sábado, 27 de setembro de 2014

Constante

Ensurdecedor. As vozes não param,
Sequências batidas de dores vívidas,
O fechar da garganta, o sufoco súbito,
O aperto e a ânsia, a fúria sem objeto.

E as cores que vão-se indo,
E o pesar da alma já tão familiar,
A melancolia que te acalma,
O brilho dos olhos já findo,
Já acostumado a se desesperar
Surdamente pelos cantos da própria alma.

A sensação de estar prestes a ceder,
E saber o perigo que há em si
Por ser ferido e saber sobreviver,
Mas qual o sentido em insistir?

E acompanhar impotente a desilusão absoluta
Que se apresenta implacável até o gelar dos ossos.
Assistir a vida ser consumida pelo vazio das ações
E ver o mundo definhar até seus últimos destroços.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Arte

Seus olhos fazem o Sol se pôr,
Todo o seu eu crepúsculo,
Infinita parece ser sua dor
No seu universo minúsculo,

Hercúleo parece ser o esforço
De acordar dos sonhos,
O acinzentar dos dias
Fraqueja seu vigor,
O ápice da sua eloquência
Apresenta-se como um torpor,
A alegria e a sua ausência
Um suspiro sem cor,

Mergulhado na monotonia dos dias
O seu coração se afoga,
O vício da melodia é a própria droga,

Mesmo em toda sua aflição,
Ansia de satisfação,
Busca pela ilusão,
O tempo e a vida jazem indiferentes,
As pessoas e tudo o mais
Não vêem o mundo com suas lentes,
Todos os outros não sentem a dor que você sente,

Busque uma página em branco
E jogue as outras fora,
Perca-se nas notas e apresse o passar das horas,
Continue existindo embora
A vida não mais te habite,

Seja uma obra de arte
E jamais deixe de procurar beleza
Pois o mundo continua girando
Apesar da sua tristeza.

domingo, 27 de outubro de 2013

Paredes

O seu pulso bate, lento e constante,
Você vive, sonha, sente e se dissolve
No mundo, o seu tempo e o dos outros no mesmo instante,
Pelo êxtase simples você se envolve.

Deixe que tudo isso morra.

E faça do seu peito fortaleza,
Isole-se de si e então reconstrua-se,
Tire suas cartas da mesa,
Invente seu próprio jogo.

Convide o escárnio, a dor,
Torne a angústia parte de si próprio
E deixe que sua empatia se esgote,

Através do desprezo, elimine o rancor,
E a crueldade será seu ópio
Enquanto o riso, seu esporte,

Faça da máscara seu rosto
E encare o desprezo sorrindo
Pois todo ferimento que importa
É agora, com seu coração deposto,
Findo.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Lugar

Há quem tenha um lugar ao qual chegar,
Há quem chame esse lugar de lar
E há quem jamais pensou lá estar.

Há quem ame certos lugares
E desses guarde memórias de olhares
Que ocupam um lugar especial dentro de si.

Há quem sinta que certos lugares exerçam fascínio,
Há lugares que correspondem a um domínio
De um lugar que só existe escrito.

A maioria dos lugares ninguém jamais viu,
A maioria dos lugares já foi outro lugar
Porém o lugar que agora é esse lugar
Está no mesmo lugar do outro lugar.

Eu escolho com cuidado os lugares onde estar
Já que existem mais lugares do que eu posso sonhar,
Porém certos lugares sempre levam ao mesmo lugar
E outros não levam a lugar algum.

O meu lugar é de lugar em lugar
Sem cair no lugar comum,
É entre os lugares que quero estar
Sem chegar a lugar nenhum.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Catador


Rachaduras no asfalto frio,
Vergalhões expostos, corroídos
Pela ferrugem, poeira sobre os detritos
Que adornam a avenida do vazio.

Por entre as fendas no concreto,
Em meio ao lixo decomposto,
Junto aos ratos sob o céu aberto
O Catador se arrasta sobre o próprio rosto.

Curvado sob a solidão pesada,
Sentado aos degraus da escada,
Alivia a fome com as migalhas de afeto.

Abaixo da linha de visão,
Dentro da caverna de Platão,
O Catador rasteja por seu caminho incerto.

Consumido pela luxúria
Pela luz que fere seus olhos,
Esgotado por dor e fúria,
Saturado de todos os modos,

O Catador já não se lamenta,
Já não relativiza seu pesar,
Sua mente já não sustenta
A ânsia de continuar.

Reduzido a si mesmo
E só sob o manto solar,
Catando os restos a esmo
Sem jamais conseguir levantar.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Resignação e Desespero


"Resignação é o desespero confirmado."
Assim disse Thoreau a tanto tempo,
E eu, resignado, há o que me parece uma vida,
Descobri uma nova forma de tormento.

Depois de petrificar-me o peito
E secar minhas lágrimas, doente,
Senti o doce veneno da esperança
Infiltrar-me as veias novamente.

E ao reverter-me a etapas
Que eu considerava vencidas,
O desespero aflora e suas farpas
Reabrem todas minhas feridas.

E sem o vício do choro
E o consolo do vício
Eu já não me resigno,
Desisto.

É só o atar do laço,
A maciez da textura,
A firmeza do nó,
A ciência de uma saída,
Que me enche de ternura
Ao oferecer-me a cura
De estar sempre só.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

À Frente


Três dias à frente.
É possível vislumbrar o futuro
E serei o mesmo.
O poder da projeção consciente
Transforma a visão deste futuro
No presente.

Presente este, em meio ao processo
Que, no passado deu-se início,
De cultivar artifícios,
De fantasiar um regresso

Temporal, vivo nas lembranças
Frebris e nas ânsias,
Nos quadros de tempo perdidos,
Soltos e caídos no olvido.

E é pelos vívidos momentos
De amargura fria e brutal
Que eu invejo com todo meu mal
A dádiva do esquecimento.

Posto que, construída através do passado,
Minha projeção do futuro perece,
Como que numa aversão ao agrado,
Um pouco mais à frente, tudo escurece.