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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

JORGE GOMES MIRANDA

ETERNAS PERGUNTAS


Não mais as minhas mãos
penteando os teus cabelos.

Não mais o silencioso som de chegares
a cadeira para a mesa.

Não mais o gesto de colocar-te o guardanapo
de papel ao pescoço.

Não mais o cortar o peixe em pedacinhos,
retirar as espinhas.

Não mais as eternas perguntas entre
mãe e filho.


Requiem, Assírio & Alvim, Lisboa, 2005.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

JORGE GOMES MIRANDA

ARTE POÉTICA

"You have to have been in love to write poetry"
RAYMOND CARVER

Tens que ter sentido medo
angústia, desolação
pois para falar do amor
sem metáforas estivais
é preciso ter vivido em quartos lívidos,
onde um espelho,
um olhar de viés,
um sapato arremessado
prenunciam o poema.


Pontos luminosos, Averno, Lisboa, 2004.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

JORGE GOMES MIRANDA

O ERRANTE


Um dia, tínhamos decidido
faltar às aulas, perguntou-me:
«o que fazes de noite
para estares sempre tão triste de manhã?»

A noite: ruas que remetemos na memória:
a distracção para tudo o que não seja
o que lábios vêem
ou nada existir para lá do limite rugoso das

palavras, incessantes fulgores
mas que nada restituem
quando estrela alguma cinge o errante.


Curtas-Metragens, Relógio d'Água, Lisboa, 2002.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

JORGE GOMES MIRANDA

2.


No bar da estação de serviço
apenas sandes de véspera e refrigerantes
em lata, quando perguntei.
Escolheste uma mesa dos fundos,
onde a conversa fluiria sem olhares predadores.
Abandonaras Matemática havia dois anos,
a meio do curso, para viajar à boleia pela Europa.
Sem pai nem mãe por perto,
um espírito romântico presidia a todos os teus actos.
O tempo, orgulhoso canibal,
confirmaria o que ninguém ainda te ensinara:
mapas, estrelas, horários, viagens
são outro modo de dividir a solidão
por muitos lugares, o amor fortuito
uma subtracção dourada.


Postos de Escuta, Editorial Presença, Lisboa, 2003.

quarta-feira, 18 de março de 2009

JORGE GOMES MIRANDA

DIDO AND AENEAS, HENRY PURCELL


O que arde quando tudo arde
não são as torres de Cartago
mas esta cidade de sombra, transformação
fabril, cenografia marítima
que um dia quisemos fazer nossa, no início
de um milénio de míseras vozes –
lamentações com excesso de vibrato,
frases de uma elegância inexpressiva.

Sobre o mar as naus,
uma luz triunfante?
Mistificações, enganos
de fim de tarde.
Prelúdios de uma desistência
sem pantomimas
e momentos operáticos.

Os teus braços, interlúdios musicais
no estertor urbano.


Falésias, Teatro de Vila Real, 2006.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

JORGE GOMES MIRANDA

PROPOSIÇÃO


Acordam muito cedo para contemplar o dia
ainda isento de contendas.
As pernas arrastam um caminho
que só eles conhecem.
Num pequeno espelho, bastião da beleza que não morre,
agasalham o peito.
As palavras mais ternas guardam-nas
para pombos e netos. Ou quando
conversam com um filho que não chegou a nascer.

Os documentos pessoais em sacas de plástico preto
que depois os acompanham quando saem à rua.
Em Setembro olham fixamente o céu
como se quisessem compreender.
Há muito escolheram a roupa que querem levar.


Velhos, Teatro de Vila Real, 2008.