A vontade de caminhar mais rapidamente para o próprio fim não é nova.
Leaving Las Vegas (Mike Figgis) é, numa altura em que um pudor moral castrante se ausentou (em grande parte) do cinema americano, o exemplo mais expressivo e intenso do tema. Em
A Love Song for Bobby Long, filme da realizadora (para mim desconhecida) Shainee Gabel, a personagem de Nicolas Cage no referido filme de Vegas converte-se numa outra talvez mais triste, embora não tão angustiante: Bobby Long. Interpretado por John Travolta, Bobby Long é um antigo professor de Literatura caído em desgraça por acção de outros mas, no fundo, também , por escolha própria. Tal como Cage, Bobby Long escolhe o caminho mais curto para o rápido «consumo» da vida: o álcool.
Em casa de Bobby mora também Lawson Pines (Gabriel Macht), seu antigo aluno, professor assistente, discípulo e, sobrevivendo, seu «biógrafo» e amigo. Tal como o seu «mentor», Lawson também escolhe a via da bebida como redenção dos próprios erros e, pensa, do seu falhanço pessoal e «profissional». A situação degradante a que chegaram tem uma causa comum para os dois: uma luta de bar, que deixa um irado, possesso e agressivo (Lawson, por uma mulher) e outro desfigurado, ferido, violento e agredindo o sobrinho do reitor (Bobby). No mesmo dia da luta de bar, o filho mais novo de Bobby Long é atropelado por o pai nunca o ter ido buscar, e a sua família abandona-o de vez.
A casa onde ambos moram é de Lorraine, uma antiga cantora, cujo funeral inicia o filme. Chegando demasiado atrasada para ir ao funeral, a filha de Lorraine, Purslane Will (Scarlett Johansson), vai ter ao endereço que a sua mãe lhe havia dado. Esse endereço é a sua antiga casa e, agora, casa de Bobby e Lawson. A razão pela qual eles lá moram vai além da amizade, e revelá-la num artigo menor como este, seria destruir o filme.
Note-se que a situação professor-discípulo entre Travolta/Bobby e Macht/Lawson não é exagerada, não é uma caricatura de Hollywood, deformando os intelectuais ao ponto de aparecerem como um bando de tipos excêntricos e arrogantes. Macht tem uma boa interpretação, a lembrar o estilo de abordagem de Luke Wilson em
The Royal Tenenbaums (de Wes Anderson) onde, sem muito diálogo nem muita expressão facial, transmite uma noção de sentimentos e pensamentos interiores. Já Travolta opta pela via contrária, de explosão de sentimentos e opiniões, talvez revelando um homem já incapaz de se conter e incapaz de interiorização. Ainda assim, mesmo sendo Travolta um actor que, na minha opinião, nunca conseguirá ser uma personagem angustiada pela sua cara demasiado simpática e
70's movies, tem uma interpretação muito boa, revelando que, com a evolução da sua carreira, foi enriquecendo o seu leque de personagens expressivas, sentimentais, «centrais», tão acessíveis para um actor carismático (demasiado até, correndo o risco de estragar um filme contido como este) como ele.
Lawson é o que melhor define a evolução psicológica de Bobby Long ao longo dos anos de leitura e conhecimento de personagens: «
See what it is invisible and you will see what to write. That's how Bobby used to put it. It was the invisible people he wanted to live with. The ones that we walk past everday, the ones we sometimes become». Bobby Long escolhera, portanto, fazer a sua redenção dos seus pecados pela bebida,
tornando-se ele mesmo uma «história», e passando os últimos dias inspirando o futuro escritor Lawson. Processo de auto-destruição interrompido pela chegada de Purslane, que passa a encarnar o que, depois da proposta de Lawson, passa a ser a sua nova oportunidade de redenção, por mais que uma razão. Travolta, pela força interior e expressão, traz-nos uma personagem muito interessante, no mínimo, um homem debochado e com raiva pela vida, ainda que com bom coração. É uma boa interpretação, tal como a dos outros dois actores (estas 3 personagens - Bobby, Lawson e Purslane - valem o filme): Gabriel Macht e Scarlett Johansson. Quanto à última, abdico de adjectivos para o seu talento e presença em filmes - deixo, em vez disso, uma prova do mesmo...
[João Silva]