segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

A.M. PIRES CABRAL

 EU NÃO FUI SEMPRE ASSIM


Eu não fui sempre assim. Eu fiquei assim
no dia em que encontrei no meu pratinho
de arroz-doce
um pêlo do bigode de Giordano Bruno.


Caderneta de lembranças, Tinta-da-China, Lisboa, 2021.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

FERNANDO ECHEVARRÍA

 1929-2021



quinta-feira, 29 de julho de 2021

PEDRO TAMEN

 1934-2021



sexta-feira, 21 de maio de 2021

MIGUEL-MANSO

ATRÁS DA VELHA SÉ


(não trazer os limoeiros do jardim
de novo para o poema)

Lisboa já não é suficiente
faz-me falta um povoado sub-regional onde exista
precisamente este quarto musicado, sumido
entre a cal sobreposta dos séculos

lugar despojado, despido, eu tenho
fome de não comer, abater o que em mim arvora
permanecer sentado no sangue que cursa
a ribeira deste corpo e um dia secará

para que o gato sujo se aborreça
outra e outra vez sobre o muro, à sombra
dos limoeiros


Estojo, Relógio d'Água, Lisboa, 2020.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

EMANUEL JORGE BOTELHO

RUMORES


nunca se sabe de que lado está
o pássaro que guarda a entrada da noite.

a gente descobre-o quando dá rasura
ao que é de fel no dizer dos pulsos;
essa cobardia, casta e inocente,
a que o medo dá o pão e o tecto de alma.


Manual dos dias cavos, Averno, Lisboa, 2021.

quinta-feira, 18 de março de 2021

A. M. PIRES CABRAL

 A UMAS FLORES AMARELAS


Encontro-as por acaso numa ilharga
sombria do caminho. São amarelas.
Reluzem como um sol que arda na noite.

Estas flores tão densamente de ouro,
eriçadas de estames que parecem
a pelagem dum gato posto à prova,

a mim, que me comovo com igrejas singelas
de preferência a grandes catedrais,

mostram um esplendor totalmente inesperado
neste chão de pedra que ninguém diria
poder florir assim.

Ó flores cujo nome desconheço,
prolongai esse fulgor humilde em cada dia
de que ainda disponho para ver as flores,

antes de as flores virem ter comigo.


Simbioses [de Gaveta do fundo], Lema d'Origem, Carviçais, 2020.