terça-feira, maio 31, 2011

O Regresso dos Deuses: Rebelião - Lançamento na Feira do Livro do Porto


E logo depois, sessão de autógrafos do autor...

sábado, maio 28, 2011

Sci-Fi Express - Divulgação


Evento a realizar no Porto, para mais detalhes consultar o blog oficial, aqui. Deslumbrante cartaz de Rui Ricardo.

quinta-feira, maio 26, 2011

Ala... triste - uma última opinião


A resposta à última diatribe do João já ia longa quando caí em mim. Mais uma vez ia longa a retorta a repor tudo o que tinha sido distorcido ou simplesmente mal-interpretado; dos vários parágrafos a admoestar-me do significado de cânone fingindo ter sido séria uma ironia que estiquei ao absurdo, até reduzir a um D. Quixote patético quem nos últimos anos produziu fanzines, editou revistas, esteve envolvido em muitos dos eventos nacionais e internacionais de género que se fizeram em Portugal, entre outras actividades.

Não estivesse o João tão sequioso de derrubar uma estratégia que vê como nefasta para o Fantástico (opinião que, como amigo dele, conheço há anos), talvez não sentisse a necessidade de gingar tanta da sua verve de causídico para dar a impressão que para mim ler Madalena Santos, George RR Martin ou Filipe Faria é igual ao litro, e produziria a mesma resenha. Mais que não fosse, tendo o João lido a minha opinião sobre o início da saga do Filipe, aconselharia a honestidade ao menos a colocar outro exemplo em terceiro lugar. Mas não, outro exemplo não teria o mesmo efeito pirotécnico, e é para isso que o João a quer.

E aqui volta a estar debaixo do holofote a falta de honestidade do João. Se ao descrever como ando a “vasculhar a profunda estrumeira”, o João pretende dizer que dou atenção a qualquer livro que tenha um conteúdo potencialmente de género, então, descontando o termo grosseiro, admito perfeitamente faze-lo. No entanto, convinha para a sua “argumentação” ficar de fora o resto, o apoio e divulgação que tenho tentado dar nestes anos aos “outros” autores; os que, segundo o João, não habitam na “estrumeira”. É que admiti-lo, levantaria a dúvida de eu ter algum padrão de qualidade, de poder achar um livro bom, ou mau, ou apenas interessante. E a tese que se queria provar era que eu não consigo diferenciar um bom de um mau autor; ou melhor ainda, que só promovo a “estrumeira”.

Por mais lisonjeado que fique pelo João parecer achar que as opiniões que emito aqui no blog são capazes de, sozinhas, derrubar os justos do Fantástico nacional, e de os lançar na “estrumeira”, temo que tal cenário apenas habite a mente do João. Mesmo assim, desejo-lhe sorte na sua cruzada de Salvação Nacional.

Por último, porque por incrível que pareça ainda não perdi o bom humor (mesmo depois de ver o Mad Max reduzido a niilismo, e a razão pela qual o citei visualmente perdida no analista que tudo vê mas afinal nada entende), não resisto a responder à troca de citações, desta vez temo que de forma algo banal…

To be or not to be: That is the question.
“Hamlet”, de William Shakespeare

Olhando para os últimos posts do João, continuo a não encontrar nestes comentários com que o João nos tem presenteado qualquer lampejo de um “crítico” competente, ou honesto. Que o João neles se continue a insinuar como tal não deixa de ser uma catacrese… como se acreditássemos que os alhos realmente têm dentes!

terça-feira, maio 24, 2011

Ilario, de Mary Gentle - Resenha


Depois de ter lido Ash, de Mary Gentle, qualquer outro livro que se aproxime do género (uma mescla de fantasia épica histórica e ficção científica) tem uma tarefa acrescida para me conquistar. Sendo assim, como se comportaria Ilario (2006), a expansão da noveleta Under the Penitence (2004), passado no mesmo universo de Ash?

