[HÁ NAS QUINTAS DO DOURO]
Há nas quintas do Douro uma aragem de aristocracia, de ambiente de corte – vence-nos ali a indolência e a frivolidade sem era nem pressa da classe dominadora –, mas a madrinha só com fórceps poderia ter nascido para aquele mundo. O casarão dela destoaria nas margens do rio, seria o contraponto sinistro da arquitectura luminosa e diáfana que ali marca a paisagem. Não que a casa dela fosse muito diferente daquelas, ou que a madrinha nas velhas fotografias mostrasse um ar mais austero e severo do que o que apresentara nas suas a D. Antónia Adelaide Ferreira. A madrinha, pelo aspecto nas fotos antigas, poderia ser uma proprietária duriense, e a sua casa uma quinta entre vinhedos, mas quem a conhecesse não escreveria monografias hagiográficas, nem haveria colheitas com o seu nome, rótulos com o seu semblante. O seu vinho haveria de saber ao sangue azedado esquecido em pipas nas caves do castelo de Drácula e a casa pareceria o assento baronial que inspirou Branquinho da Fonseca.
A origem do ódio: Crónica de um retiro sentimental, Língua Morta, Lisboa, 2015.