Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

segunda-feira, 18 de março de 2019


Arte do pintor espanhol Rogelio de Egusquiza, "Tristão e Isolda"

Deixa que os meus olhos se fechem 
E confiem um minuto nos teus
Olha por mim, protege o meu sonho 
Vigia o meu descanso e afasta-me de todas as mágoas 
Com os teus beijos apaga as lágrimas que correm pelo
meu rosto
Envolve-me nos teus braços e, cuida de mim 
Preciso do teu apoio, do teu abraço, do teu sentido 
Deixa-me descansar e,
Adormecer no teu peito
Deixa que os meus olhos durmam
nos teus...
Deixa-me sonhar
Deixa que sonhe com a tua boca 
Com as tuas mãos, com os teu beijos, 
Com teu corpo na minha pele
Com o teu calor a queimar-me por dentro 
Com tudo o que quero de ti
Deixa que os meus olhos despertem
com o sol a romper nos teus olhos.

Albano Martins



Que música escutas tão atentamente que não dás por mim?


Imagem: http://briannadamra.tumblr.com/

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?

Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade



Tu tens um medo


Imagem: Old Souls Captured in a Bottle by Marc Yankus

Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.

Cecília Meireles



Tu


Imagem: Bernard Kapfer - Limited edition - Bronze 1999

Tu
enlouqueces-me maravilhas-me atrapalhas-me apaixonas-me cegas-me confundes-me. 
Tu inspiras-me.
Tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu ...

Quero tanto de ti e tão próximo que anseio que fosses o ar, o chão, as paredes, tudo.

Que tudo o que tocasse fossem os teus braços.
Que tudo o que sentisse fossem os teus lábios.

Como quando fecho os olhos e tudo o que não vejo és tu.
Como quando não durmo e tudo o que sonho és tu.

Contigo não consigo respirar. Sem ti não consigo viver.

Quero estar tão dentro de ti que nem a luz do dia exista para mim.
Quero abraçar-te tanto que todo o mundo colapse e desapareça num pequeno ponto entre os meus braços.

Toca-me com as tuas mãos.
Faz-me desaparecer com a tua pele.
Sufoca-me na tua língua.
Arrasta-me pelo ar com o teu perfume.
Mata-me de vez.

Tu
se fosses chuva, do céu só cairiam pérolas ...
E até o chão gritaria de prazer.

Maria Teresa Horta



domingo, 17 de março de 2019

Tempo


Fotografia minha

o tempo andou riscando meu rosto
com uma navalha fina

sem raiva nem rancor
o tempo riscou meu rosto
com calma

(eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença)

Viviane Mosé





O colo das tuas mãos


Escultura de Auguste Rodin

Tento explicar: 
o desalinho da ternura nas tuas mãos bordando mistérios nas linhas do meu rosto. 
Nos fios do meu cabelo. 
O silêncio dos teus dedos infinitamente enrolando e desenrolando os caracóis que me tombam sobre os olhos para esconder o sutil esvoaçar do medo... 
Tento explicar: 
as tuas mãos redondas, como ninhos. 
O colo das tuas mãos, antiquíssimo resgate da minha solidão. 
Para sempre. 

Ana Mateus




A implacável colheita


Fotografia de Piedade Araujo em Poesia em Imagens

Quando criança, roubaram-lhe
(em nome da cara boa conduta)
o direito à Alegria. Ele resistiu.

Quando jovem, roubaram-lhe
(em nome da ordem e progresso)
o direito à Rebeldia. Ele revidou.

Quando adulto, roubaram-lhe
(em nome do mais querido Ter)
o direito de Ser. Ele assentiu.

À meia idade, roubaram-lhe
(em nome dos bons costumes)
o sagrado Querer. Ele aceitou.

Quando completou seus 80 anos,
(aniversariante obediente ao rito)
viu o quê permitiu - Ele perdeu.

Ele, atônito fantasma de si à deriva:
que nada a ninguém pediu e culpa.
Ele, dono do Tempo agora inútil.
Ele, só. Ante o horror do não-Ser!

Jairo de Brito




quarta-feira, 13 de março de 2019

Penso, logo insisto


"Melancolia", tela de Edvard Munch

Penso
que o dia está propenso
para a insensatez
para o incenso
para a lança
para o lenço
para a dança
para o denso
para a pança
para o penso
para o lance
para o ranço
o relance
a roma
a romã 
o romance
hoje o dia está dando
uma chance

Múcio Góes




Emergência


Imagem da Web

troca-se 
o velho coração
repleto de afetos
a ponto de explodir
por outro moderno
com vãos livres 
alarmes
porta giratória
e saída de fuga

*líria porto



Imagem: Pinterest

Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma
As horas são-me escassas:
dai-me o tempo
ainda que o não mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança desencontrada
como se de corpos
tivéssemos trocado
para morrer vivendo.

