sábado, 30 de novembro de 2024

Os homens que barraram o golpe

General Freire Gomes

Artigo copartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 29 de novembro de 2024

Os homens que barraram o golpe

Como os então comandantes do Exército e da Aeronáutica resistiram às pressões de Bolsonaro, militares e ativistas. Felipe Moura Brasil para a revista Crusoé:

Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro e o ministro Dias Toffoli, indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal, tinham um incômodo em comum: a Operação Lava Jato.

Entre a vitória de Bolsonaro sobre o petista Fernando Haddad e a posse no cargo, seu filho mais velho, Flávio, havia sido atingido pela Operação Furna da Onça, desdobramento da força-tarefa no Rio de Janeiro, e o avanço das investigações durante o primeiro ano de governo trouxe à tona o histórico de funcionalismo fantasma em gabinetes ocupados pela família.

Já Toffoli, enquanto Lula estava preso, articulava a retirada de investigações da Lava Jato da Justiça Federal e o envio para a Justiça Eleitoral, transformando propina em caixa dois, o que foi apontado pelo procurador Diogo Castor de Mattos em O Antagonista como “novo golpe” da “turma do abafa” à operação.

O incômodo com o texto levou o ministro a tratar as críticas do então membro da Lava Jato como “ataques ao Poder Judiciário Eleitoral de nosso país”, pedir ao Conselho Nacional do Ministério Público uma investigação sobre elas e abrir de ofício o inquérito das fake news, entregando a relatoria ao colega Alexandre de Moraes, que, logo no mês seguinte, censurou Crusoé por revelar o codinome de Toffoli na Odebrecht.

O “amigo do amigo do meu pai” havia cobrado de Moraes “a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”. Nascia ali o discurso de defesa da “democracia” contra “ataques”, embora estes nada mais fossem que verdades inconvenientes a Toffoli.

Na ocasião, Bolsonaro não só minimizou o caso (“agora vamos tocar o barco”), como também atuou para blindar o ministro contra a CPI da Lava Toga, participando com Flávio da pressão sobre senadores pela retirada de assinaturas de seu requerimento de criação. A aliança apontada na raiz por Crusoé foi mutuamente benéfica: Toffoli blindou Flávio no STF, paralisando investigações a seu respeito.

Faltou, no entanto, combinar o jogo com Moraes, que acumulou superpoderes de relator.

O diversionismo dos dois lados

A Polícia Federal, em seu relatório final de 884 páginas sobre tramas golpistas no governo Bolsonaro, divulgado em 26 de novembro de 2024, apontou que “os ataques às urnas eletrônicas” se iniciaram em 2019, quando “o grupo ora investigado já propagava essa ideia”.

Diz o texto:

“O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para posteriormente a narrativa atingir dois objetivos: inicialmente não ser interpretada como um possível ato casuístico, em caso de derrota eleitoral, e, o mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022.”

A PF omitiu, no entanto, o objetivo imediato da estratégia bolsonarista: desviar as atenções do desmantelamento da Lava Jato, o primeiro e mais emblemático estelionato eleitoral do então presidente.

A rigor, o que se buscou desde 2019 foi manter o discurso antissistema da campanha, alterando sorrateiramente sua substância: do combate à corrupção real, que não podia mais ser combatida, para exploração de teorias conspiratórias sobre as urnas.

Como explica a PF, “os investigados sabiam que a narrativa falsa de fraude eleitoral, sendo disseminada por muito tempo, por vários canais, especialmente na internet (aplicativos de mensagens, redes sociais, vídeos, entrevistas etc.), em grande volume, seria extremamente eficiente em seu público-alvo”.

“Receber mensagens semelhantes de várias fontes é muito mais persuasivo. O endosso de um grande número de usuários aumenta a confiança na informação que está sendo transmitida, especialmente se a informação vem de um canal (ou perfil de rede social) com o qual o destinatário se identifica (afinidades ideológicas, políticas, religiosas etc.). Além disso, a repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação por parte dos receptores. Por fim, os investigados ainda fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público-alvo, para dar uma falsa credibilidade às narrativas propagadas", afirma o relatório, corretamente.

O bolsonarismo havia passado da primeira realidade para a segunda — a das fantasias —, como eu, Felipe, expliquei na Crusoé em 2020, no artigo “Dom Bolsonaro del Centrão”.

O STF, então, aproveitou para dar ares de legitimidade, e até de heroísmo democrático, a um inquérito nascido para destruir a Lava Jato e censurar a imprensa. A partir de maio daquele ano, Moraes determinou operações contra blogueiros e empresários bolsonaristas — e o resto é história.

De um lado, um relator superpoderoso, incumbido sem sorteio de editar o debate público da maneira mais conveniente à Corte; do outro, reacionários aloprados posando de mártires das liberdades públicas e privadas. Tinha tudo para dar errado. E deu.

Mas poderia ter dado mais errado ainda, se não fossem dois homens pouco conhecidos, que, ao contrário de ambos os lados ainda beligerantes, nunca fizeram a menor questão de posar de salvadores da suposta democracia brasileira.

A recusa histórica

Nascido em 31 de julho de 1957, o general Marco Antônio Freire Gomes, durante o governo Bolsonaro, foi Comandante Militar do Nordeste, Comandante de Operações Terrestres e Comandante do Exército, exercendo este último cargo de março a dezembro de 2022.

Nascido em 5 de setembro de 1960, o tenente brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr., durante o governo Bolsonaro, foi chefe de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, Comandante Geral de Apoio da Aeronáutica e Comandante da Aeronáutica, exercendo este último cargo de abril de 2021 a janeiro de 2023.

Freire Gomes e Baptista Jr. resistiram a pressões de Bolsonaro, militares e ativistas para que anuíssem com um golpe de Estado travestido de medida constitucional, como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa, Estado de Sítio, ou intervenção militar por interpretação “anômala”, como diz a PF, do artigo 142.

Os relatórios são fartos em evidências neste sentido, porque, além de ambos terem confirmado em depoimento a postura adotada em reuniões realizadas após o segundo turno de 2022, policiais encontraram as minutas de decreto apresentadas pelo então presidente, bem como mensagens de investigados atestando e lamentando a recusa de anuência, bem como determinando retaliação.

Eis um resumo:

Em 1º de novembro daquele ano, Baptista Jr. foi uma das autoridades que, segundo ele, “expuseram” a Bolsonaro “que não tinha ocorrido fraudes nas eleições”; “que todos os testes realizados não constataram qualquer irregularidade e que era preciso reconhecer o resultado”, “com o objetivo de acalmar o país”.

O então presidente “perguntou ao então AGU [advogado-geral da União] se haveria algum ato que se poderia fazer”, mas “Bruno Bianco expôs que as eleições transcorreram de forma legal” e “que não haveria alternativa jurídica”.

O então comandante da Aeronáutica “achou que o ambiente estava controlado, que não haveria qualquer tentativa de reverter o resultado das eleições”, mas, em 10 de novembro, um dia após a entrega do Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação, feito por militares da Aeronáutica, veio um sinal em sentido contrário.

O Ministério da Defesa divulgou uma nota que manteve no ar a possibilidade de fraude eleitoral, apesar de nenhuma ter sido encontrada: "embora [o Relatório] não tenha apontado também não excluiu a possibilidade de existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral”.

Baptista Jr. disse à PF que “não foi consultado sobre a divulgação da nota”.

No dia seguinte, 11 de novembro, os comandantes das Forças Armadas divulgaram a sua própria carta, intitulada “Às Instituições e ao Povo Brasileiro”, reafirmando seu “compromisso” com a “democracia” e apontando o Congresso Nacional como o foro para se “corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade”.

No mesmo dia 11, no entanto, o então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, encaminhou para o então comandante do Exército, Freire Gomes, um áudio com interpretação distorcida da carta, destacando a importância dela como “respaldo” para manutenção e intensificação das manifestações contra o resultado da eleição, até para deslocá-las à Praça dos Três Poderes, como ocorreria em 8 de janeiro.

“E aí o medo deles é retaliação por parte do Alexandre Moraes. Então, no entendimento deles, essa carta significa que as forças armadas vão garantir a segurança deles. Manifestação pacífica é livre. Então, se eles forem lá e forem presos as Forças Armadas vão garantir a segurança deles", acrescentou Cid.

Freire Gomes disse à PF que “tal interpretação foi dada de forma equivocada”; que “o objetivo era demonstrar que as manifestações não deveriam ocorrer em frente às instalações militares e sim no âmbito do Poder Legislativo”.

Em 14 de novembro, Bolsonaro entregou a Baptista Jr. a versão impressa do “estudo” do Instituto Voto Legal - IVL que embasaria o pedido do PL, partido do então presidente, feito no dia 22 de novembro, para anulação dos votos.

O documento apresentava a narrativa disseminada pelo argentino Fernando Cerimedo em live de 4 de novembro sobre “fraude”, mas, ao ler o relatório, o então comandante da Aeronáutica ressaltou a Bolsonaro “que o documento estava mal redigido e com vários erros técnicos e se tratava de um sofisma”, ou seja, um raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade.

