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domingo, 26 de outubro de 2008

O Pecado de Kundera?

Miroslav Dvoracek

Nesta tragédia da vida real são quatro os protagonistas: Miroslav Dvoracek, ex-piloto do exército Checoslovaco, na altura espião dos EUA; Iva Militka uma jovem estudante e seu noivo Dlask (mais tarde seu marido); e Milan Kundera, comunista, ao que parece “controleiro” da residência estudantil.

Tudo se terá passado com a naturalidade de uma "brincadeira": Iva encontrou Miroslav. Este contou-lhe que vira na Alemanha um seu ex-namorado e, pediu-lhe para guardar uma maleta. Seguidamente, Iva contou ao seu namorado o encontro com Miroslav. Este, por seu turno terá informado o “controleiro”, Kundera, que terá entrado em contacto com a polícia.

Dvoracek foi, preso e condenado a 22 anos. Cumpriu 14, durante esse tempo trabalhou como um escravo nas minas de urânio. Depois foi libertado e, hoje, vive nos EUA. Nunca suspeitou que o autor da denúncia seria Kundera.

Um ditado popular, da época comunista, dizia que quando três checos se encontravam, dois deles eram informadores… Kundera, dedica muitas páginas à delação. Havia toda uma vasta gama de razões desde as “puras” (uma mente formatada pela propaganda ideológica está limitada) até às “impuras” (normalmente, relacionadas com o “sucesso pessoal”: ascensão no partido, emprego garantido perto de casa, apartamento maior, acesso a determinado produto ou loja…).

Penso, que as “secretas” procuraram que de alguma forma todos, absolutamente todos, num momento ou noutro estivessem implicados nesta actividade: verificar se os residentes de uma determinada casa eram efectivamente, aqueles que lá estavam registados; verificar se não existiam sinais exteriores de riqueza… Por vezes, para iniciar uma “relação” era pedido algo de inegável, porque inócuo: traduzir algumas páginas de um jornal estrangeiro, por exemplo.

Ninguém está a salvo destas suspeitas: Stanisław Wielgus foi forçado a resignar ao cargo de arcebispo de Varsóvia (a menos de uma hora da cerimónia) devido a suspeitas de colaboração com a Służba Bezpieczeństwapolícia secreta polaca; Lech Walesa, o lendário dirigente do Solidariedade (Solidarnosc), também não escapou aos tentáculos da história e, apesar do seu papel de dirigente sindical nos estaleiros de Gdansk e, de ter contribuído, como poucos, para o colapso do comunismo real, nem ele escapou à suspeita de ter colaborado com a secreta.

As sombras do passado caem, hoje, pesadamente sobre os protagonistas do presente. E tal como no passado, a suspeição pode ser uma arma de arremesso pronta a cair em qualquer momento.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Eterno retorno (4) - invasão da Checoslováquia


"Os crimes* do Império Russo foram sempre perpetrados ao abrigo de uma discreta penumbra. Tanto da deportação de meio milhão de lituanos e da morte de centenas de milhares de polacos, como da liquidação dos tártaros da Crimeia não restaram provas fotográficas nenhumas, ficando tais acontecimentos gravados apenas na memória como algo de indemonstrável que, mais cedo ou mais tarde, se faria passar como uma mistificação. A invasão da Checoslováquia em 1968 foi, pelo contrário fotografada, filmada e arrumada nos arquivos do mundo inteiro."
Kundera

Em Agosto 1968 o exército soviético invadiu a Checoslováquia (a 21 de Agosto chegou a Praga).
Foram necessários 5000 tanques e, de centenas de milhares de soldados para acabar com o sonho dos checos e eslovacos.

As fotos de Josef Koudelka documentam esta história de forma dinâmica. Veja-as, aqui.

***
Sobre os crimes da era estalinista, ver aqui.

"As tropas vão começar a retirar-se da Geórgia até ao final desta semana" Texto integral

sábado, 14 de junho de 2008

Seixal kitsch


“…onde um partido único detém todo o poder, não há escapatória possível ao império do kitsch totalitário.

