos de conhecimento. De educação de qualidade. É uma vergonha o que houve com a moça do ABC Paulista. Virou piada. Prato cheio para os programas de humor barato que, a cada dia, emburrecem ainda mais o telespectador. Hoje, qualquer mané pode ter diploma. Já educação… não é para qualquer sujeito.
Revolta-me tudo isso. Não consigo entender os maus alunos que pegam carona nos trabalhos dos outros, que até pagam por monografia qualquer. Tenho uma passageira que ganha a vida fazendo monografias e dissertações. Conhecedora das normas acadêmicas, começou como revisora. Por fim, pela demanda altíssima, passou a fazer tudo. Bom para ela, que, com isso, tem aprendido muito sobre vários cursos.
A Uniban, depois de expulsar a Geisy, voltou atrás. Menos mal. Contudo, vai ter trabalho para resgatar o respeito de muita gente. Certamente, vai ter que rever seu processo seletivo para tentar filtrar o bando de gente despreparada que lá se encontra. Que o ocorrido sirva de lição contra a picaretagem que assola a educação no Brasil.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 11 de novembro de 2009
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
sábado, 7 de novembro de 2009
O sonho operário
"Chegava a dar para sentir o bafo do capoeirista estrangeiro com quem a pilantra passou a madrugada só na rasteira"
O Alvismar mais parecia uma granada sem pino. Não bastasse a namorada cretina, tinha ainda o chefe sem noção para lhe fritar os miolos. Família na cidade não sabia o que era havia tempo, desde que os pais resolveram deixar a capital em busca de paz no interior. O contador estava prestes a explodir. “Valei-me, Deus!”, sussurrava para si mesmo, naquela manhã acinzentada, enquanto esperava a inicialização do PC tartaruga vezes 7.0. A verdade é que tudo parecia maior e mais grave no arrastar da hora.
Para piorar a situação, o vizinho de mesa, à esquerda, Leonel, autista de quase tonelada, dava geral no salão com o indicador no nareba. À direita, o Cotoco, velho e careca, esfregava um calcanhar no outro com o pé chulezento fora do sapato. Sentada logo à frente, dona Nair, gorda e feia como o capeta, oferecia lance bizarro sem calcinha. “Visão do inferno”, pensou com o cenho franzido e cara de nojo. Ao fundo, o abestalhado caçador de estagiárias tarrafava com liberdade: “E aí, princesa?”. Fato é que mais um dia comum aterrorizava o Alvismar.
Logo cedo, antes da 6h, a namorada vacilona ligou para justificar o perdido da noite anterior: “Tava na casa da Dadá. Esqueci o celular, bebê. Foi mal, picurruchinho da Lulu. Você tentou falar comigo, né!?”. Chegava a dar para sentir o bafo do capoeirista estrangeiro com quem a pilantra passou a madrugada só na rasteira. Alvismar não disse palavra. Lamentou, apenas, por gostar demais da sujeita. Afinal, quem não já sofreu mal de amor bandido? Foi na Avenida Pedro II, no busão, em engarrafamento descomunal, que o humor do pacato cidadão começou a ir para o saco: “Ninguém merece!”
Ao chegar ao trabalho, no elevador levou sapatada do gerente burocrata: “Atrasado de novo. Virou festa? É a segunda vez só este ano, ‘seu’ Alvismar. E ainda estamos em novembro. Não sei não”. A voz do mala sem alças e bigode soou-lhe trovoadas. Respirou fundo três vezes para não chutar o pau da barraca ali mesmo, no micro quadrado de aço. Afrouxou a gravata, entrou na seção e ligou o computador retardado. Enquanto esperava, esperava... esperava, repassou a vidinha sem graça daqueles tempos de má companhia.
Manjou bem o futuro, vendo o Leonel, a dona Nair, o Cotoco e o velho tarado. Olhou para dentro e aquietou os pensamentos: “É isso!”. O sistema operacional ainda não estava pronto para rodar quando o Alvismar deixou o prédio esquálido, cortou a Praça 7 e ganhou a rodoviária. Sorriu para a bilheteira oxigenada e tomou ônibus para nunca mais.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 7 de novembro de 2009
O Alvismar mais parecia uma granada sem pino. Não bastasse a namorada cretina, tinha ainda o chefe sem noção para lhe fritar os miolos. Família na cidade não sabia o que era havia tempo, desde que os pais resolveram deixar a capital em busca de paz no interior. O contador estava prestes a explodir. “Valei-me, Deus!”, sussurrava para si mesmo, naquela manhã acinzentada, enquanto esperava a inicialização do PC tartaruga vezes 7.0. A verdade é que tudo parecia maior e mais grave no arrastar da hora.