Mensagens encontradas pela PF também mostraram que Mauro Cid confessou, com risadas, que “nosso pessoal que fez” uma publicação na internet que serviu de base ao “argelino” [sic], cujo sistema de nuvem ainda era abastecido por um contato militar do então ajudante de ordens.

Em 6 de dezembro, Mario Fernandes, então secretário da Presidência e interlocutor dos manifestantes acampados em frente ao quartel-general do Exército, imprimiu novamente no Palácio do Planalto o planejamento "Punhal Verde e Amarelo", que previa ações armadas, com possíveis disparos ou envenenamento, contra Alexandre de Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Fernandes já havia criado e impresso o documento em 9 de novembro e vinha supervisionando o monitoramento do ministro do STF com outros militares de forças especiais, os “kids pretos”, mas, no dia 6 de dezembro, Bolsonaro, Mauro Cid e seu comparsa Rafael de Oliveira estavam ao mesmo tempo no Palácio, como indicou o rastreamento de mensagens e celulares.

Em 7 de dezembro, Bolsonaro reuniu os comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Marinha, Almir Garnier, além do ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, e apresentou uma minuta de decreto para consumar um golpe com ares de legitimidade, impondo Estado de Sítio e, “como ato contínuo”, operação de GLO.

Os 'considerandos’, que seriam os ‘fundamentos jurídicos’, foram lidos por Filipe Martins, então assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, de acordo com Freire Gomes.

O general relatou “que sempre deixou evidenciado” ao então presidente que “o Exército não participaria da implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”.

Em 8 de dezembro, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli interpelou Baptista Jr. com a seguinte indagação, após a formatura dos aspirantes à oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), na cidade de Pirassununga/SP:

"Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão.”

O então comandante da Aeronáutica respondeu:

"Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade.”

Baptista Jr. ainda relatou à PF que, em 9 de dezembro, quando viu Bolsonaro dizer a apoiadores, ao lado do general Walter Braga Netto, que “quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês!”, “começou a ficar preocupado, pois entendeu que iriam continuar a tentar uma ruptura institucional”.

No dia seguinte, 10, o então comandante da Força Aérea Brasileira, “com o intuito de reforçar a posição” de “que haveria uma transição democrática e pacífica no âmbito da FAB”, parabenizou no X a indicação de seu sucessor, feita pelo presidente eleito, Lula.

Baptista Jr., em outras reuniões, “tentava demover” Bolsonaro “de utilizar os referidos institutos jurídicos” e “deixou claro” que “tais institutos não serviriam” para mantê-lo “no poder após 1° de janeiro de 2023”. Ele contou que o então presidente “ficava assustado”.

Na reunião do dia 14 de dezembro, quando Paulo Sérgio de Oliveira disse que gostaria de apresentar aos comandantes uma minuta, Baptista Jr. questionou o ministro da Defesa:

"Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?"

Paulo Sérgio “ficou calado” e o comandante “entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito” e disse que “não admitiria sequer receber esse documento”, que “a Força Aérea não admitiria tal hipótese (Golpe de Estado)”; e que “retirou-se da sala”.

O brigadeiro ainda confirmou que, depois de Bolsonaro “aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de algum instituto previsto na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio)”, o então comandante do Exército “afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o Presidente”.

No mesmo dia 14 de dezembro, o general Walter Braga Netto, vice na chapa presidencial derrotada, e o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros, eleito em 2022 deputado estadual suplente do Rio de Janeiro dizendo-se “o 01 do Bolsonaro”, passaram “a realizar ataques” a Freire Gomes “por uma suposta postura de ‘Omissão’ e ‘Indecisão’”. Fizeram isso em diálogos depois identificados pela PF no celular de Ailton.

Braga Netto afirmou: “a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do GEN FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”; “Oferece a cabeça dele. Cagão”.

Ailton completou: "Se FG tiver fora mesmo. Será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral".

Braga Netto também encaminhou a Ailton uma foto da frente da casa de Freire Gomes com manifestantes pressionando pela anuência dele.

Freire Gomes confirmou à PF que as falas de Braga Netto se devem ao fato de ele ter se “negado a anuir com o plano de ruptura institucional”.

Falou ainda que “recebia ataques pelas mídias sociais, principalmente por meio da pessoa de PAULO FIGUEIREDO”, blogueiro então atuante em emissora de rádio e TV que faturou mais de 18 milhões de reais em verbas de publicidade do governo Bolsonaro.

Baptista Jr. também disse ter recebido ataques de Figueiredo, “dentre outros”, “recebendo o rótulo de ‘melancia’, ‘traidor da pátria’ etc.”.

Em 15 de dezembro, Braga Netto orientou Ailton Barros: "Senta o pau no Batista Júnior… Inferniza a vida dele e da família". Também orientou o destinatário a elogiar Almir Garnier.

Baptista Jr. confirmou que ele e sua família sofreram diversos ataques, pressões e hostilidades de apoiadores de Bolsonaro “para que a FAB anuísse com a ruptura democrática”.

No mesmo dia 15 de dezembro, Freire Gomes visitou Bolsonaro, frustrando de vez os reacionários aloprados.

Como concluiu a PF, “apesar de todas as pressões realizadas, o general FREIRE GOMES e a maioria do Alto Comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República JAIR BOLSONARO, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES foi ‘abortada’.”

Sem estardalhaço, portanto, os homens que efetivamente barraram o golpe não salvaram apenas o regime supostamente democrático brasileiro, mas também alguns de seus autoproclamados defensores.

Essa é a história que o STF deveria contar.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Bolsonaro Pede Anistia

“Esquerda precisa fazer educação política ou perderá terreno” (Frei Beto)

Bolsonarismo e Seus Pilares: Desinformação, Subversão da Democracia…

Artigo publicado originalmente no blog Cláudio Nunes, no site INFONET, em 29/11/2024

Bolsonarismo e Seus Pilares: Desinformação, Subversão da Democracia…

Nos últimos anos, o bolsonarismo consolidou-se como um movimento político peculiar no Brasil, apoiado em quatro pilares interligados: a desinformação, a instrumentalização religiosa, a subversão da ordem democrática e um patriotismo que mascara intenções autoritárias. A narrativa, centrada na figura do ex-presidente Jair Bolsonaro, gerou temores entre seus apoiadores sobre o futuro do país caso Luiz Inácio Lula da Silva retornasse ao poder. No entanto, um ano após a posse de Lula, os temores propagados não se confirmaram, expondo contradições no discurso bolsonarista.

A estratégia da desinformação

Desde as eleições de 2018, o bolsonarismo utiliza a desinformação como ferramenta central para consolidar apoio. Campanhas difamatórias e fake news espalharam a ideia de que Lula, se eleito, “acabaria com a educação, destruiria a economia, fecharia igrejas e desmantelaria as Forças Armadas”. A realidade, porém, aponta na direção oposta. A educação foi reforçada com programas de inclusão e aumento de verbas para universidades públicas. A economia apresenta sinais de recuperação com controle da inflação e aumento do investimento estrangeiro. E, ao contrário do discurso alarmista, Lula reafirmou a laicidade do Estado sem interferir no funcionamento de igrejas ou Forças Armadas.

Religiosidade política como arma

 Outro pilar do bolsonarismo é o uso da fé religiosa como elemento político. O discurso de “defesa da família e dos valores cristãos” tem sido usado para mobilizar fiéis, mas também para deslegitimar adversários políticos. Com Lula na presidência, o direito à liberdade religiosa permaneceu intacto, evidenciando que o alarmismo bolsonarista não passava de manipulação para fins eleitorais.

Subversão da ordem democrática

 Paradoxalmente, o bolsonarismo acusa seus opositores de autoritarismo enquanto promove ataques diretos à democracia. Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 são o exemplo mais contundente dessa contradição. Revestidos de um discurso de “patriotismo”, os manifestantes tentaram desestabilizar o governo democraticamente eleito. O bolsonarismo, assim, não busca fortalecer a democracia, mas subvertê-la em prol de um projeto de poder.

Caos e desordem como combustível

 O bolsonarismo não sobrevive em cenários de estabilidade; ele se alimenta do caos, da desordem e de narrativas apocalípticas. Seus seguidores mais fanáticos são capazes de tudo: desde arquitetar um golpe de Estado até bater continência para um pneu em frente a quartéis, esperando por uma “intervenção divina”. Enquanto a democracia exige debates e acordos, o bolsonarismo prefere promover confusão e cenas tragicômicas que beiram o surrealismo político. É como se estivessem protagonizando uma versão brasileira de uma comédia de erros, mas com graves consequências para o país.

O “patriotismo” que ameaça a liberdade

 O patriotismo, no discurso bolsonarista, tornou-se uma bandeira para justificar atos antidemocráticos. Sob o pretexto de defender a “liberdade”, o movimento tenta camuflar sua verdadeira intenção: minar as instituições democráticas em nome de um governo autoritário. Ao longo do primeiro ano de governo Lula, ficou evidente que a liberdade de expressão e os direitos individuais continuam preservados. O bolsonarismo, porém, insiste em atacar o sistema democrático, promovendo uma liberdade que, na prática, visa destruir o próprio conceito de democracia.

Conclusão: A democracia sob ataque camuflado

 O retorno de Lula ao poder desmistificou o discurso bolsonarista. A educação, a economia, as igrejas e as Forças Armadas não foram destruídas. Pelo contrário, o governo reforçou pilares institucionais e buscou reconstruir um país fragmentado. O verdadeiro objetivo do bolsonarismo, ao se autoproclamar defensor da liberdade, é eliminar as bases democráticas que garantem a liberdade de todos.

Enquanto o bolsonarismo continuar apoiando-se na desinformação, instrumentalizando a religião e promovendo a subversão da ordem, será essencial que o debate público esteja ancorado em fatos e na proteção dos valores democráticos. A verdadeira liberdade só existe onde há respeito às diferenças e às instituições que garantem a pluralidade e o Estado de Direito.

Texto e imaagem reproduzidos do site: infonet com br/blogs/claudio-nunes

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O golpismo dos malucos e o golpismo dos profissionais

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 22 de novembro de 2024

O golpismo dos malucos e o golpismo dos profissionais

Pacificar o pais, afinal, não é fechar os olhos para aqueles que tramavam nas sombras incendiá-lo para não deixar o poder. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:

As câmeras de segurança da Praça dos Três Poderes registraram para a história a imagem desesperada e patética de um extremista tentando, pelos meios que tinha, destruir o Supremo Tribunal Federal e, simbolicamente, a estrutura institucional do país. Francisco Wanderley Luiz, o Tio França, era o radical do golpismo na ponta, sem juízo e cheio das certezas que lhe foram inoculadas na cabeça. Devia se achar parte daquilo que Jair Bolsonaro descrevia como seu “exército”. E se propôs, ultrapassando qualquer limite, empreender uma “missão patriótica” em nome daquilo que muitos chamam distorcidamente de "defesa da liberdade”. Um mártir em nome da causa do golpismo, como outros tantos a protagonizar cenas de terror mundo afora.

Ainda que tenha dado cabo da própria vida e colocado a de terceiros em risco, Tio França era menos perigoso que outros agentes que tentaram fazer o mesmo golpismo, mas juntando a convicção e o “senso de dever” com o método e o treinamento de uma vida. Enquanto ele recorria a fogos de artifício e a explosivos improvisados, outros maquinaram e colocaram em prática ações de espionagem e estratégia militar com o objetivo de matar autoridades e líderes políticos eleitos. Nesse verdadeiro zeitgeist do golpismo que foi insuflado no Brasil nos últimos quatros anos, há os malucos e os profissionais.

Na última terça-feira, a Polícia Federal deflagrou uma operação para desbaratar uma organização criminosa que planejou impedir a posse de Lula. Cinco pessoas foram presas. O general de brigada Mário Fernandes (da reserva), o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, os majores Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira, (todos eles integrantes das Forças Especiais do Exército), e também o policial federal Wladimir Matos Soares.

Segundo a investigação “a organização se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022”. Além de impedir a posse do presidente eleito, o objetivo era assassiná-lo, junto com o então vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes. Um gabinete de crise seria então instaurado de maneira a reestabelecer a ordem nacional.

Desde que caiu o sigilo da decisão de Alexandre de Moraes e tornou-se pública a conspirata dos envolvidos, já há quem esteja reciclando a tese dos “atos preparatórios” para isentá-los de qualquer responsabilidade. Como se nada tivesse ocorrido apenas porque a pretensão fora frustrada. De fato, conjecturar a prática de um crime não é punível, mas não está se falando apenas disso. Os agentes envolvidos montaram uma organização que já implementava ações objetivas com vistas a cumprir o objetivo de derrubar o sistema democrático, incluindo ai o monitoramento ilegal das autoridades e infiltração no esquema de segurança de Lula.

Há uma confusão deliberada aqui entre o crime de homicídio e o crime de tentativa de abolição do Estado de Direito. As mortes de Lula, Alckmin e Moraes não eram o fim em si mesmo, mas o meio para alcançar o objetivo verdadeiro: a usurpação do poder mediante uma série de outros atos decorrentes dos assassinatos. E sim, estamos a falar de uma série de ações que já estavam em curso, não de diletantismo ou de conjecturas.

O Brasil já conviveu demais com anistias e esquecimentos, muitas vezes com trágicas consequências para a própria democracia. Pacificar o pais, afinal, não é fechar os olhos para aqueles que tramavam nas sombras incendiá-lo para não deixar o poder.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Editorial do Estadão: "Bolsonaro nu"

Artigo e comentários compartilhados do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 28/11/2024

> Editorial do Estadão: Bolsonaro nu

O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado que teria sido urdida no seio do governo de Jair Bolsonaro para aferrá-lo ao poder decerto não surpreendeu quem acompanhou minimamente a vida pública do ex-presidente. Desde quando saiu do Exército em desonra, passando por uma frívola carreira parlamentar – que, se prestou para alguma coisa, foi para enriquecê-lo, além de sua família – até chegar à Presidência da República, Bolsonaro jamais traiu seu espírito golpista. De mau militar e mau deputado a mau presidente, foram quase 40 anos de exploração da insurreição e da infâmia como ativos políticos.

Este jornal, seguramente, não está surpreso com o que veio a público após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo sobre o referido relatório. Afinal, faz quase 25 anos que já sublinhávamos nesta página o vezo parasitário de Bolsonaro no Brasil pós-redemocratização, chamando-o pelo que é: um desqualificado que se serve das mesmas liberdades democráticas que sempre quis obliterar (ver o editorial Dejetos da democracia, 8/1/2000).

A rigor, ninguém precisava de um relatório policial de mais de 800 páginas para saber que Bolsonaro é um golpista inveterado. Quem já votou nele ao longo da vida pode alegar tudo, menos desconhecimento de sua índole destrutiva. Mas, para quem quiser, aí está o portentoso material reunido pela PF a encadear fatos e personagens com notável robustez, além de desnudar o espírito insurreto que jamais deixou de guiar o ex-presidente ao longo de sua trajetória.

Segundo a PF, Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” das tramoias para impedir a posse do presidente Lula da Silva, o que teria incluído até um suposto plano para assassiná-lo, entre outras autoridades. E não só entre novembro e dezembro de 2022, mas durante todo o mandato – que, recorde-se, começou com a disseminação de mentiras sobre a suposta “fragilidade” das urnas eletrônicas. Ainda de acordo com a PF, essa desabrida campanha de desqualificação do sistema eleitoral já era parte do plano golpista de Bolsonaro para se insurgir contra um resultado nas urnas que não fosse a sua reeleição, contando que a desconfiança que semeou entre milhões de brasileiros poderia lhe ser útil no futuro.

É fundamental frisar que ainda se está em fase de inquérito policial. De modo que o contraditório e a ampla defesa só estarão plenamente garantidos aos 37 indiciados, como é próprio do Estado Democrático de Direito, mais à frente, vale dizer, se e quando a Procuradoria-Geral da República (i) oferecer denúncia contra eles, (ii) as acusações forem aceitas pelo STF e (iii) o caso, então, entrar na fase judicial propriamente dita. Entretanto, as eventuais provas que poderão ser apresentadas à Justiça pelo parquet, obviamente, serão decisivas apenas, por assim dizer, para o destino penal de Bolsonaro. Já sobre seu golpismo não há prova mais cabal de que se trata de um inimigo figadal da democracia do que seu próprio passado.

Nesse sentido, é estarrecedor ainda haver no seio de uma sociedade que se pretende livre e democrática quem admita a presença de alguém como Bolsonaro na vida política. Ou pior, que enxergue como “democrata”, “patriota”, “vítima do sistema” ou baboseira que o valha um sujeito de quinta categoria que já defendeu o fechamento do Congresso, lamentou o “baixo número” de concidadãos torturados e mortos nos porões da ditadura militar, pregou o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e trata adversários políticos como inimigos a serem eliminados, inclusive fisicamente. Ademais, Bolsonaro jamais desestimulou as manifestações de teor golpista realizadas em seu nome, como os acampamentos na frente de quartéis País afora. Tudo indica que não o fez para falsear um “clamor popular” pelo golpe e, assim, pressionar as Forças Armadas a apoiá-lo na intentona – o que, para o bem do Brasil, não ocorreu.

A Justiça, primeiro, e a História, depois, hão de ser implacáveis com Bolsonaro e todos os que flertaram com a destruição da democracia no Brasil.

> COMENTÁRIOS

AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 

Ao ler o editorial do Estadão intitulado “Bolsonaro nu”, me deparei com a citação de outro editorial, publicado em 08 de janeiro de 2000, na página 3 do O Estado de S. Paulo.

No acervo do Estadão, localizei esse editorial, fiz o download da página (arquivo PDF) e tentei convertê-la para o Word. No entanto, o resultado não atendeu às minhas expectativas. Então, decidi copiar o conteúdo, digitando diretamente no Word. Vide, a seguir:

AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 

>> Dejetos da Democracia

Há quem diga, com o maior sarcasmo, que o deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro presta um relevante serviço à Democracia, porque faz lembrar os piores temos em que os militares estavam no poder – exercendo, sob este aspecto, um papel didático para as novas gerações.

Sarcasmos à parte, os militares brasileiros não merecem essa desmoralizante “representação” congressual. Até porque esse irresponsável congressista, de fato, não representa ninguém, a não ser, talvez, alguns adeptos de um folclórico e anacrônico radicalismo de direita. É claro, que ele, jamais poderá falar pelos militares, o que não o impede confundir os desavisados e dar a impressão de que exerce, no Parlamento esse tipo de representação.

Ao apregoar, pela segunda vez (na primeira referiu-se ao que os militares “deveriam ter feito” com Fernando Henrique Cardoso) nada menos do que o fuzilamento do presidente da República, o sr. Bolsonaro apenas se mostrou coerente, em relação ao fulcro de sua carreira política, que, de forma inacreditável, o faz exercer o segundo mandato no Parlamento federal.

Talvez muitos não se recordem de que esse cidadão se tornou publicamente conhecido quando divulgou seu plano de explodir o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, em protesto contra a falta de reajuste nos ganhos de seus colegas militares.

Se a proposta de fuzilamento do presidente da República não é um casso de absoluta falta de decoro parlamentar, é difícil imaginar o que o seja. Disse bem o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno: “Direito de opinião não pode ser usado para pregar assassinato.”

Neste sentido é mais do que oportuna uma punição drástica para quem não só ultrapassa, reiteradamente, os limites do decoro parlamentar, como revela personalidade – seja ou não psicopática – de toda incompatível com a representação legislativa, a ponto de já ter defendido sem nenhuma sutileza, o fechamento puro e simples do Congresso. Vale dizer, Bolsonaro é um parlamentar que tem se valido das liberdades democráticas para tentar eliminá-las.

(Em destaque, em quadro entre parágrafos: O deputado Jair Bolsonaro usa a democracia que quer destruir)

Agora, se a punição decidida for a mera suspensão do mandato do sr. Bolsonaro, mesmo que por longo período, a Câmara dos Deputados estará fazendo, exatamente, o que mais deseja esse elemento, que busca consolidar sua imagem de “herói” e “vítima” incompreendida, defensor destemido dos valores da caserna.

É evidente que os militares deveriam ser os maiores interessados na cassação de quem, até agora, só desmoralizou suas reivindicações. Mas é o Legislativo federal que deve cuidar da própria imagem, que depende do comportamento de seus membros.

Então, a única solução é cassar logo o mandato desse deputado por manifesta e notória quebra de decoro, afastando-o da vida política para a qual não está preparado.

Ao contrário dos regimes autoritários, as democracias se caracterizam pela plena liberdade de expressão e heterogeneidade, praticamente sem limites, da representação parlamentar. Essa liberdade e essa heterogeneidade fazem com que, muitas vezes, se tenha de tolerar, em nome da Democracia, atitudes abusivas, se não absurdas.

Não se considere, porém, que a Casa Legislativa de uma democracia deva ser tolerante, obrigada a dar abrigo, a quem apregoa a extrema intolerância. Figuras dessa espécie, que envergonham a instituição parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela tem que ser expelidas num processo natural de limpeza, pois a Democracia também tem que saber administrar, com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos.

AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 1:59:00 PM

>>> Correção (digitação), nesses dois parágrafos:

Há quem diga, com o maior sarcasmo, que o deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro presta um relevante serviço à Democracia, porque faz lembrar os piores tempos em que os militares estavam no poder – exercendo, sob este aspecto, um papel didático para as novas gerações.

Se a proposta de fuzilamento do presidente da República não é um caso de absoluta falta de decoro parlamentar, é difícil imaginar o que o seja. Disse bem o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno: “Direito de opinião não pode ser usado para pregar assassinato.”

Texto de artigo e comentários reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

Os cinco que evitaram o golpe | Ponto de Partida

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Jornal Nacional ESCANCARA Bolsonaro e GOLPISTAS!

"Sou um velho que está lutando contra a morte..." (Mujica)

Legenda da foto: Neste sábado (19 de outubro de 2024), em discurso no comício da Frente Ampla na Praça 1º de Maio, em Montevidéu, Mujica fez o público chorar - (Crédito da foto: Divulgação)

REGISTRO DE NOTÍCIA publicada em 20/10/2024

Compartilhada do site: Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) | 20 de outubro de 2024 

DESPEDIDA DE MUJICA

‘Sou um velho que está lutando contra a morte, absolutamente convencido e consciente’

Ex-presidente disse que confia os destinos do país nas mãos do candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi

Eugênio Bortolon

A democracia, o mundo sem ódio e a honestidade política devem muito ao ex-presidente uruguaio, José Pepe Mujica, 89 anos. Em cada manifestação, palavras emocionantes e clamor por um mundo melhor. Neste sábado (19), em discurso no comício da Frente Ampla na Praça 1º de Maio, em Montevidéu, ele fez o público chorar. Crianças, jovens, casais, idosos não suportaram a dor quando ele afirmou que está “lutando contra a morte” e fazer um gesto de despedida aos apoiadores, militantes e eleitores. Mujica enfrenta um câncer no esôfago, que o tem levado seguidamente ao hospital para tratamento.

“É a primeira vez nos últimos 40 anos que não participo de uma campanha eleitoral. E eu faço isso porque estou lutando contra a morte. Porque estou no final da partida, absolutamente convencido e consciente”, disse. Líder histórico do Movimento de Participação Popular (MPP), partido que compõe a Frente Ampla que disputará a presidência do Uruguai no dia 27 de outubro, Mujica saudou o candidato Yamandú Orsi e afirmou que ele é a esperança para “os novos tempos”.

 Apesar da sua condição de saúde, afirmou que não poderia ficar de fora do evento e apontou o futuro com novas lideranças. “Sou um velho, sou um velho que está muito, muito perto de onde não se volta. Mas eu sou feliz porque vocês estão aqui, porque quando meus braços se forem, haverá milhares de braços substituindo-os na luta, e toda a minha vida eu disse que os melhores líderes são aqueles que saem de uma equipe que os supera com vantagem”, garantiu. “E hoje estão vocês, está Yamandú, está Pacha (candidata a vice). Há milhares e outros que esperam e outros braços jovens, porque a luta continua por um mundo melhor”, complementou.

 Mujica afirmou que só segue vivo graças aos cuidados de sua esposa, Lucía Topolansky, da sua médica e de seus companheiros de partido. Ele, que presidiu o Uruguai de 2010 a 2015, defendeu a necessidade de um governo que "abra o coração e a cabeça com todos do país".

“Até sempre! Dou meu coração a vocês. Muito obrigado. Tenho que agradecer à vida, porque quando esses braços se forem, haverá milhões de braços. Obrigado por existirem. Até sempre”, declarou.

Texto e imagem reproduzidos do site: www brasildefators com br

Ideias de José Pepe Mujica


Roda Viva | Fernanda Torres | 08/01/2024

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Operação “Punhal Verde Amarelo”...

Charge de Laerte, postada por "Ideias & Lideranças", para simples ilustração do texto.

Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO BRASIL, em 24 de novembro de 2024

Punhal verde amarelo com DNA do nazismo

Coluna Coisas da Política, de  Gilberto Menezes Cortês - gilberto.cortes@jb.com.br

Virou um clássico o vaticínio de Karl Marx de que a história só se repete como farsa. Semana passada escrevi aqui que o grotesco autoextermínio de “Tiü França” com explosivos em plena Praça dos Três Poderes, em frente ao STF, onde pretendia se autoexplodir se alcançasse o plenário, ao detonar um arsenal de bombas que acabou por explodir a PEC que visava anistiar os já condenados pelas invasões e depredações das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 (e em última instância, abrir caminho para a revisão da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro por oito anos), lembrava o impacto da explosão da bomba no RioCentro. A bomba explodiu no colo do sargento do Exército Guilherme do Rosário, no Puma do tenente Wilson Dias Machado, que saiu gravemente ferido, na noite que antecedia o 1º de maio de 1981, com show de música popular promovido pelo Cebrade (Centro Brasil Democrático), no governo do general João Figueiredo, o último do regime militar.

Pois os fatos dessa semana, com as revelações da descoberta, pela Polícia Federal, da Operação “Punhal Verde Amarelo”, uma conspiração que estava em execução em dezembro de 2022, menos de 45 dias após a derrota de Jair Bolsonaro por Lula, por um grupo de militares (um general, um coronel, dois majores e um tenente coronel, além de um policial federal), que pretendia sequestrar e matar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, na data de 12 de dezembro, quando o também ministro do Supremo Tribunal Federal, daria posse a Lula e ao vice Geraldo Alckimin, que também seriam sequestrados e mortos, abrindo espaço para intervenção federal no TSE, assumem maior gravidade. Diante da acefalia de poder, seriam convocadas novas eleições por uma junta militar interina a ser comandada pelos generais Augusto Heleno (do Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Neto, vice na chapa de Bolsonaro e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa. A gravidade dos fatos levou ao indiciamento, pela Polícia Federal, de 37 pessoas, numa lista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Também estarrecido, meu amigo Ricardo Noblat exclamou sexta-feira, no site “Metrópoles”, em seu blog: “A ditadura de 64 acabou depois de 21 anos, mas o golpismo que fazia parte do DNA dos militares continua a circular nas veias dos que um dia expulsaram Bolsonaro do Exército por má conduta”. Bolsonaro, um tenente insubordinado contumaz, e que se opunha a acatar a “distensão lenta, gradual e segura” do governo do general Ernesto Geisel, visando a redemocratização concluída no governo do general Figueiredo, foi forçado a passar à reserva como capitão, após críticas a seus superiores e ser apanhado com desenho detalhando como explodir a adutora do Guandu, que deixaria o Grande Rio sem água por vários dias. Geisel o classificava como “um mau soldado”. Pois chega a ser um ato falho, explicado por psicanalistas, a fala do filho 01, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) de que “planejar ou pensar em matar alguém não é crime”. O Exército não pensou assim e excluiu o tenente Jair Messias Bolsonaro. Quase 40 anos depois, o filho 03, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ainda ecoou as falas do irmão.

