A "era Sarney" chegou ao fim
Por Hugo Freitas
E eis que chega ao fim um dos anos mais
marcantes das últimas décadas. 2014 reúne diversos ingredientes para se tornar
um ano histórico, tanto pela relevância de determinados acontecimentos em
múltiplas esferas sociais, a nível nacional e internacional, de modo mais
geral, quanto por fatos que marcaram a sociedade maranhense, de forma mais
pontual.
Em 2014, o mundo assistiu a uma das
mais sangrentas "guerras" travadas entre judeus e palestinos na Faixa
de Gaza desde o início dos anos 2000. E explicito o termo "guerra"
entre aspas por entender que a morte de mais de 2.000 palestinos (entre estes
541 crianças, 250 mulheres e 95 idosos), segundo dados da ONU, em comparação
aos 64 soldados israelenses mortos (sendo 5 por "fogo amigo"), não se
pode chamar de "guerra", mas sim de "massacre", executado
por um país que possui exército, um arsenal bélico que contém inclusive ogivas
nucleares e que desfruta da proteção dos EUA contra um povo sem exército, que
luta para ter reconhecido seu Estado e que é visto pela imprensa internacional
como "escudo de terroristas".
Na esteira desse assombro mundial, houve
ainda o recrudescimento das tensões entre Rússia e Estados Unidos deflagrada a
partir da "crise na Ucrânia". O planeta voltou a sentir o espectro da "Guerra Fria" rondando pelos ares com o despertar do medo de um
conflito entre as suas duas maiores potências, temor este que havia
adormecido com o fim da extinta União Soviética.
Ainda no plano internacional, 2014
ficará marcado contudo por um ato de reaproximação entre Cuba e EUA. A ilha
comunista comandada pela família Castro pode comemorar o fim do embargo
econômico impingido pelo governo norte-americano desde a consumação da
Revolução Cubana (1959). Che Guevara deve ter se retorcido no túmulo com a
declaração do presidente Obama: "Somos todos americanos"!
Na esfera nacional, assistimos ao país
que intentava realizar "a Copa das Copas" sofrer a maior goleada de
sua história num Mineirão lotado. Os 7 a 1 da Alemanha jamais serão esquecidos,
cujos efeitos superaram, de forma infinitesimal, o trauma do antigo "Maracanaço"
de 1950, quando o Brasil sediou pela primeira vez a Copa do Mundo.
Escândalos de corrupção como a
"Operação Lava-Jato", que trouxe à tona as traquinagens arquitetadas
com o dinheiro público na maior empresa brasileira, a Petrobrás, envolvendo
tanto partidos aliados da base governista quanto de oposição, deixou à mostra
as vísceras de uma República Federativa que está anos-luz de distância das
premissas elaboradas por Platão e Montesquieu, bem como sinaliza para o
desgaste de um governo que se apoia nas políticas "populistas" de
distribuição de renda para se manter no poder.
Na economia, o país caminhou (e
caminha) sensivelmente para um estado de descontrole sobre a inflação.
Crescimento baixo e "revisão" de direitos trabalhistas compõem um
mosaico nada animador para se adentrar o ano novo.
Foi em 2014 também que o Brasil
registrou a maior e mais acirrada disputa eleitoral desde o fim da ditadura
militar. A morte de Eduardo Campos, a ascensão e queda de Marina Silva e o
renascimento de Aécio Neves aos 45 do segundo tempo deram um tom ainda mais
peculiar às eleições presidenciais, vencidas pela petista Dilma Rousseff, no
segundo turno, com impressionantes três milhões de votos apenas de diferença em
relação ao tucano Aécio.
Flávio Dino, o primeiro governador "comunista" da história do Brasil
No Maranhão, por sua vez, registrou-se
o fechar de um ciclo político hegemônico que perdurou por quase cinco décadas e
o início de outro. A "era Sarney" chegou ao fim! A esmagadora vitória nas
urnas (63,52%), em primeiro turno, de Flávio Dino (PCdoB) foi ladeada com as
aposentadorias do patriarca do clã, José Sarney, (ex-governador e ex-presidente
da República) e de sua filha Roseana Sarney, que ostentou por quatro mandatos o
cetro de governadora.
No ano em que se rememorou os 50 anos
do Golpe Militar de 1964, evento crucial para a vitória de Sarney no pleito de
1965, que o alavancou ao posto de comando do Palácio dos Leões, a vitória de
Flávio Dino também marca a eleição do primeiro governador "comunista"
da história do Brasil.
Somados esses eventos às aposentadorias de Sarney e
Roseana, os acontecimentos políticos do Maranhão em 2014 ressoaram de forma irrevogável tanto no país quanto no exterior, a ponto do jornal mais influente dos EUA, o "The New York Times", dedicar preciosas linhas para abordar a derrocada de uma das "oligarquias" mais longevas do Brasil.
Por tudo isso, 2014 já pode ser considerado um ano histórico, a ponto de não se conseguir vislumbrar pelos próximos anos, em termos comparativos, a dimensão dos eventos aqui relatados e brevemente analisados.
2015 vem aí! Feliz Ano Novo!