A primeira surpresa foi tratar-se de um livro substancialmente diferente de Ash, considerando que decorre no mesmo universo. E a estranheza inicial no tratamento das personagens, abre caminho a uma obra magistral; que mais uma vez sublinha que Mary Gentle é uma das autoras do fantástico que mereceria bastante mais reconhecimento.

Esta é uma era de Renascimento consideravelmente diferente da que conhecemos dos livros de História. A Europa divide-se entre os seguidores de Christus Imperador e os do Cristo Verde; o assento papal em Roma mantém-se vazio, fruto de uma maldição; o império visigótico de Cartago domina o Norte de África, mergulhado no entanto na escuridão total da Penitência; Constantinopla prospera, mas como trono dos Faraós expulsos do Egipto; e a Península Ibérica treme após anos de cruzada contra os Francos.
Apesar deste quadro, das guerras e intrigas entre os diferentes reinos, esta história é mais baseada nas mudanças interiores dos personagens do que em grandes épicos. Devido a esse aspecto mais contemplativo, a narrativa é forçosamente mais lenta; aliás, um choque inicial para quem tiver lido anteriormente Ash.

Mary Gentle demonstra ter a capacidade de manter a narrativa com rédeas bem apertadas. Contida desta forma, num passo que se estranha mas depois se entranha, está montado o palco para nos contar a história de Ilario, o aprendiz-de-pintor hermafrodita. Ilario que é no fundo duas personagens: Ilario e Ilaria. Uma mudança que não é apenas determinada pela roupa, mas também pela psicologia da personagem. Mais do que uma dificuldade de definição sexual, que acaba por ser a questão subalterna, há um crescente despertar para as duas pessoas que parecem viver dentro de si.
Para além das questões de género, Ilario/Ilaria é um manancial de pontos de ruptura: foragido da corte de Taraconensis, onde era tratado como Bobo Real; jurado de morte pela nobre Rosamunda, sua mãe; adorado contra sua vontade pelo general-mercenário Honorius, o pai que desconhecia a sua existência; escravo do misterioso eunuco Rehkmire; aprendiz do revolucionário pintor Masaccio; entre muitas outras facetas e peripécias, que o levarão de Taraco a Cartago, a Roma, Veneza e Constantinopla.

Mais haveria para dizer, desde a fabulosa caracterização de figurantes como o Janissário Baris ou a egípcia Neferet, o surgimento de figuras históricas, como Leon Battista Alberti ou Gutenberg, ou a decadência dos Etruscos e as pistas para a presença dos golem (mais uma vez, reconhecíveis por quem tiver lido Ash), entre muitos outros factos e personagens que se vão misturando com a história de Ilario.

Entretecida por toda a obra, Mary Gentle oferece-nos uma profunda reflexão sobre identidade, sociedade e poder… e maternidade. A seu tempo, a tensão física vai aumentando, quando a ameaça constante de assassinos a soldo se vai transformando aos poucos no terror da intervenção dos Estados. E quando tudo parece prestes a explodir, Mary Gentle alarga ainda mais a sua tapeçaria, revelando-nos novas surpresas.

Mesmo não se tratando de uma leitura fácil em inglês (Mary Gentle tem vários graus académicos em Estudos Medievais e Estudos Bélicos, e domina um vocabulário e terminologia riquíssimos), não posso deixar de a aconselhar.
E para as editoras nacionais, que têm tido algum receio perante as mais de 1200 páginas de Ash, talvez este Ilario, que se passa alguns anos antes de Ash, seja a solução ideal para introduzir a autora aos leitores portugueses. Até porque a versão que adquiri foi impecavelmente dividida em dois volumes, de 360 páginas cada: The Lion’s Eye e The Stone Golem.

domingo, maio 22, 2011

A Estrada e a Catacrese


Once more unto the breach, dear friends, once more,
Or close the wall up with our […] dead!
In peace there's nothing so becomes a man
As modest stillness and humility,
But when the blast of war blows in our ears,
Then imitate the action of the tiger:
Stiffen the sinews, summon up the blood,
Disguise fair nature with hard-favored rage…

“Henrique V”, de William Shakespeare


Não será surpresa que o presente post só existe como reacção ao comentário Hipérbole e Consequência, que João Seixas lançou recentemente no seu blog.
Uma reacção que não pode deixar de ser empática, pela frontalidade e pelas preocupações evidenciadas no post original, mas também feroz, pelas inconsistências e deambulações que, voluntária ou involuntariamente, descambam no tecer de uma efabulação; que poderá ter alguma valia teatral, mas pouca utilidade prática.