Para piorar a situação, o vizinho de mesa, à esquerda, Leonel, autista de quase tonelada, dava geral no salão com o indicador no nareba. À direita, o Cotoco, velho e careca, esfregava um calcanhar no outro com o pé chulezento fora do sapato. Sentada logo à frente, dona Nair, gorda e feia como o capeta, oferecia lance bizarro sem calcinha. “Visão do inferno”, pensou com o cenho franzido e cara de nojo. Ao fundo, o abestalhado caçador de estagiárias tarrafava com liberdade: “E aí, princesa?”. Fato é que mais um dia comum aterrorizava o Alvismar.
Logo cedo, antes da 6h, a namorada vacilona ligou para justificar o perdido da noite anterior: “Tava na casa da Dadá. Esqueci o celular, bebê. Foi mal, picurruchinho da Lulu. Você tentou falar comigo, né!?”. Chegava a dar para sentir o bafo do capoeirista estrangeiro com quem a pilantra passou a madrugada só na rasteira. Alvismar não disse palavra. Lamentou, apenas, por gostar demais da sujeita. Afinal, quem não já sofreu mal de amor bandido? Foi na Avenida Pedro II, no busão, em engarrafamento descomunal, que o humor do pacato cidadão começou a ir para o saco: “Ninguém merece!”
Ao chegar ao trabalho, no elevador levou sapatada do gerente burocrata: “Atrasado de novo. Virou festa? É a segunda vez só este ano, ‘seu’ Alvismar. E ainda estamos em novembro. Não sei não”. A voz do mala sem alças e bigode soou-lhe trovoadas. Respirou fundo três vezes para não chutar o pau da barraca ali mesmo, no micro quadrado de aço. Afrouxou a gravata, entrou na seção e ligou o computador retardado. Enquanto esperava, esperava... esperava, repassou a vidinha sem graça daqueles tempos de má companhia.
Manjou bem o futuro, vendo o Leonel, a dona Nair, o Cotoco e o velho tarado. Olhou para dentro e aquietou os pensamentos: “É isso!”. O sistema operacional ainda não estava pronto para rodar quando o Alvismar deixou o prédio esquálido, cortou a Praça 7 e ganhou a rodoviária. Sorriu para a bilheteira oxigenada e tomou ônibus para nunca mais.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 7 de novembro de 2009
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Pela menina Josiane
Josiane Ramos, 27 anos, aluna de teatro da PUC Minas, vítima de grave acidente de trânsito em abril deste ano, está passando por sérias necessidades. Quem puder ajudar, de qualquer forma, com fraldas, dinheiro ou alimento, entre em contato com Moema ou Patrícia, pelo telefone (31) 3269-3260.
Josiane não tem mais os pais. Por ela, apenas a irmã Viviane.
http://www.band.com.br/jornalismo/cidades/conteudo.asp?ID=209121
http://www.dzai.com.br/jornaldaalterosa/video/playvideo?tv_vid_id=64730
Bom dia pessoal.
Gostaria apenas de externar a minha vontade de ajudar com o q for para o q o Jefferson comentou ontem sobre o caso da garota q se acidentou no trânsito. Tenho certeza q podemos ajudá-la de forma conjunta se cada um da sala se propuser a dar uma contribuição. Como disse o Jefferson o estado dela é crítico e foge palavras p/ ilustrar tal quadro, mas pela reportagem podemos perceber q foge do nosso alcance mesmo tal ilustração.
Quem sabe se marcassemos um dia X do mês de novembro p/ entregarmos nossa contribuição lá na PUC mesmo e se não fosse financeira, fosse em forma de fraldas, alimentos, enfim, em um momento tão delicado, temos q fazer algo por ela e não é pq passou ou é aluna da PUC, mas é q fosse eu q tivesse no lugar dela, com certeza ficaria feliz em espírito p/ com todos q estivem fazendo algo por mim.