Na falta de argumento diante do ”batom encontrado na cueca”, chama atenção a escolha do nome da operação golpista que poderia prolongar o governo (?) de Bolsonaro, que parece ter sido inspirada na “Noite dos Longos Punhais”, o assalto de 30 de junho de 1934, há 90 anos, quando o nazismo fez um expurgo e virou um “rebanho” único, a mais feroz e cruel ditadura da humanidade de todos os tempos, chefiada por Adolf Hitler e seguida cegamente pelos nazistas alemães até a explosão da Segunda Guerra, de 1939 a 1945.

Na “Noite dos Longos Punhais”, Hitler e os asseclas Herman Göring, Henrich Himmler e Reinhard Heydrich, os chefões do partido, queriam acabar com os milicianos nazistas, os Sturmabteilung, organização paramilitar nazista conhecida como AS, ou Tropa de Assalto, de grande importância no período de ascensão nazista ao poder em 1933, sob o comando de Ernst Röhm. No assalto, enquanto aqui se usariam os “kids pretos”, força de elite do Exército, na Alemanha foram usadas diversas forças repressivas do regime (a SS, a Gestapo e a polícia secreta de Göring), embasadas em uma série de ações extrajudiciais, decretadas e executadas. Houve um massacre cruel, com centenas de mortes e prisões. Capturado Röhm, Hitler o entregou um revólver, dando-lhe dez minutos para pôr fim à própria vida. Röhm disse que caberia ao próprio Führer executá-lo. Hitler saiu e ordenou a um oficial que o fizesse.

Para rir ou para chorar

Depois das barbaridades que viriam à tona, alterno minha indignação com certa ironia diante da ginástica (dialética não cabe no caso) farsesca como os aliados e entusiastas de Jair Bolsonaro tentam minimizar o gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito, que só não aconteceu em dezembro de 2022, com um final funesto, porque a sessão do STF, onde também atuava Alexandre de Moraes (o comando do TSE cabe, em sistema de rodízio, a ministros do STF – no momento a presidência é da ministra Carmen Lúcia – com o vice também do STF e ministros do Superior Tribunal de Justiça), demorou além do tempo.

Os passos de Moraes estavam sendo vigiados há semanas, e o executor da tarefa, preocupado em não encontrar táxi perto da casa de Moraes, onde seria executado o sequestro, recebeu ordem de “abortar a ação”. Os fatos mostraram que Bolsonaro sabia e autorizara a trama – mas os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, reagiram à proposta de golpe, e Freire Gomes ainda ameaçou prender Bolsonaro. Cabe notar que o seu vice de chapa, o general Braga Neto, incitava os executores e conclamava os apoiadores de Bolsonaro nas tropas, os acampados diante dos quartéis e as redes sociais a investirem contra os comandantes do Exército, chamando-o de “cagão”, e o da Aeronáutica.

Vejam as declarações desta sexta-feira do vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, eleito senador pelo (PL-RS):

“Temos um grupo de militares, pequeno, maioria militares da reserva” [na época, muitos estavam na ativa e comandavam forças especiais] “que, em tese, montou um plano, sem pé nem cabeça. Não consigo nem imaginar como uma tentativa de golpe. Importante que as pessoas compreendam que uma tentativa de golpe precisa ter apoio de parcela expressiva da Força Armada” [Mourão não pode ignorar a reação firme dos comandantes do Exército e Aeronáutica]. “Ninguém dá golpe no país sem ter a Força Armada, nem que seja para proteger uma mudança constitucional”. E ainda emendou que "não houve deslocamento de tropa" [a PF descobriu que o plano previa deslocamento de tropas do Rio para Brasília] e classifica o plano como "um troço absurdo", uma vez que os militares "teriam armas, mas iriam executar o presidente e vice por envenenamento".

“Vejo uma fanfarronada”, prossegue Mourão. “E a partir daí, dentro de uma busca incessante de envolver o presidente Bolsonaro, o general Braga Netto, o general Heleno, que você conhece tão bem” [sim, é verdade, Heleno era ajudante de ordens na tentativa de golpe do então ministro do Exército, general Sylvio Frota contra o presidente, general Ernesto Geisel, em 12 de outubro de 1977. Frota queria derrubar Geisel por não concordar com o plano de abertura política e foi demitido por Geisel] “e que é um homem que não toma atitudes dessa natureza. Arma-se esse cenário todo, joga um pó de pirlimpimpim e shazam: saem 37 pessoas desse pacote indiciadas”.

Depois de ficar recluso desde a semana passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro tenta agora tirar o ministro Alexandre Moraes do comando do inquérito do STF, porque era também ameaçado, como presidente do TSE, afirmando: “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito [estendido ao 8 de janeiro de 2023], ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, atacou Bolsonaro.

Mas o decano, do STF, o ministro mais antigo da Suprema Corte (embora não seja o mais velho), Gilmar Mendes, foi curto e sucinto ao abordar o plano de assassinato de autoridades revelado pela Polícia Federal (PF), durante evento esta semana, em São Paulo: “Qualquer tentativa de atentado contra o Estado de Direito já configura um crime consumado”.

O indiciamento dos acusados pela PF precisa passar pelo crivo da Procuradoria Geral da República, que atuaria como promotor no caso para o julgamento dos eventuais réus pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento na 1ª turma do STF, integrada por Moraes, Carmen Lúcia, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Flávio Dino, uma turma durona].

O calendário apertado, com o recesso do Poder Judiciário, de 18 de dezembro até meados de janeiro, adia o indiciamento pela PGR para o começo de 2025. Ou seja, muitos dos implicados correm o risco de passar o Natal e o Ano Novo detidos, por medidas preventivas, enquanto se desenvolvem novas diligências e interrogatórios dos “kids pretos”, como o do tenente-coronel Rodrigo Bezerra Azevedo, que será ouvido nesta semana pela Polícia Federal.

Texto reproduzido do site: www jb com br

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A elite de esquerda odeia o pobre de direita


Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 20 novembro de 2024

A elite de esquerda odeia o pobre de direita

Para a intelectualidade de esquerda o problema do pobre de direita não é ser pobre, é ser de direita. A solução não é combater a miséria, mas convencer os miseráveis a votar da maneira correta, como as elites cultas e virtuosas deste país. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:

A expressão “pobre de direita” não é nova. Já estava velha quando escrevi os artigos “A nova luta de classes: pobres de direita contra ricos de esquerda” e “O melhor de dois mundos: a vida dupla dos ricos de esquerda”, em novembro de 2020. Salvo engano, ela apareceu pela primeira vez em 2016, para desqualificar e ofender os brasileiros das classes menos favorecidas que apoiaram, naquele ano, o impeachment de Dilma Rousseff.

Em 2018, a eleição de Bolsonaro foi o gatilho para a expressão “pobre de direita” voltar a circular no chamado campo progressista. “Como assim?”, reagiram intelectuais e políticos de esquerda. “A gente trabalha tanto para perpetuar e capitalizar politicamente a miséria, e é assim que esses pobres ingratos retribuem? Votando nos fascistas?”

Já em 2020 o gatilho foi o desempenho medíocre dos partidos de esquerda nas eleições municipais. Escrevi, na ocasião:

“O uso da expressão [pobre de direita] tem uma função catártica para a esquerda. Basta pesquisar no Google ‘pobre de direita’ para ver o ‘ódio do bem’ contra os pobres ser destilado em doses cavalares. Os brasileiros mais humildes são comparados a escravos que apoiam escravagistas, diagnosticados como doentes mentais e chamados de jumentos. Do alto de sua superioridade moral, o máximo que os intelectuais concedem é que não se deve odiar esses pobres, mas ter pena deles, por serem tão burros e imbecis”.

Dá para estabelecer um padrão: sempre que a esquerda sofre derrotas ou enfrenta alguma crise, como aconteceu em 2016, 2018 e 2020, ela joga a culpa nos pobres.

É curioso, nesse sentido, que a expressão “pobre de direita” volte a ganhar força em 2024, quando (pelo menos segundo a grande mídia) o Brasil governado pela esquerda vive uma fase maravilhosa, com a economia bombando e os pobres comendo picanha, gratos ao STF por salvar a democracia das garras do fascismo.

Em um contexto tão favorável, por que voltar a ofender os pobres? Pois é isso que faz, apesar de alguns méritos em suas análises, o novo livro do sociólogo Jessé Souza.

