As redes sociais a que recorremos (e a que eu também recorro) são largamente virtuais, embora igualmente sociais.
Porém, tenho como axioma que nada dispensa o contacto direto
com as pessoas, lidar com as emoções, deixar a vida sacudir-nos com impulsos
provenientes de carne e osso, abraçar as pessoas e sentir as expressões do
corpo e do rosto, o calor humano, o timbre da voz, as subtilezas da linguagem
não verbal, as pregas e expressões das gargalhadas ou outras emoções.
Fiel às vantagens que provêm do “ver, ouvir e pensar”, dei
por mim a refletir estes dias, concluindo que o poder do contacto direto,
presencial, entre pessoas, não encontra paralelo de comparabilidade face à tendência
de virtualização das relações, neste muno de “modernidade líquida”, que Zygmund
Bauman muito bem definiu. É que, para além de ser tudo muito fluido, dentro de
água temos uma aparente sensação de leveza. Eu gosto muito de tudo isso, mas
também aprecio a tangibilidade das coisas sólidas e concretas.
Testemunhei isso neste “carnaval dos idosos”. Percebi que as
relações estabelecidas pelas pessoas de um e de outro bailinho são concretas,
são dinâmicas mas são, acima de tudo, genuínas, e que os “idosos” que se misturam
com os mais novos têm muito para (nos) dar; percebi ainda que já me identifico mais
com a forma singela como se divertem e não possuem vaidades para o riso, o
improviso, a aceitação da vida como ela é, da oportunidade dada pelo convívio
com pessoas de diferentes gerações e distintas ocupações profissionais,
passadas e presentes.
Foi um momento de aprendizagem sobre a vida e sobre as
pessoas, sobre a certeza de que como tudo é provisório, transitório. E de como,
nessa certeza, a partilha, a dádiva, a criação de memórias continua a
prevalecer sobre o mundo virtual e virtualizado, com menos virtudes e ainda
menos virtuosos que se possam apreciar.
No final do dia de ontem disse a uma das senhoras que conheci
no bailinho que acompanhei e que me encantou com a sua humildade e dignidade, que
“para o ano há mais, verdade?”, ao que a mesma respondeu, crua e objetivamente
que “se ainda por cá andarmos e tivermos saúde, é muito provável que sim; mas a
vida muda muito depressa e de um momento para o outro, pode já não ser possível”.
Assim mesmo: nu e cru, autêntico e pragmático.
No dia em que se completavam 27 anos de ausência do meu pai,
no dia em que os açorianos foram a votos (e eu também) para escolher o seu
futuro a 4 anos, a vivência do “carnaval dos idosos” foi um bálsamo para a vida
poder emocionar-me com a força que provém destas pessoas.
O Carnaval da Terceira é único. É uma montra e uma mostra do
que é a vida na insularidade, de como tudo pode reinventar-se e de como a
gargalhada espontânea assenta em sérias reflexões sobre a vida e sobre a forma
como a comunidade se estrutura, sem recurso às tradicionais máscaras, mas alicerçadas
em “assuntos” e temas musicais com letras adaptadas, roupagens coloridas,
música, canto, memórias e estórias. Há muito trabalho, muito investimento,
muito respeito pela qualidade do produto final entregue ao consumidor, que são
as comunidades existentes numa ilha de enraizados costumes e tradições que fazem
parte da idiossincrasia do povo açoriano em geral, e da ilha Terceira em particular.
As máscaras que usamos no Carnaval não são aquelas que usamos
no nosso quotidiano, mas ainda assim, pelo menos as de Carnaval mostram a “persona”
que queremos imitar ou usar para a celebração instantânea dos 3 dias de folia, disfarce,
ou crítica até. Ao invés, na vida real e com as máscaras e roupagens com que
nos escondemos verdadeiramente face à generalidade das pessoas que nos
envolvem, fica mais difícil conhecer e reconhecer as pessoas por aquilo que
elas, na sua essência e verdade, são.
Neste jogo do gato e do rato, é natural que eu também não me
deixe expor na minha integral verdade perante a generalidade do mundo que me rodeia.
Protegemo-nos, zelamos por nós, procuramos assegurar que nada deve interferir
com a nossa vida, com a nossa identidade, com a nossa intimidade, ou com quem
partilhamos os afetos mais profundos e verdadeiros. Mas não deixamos de viver a
nossa verdade.
O que posso dizer é que sou feliz, sou estimado, sou até –
como tenho reiteradamente escrito – um privilegiado. Sendo certo que não tenho
tudo aquilo com que sonhei e que idealizei, nada me falta de essencial que
obstaculize a felicidade, a serenidade, aquilo que os brasileiros resumem de “estar
de boa com a vida”.
O Carnaval, sendo época de folia e até de alguns exageros,
trouxe-me estas reflexões sobre a vida e sobre as pessoas.
Tocar, beijar, abraçar, ouvir e escutar, tudo isso é ouro imaterial
que não devemos desperdiçar. E se isso implicar “menos virtual, mais real”,
vamos a isso.