Mia Couto




O mundo está prestes a rebentar


Imagem da Web

Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.
Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
E ver se conseguimos de novo um ponto de partida.

Harold Pinter



Tecendo a manhã


Imagem daqui

Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

João Cabral de Melo Neto



Em meu ofício ou arte taciturna


Imagem daqui

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.

Dylan Thomas
(Tradução: Ivan Junqueira)




Cantata para um bastidor de utopias


Imagem da Web

Bordar, num pano de linho
Um poema tambor que desperte o vizinho.
Pintar, no asfalto e no rosto
Um poema alvoroço que adormeça a cidade.
Dançar com tamancos na praça
Cantar, porque um grito já não basta
Esfarrapados, banguelas e
Meninos de rua, poetas, babás.
Vistam seus trapos, abram os teatros,
É hora de começar:
Alerta, desperta, ainda cabe sonhar.
Alerta, desperta, ainda cabe sonhar.

Jonathan Silva 


sexta-feira, 1 de março de 2019

Um lugar guardado


Imagem: Pinterest

Agora que não nos vemos
e as nossas vidas correm pelos dias
cada vez mais longínquas,
sinto, às vezes, uma vontade enorme
de te ver uma tarde, tomar café
contigo, saber como vais…

Agora que não nos vemos
e nos perdemos aos dois,
não penses que esqueci as tuas coisas.
Guardo boas lembranças, e poemas
que te escrevi (lembras-te?); guardo
cartas e fotografias…
E um lugar
na minha alma, onde, se quiseres,
sempre, sempre podes estar.

Abel Feu
in Poesia Espanhola Anos 90



Obsessão


Arte de Dasha Riley

Dentro de mim canta, intenso, 
Um cantar que não é meu: 
Cantar que ficou suspenso, 
Cantar que já se perdeu. 

Onde teria eu ouvido 
Esta voz cantar assim? 
Já lhe perdi o sentido: 
Cantar que passa perdido, 
Que não é meu estando em mim. 

Depois, sonâmbulo, sonho: 
Um sonho lento, tristonho, 
De nuvens a esfiapar... 
E, novamente, no sonho 
Passa de novo o cantar... 

Sobre um lago, onde em sossego 
As águas olham o céu, 
Roça a asa de um morcego... 
E ao longe o cantar morreu. 

Onde teria eu ouvido 
Esta voz cantar assim? 
Já lhe perdi o sentido... 
E este cenário partido 
Volta a voltar, repetido, 
E o cantar recanta em mim. 

Francisco Bugalho, in "Margens"

Um poema de flor


imagem da Web

cheiro acre-doce de essências divinas, 
perfumes mágicos do amor, 
lança, relança, 
perfuma divinamente a vida e 
o ser vive 
e a flor vive, transcende à essência do sonho

Milton Oliveira



Canção da moça e do sonho


Arte de Matt Wisniewski

Com que sonhavam, no baile,
seus olhos semicerrados?

Há mais de quarenta anos
foi tirado este retrato:

a moça em vestido casto
e luz de sonho no olhar.

Com que essa moça sonhava
nesse intervalo de baile

e de maneira tão clara
que os olhos quase fechavam?

O que — ou a quem — contemplava
o sonho no seu olhar?

Há mais de quarenta anos,
como era serena a face

voltada para esse sonho
(moça e sonho: face a face).

Que sonho nela sonhava,
e que tanto a iluminava?

Não importa. Importa a face
doce; e, nos semicerrados

olhos, a canção do sonho.
Importa que houve um sonho

e o resplendor dessa face
— antes que o tempo passasse.

Ruy Espinheira Filho

Solidão


Arte de Kristina Lerner

Um homem na solidão
– que perene solilóquio! –
fala profundo a si próprio.

Fala a Deus em termos claros
a fluírem das mesmas águas
pela eternidade em curso.

Fala com tremor na voz
para que relvas e musgos
a palavra testemunhem.

Fala com os ventos diversos
para que a mensagem levem
aos ouvidos do horizonte.

Fala com o penhor das rochas
para que as estrelas o ouçam
desde a pedra em que se assenta:

“Da pedra da solidão
hei de levantar um templo.”

Henriqueta Lisboa



Linhas de seda


Underwater Digital Art Photography, by Monia Marceta

crescem pelos sobre o telhado
costuram-se dois sótãos.

como desvincular tal bordado
se a Lua sentencia e o Azul erotiza?

teu relevo me solariza 
feitiço d' água 

Lucia De Moura Chamma




foto de Cristiane Barbará

lá no final
da linha dorizonte
quase caindo 
na borda do planeta:
há um poema.

Múcio Góes 




Imagem da Web

destaco o lado vermelho
língua, boca, sangue
o perfume e mesmo o veneno

essa que detona explosões
uiva como loba 
derrama-se como lava dos vulcões

não me peça para matá-la outra vez
não me peça, não

Benette Bacellar



Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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