Mais de 30 anos, solteira, ou sem relação estabelecida, e sem filhos. Para a maior parte da nossa (in)civilizada sociedade, esta conjugação ‘dantesca’ de factores é uma cruz que as ‘coitadas’ das moças têm de carregar, na ‘vergonha’ da sua existência. Aliás, para as mentes iluminadas que resistem da Era da Trevas, existir, plácida e transparentemente, é a única coisa que parece estar reservada às ‘tristes’ que não conheceram (ainda) o estado de graça social que o casamento traz, e o enobrecimento que a maternidade confere. A ‘Norma’ ainda é casar e ter filhos, sendo a alternativa considerada como não ter vida.
Esclareço: não tenho absolutamente nada contra o casamento ou a maternidade. Até são coisas às quais, obviamente, almejo, mas que, não acontecendo, não se me afiguram como o drama absoluto. Convém esclarecer que o meu estado de zenitude em relação ao tema é fruto de muitos anos de tortura e aceitação da ‘Norma’ como condição única para a felicidade. O caminho da luz foi longo e tortuoso, e ainda tenho actualmente alguns momentos que, vá, sejamos honestos, me magoam profundamente e me deixam jururu durante uns dias ( felizmente, cada vez menos), mas globalmente, vivo muito bem com o meu celibato. Que remédio tenho eu, dirão, porque a verdade é que o meu celibato não decorre de uma escolha pessoal, antes de circunstâncias diversas, às quais não serão contudo alheias o estado lastimoso do mercado masculino, e também, no meu caso pessoal, o aumento exponencial do meu grau de exigência a cada tropeço que vou dando.)
Convivo bem com o meu celibato desde que, claro está, não me venham espicaçar com bocas parvas ou atitudes imbecis.
A infeliz saída do meu Chefe, mencionada no meu post anterior, foi porventura a gota de água que fez transbordar o meu - já perigosamente cheio – copo.
Estou positivamente farta de situações como as abaixo:
a) As perguntas parvas: ‘então, tá tudo bem? E como vais de amores?’ (Não é ‘como vais de saúde’, não que isso não interessa nada, até podemos ter acabado de sair de uma pneumonia viral, que o importante é saber se andamos a ter ‘actividade’
Também há a variante mais brejeira: ‘então, tá tudo bem? E gajos??’
b) As perguntas parvas nos casamentos: ‘então e tu, quando é que casas?’, que demonstram grande sensibilidade, especialmente quando as pessoas estão cansadas de saber que, por acaso, nesse momento, até não estamos envolvidos com ninguém.
c) As perguntas francamente imbecis: ‘mas tu não gostas de gajos, ou quê?. Ou seja, se uma pessoa não tem um namorado é automaticamente lésbica.
d) As presunções idiotas:
1) Uma pessoa solteira é burra. Não tem capacidade para apreender a complicada teia conjugal, e é absolutamente incapaz de participar numa discussão sobre a matéria. Está por isso, automaticamente, condenada à eterna condescendência: ‘ah, pois, mas claro que tu não sabes o que é viver o dia a dia, bla bla bla, isso não é bem assim, depois me dirás, quando passares pelo mesmo’.
2) Uma pessoa sem filhos também é burra. É incapaz de apreender a teoria de que a cabeça de um bébé deve ser amparada quando se pega nele. A pessoa sem filhos estará eternamente condenada ao ‘cuidado, olha a cabecinha do menino, não o deixes cair’. DUHHHH!!! HELLO!!!!! Há uma coisa gira, chamada senso comum, que as pessoas sem filhos também têm. Fascinante, não?
3) Uma pessoa solteira tem menos desculpas para se atrasar do que uma pessoa casada. Exemplo prático: um dia combinei uma tarde de compras em família. À hora marcada estava toda a gente, menos a minha irmã (já casada). Quando eu abri a boca para resmungar, com razão, que a minha irmã está sempre atrasada, e que não se pode combinar nada com ela, ouvi isto, da minha tia: ‘então, mas tens de ver que ela agora é casada, tem uma vida’. SIC. Tradução: tu só estás aqui a horas porque és solteira e não tens vida. (em defesa da minha tia: obviamente que ela não disse isto por mal, mas chateou-me)
4)As pessoas solteiras gostam de ser consoladas com condescendência apologética: ‘deixa lá, que isto do casamento não é isso tudo que dizem. Tu é que estás bem’. Não suporto pessoas que tentam minorar o sofrimento que pensam que os outros sentem com paternalismos aberrantes e hipócritas. Obviamente que se fosse uma coisa tão horrível, ninguém se casava! Ou divorciavam-se de seguida!
5) As pessoas solteiras são uns monstros invejosos, incapazes de lidar com a felicidade alheia. Exemplo prático: uma amiga levou dois meses para me contar que estava grávida, e com enormes rodeios, de tal forma que tive de ser eu a perguntar-lhe, porque, cito, ‘não queria magoar-me’. HELLO??!!!!!!!
6) As pessoas solteiras não têm direito a partilhar bons momentos sem levar com a tentativa de culpabilização: quando estamos inocentemente a contar umas férias maravilhosas que passamos com amigos e nos dizem: ‘pois, só fazes essa vida porque não tens filhos. Se tivesses uma família não fazias essas coisas. I’m sorry? Então, mas ficam contentes por eu me ter divertido ou não?
7) As pessoas solteiras gostam de ouvir futurologia conjugal: ‘ah, não te aborreças, isso quando menos se espera, acontece’. Mas qual é o problema de lidar com uma pessoa solteira como seu igual, e sem presumir que ela é absolutamente miserável porque vive sozinha??? Não estamos ‘à espera’ de uma relação para sermos indivíduos, pois não?
8) As pessoas sem filhos gostam de futurologia pré-natal: ‘ah, quando tiveres os teus...’. Amigos, e se não tiver?? E se não puder ter???? E se não quiser ter? Porque é que se parte sempre do princípio de que uma mulher tem de ter filhos?
9) As pessoas solteiras podem ser julgadas por psicologos de trazer por casa: ‘Ah, tem os gatos e o cão. É a companhia dela, coitada, para não se sentir sozinha’ (ouvido após passar com Sasha Margarida em frente às cuscas da ‘aldeia’ onde moro). Desculpem lá, por acaso tenho gatos e um cão porque gosto deles e os quero ter. São os meus meninos, pois são, mas não são placebos!
E podia continuar com n coisas parvas que se dizem sobre as mulheres com mais de 30, solteiras e sem filhos. Já para não falar na eterna discriminação de géneros: um homem com mais de 30 anos, solteiro e sem filhos, é um bon vivant, ele é que a sabe toda, . Uma mulher, nas mesmas condições, é uma triste, ninguém lhe pega, deve ser uma desgraçada ou ter problemas graves. E não me venham dizer que não. Isto é mesmo assim!
Mas hoje acordei com mau feitio e insurjo-me violentamente contra a ‘NORMA’ instituída. Sou solteira, mais de 30, e não tenho filhos, e os que têm um problema com isso, bom, que se lixem! O que eu quero é o mesmo que a Aretha: R-E-S-P-E-C-T!!!!