Num sentido mais lato, serve também o presente texto para exorcizar um sentimento que me acompanha há algum tempo; fruto principalmente de alguns comentários que, vindos de outros cantos deste universo fantástico nacional, igualmente frontais ou nem por isso, se têm traduzido em ideias próximas das expressas agora pelo João.


O primeiro equívoco que a releitura do comentário do João me suscita apontar é o da apropriação do “universo” das resenhas originais, intentando revesti-las de um carácter evangelizador e dogmático que lhes é alheia. Só assim se explica o longo preâmbulo onde se tenta fundamentar a perniciosidade das supostas hipérboles; misturando nelas questões de apropriações ilegítimas ao género e de louvores às obras de má qualidade e duvidoso gosto.
Aliás, a questão da inclusão no género foi devidamente fundamentada, principalmente no caso do livro do Pedro Ventura, dado a minha opinião ser curiosamente de certa forma oposta à veiculada pelo próprio autor em diversas ocasiões públicas.
Quanto à questão da qualidade, encontra-se inerente às resenhas publicadas, sendo pesada através da análise dos seus méritos e deméritos, não me parecendo que a cada resenha de um livro (considerado por mim) com qualidade deva corresponder uma comparação ponto-por-ponto com as obras que (também eu) considere como as de referência no género. Imagine-se o ridículo de tal exercício.

Apresentando-se então em ambos os casos as razões para a inclusão no género fantástico, e num patamar não negligenciável de qualidade intrínseca, restava esperar pelo contraponto a esses argumentos.
Aqui, até se me arrepiam os pêlos da nuca. É que afinal, se uma das obras não foi lida, a outra é remetida para um limbo argumentativo, encaracolado sobre si próprio. Assim, esvaziada a relevância do erudito intróito do comentário do João para a presente discussão, seguimos para a clarificação da dimensão dos panegíricos às obras em causa (apanhando por tabela as questões associadas ao exercício da crítica).

Assumo aqui a minha falta de formação académica na área das Letras e Humanidades. Praticante das esotéricas artes das Ciências Biológicas, sempre vi a “palavra” como estando ao serviço do significado, esforçando-se por resumir e conter, geralmente mais austera que a total extensão do facto que ilustra. Bem sei que noutras áreas a “palavra” é rainha, desenhando diáfanos floreados que ganham vida própria, por vezes bem além do facto inicial. Talvez por isso me sinta tão à vontade para escalpelizar as supostas hipérboles: se para certos leitores foram imperdoáveis abominações, para mim não passaram de constatações factuais. E contra factos…

A série As Terras de Corza abarca quatro volumes, publicados em cerca de cinco anos. Ambientada num universo inventado, na sua maioria imbuída de um tom de fantasia épica, apresenta-se desde início com especial consistência e originalidade. Dando de barato a idade da autora, ressalta na obra um rico conteúdo reflexivo, nomeadamente sobre o papel da mulher, e a natureza da conquista e manutenção do poder, entre outros temas que perpassam a série. Outro facto não negligenciável é a competência com que o arco da história foi iniciado, percorrido e encerrado; concedendo-lhe um esqueleto que efectivamente cimenta a saga numa obra única e coerente.
Contrariando o deslumbramento que poderia advir a uma autora tão jovem, a história não se desvia da sua espinha-dorsal, o que faz com que muitos temas sejam apenas aflorados no que impactam directamente nos personagens, apesar de se intuírem maiores ponderações e motivações da autora nos bastidores. Daí a minha referência a «maiores análises e aprofundamentos»; e porque, quanto a mim, cabe ao crítico opinar sobre o que consta na obra, o que lhe está imediatamente circundante, e, acima de tudo, a sua percepção informada como leitor, e ao académico extrapolar mais substancialmente sobre tradições, tendências e motivações, adicionei «inclusivamente académicos».