Se digo totalitário, é porque tudo quanto pode fazer perigar o kitsch é banido da vida: não só toda e qualquer manifestação de individualismo (a mais pequena discordância é um escarro cuspido em plena cara da risonha fraternidade), toda e qualquer manifestação de cepticismo (quem começa por pôr um pequeno detalhe em dúvida, acaba por pôr em dúvida a própria vida), toda e qualquer manifestação de ironia (porque no reino do kitsch é tudo para levar a sério) […] constitui uma ameaça[…].”

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser

A imagem que o Boletim Municipal nos dá do concelho em que vivemos é a de um lugar onde a contradição fundamental está entre o bom e o melhor. Todos os problemas existentes ou pendentes, advêm do exterior nomeadamente, do “poder central”. Nesta estética, não há lugar para a contradição. Quem poderia opor-se a um poder que já está entre o bom e o melhor e que se encaminha, presumivelmente, para o óptimo??

Só espíritos delirantes, loucos ou malévolos. Por esta razão, nos países do socialismo real estas" almas perdidas" são enviadas para o hospital psiquiátrico ou, para algum gulag. Por esta razão, neste concelho (onde existe até uma “freguesia florida”, existirá algo de mais kitsch?) os que questionam as opções da edilidade ou, os que a censuram são tolerados com dificuldade. Vários episódios recentes comprovam precisamente esta dificuldade em conviver com o contraditório. Os comentários deixados no a-sul pelos acérrimos defensores dos padrões do kitsch local, os acontecimentos lamentáveis da assembleia municipal e da reunião de câmara… e agora isto: aquando da visita do executivo camarário à Feira [da Terra], este viu foi com desagrado o abaixo-assinado exposto [para que não se licencie um estabelecimento para a engorda artificial de peixes que uma empresa privada pretende instalar no Sapal de Corroios, e para que seja preservada esta zona húmida que é a mais bem conservada de todo o estuário do Tejo, a sul de Alcochete, abrangida pela legislação da Reserva Ecológica Nacional], razão pela qual a organização daquele evento retirou abusivamente aquele documento do stand do Grupo Flamingo.”

…mas não haverá mesmo escapatória ao totalitarismo deste kitsch?

Outros posts sobre a estética totalitária no Seixal: aqui, aqui e aqui.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Profeta de um mundo sem memória

“O tempo do romance de Kafka é o tempo de uma humanidade que perdeu a continuidade com a humanidade, de uma humanidade que já não sabe nada e que já não se lembra de nada e habita as cidades que não têm nome e cujas ruas são ruas sem nome ou então têm um nome diferente daquele que tinham ontem, porque o nome é uma continuidade com o passado e as pessoas que não têm passado são pessoas sem nome.”

Kundera, Milan
O Livro do Riso e do Esquecimento

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O Deserto do Esquecimento Organizado



‘Para liquidar os povos, dizia [Milan] Hübl, começa-se por lhes tirar a memória. Destroem-se os livros, a cultura, a história. E outra pessoa qualquer escreve-lhes outros livros, dá-lhes outra cultura e inventa-lhes outra história. E depois o povo começa lentamente a esquecer o que é e o que era. O mundo à volta esquece ainda mais depressa.’

Milan Kundera, O Livro do Rio e do Esquecimento.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Gerir a História

"Em, Fevereiro, 1948, o dirigente comunista Klement Gottwald subiu à varanda de um palácio barroco de Praga para falar às centenas de milhares de cidadãos aglomerados na praça velha da cidade. Foi uma grande viragem na história da Boémia. Um momento fatídico, como acontece uma ou duas vezes por milénio.

Gottwald fazia-se acompanhar pelos camaradas, e ao lado, muito perto, estava Clementis. Nevava, fazia muito frio, e Gottwald vinha de cabeça descoberta. Clementis, muito solícito, tirou o gorro em pele que trazia e colocou-o na cabeça de Gottwald.
A secção de propaganda fez centenas de milhares de exemplares da fotografia de onde Gottwald, de gorro de pele e rodeado pelo camaradas, fala ao povo.[...]
Quatro anos mais tarde, Clementis foi acusado de traição e enforcado. A secção de propaganda fez com que ele desaparecesse imediatamente da História e, como é evidente, de todas as fotografis. A partir daí, Gottwald está sozinho na varanda. [...] De Clementis resta o gorro em pele na cabeça de Gottwald."

Milan Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento