fotografia de Hugh Kretschmer
Eu cuidarei das ovelhas órfãs,
elas serão para mim depois da guerra.
Eu lhes darei o pão, abrigo e delírios,
improvisaremos todas às noites
serenatas infantis, roubaremos as vozes dos insetos.
Eu serei delas de sol a sol.
Depois que fecharem o comércio,
as levarei para passeios noturnos.
Faremos caminhadas pela floresta,
permitirei que comam o orvalho
morto estirado sobre as folhas.
Juntos aprenderemos a conduzir
a chuva para lugares estranhos,
daremos nomes aos trovões.
Eu porei fotografias das minhas ovelhas
em estampas de camisetas
com frases em língua forasteira,
ganharei o dinheiro para acender
a fogueira onde nos aqueceremos:
“keep calm and kiss a sheep”,
“live love dream. Be a sheep.”,
“enjoy the world like a sheep.”
Elas se amarão no jardim do Éden,
no limbo, ou em Andaluzia.
Comprarei para elas casas noturnas,
onde não haverá músicas de plástico.
Aprenderão a dançar ao redor do planeta,
lhes contarei toda a vida de García Lorca,
depois amaldiçoaremos os covardes.
Algumas terão pensamentos cor de rosa,
as tímidas usarão brincos e cabelos vermelhos,
não tomarão veneno às sextas-feiras.
As minhas ovelhas terão suas religiões,
ou poderão não acreditar no que veem.
Eu serei para elas, usarei roupas simples,
comerei o necessário para caminhar,
beberei a água das árvores.
Eu amarei as minhas ovelhas,
antes do amanhecer olharemos o céu,
exercitaremos nossa imaginação.
A cada uma será dado o tempo
para contar a história da sua viagem.
Eu lhes direi o segredo dos pássaros,
seus atrevimentos com as nuvens.
Eles não fecham os olhos ao vento,
não têm receio das alturas.
Os pássaros são muito românticos.
Minhas ovelhas e eu, entre estátuas crucificadas,
estaremos iniciando mais um dia,
com os nossos passos condenados sobre a Terra.
Edmir Carvalho Bezerra