Provavelmente isto levar-nos-á a mais um debate sobre o papel da Academia. Alguns não perderão a oportunidade de inserir algures, como o fez o João Seixas, o papão do cânone. Não se confundam as discussões. Se a definição do cânone é justamente definida pelo impacto sobre o «tecido cultural», decidamos então que o nosso de momento pouco mais terá que o Frankestein, o Drácula, o Senhor dos Anéis, o Harry Potter, o 1984, o 2001, o Verne e o Wells; e preparemo-nos para começar a incluir a novelização do Matrix ao invés do Neuromante, e juntar também a Meyer ao ramalhete. Mas agora a sério, engavetando a discussão do cânone, que mais uma vez nunca esteve em cima da mesa nas resenhas originais, apenas nas efabulações do comentário do João, do que servirão estudos académicos sobre literatura fantástica nacional, se não acompanharem também, em tempo real, a evolução do campo? E, nesse caso, uma saga com o fôlego, escopo e temáticas, que marcou o género nos últimos cinco anos, como a d’As Terras de Corza, merece, na minha opinião, ser considerada.
Eu sei que provavelmente esta visão será culpa da minha formação científica, esta coisa que o Newton nos incutiu de estarmos em pé sobre os ombros de gigantes, mas mesmo assim a olharmos para longe. Não deixamos de valorizar o passado, mas sentimos o presente e vivemos no futuro. Péssimo hábito!
Resta-me deixar explicita a (minha) definição de «obras merecedoras de atenção académica séria» (sendo as que revelam qualidade formal, conteúdo especulativo, se inserem em problemáticas de discussão actual, são passíveis de assomar como marcos de referência, etc.). Mesmo fugindo a alguns desses parâmetros, não me escandaliza que alguns epifenómenos sejam abordados como tal. E se esta definição global até pode ser discutida, lamento que quanto aos méritos particulares da obra da Madalena Santos fique a falar sozinho, porque afinal o João Seixas não leu qualquer um dos quatro volumes. Como se a ausência da prova fosse em si prova negativa…

O caso do Pedro Ventura é ainda mais rápido de consubstanciar. Independentemente do que possa ser a tradição de fantasia épica no fantástico nacional, são poucos os executantes desse género que presentemente trabalham os seus textos de forma interessante para um leitor mais informado e exigente. E que a visibilidade de mais um seja de assinalar. Não me parece que tenha de haver um tratado sobre a fantasia épica nacional, ou do fantástico nacional como um todo, para que essa afirmação seja feita. Até porque, como se depreenderá, essa minha afirmação toma implicitamente em conta o corpo de textos da totalidade dos autores nacionais similares.
Além disso, fazendo a resenha um apanhado das qualidades e falhas da obra, deixa-se ao leitor a ponderação final sobre o interesse suscitado pela obra; algo que a frase descontextualizada no comentário do João nunca faria vislumbrar a um leitor das suas citações. Espero que tal não tenha sido uma tentativa de empacotar as resenhas em causa com o cenário de “crítica acrítica” vigente em muitos blogs, que tanto eu como o João temos denunciado.
Quanto à referência específica ao Batalha, do David Soares, não posso deixar de expressar a minha incapacidade quanto a poderes premonitórios, já que o livro foi lançado depois da resenha em questão ter sido escrita, o que impossibilitaria a comparação, mesmo que ela fosse relevante.

E surge a última efabulação do comentário do João: a acusação de um cânone efémero e pessoal. Mais uma vez, o João confunde a árvore com a floresta. As resenhas não almejam a constituição, ou imposição, de um cânone pessoal. São um reflexo da minha reacção como leitor às obras, e uma tentativa de enriquecer essa leitura com algumas considerações que me parecem relevantes no quadro das próprias obras, e do seu enquadramento no panorama do fantástico nacional (e por vezes internacional). É nesse âmbito que continuo a achar que os livros da Madalena Santos merecem maior atenção, e que o Pedro Ventura veio reforçar uma área que tinha falta de executantes que tentem quebrar o molde que tem sido repetido à náusea.