O livro ofende os pobres já na capa, no título e nos dois subtítulos.

Ofende no título, “O pobre de direita”, porque rotular alguém como direitista, aos olhos da intelectualidade de esquerda, é um insulto, ao menos na intenção;

Ofende no primeiro subtítulo, “A vingança dos bastardos”, ao chamar de “bastardos” as dezenas de milhões de brasileiros que não votaram no mesmo candidato do autor. Ainda que, tecnicamente, a palavra não seja ofensiva, na prática, ela adquiriu uma conotação pejorativa (na dúvida, experimente xingar de bastardo um ministro do Supremo);

E volta a ofender no segundo subtítulo, “O que explica a adesão dos ressentidos à extrema-direita?”, ao classificar como “ressentidos” e de “extrema-direita” todos os eleitores pobres de Bolsonaro. (“Extrema-direita”, vale lembrar, é tudo que está à direita do PT.)

Em suma, só quem vai gostar do livro são as elites de esquerda, aquelas que desprezam os pobres que não seguem a sua cartilha, aqueles que ostentam virtude nas redes sociais enquanto mantêm seus privilégios de classe.

Seria prudente, para a parcela bem intencionada da esquerda, se perguntar se essa estratégia de desqualificar a pobreza, por suas escolhas políticas, traz algum benefício para a sua causa. Continuem ofendendo brasileiros comuns, vai dar "certinho".

Aliás, a mesma estratégia foi usada nos Estados Unidos, e a consequência foi a volta de Donald Trump. Porque, simplesmente, milhões de americanos comuns se cansaram da demonização, promovida pelo sistema, do candidato republicano e seus eleitores das classes baixas.

O americano comum cansou de ser chamado de nazista por não gostar de imigrantes ilegais e pronomes neutros, enquanto via sua vida ficar cada vez mais difícil. Ele percebeu que o argumento da “defesa da democracia” estava sendo usado para distorcer a própria democracia e manipular o povo, já que, por definição, não existe democracia de um lado só.

O americano comum entendeu que a agenda woke, os ataques ao “fascismo” e a defesa da “justiça social” são, muitas vezes, apenas uma conversinha de elites ricas que encontraram uma maneira fácil e barata de expiar sua culpa de classe sem sair do sofá.

Ora, o mesmo processo está acontecendo no Brasil. Daí, talvez, a aversão provocada na elite acadêmica pelos “pobres de direita” – aversão que precisa ser racionalizada, sempre com aquele olhar moralmente superior, condescendente e arrogante de quem sabe o que é melhor para os pobres. Não é culpa deles, eles apenas precisam ser recivilizados.

Mas voltemos ao livro. Já na primeira página, o autor parte de duas premissas que parecem equivocadas. Primeiro, ele menospreza a importância dos fatores econômicos nas escolhas políticas dos mais pobres: “Nunca foi a economia, tolinho!”, escreve no título do prefácio (mais uma vez, de forma condescendente: pergunte aos americanos pobres se a economia não influenciou seu voto em Trump).

Para, em seguida, afirmar, de forma categórica: “A economia jamais foi, em nenhum caso histórico, o móvel do comportamento humano”. Jesus! Já que é assim (e já que destruir livros está na moda), joguem fora 90% dos livros que tratam do tema – começando pelas obras de Karl Marx, aquele bastardo!

Ora, não é preciso ler Marx, nem Max Weber e Pierre Bourdieu, citados em "O pobre de direita", para perceber a falácia dessa teoria. Para o brasileiro comum que acorda cedo e pega ônibus cheio para ir trabalhar, que sofre para pagar boletos e vê sobrar mês no fim do salário, a economia pode não ser o único fator, mas é seguramente um fator determinante de seu comportamento - do seu comportamento eleitoral, inclusive.

Sobretudo quando esse brasileiro comum vê os candidatos de esquerda menos preocupados com a inflação e o desemprego do que com banheiros unissex, a liberação do aborto e das drogas, a relativização da censura e a defesa dos direitos dos bandidos – enquanto os candidatos de direita defendem liberdade de expressão, os cortes de impostos e mais segurança para as famílias.

De qualquer forma, quando a economia desmorona, não há narrativa ideológica que resista. Foi assim com Dilma em 2016. Parece que a lição não foi aprendida.

A segunda premissa equivocada é afirmar que a ascensão do conservadorismo entre as classes populares no Brasil se deu “contra” os próprios interesses dessas classes, já que Bolsonaro estaria associado aos interesses das elites econômicas e das classes médias, enquanto Lula estaria associado aos interesses dos pobres.

Ora, não parece uma boa ideia insistir no argumento da luta de classes como explicação para o Brasil contemporâneo, mas já que é assim: qual foi mesmo o candidato que as elites apoiaram em 2022, incluindo os banqueiros, as grandes corporações, o mercado financeiro e os meios de comunicação, além da elite cultural e acadêmica? Como disse recentemente um comentarista da Globo News, "ser de esquerda virou uma coisa de elite".

Talvez a explicação esteja aí. Talvez os eleitores pobres – diferentemente dos intelectuais ricos – tenham simplesmente percebido de que lado estão as elites.

Também é importante ter memória e respeitar os fatos, sem tentar apagar o passado a serviço de uma agenda. Por exemplo, segundo um estudo da insuspeita Fundação Getúlio Vargas publicado em outubro de 2020, graças ao programa de auxílio emergencial o número de brasileiros abaixo da linha de pobreza – aqueles com renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo – recuou impressionantes 23,7%, atingindo nova mínima de 50 milhões de pessoas, o nível mais baixo da série histórica. Isso em meio à tragédia da pandemia, e durante o governo que supostamente contrariava os interesses dos pobres.

Como escrevi em 2020, o voto do pobre não é ideológico. Pobres não são de direita nem de esquerda. São apenas pessoas a quem não são dadas, geração após geração, oportunidades de educação e trabalho que possam tirá-las da situação dramática em que vivem. Infelizmente, enquanto não forem criadas essas oportunidades, os pobres votarão, pragmaticamente, no candidato que garantir o básico para não morrerem de fome, seja de que partido ele for.

Para o pobre, o problema está na pobreza. Mas, aparentemente, para a intelectualidade de esquerda o problema do pobre de direita não é ser pobre, não é viver miseravelmente, não é depender a vida inteira de mesada do governo, não é ser privado de educação de qualidade e oportunidades de trabalho digno; o problema é ele ser de direita. Sendo assim, a solução não é combater a miséria, mas convencer os miseráveis a votar da maneira correta, como as elites cultas e virtuosas deste país.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

PF indicia Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e mais 34 no inquérito do golpe.

 

Artigo e comentários compartilhados do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 21 de novembro de 2024

PF indicia Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e mais 34 no inquérito do golpe.

Relatório final com mais de 800 páginas do inquérito das Operações Tempus Veritatis e Contragolpe imputa crimes com penas de até 30 anos de prisão ao ex-presidente, seus aliados e militares de alta patente; PF detalha cronologia de eventos, em 2022, ligados à tentativa de manter o ex-presidente no poder, com plano de assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e ministro Alexandre de Moraes. Blog do Fausto Macedo:

A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa, general Braga Netto, o ex-chefe do GSI general Augusto Heleno, o presidente do PL Valdemar Costa Neto e mais 33 investigados nas Operações Tempus Veritatis e Cotragolpe. A PF atribui ao ex-chefe do Executivo, militares de alta patente e aliados os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Somadas, as penas máximas previstas para esses delitos chegam a 30 anos de prisão.

A defesa de Bolsonaro afirma que não tem informações sobre a conclusão da Polícia Federal. Quando o ex-presidente foi intimado a depor no inquérito, em fevereiro, ele se manteve em silêncio.

Entre os indicados estão o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, e o general Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército. O general Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, também foi indiciado.

Os indiciados são:

Ailton Gonçalves Moraes Barros -

Alexandre Castilho Bitencourt Da Silva - coronel do Exército;

Alexandre Rodrigues Ramagem - deputado federal com quem a PF apreendeu a minuta do golpe;

Almir Garnier Santos - ex-comandante da Marinha;

Amauri Feres Saad

Anderson Gustavo Torres

Anderson Lima De Moura - coronel do Exército;

Angelo Martins Denicoli

Augusto Heleno Ribeiro Pereira - general ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional

Bernardo Romao Correa Netto

Carlos Cesar Moretzsohn Rocha

Carlos Giovani Delevati Pasini - coronel da reserva;

Cleverson Ney Magalhães

Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira - general ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter);

Fabrício Moreira De Bastos

Filipe Garcia Martins

Fernando Cerimedo

Giancarlo Gomes Rodrigues

Guilherme Marques De Almeida

Hélio Ferreira Lima

Jair Messias Bolsonaro - capitão reformado, ex-deputado e ex-presidente;

José Eduardo de Oliveira e Silva - coronel da reserva;

Laercio Vergilio - coronel da reserva

Marcelo Bormevet

Marcelo Costa Câmara

Mario Fernandes

Mauro Cesar Barbosa Cid

Nilton Diniz Rodrigues

Paulo Renato De Oliveira Figueiredo Filho

Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira - ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército no governo Bolsonaro;

Rafael Martins De Oliveira

Ronald Ferreira De Araujo Junior

Sergio Ricardo Cavaliere De Medeiros

Tércio Arnaud Tomaz

Valdemar Costa Neto

Walter Souza Braga Netto - ex-ministro da Defesa que foi vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022;

Wladimir Matos Soares

Os 37 indiciados estão ligados à tentativa de manter Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições 2022. O plano da suposta organização criminosa previa até o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

As investigações mostram que o planejamento da ruptura democrática, contou com reuniões com a cúpula das Forças Armadas, rascunhos de minutas golpistas, planilha com detalhes do golpe, minuta de ‘gabinete de crise’ que seria instalado após a ruptura e até o plano de envenenamento de Lula e de eliminar Moraes à bomba.