Não vou pedir q nos coloquemos no lugar dela, pois mensurar tal situação não é nem possível. Apenas espero q com este simples gesto possamos celebrar nossa saúde, nossa família e nossa oportunidade de fazer, criar, sentirmos vivos e agradecer a DEUS a liberdade de estarmos vivos e muitas vezes ainda ficamos P da vida com coisas q não merecem nossa chateação. Ainda um dia, vamos aprender a dar valor as pequenas coisas, mas chegou a hora de fazermos algo grandioso a quem tanto necessita e com certeza passa por um momento q jamais imaginou.
Estou as ordens para o q for necessário e toda idéia aqui será de grande valia.
Josiane não tem mais os pais. Por ela, apenas a irmã Viviane.
http://www.band.com.br/jornalismo/cidades/conteudo.asp?ID=209121
http://www.dzai.com.br/jornaldaalterosa/video/playvideo?tv_vid_id=64730
Bom dia pessoal.
Gostaria apenas de externar a minha vontade de ajudar com o q for para o q o Jefferson comentou ontem sobre o caso da garota q se acidentou no trânsito. Tenho certeza q podemos ajudá-la de forma conjunta se cada um da sala se propuser a dar uma contribuição. Como disse o Jefferson o estado dela é crítico e foge palavras p/ ilustrar tal quadro, mas pela reportagem podemos perceber q foge do nosso alcance mesmo tal ilustração.
Quem sabe se marcassemos um dia X do mês de novembro p/ entregarmos nossa contribuição lá na PUC mesmo e se não fosse financeira, fosse em forma de fraldas, alimentos, enfim, em um momento tão delicado, temos q fazer algo por ela e não é pq passou ou é aluna da PUC, mas é q fosse eu q tivesse no lugar dela, com certeza ficaria feliz em espírito p/ com todos q estivem fazendo algo por mim.
Não vou pedir q nos coloquemos no lugar dela, pois mensurar tal situação não é nem possível. Apenas espero q com este simples gesto possamos celebrar nossa saúde, nossa família e nossa oportunidade de fazer, criar, sentirmos vivos e agradecer a DEUS a liberdade de estarmos vivos e muitas vezes ainda ficamos P da vida com coisas q não merecem nossa chateação. Ainda um dia, vamos aprender a dar valor as pequenas coisas, mas chegou a hora de fazermos algo grandioso a quem tanto necessita e com certeza passa por um momento q jamais imaginou.
Estou as ordens para o q for necessário e toda idéia aqui será de grande valia.
Fiquemos com DEUS.
Saúde e Paz.
Alexandre Lamas Gonçalves
Saúde e Paz.
Alexandre Lamas Gonçalves
Aos mortos que tanto amamos
“O planeta se alimenta de seus frutos. Da terra viemos, para a terra voltamos. Por que, então, não ter a consciência tranquila quando retornar ao lado de lá?”
Gosto das palavras novas que recolho no batidão do volante. Dezenas delas arrebatam-me o cerebelo. No Dia de Finados, “sustentabilidade” valeu-me a caderneta cheia de rabiscos e reflexões. Dois passageiros, senhores muito distintos, ferveram no assunto. Foi durante corrida longa, do Bairro São Lucas até belíssimo sítio em Esmeraldas. Eu, naturalmente, só na rebarba do conhecimento. Calei-me para ouvir a aula que o homem da cabeça prateada e o baixinho de óculos ofereciam ali, de graça. Conversa boa, como há muito não ouvia, sobre o homem e o planeta.
Sustentabilidade tem significado para mais de metro, mas vou aqui, com o meu português modesto, dividir com o amigo leitor um pouquinho do que entendi ao descer a caneta no meu bloco de estudo. Trata-se, basicamente, de equilíbrio. Da relação que construímos com tudo o que há no planeta. Houve um tempo em que o homem (ignorante que só ele) pensava que a Terra era fonte inesgotável de tudo o que nela havia. Ou seja, que a gente podia explorar; desmatar; esburacar; desperdiçar; fazer; acontecer; mandar e desmandar na natureza. Hoje, a realidade é outra. E muita gente de bem, organizada, vem fazendo de tudo pela preservação do meio ambiente.