Há sem dúvida muito a discutir, e muito em que eu e o João iríamos com toda a certeza concordar (e outro tanto que não). Mas tal discussão não pode ser baseada em falsos propósitos, ou apenas pela negativa. E certamente não poderá acontecer sem descermos, ambos, aos pormenores.

Como conclusão, interrogo-me se o comentário do João Seixas não prefigura, todo ele, uma catacrese. Um edifício argumentativo de um académico que se confunde, ou é confundido, por um crítico. Como o próprio referiu, correctamente, convém não se confundir o papel da crítica e da análise académica. Relendo o comentário do João, noto a ausência de crítica literária, e a presença de um esfiapado academismo (quiçá fruto da emotividade, dado que o autor nos habituou a ensaios de qualidade superior). À sua maneira, um comentário iludido no conteúdo e hiperbólico na forma. Pergunto-me se não será isso o pior serviço ao fantástico nacional…

domingo, maio 15, 2011

O Regresso dos Deuses: Rebelião - Resenha

Coloquemos desde já as cartas em cima da mesa: O Regresso dos Deuses – Rebelião (2011, Editorial Presença), de Pedro Ventura, é um livro que um leitor ou adora ou odeia. Isto porque a obra, transcendendo as suas qualidades e defeitos, é movida por uma escrita tão intensa e visceral, por vezes extremamente desapaixonada, outras vezes exactamente o oposto, que não deixa espaço à indiferença.


Calédra, antiga rainha dos aurabranos, é acordada após um sono de décadas, qual Rei Artur destinado a ressurgir no momento de maior necessidade. Mas aqui começa também o calvário desta personagem: as expectativas de um mundo pesam sobre esta guerreira singular, mas ainda desorientada perante a nova era. A reacção não poderia deixar de ser intempestiva; de vontade férrea, aceita a sua responsabilidade, mas nos seus próprios termos.

Crescentemente, Calédra torna-se um “buraco-negro” que condiciona amigos e inimigos. Para além disso, é esta a personagem que marca todo o livro, e é ela que o carrega do princípio ao fim. Dona de uma personalidade indomável, revelando-se muitas vezes prepotente, arbitrária, ou apenas moralmente alheada, Calédra demonstra uma aposta de Pedro Ventura em criar uma protagonista em tudo diferente do molde já batido da comum fantasia épica.
Aliás, também o arco de história, que engloba mais do que este livro, deixa, principalmente na figura dos endeusados Holkan e da sua relação com Calédra, pistas que remetem esse mesmo registo de fantasia épica para um suspeito véu colocado sobre a nossa percepção da realidade.

Toda a narrativa está bem construída (para um volume que funciona como introdução a uma obra mais vasta), mas assenta fortemente na aceitação do leitor em se tornar em mais um dos seguidores indefectíveis de Calédra. Sem essa “submissão”, que o autor consegue lograr pelo arrojo com que impõe a protagonista, imagino que a leitura seja dificultada. Com uma escrita adulta, e um enredo que muito se aproxima de um espírito quase shakespeariano, Pedro Ventura faz poucas concessões ao facilitismo, ocupando uma posição na actual literatura fantástica nacional que, apesar de não esvaziada de executantes, era urgente reforçar.

A linguagem utilizada poderá revelar-se outro ponto de ruptura. Assumidamente grandiloquente, poderá para alguns leitores ser insuportavelmente pomposa. Verdadeiramente, o nível de tolerância é marcado pela imersão que o leitor ser permitirá ter na história. E esta limitação inicial acaba por ser uma mais-valia para o seguimento da leitura; quer quando existem alguns episódios cuja exposição está menos conseguida, quer quando as atitudes das personagens dificultam a manutenção de empatia ou identificação do leitor com as mesmas. Mas para quem lá chegar, a leitura já se terá tornado compulsiva.