Um dos pontos principais do documento é a indicação de que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha conhecimento do plano de assassinato de Lula, Moraes e Alckmin.

O documento de mais de 700 páginas foi enviado ao Supremo Tribunal Federal na tarde desta quinta-feira, 21 - mesma data em que ocorre a audiência que vai selar o futuro da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.

O relatório situa os indiciados em seis núcleos da suposta organização criminosa:

Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;

Núcleo Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado;

Núcleo Jurídico;

Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;

Núcleo de Inteligência Paralela;

Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas;

Militares

A Polícia Federal indiciou todos os integrantes de um grupo que foi batizado, ao longo do inquérito como Núcleo de Oficiais de Alta Patente - militares que “utilizando-se da alta patente que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado”.

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Ver Comentários:

AHTquinta-feira, novembro 21, 2024 

Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e mais 34 viram personagens do relatório de 800 páginas que expõe crimes dignos de 30 anos. Golpismo, assassinatos planejados e poder a qualquer custo: a conta chegou, e a história registra.

Bolsonaro, Heleno, Braga Netto e cia: do palanque ao banco dos réus. A justiça pode tardar, mas não pode falhar. Se falhar, então demonstrará de vez que em nosso país tudo é negociado, precificável e a vergonha não existe mais.

Vandecoquinta-feira, novembro 21, 2024 

Estamos cansados de ver este "filme de quinta categoria" na América Latina e pelo mundo afora.

AHTquinta-feira, novembro 21, 2024 

O Brasil se vê, mais uma vez, diante de possíveis embates entre extremos, onde o fanatismo de uma parte da população pode impulsionar mobilizações que, com o apoio de políticos e de outros interesses ocultos, não só desafiam a razão, mas também a normalidade do país.

O Fanatismo: Quando as Emoções Guiam a Razão

O fanático, ao contrário do que muitos pensam, não é um ser intelectualmente limitado. Pelo contrário, pode até ser muito culto, muito bem informado. O problema não está no saber, mas no sentir.

A inteligência emocional é, em essência, a habilidade de lidar com as próprias emoções e as dos outros. Quando essa habilidade se distorce, ela pode criar um monstro: o fanático. Aquele que não consegue mais perceber a diferença entre uma crença e uma obsessão, entre uma verdade e uma visão distorcida, porque seu emocional foi completamente tomado. A lógica já não domina, as emoções governam. A mente, apesar de poderosa, é apenas o palco, enquanto o coração é o ator principal, movendo-se intensamente e sem enxergar os limites.

Imagine um indivíduo que, profundamente envolvido em uma causa política ou religiosa, começa a interpretar qualquer crítica a essa causa como um ataque pessoal. Sua reação emocional não é mais apenas uma discordância racional, mas uma defesa agressiva, quase irracional. Quando alguém questiona uma ideia que ele defende com fervor, ele não apenas discorda, mas se sente pessoalmente ameaçado, como se sua identidade estivesse em jogo. A argumentação lógica perde espaço para o impulso emocional de proteger aquilo que é visto como um pilar de sua crença. Nesse processo, a razão é ofuscada pela emoção, e a pessoa se torna incapaz de considerar diferentes perspectivas de forma equilibrada. O fanatismo começa a tomar forma, transformando um simples desacordo em um campo de batalha emocional.

“O fanatismo está mais ligado à inteligência emocional que à capacidade intelectual.” — D.L. Tosetto

Como bem apontado na frase acima, que ouvi de um sobrinho, essa reflexão talvez seja um convite a repensarmos o que, de fato, nos move. O quanto da nossa “inteligência” é realmente racional e o quanto é emocionalmente moldada por nossos sentimentos mais profundos e, por vezes, irracionais? Fanatismo, então, não é sinônimo de limitação intelectual, mas de uma inteligência emocional mal direcionada.

O fanático acredita em algo com tal fervor que não consegue mais admitir dúvidas. A inteligência não se trata mais de discernir, mas de justificar, de reforçar, de se proteger contra qualquer ataque à sua fé, seja ela religiosa, política ou ideológica. Assim, a razão fica aprisionada pela emoção, e o fanatismo floresce.

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Texto e imagens reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Rubens Paiva, desaparecido desde 1971 (DITADURA)

domingo, 17 de novembro de 2024

Por que morrem os centros das cidades brasileiras?

Artigo compartilhado do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 16 de novembro de 2024

Por que morrem os centros das cidades brasileiras?

 Por Ricardo Nunes *

O Centro da cidade é onde habita o seu coração. É o lugar onde pulsa a sua energia mais antiga de origem e criação. É neste espaço onde os primeiros que chegaram tiveram o sentimento de que ali poderia nascer uma cidade. E ali ela nasceu! A praça, a rua principal, a prefeitura, a igreja, o primeiro casario, o primeiro hotel para acolher os visitantes, o primeiro cinema e a feira compunham este coração pulsante. Daí, como uma teia, a cidade lentamente vai ocupando o seu lugar, crescendo o seu corpo, abraçando em seu seio os que nascem e adotando maternalmente os que lhe chegam. E nessa união de casas, ruas, pessoas, histórias, sentimentos e emoções, a cidade, como casa, abriga o seu povo nas suas igualdades e diferenças. Aí então, passam a viver os conterrâneos. Os que são da mesma terra. Os que nasceram e os que vivem sob a pulsação desse coração que habita o seu Centro. Este Centro guarda para sempre as raízes da história, o orgulho de pertencermos a cidade, o sentimento de ser dela um cidadão. O Centro é a sala de estar da cidade. Onde orgulhosamente recebemos os nossos visitantes.

Ao menos deveria ser assim! Mas no Brasil, infelizmente não o é.

Os Centros das cidades brasileiras, com toda a sua importância histórica, arquitetônica, política, econômica e afetiva tornaram-se um dos piores lugares da cidade. Abandonados pelos governos, entregues as suas próprias sortes , estes Centros são hoje uma extensão da periferia mais pobre da cidade. De dia o comércio popular, informal, caótico e barulhento. De noite trotoir de putas, travestis,rejeitados e sem teto.

Daqui surge a pergunta que há muito me inquieta: por que o mais belo e sentimental lugar da cidade é jogado ao esquecimento e decadência?

Como podemos, como cidadãos filhos dessas cidades deixar que os seus corações parem de bater?

Vivi em Recife por sete anos na década de setenta enquanto cursava a faculdade. Morei muito próximo ao Centro. Na rua do Progresso. Em sete cinemas eu chegava a pé pelas largas calçadas da avenida Conde da Boa Vista. Caminhar era um prazer envolvido pela bela arquitetura de séculos antigos e moderno. O Centro contava a história da origem da cidade. O prazer de caminhar se somava às emoções dos filmes assistidos e aos chopes no bar Savoy, no Mustang e na livraria Livro Sete.

Estive há pouco em Recife, e sozinho decidi caminhar pelo velho Centro em busca dos meus cinemas, dos meus bares e livrarias. O que vi foi algo que não conseguia processar em minha cabeça e no meu coração. Ruas abandonadas. Quase todos os prédios fechados. Cinemas depredados. Rio Capibaribe apodrecido com suas margens tomadas pelo mangue. Desvalidos perambulando por calçadas imundas em busca da vida que perderam. Não era a mesma cidade onde vivi. O Centro do Recife tornou-se, como todos os outros das cidades brasileiras, a extensão de sua periferia mais miserável. Quando o Centro de uma  cidade perde a sua vitalidade, não há dúvida, a cidade esta muito doente. Por que isto acontece?

O Brasil é um pais apartado, dividido entre ricos e pobres. Isto não podemos negar e disto não podemos fugir. Somos duas sociedades distintas: ricos e pobres. Com direitos, leis, territórios, serviços e cultura muito diferentes. Não conseguimos nos libertar da casa grande e da senzala. Estamos divididos por ignorância, preconceitos, intolerância, muros e cercas elétricas. Essas duas sociedades nunca conviveram nem convivem solidariamente. Mesmo sendo uma apenas 20% de toda a população é ela que manda, e a outra forçosamente obedece.

