As organizações da economia social, nos seus diversos sectores, envolvendo mulheres e homens que lhes dedicam o seu tempo e esforço, a mais das vezes voluntário, merecem mais do que a consideração de palavras de circunstância, que o Estado lhes reconheça o trabalho em prol do desenvolvimento das comunidades nas quais se inserem, honrando o próprio compromisso constitucional.
A economia social tem potencial para desafiar as dificuldades, encontrando respostas realistas aos desafios da crise que, como dizem os mais avisados, é mais do que uma crise do sistema económico e financeiro, é uma crise de consciência e de valores.
Neste sector, como nos outros, a arte da mudança está em sermos capazes de encontrar o que, em cada momento, ousemos criar de diferente que possa ser, em liberdade, compreendido e apropriado pelo maior número de cidadãos.
A economia social, em Portugal, dispõe de um peso significativo no emprego e na criação de riqueza, ainda não quantificados com rigor, mas que um estudo credível intitulado “O Sector não lucrativo português numa perspectiva comparada”, de autoria de uma equipa coordenada por Raquel Campos Franco, com dados de 2002, aponta como representando 4,2% do PIB.
Portugal é também um caso exemplar, ou pelo menos singular, no plano institucional: a Economia Social encontra consagração constitucional sob a designação de “sector cooperativo e social”, através dos artigos 80º e 82º da Constituição da República.
Este sector entrou, por outro lado, decisivamente na agenda europeia. Para que tal tenha ocorrido não é alheia a crise, da qual lentamente estamos a emergir, mas também o facto de representar 10% do conjunto das empresas europeias, 2 milhões de organizações, 6% do emprego total dispondo de um elevado potencial para gerar e manter empregos estáveis, contribuindo para um modelo económico sustentável em que as pessoas são mais importantes que o capital.
No caso de Portugal, a economia social enraíza numa tradição que vem de longe, em práticas de entreajuda e partilha de trabalho e de recursos entre os cidadãos, no exercício da liberdade de associação, na auto organização em prol do prosseguimento de objectivos económicos ou altruístas.
As instituições que ao longo do tempo têm corporizado, e sido protagonistas, deste movimento são conhecidas dos portugueses: cooperativas, misericórdias, mutualidades, instituições particulares de solidariedade social, associações de desenvolvimento local e regional, além de outras como as fundações, que nascem sob impulso da necessidades de enfrentar desafios nascidos nas comunidades aplicando as suas energias na satisfação das aspirações dos cidadãos a uma vida mais digna.
A economia social, designação consagrada pela UE, é um sector aberto no qual se discute o próprio conceito, sendo denominado, conforme as escolas de pensamento, os continentes, regiões e países como “economia social”,“economia solidária” ou “terceiro sector”, mantendo, no entanto, em comum um conjunto de princípios distintivos:
- Primado da pessoa e do objecto social sobre o capital;
- Adesão voluntária e livre;
- Controlo democrático pelos seus membros;
- Defesa dos princípios de solidariedade e responsabilidade;
- Autonomia de gestão e independência face aos interesses públicos;
- Afectação dos excedentes a objectivos como o desenvolvimento sustentável, melhoria dos serviços prestados aos próprios membros e ao interesse geral.
Nos diversos sectores de actividade em que situam a sua acção as organizações da economia social, debatem-se com os mesmos problemas que afectam a economia, exigem novas respostas para fazer face a novos desafios, mas, pela sua própria natureza, não ameaçam deslocalizar investimentos, abarcam com a sua acção todo o território nacional e beneficiam de proximidade com as aspirações e problemas dos cidadãos.
A economia social está em condições de aliar rentabilidade e solidariedade; contribuir para corrigir três grandes desequilíbrios no mercado de trabalho: o desemprego, a instabilidade de emprego e a exclusão social; reforçar a coesão social, económica e regional; gerar capital social; promover a cidadania activa e a solidariedade assente num modelo de economia com valores democráticos, que põe as pessoas em primeiro lugar, para além de apoiar o desenvolvimento sustentável, a inovação social, ambiental e tecnológica.
Foi para responder a este desafio que o governo decidiu fazer uma aposta na parceria com o sector da economia social consagrando essa politica no seu programa. Para dar um primeiro passo na concretização dessa política foi criada, recentemente, a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social.
Qual o significado contemporâneo do projecto no qual a criação desta organização se integra?
1 – O Estado coloca a economia social, e as suas organizações, na agenda política correspondendo, aliás, a um desafio lançado pelas instituições europeias. A economia social, solidária, ou terceiro sector, como lhe quisermos chamar é chamada a desempenhar um papel central nas políticas públicas deixando de ser um sector, em regra, considerado como meramente complementar das funções desempenhadas pelos sectores privado e público;
2 – O Estado deixa de se assumir como Estado-tutela passando a assumir-se como Estado-parceiro o que representa uma mudança profunda no seu posicionamento face à sociedade civil e às suas organizações representativas. Trata-se, no caso desta Cooperativa, quer do ponto de vista do Estado quer do das organizações que a integram, da assumpção de um modelo de organização que ensaia a aplicação de um novo conceito no qual se fundem as tradições, interesses e concepções inerentes à esfera de acção do Estado e das organizações da sociedade civil.
Pode parecer um pequeno passo. Mas é uma inovação significativa em resposta ao fracasso da ideologia neo-liberal, correspondendo às tendências actuais que exigem que as organizações da economia social se reagrupem ultrapassando o território restrito das suas inscrições sectoriais, partilhando os seus objectivos com os poderes públicos em espaços comuns de reflexão, regulação e acção. São estes os caminhos que estamos a trilhar com a criação da Cooperativa António Sérgio que é ela própria um projecto ao serviço da modernização e desenvolvimento do sector.
Foi ontem aprovado pelo Governo o Conselho Nacional para a Economia Social.