Apresentando-se como um (re)início ambicioso, e deixando no final das suas páginas a promessa de maiores revelações num volume vindouro, Regresso dos Deuses – Rebelião marca, em boa hora, a “descoberta” de Pedro Ventura pelo grande público. Estão de parabéns o autor e a editora, por esta honrosa adição à colecção Via Láctea.

sexta-feira, maio 06, 2011

Os Doze Reinos - Resenha

Paulatinamente, Madalena Santos desenvolveu e completou a saga d'As Terras de Corza. Iniciada em 2006 com O Décimo Terceiro Poder, e prosseguida com A Coroa de Sangue (2007) e As Tribos do Sul (2009), esta série foi recentemente encerrada com este Os Doze Reinos (2010); todos publicados pela Gailivro, e desde aí incluídos na sua colecção 1001 Mundos.


Quer analisando este último volume em particular, quer pensando na série como um todo, estamos perante uma obra de fôlego invulgar, executada com uma competência e uma perseverança anormalmente sólidas, e com uma densidade de tratamento de personagens e de aspectos sociais e políticos que permite apontá-la como merecedora de maiores análises e aprofundamentos, inclusivamente académicos.
Efectivamente, apesar de cada um dos três volumes anteriores estar assente no vigor de uma personagem principal, a verdadeira “estrela” de cada um deles é na realidade a época e a sociedade que essas personagens habitam. O cenário deixa de ser estático, como em muitas sagas deste género, sendo uma verdadeira força motriz das personagens e das situações.

Falando no género, convém esclarecer do que se está a falar. Ao primeiro volume, O Décimo Terceiro Poder, não haverá dificuldade em atribuir o denominador de Fantasia Épica. Apesar de nele não figurar magia, o ambiente da narrativa adequa-se a este género, para além de sugerir levemente alguns mitos criadores que mais uma vez ajudam a estabelecer essa atmosfera. É nele que se lança também o arco narrativo relacionado com a figura principal do último volume, Corza; em eras (volumes) subsequentes referido com uma crescente aura mítica. E são precisamente essas referências que, aliadas à grandiosidade de cada uma das “revoluções sociais” a que assistimos no decorrer dos volumes, vão ajudando a manter a série dentro desse registo épico.

No entanto, quando, como leitores, nos habituámos a percepcionar a figura de Corza como um mito, e a aguardar por um revelar quase místico no retorno ao Início prometido para o último volume, quiçá pelo retomar dos tais mitos criadores, eis que Madalena Santos nos surpreende, e diz literalmente: Ecce Homo!

Mas antes de chegarmos a Corza, a autora prepara-nos ainda outra surpresa. É que não é este o Escolhido, ungido pelos Deuses e inquestionável líder dos Homens. Esse papel parece mais reservado a Teldius, o Primeiro Rei, de quem Corza é um fervoroso pilar.
Não querendo introduzir aqui qualquer spoiler, bastará dizer que Teldius permitirá eventualmente sublinhar ainda mais o carácter humano de Corza, principalmente nas suas contradições, fraquezas e opções. Nem sequer um anti-herói, Corza revelasse um homem capaz de se entregar totalmente à prossecução de um objectivo, mas que ao mesmo tempo permite que a sua moralidade seja modulada perante novas ambições e desejos.

O livro Os Doze Reinos fecha com chave de ouro a série As Terras de Corza. Para além de reafirmar a capacidade da autora de manusear simultaneamente várias culturas e intrigas políticas e militares, mostra-nos a sua capacidade de convincentemente “entrar na cabeça” de uma personagem masculina com a complexidade presente em Corza, juntando-se esse sucesso a outras personagens (femininas) marcantes, como Neferlöen (O Décimo Terceiro Poder) ou Tyrawen (As Tribos do Sul).
Para o fantástico nacional fica certamente uma série de extraordinário alcance; como fantasia épica, como efabulação geopolítica, como guia de viagens exóticas, e como envolvente romance de personagens.