Lembro a cidade acolhida na montanha
aninhada e espalhada nas dobras da montanha.
Cidade mistério onde à noite
os anjos do Aleijadinho vão brincar
no planalto do cruzeiro,
corados e robustos,
sobre o cenário da treva túmida de luzes.
Cidade conservadora
com uma rua só para as mulheres
(como se as outras não o fossem),
a praça onde moram os ricos,
tradicionais famílias que vão à missa domingo
e dormem às nove horas
sobrecarregadas de direitos ofendidos.
Cidade pequeno-burguesa
de frias noites enluaradas e silenciosas.
Pobre em seus arredores
de casebres de tábua, lama, cães vadios,
de criancinhas sujas mas felizes
com aquele olhar inocente das crianças
felizes.
Seria uma cidade igual às outras,
diamante bruto ao fundo da montanha-mina,
não fosse pelo bailado dos profetas na igreja
em movimentos leves de pedra-sabão
nas dobras panejadas de seus mantos
as graves faces de ângulos suaves.
Esses profetas
cobrem a terra de harmonia lúdica,
mágicos e inaudíveis cantos.
Tornam em ouro o pó
e o azul do céu em prata clara.
Decidem os destinos da cidade
secretamente
no espaço-tempo dos fatos.
E ao lado de aparente sisudez
praticam um misticismo feiticista,
ritualista e irreverente
que à noite anima os personagens pios
dos passos da via-sacra
para os fazer pecar.
São sábios a seu modo,
unânimes como os sete anões de Branca de Neve
e, íntimos do Pai,
riem dos homens e dos anjos,
enquanto lançam sobre os visitantes
o olhar vazio e solene das estátuas.