Os Centros sempre foram um grande espaço democrático. Pertenciam e eram usados por toda a população. Comércio, serviços públicos, mercado central, hotéis, transporte urbano, cinemas de rua, chaveiros, sapateiros e todo tipo de serviços que resolvia tudo ou quase tudo para todos. A medida que as cidades crescem, aumenta exponencialmente a população pobre. Com isto, a presença deles nos espaços democráticos das cidades passa a incomodar em certa medida os ricos, que buscam resolver a separação e tem os seus meios econômicos, arquitetônicos e urbanísticos de fazê-lo. Mudam o seu comércio de rua para os bairros onde moram, criam os shopping centers e seus cinemas, levam centros governamentais e hotéis para a sua proximidade, hipermercados substituem o mercado central, e assim largam o Centro aos pobres, que o ocupam e passam a usá-lo cada vez mais, com a ordem natural dos esquecidos. Mesmo sendo os ricos os proprietários de todos os imóveis do Centro, veem nesse mercado pobre mas imenso, a possibilidade de altos ganhos financeiros, sem a necessidade de fazer maiores investimentos em seus prédios decadentes. E assim, muitos ganham muito alugando os velhos casarios que já foram o orgulho da antiga cidade.

Por termos uma elite econômica e política que foca mais no atraso do que na glória do Brasil, em vez de estruturar núcleos de comércio em todos os bairros e preservar o Centro como um patrimônio histórico e artístico de todos, preferem caminhar pelos belos Centros de Buenos Aires, Santiago, Paris e Lisboa, a olhar com sabedoria e orgulho para a sua própria história. Como diz o sociólogo Jessé Souza, é a nossa elite do atraso.

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* É graduado em Arquitetura pela Universidade Federal de Pernambuco(1976), mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe(2005) e especialista em Planejamento Urbano pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas(1983). Foi secretário de planejamento de Aracaju por 8 anos. Atua como arquiteto com ênfase em bioarquitetura, sustentabilidade e ecourbanismo.

Texto e imagem reproduzidos do site: www destaquenoticias com br

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Sobre a destruição de livros


 Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI 12 de novembro de 2024

Sobre a destruição de livros

Eles não estavam destruindo livros por maldade, mas para proteger o Estado de Direito e a população mais vulnerável. Era quase um gesto de amor. Deu no que deu. Luciano Trigo para a Gazeta o Povo:

Em 10 de maio de 1933 ocorreu na Praça da Ópera, em Berlim, a primeira grande queima de livros na Alemanha nazista. Promovido por uma associação de estudantes, com apoio do ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, o ato se multiplicou por mais de 30 cidades, nos meses seguintes.

A justificativa era proteger a Alemanha de influências corrosivas de autores subversivos e degenerados, que ofendiam a dignidade da população e minavam as fundações da nova ordem. A lista de livros queimados incluía obras de escritores judeus, por óbvio, mas também de intelectuais socialistas, comunistas, liberais e até pacifistas.

Somente obras alinhadas com a ideologia nazista eram aceitáveis. Livros e autores indesejáveis precisavam ser banidos, porque o regime não tolerava vozes divergentes, percebidas como ameaças. O nazismo dependia do controle absoluto sobre a cultura para ter êxito na construção de um pensamento hegemônico.

Nesse contexto, o ato de queimar livros, como forma de erradicar ideias potencialmente nocivas, fazia parte de uma política mais ampla de censura, que alcançava a manifestação de qualquer opinião ou pensamento que não servisse aos interesses do projeto nazista.

A fogueira de livros foi um ato profundamente simbólico e revelador. Foi o passo inicial para a desumanização e a exclusão de judeus e outros grupos marginalizados da sociedade alemã, bem como para a perseguição brutal aos opositores do regime. O controle simbólico da cultura antecipou, portanto, o extermínio físico dos adversários.

Para justificar as fogueiras de livros, o governo usou a narrativa da proteção aos jovens e outras parcelas vulneráveis da população alemã, que poderiam ser “desviadas” por conceitos perigosos para o desenvolvimento de seu caráter. No evento inaugural, Goebbels fez um discurso inflamado, glorificando a ideia de uma Alemanha recivilizada, digo, purificada pelo Nacional-Socialismo.

Já a partir daquele momento, antes mesmo de Hitler consolidar seu poder, ficava claro que qualquer manifestação crítica ao governo poderia ser interpretada como um ataque ao Estado de Direito e resultar em perseguição ou mesmo prisão. O impacto cultural foi devastador. Nos anos seguintes, muitos escritores foram exilados ou calados, e um vasto corpo da literatura foi banido do território alemão.

O episódio é fartamente conhecimento e documentado, mas um aspecto importante costuma ser omitido nas análises e comentários sobre o tema: o fato de que, aos olhos do regime nazista e no contexto legal e ideológico da época, os livros destruídos eram efetivamente execráveis e degenerados. Quem queimava livros estava do lado da lei. Fora da lei estavam aqueles que os escreviam.

Queimar livros era, assim, a coisa certa a fazer. Não havia que se falar em liberdade de expressão, porque muito mais importante era o combate a ideias nocivas para o povo alemão. A destruição de obras com conteúdo que desagradava ao regime não era, portanto, um ato arbitrário de censura, ao contrário: era uma autodefesa, uma resposta legítima à necessidade de defender a nação e o Estado de Direito daqueles que conspiravam para destruí-los.

O povo alemão não apenas entendeu e aplaudiu, como participou ativamente da censura do bem, tacando fogo em livros de Freud e Marx, Kafka e Thomas Mann, Stefan Zweig e Erich Maria Remarque, e até mesmo Jack London e H.G.Wells, entre muitos outros autores degenerados e moralmente corruptos.

O truque do regime foi apresentar à população as aberrantes fogueiras de livros como imperativos morais benéficos aos seus interesses. E a maior parte da população caiu no truque, legitimando um governo arbitrário e repressivo que acabaria sendo responsável pelo extermínio de milhões de judeus e outras minorias.

Ora, se a lei e a população apoiavam a queima de livros, era evidente que não se tratava de censura, mas de um gesto patriótico, que reforçava o compromisso com os valores do Terceiro Reich em construção. Goebbels reforçou essa ideia ao afirmar que o povo alemão estava “limpando” a nação e mostrando sua lealdade ao regime.

Queimar livros foi um prelúdio da tragédia. Desde então as fogueiras de livros na Alemanha Nazista têm servido como lição e alerta contra o risco da tentação autoritária que pode contaminar governos onipotentes.

Governantes e juízes sem limites podem até ter a convicção de estar fazendo o que é certo. Mas essa convicção não pode bastar, porque é muito fácil elaborar justificativas bonitas e nobres para os atos mais bárbaros, como destruir livros: ameaça à ordem pública, proteção das minorias, etc. Frequentemente, a retórica da virtude é usada para mascarar a intolerância à pluralidade e o desejo de controle.

Foi para evitar que episódios como as fogueiras de livros se repetissem que as democracias modernas desenvolveram sistemas de freios e contrapesos que coibissem abusos. Mas, em diferentes momentos da História, esses sistemas foram corrompidos, enfraquecidos ou simplesmente ignorados. E episódios de destruição ou queima de livros votaram a acontecer, ainda que raramente.

Na História republicana do Brasil, que eu saiba, em apenas três ocasiões a Justiça federal ordenou a destruição de livros (não estou falando apenas de censura, mas da efetiva destruição de livros por ordem da Justiça). As duas primeiras ocorreram em ditaduras. Nos dois casos, alegou-se que o conteúdo poderia ameaçar a ordem pública e valores fundamentais da sociedade.

A primeira ocasião foi o período do Estado Novo (1937-1945), quando Getúlio Vargas implementou uma rígida política de censura. Livros considerados subversivos foram proibidos ou destruídos, com o objetivo de impedir o acesso da população a ideias que confrontassem a ideologia autoritária do governo.

Por ordem da Justiça, muitos livros foram destruídos pela polícia política da época, o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. Por exemplo: o “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels, e “Mein Kampf”, de Adolf Hitler, bem como romances de Jorge Amado, Graça Aranha e Cyro dos Anjos.

Curiosamente, embora não tenha sido queimado, até mesmo o elogioso livro “Brasil, o país do futuro”, de Stefan Zweig (de novo ele), chegou a ser censurado, por trazer comentários que incomodaram o governo Vargas. Isso porque Zweig fez observações sobre a desigualdade social, a pobreza e os problemas de infraestrutura que contrariavam a narrativa oficial que o Estado Novo queria impor, de um Brasil próspero, coeso e socialmente justo, com todos os indicadores econômicos e sociais excelentes.

Observação importante: no Estado Novo, a liberdade de expressão era oficialmente reconhecida como um direito, mas foi sistematicamente relativizada com a justificativa da proteção da ordem pública e da defesa da moral. O princípio da liberdade de expressão é citado no Artigo 122 da Constituição de 1937, mas com uma pegadinha, que, na prática, autorizava a imposição de restrições cada vez mais severas à sua aplicação:

"É livre a manifestação de pensamento, pela palavra, pelos escritos e pela imprensa, sem dependência de censura, salvo o respeito devido à moral, à ordem pública e à segurança nacional."

Ou seja, o Estado Novo apresentava uma fachada de liberdade, mas, na prática, controlava a narrativa política e suprimia qualquer discurso que ameaçasse a hegemonia do regime. A liberdade de expressão, portanto, existia oficialmente, mas era relativizada e condicionada a limites impostos pela busca do progresso e da justiça social – conceitos amplamente manipulados para justificar a censura e a perseguição de adversários.

Soa familiar?

Continua...

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com