O fato é que ignorantes e gananciosos ainda andam por aí, aos montes, destruindo a natureza. Meus dois passageiros, defensores ferrenhos da ideia da sustentabilidade, lideram movimento de ecologistas que age em todo o Brasil, com representantes em várias partes do mundo. Falaram também sobre o aquecimento global (para muitos, desdobramento da ação irresponsável do homem sobre a natureza). A conversa foi tomando um rumo científico inteligente demais para a minha cabeça operária. Contudo, acho que captei a essência da coisa.
Entendi a urgência da questão e que o futuro é agora. Que a vida é breve. Vai-se num sopro. É bastante claro que não dá mais para trabalhar com a ideia de que temos que agir apenas pelo amanhã. Temos que agir hoje, agora, pelo presente. Do contrário, o depois pode nem existir. A dupla de ilustres cidadãos, no meu carro rumo à Região Metropolitana de Belo Horizonte, falou de atitudes bem simples, nossas pequenas ações cotidianas, sobre o que fazemos com nosso lixo, por exemplo. Quase todo mundo já ouviu falar em coleta seletiva, mas, na prática pouca gente põe a mão na massa.
Com a cabeça a mil por reflexão, como efeito da aula de segunda-feira, sinto a orelha esticada pela mão de nossa mãe natureza. Caderneta revisada, no passar e repassar das páginas de papel pautado, a palavra sustentabilidade se repete. No pé de uma folha ímpar a seguinte anotação: “O planeta se alimenta de seus frutos. Da terra viemos, para a terra voltamos. Por que, então, não ter a consciência tranquila quando retornar ao lado de lá?”. Lembro-me bem de quando anotei isso. Foi enquanto o sol se afundava, diante de árvore de copa verde e frondosa, no Cemitério da Saudade, em homenagem aos meus mortos muito amados.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 4 de novembro de 2009
Sustentabilidade tem significado para mais de metro, mas vou aqui, com o meu português modesto, dividir com o amigo leitor um pouquinho do que entendi ao descer a caneta no meu bloco de estudo. Trata-se, basicamente, de equilíbrio. Da relação que construímos com tudo o que há no planeta. Houve um tempo em que o homem (ignorante que só ele) pensava que a Terra era fonte inesgotável de tudo o que nela havia. Ou seja, que a gente podia explorar; desmatar; esburacar; desperdiçar; fazer; acontecer; mandar e desmandar na natureza. Hoje, a realidade é outra. E muita gente de bem, organizada, vem fazendo de tudo pela preservação do meio ambiente.
O fato é que ignorantes e gananciosos ainda andam por aí, aos montes, destruindo a natureza. Meus dois passageiros, defensores ferrenhos da ideia da sustentabilidade, lideram movimento de ecologistas que age em todo o Brasil, com representantes em várias partes do mundo. Falaram também sobre o aquecimento global (para muitos, desdobramento da ação irresponsável do homem sobre a natureza). A conversa foi tomando um rumo científico inteligente demais para a minha cabeça operária. Contudo, acho que captei a essência da coisa.
Entendi a urgência da questão e que o futuro é agora. Que a vida é breve. Vai-se num sopro. É bastante claro que não dá mais para trabalhar com a ideia de que temos que agir apenas pelo amanhã. Temos que agir hoje, agora, pelo presente. Do contrário, o depois pode nem existir. A dupla de ilustres cidadãos, no meu carro rumo à Região Metropolitana de Belo Horizonte, falou de atitudes bem simples, nossas pequenas ações cotidianas, sobre o que fazemos com nosso lixo, por exemplo. Quase todo mundo já ouviu falar em coleta seletiva, mas, na prática pouca gente põe a mão na massa.
Com a cabeça a mil por reflexão, como efeito da aula de segunda-feira, sinto a orelha esticada pela mão de nossa mãe natureza. Caderneta revisada, no passar e repassar das páginas de papel pautado, a palavra sustentabilidade se repete. No pé de uma folha ímpar a seguinte anotação: “O planeta se alimenta de seus frutos. Da terra viemos, para a terra voltamos. Por que, então, não ter a consciência tranquila quando retornar ao lado de lá?”. Lembro-me bem de quando anotei isso. Foi enquanto o sol se afundava, diante de árvore de copa verde e frondosa, no Cemitério da Saudade, em homenagem aos meus mortos muito amados.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 4 de novembro de 2009
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