terça-feira, maio 31

a noite pede música

...para quem, como eu...


...gosta de ler Leonardo Padura...

A Sociologia é um desporto de combate


Amanhã, no Anfiteatro 1 da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, às15h30, apresentação do filme “A Sociologia é um desporto de combate”. A entrada é livre.

Sabes de onde veio o teu nome?


[...]

Sabes de onde veio o teu nome?

Chegou ao mundo como o tigre e a esmeralda, cumpriu a

imensa viagem

pelos rios e pelas perguntas,

atravessou feridas e penínsulas, chegou tão devagar

como uma mulher ou uma espiga. Andou ardendo

pelas raízes, pelas algas, pela tristeza e pelo barro,

voltou cheio de paz e está agora dançando entre as minhas

pálpebras.

[...]

Joaquim Pessoa in NOMES, Litexa Editora, 2002

As respostas do Carlos Azevedo


Entre outros, anda a ler "Os dias da Revolução" da Alexandra Lucas Coelho. Releu  inúmeras vezes e continuará a reler "A Gravidade e a Graça", de Simone Weil e jamais conseguiu esquecer a cena final de Everyman, de Philip Roth. As últimas linhas: «He went under feeling far from felled, anything but doomed, eager yet again to be fulfilled, but nonetheless, he never woke up. Cardiac arrest. He was no more, freed from being, entering into nowhere without even knowing it. Just as he'd feared from the start.» As respostas do Carlos AQUI

segunda-feira, maio 30

Sempre o mar fascinará


Sempre o mar fascinará aqueles a quem o fastio da vida e a atracção do mistério deram antecipadamente os primeiros desgostos, como um pressentimento da insuficiência da realidade para os satisfazer. Os que têm necessidade de repouso antes de terem experimentado qualquer fadiga, esses terão o consolo do mar, o mar há-de exaltá-los vagamente. O mar não tem como a terra vestígios dos trabalhos dos homens e da vida humana. No mar nada permanece, tudo por lá passa de fugida e, dos barcos que o percorrem, depressa o rasto de desvanece! Daí aquela grande pureza que as coisas da terra não possuem. E esta água virgem é muito mais delicada do que a terra endurecida que tem de ser aberta pela enxada. O passo de uma criança na água cava nela um sulco profundo com um ruído claro e os cambiantes unidos da água ficam por isso momentaneamente rompidos; depois apagam-se todos os vestígios e o mar tornou a ficar tão calmo como nos primeiros dias do mundo. O que está cansado dos caminhos da terra ou que adivinha, antes de ter experimentado, como eles são ásperos e vulgares, ficará seduzido com as pálidas rotas do mar, mais perigosas e doces, incertas e desertas. Tudo nele é mais misterioso, até as grandes sombras que por vezes flutuam serenamente sobre os campos nus do mar, sem casas e sem sombras, e que nele estendem as nuvens, esses lugares terrestres, essas vagas ramarias.

O mar tem o encanto das coisas que não se calam de noite, que para a nossa vida inquieta são uma autorização para dormir, uma promessa de que não vai tudo cair no nada, como a luz para as crianças que se sentem menos sós enquanto ela brilha. O mar não está separado do céu, como está a terra, o mar está sempre em harmonia com as cores, impressiona-se com os seus mais delicados cambiantes. Brilha ao sol e parece todas as noites morrer com ele. E depois de ele ter desaparecido, continua a lamentá-lo, a conservar um pouco de recordação luminosa, face à terra uniformemente escura. É o momento dos seus reflexos melancólicos e tão doces que, olhando-os, se sente o seu coração desfazer-se. Quando a noite está prestes a cair e o céu escurece sobre a terra enegrecida, o mar continua a luzir levemente, não se sabe por que mistério, por que brilhante resquício do dia submerso sob as águas.

O mar refresca a nossa imaginação porque não faz pensar na vida dos homens, mas alegra a nossa alma porque, tal como ela, é aspiração infinita e impotente, ímpeto incessantemente quebrado, lamento eterno e doce. Ele encanta-nos, como a música, que não traz em si, como a linguagem, vestígios das coisas, que nada nos diz dos homens, mas imita os movimentos das nossas almas. Erguendo-se com as vagas, caindo com elas, o nosso coração esquece as suas próprias fraquezas e consola-se numa harmonia íntima entre a sua tristeza e a do mar, que confunde o seu destino e o das coisas.

in ”Os Prazeres e os dias“, Marcel Proust (Tradução de Manuel João Gomes, Ed. Estampa)

[desviado daqui]

a noite pede música



Sophia

Enquanto dormes


Enquanto dormes constrói-me um rosto de luz, no limbo do teu sonho. Toca-o e acorda-me. Caminha comigo, peço-te, na inquietação daquele rosto, e nesta alegria suspensa na solidão.

Há séculos que te esperava para fugirmos. E não sabia que a fuga era possível pelas estradas de giestas em direcção ao mar. Dorme e consente que o meu coração escute o teu. Quero arder contigo, nesta eternidade feita de pontes atravessadas, kms nocturnos e segundos de asfaltos.

Al Berto

domingo, maio 29

...without an eraser...

a noite pede música

Modernismos e Modernistas

«Nos dias 20 e 21 de Junho de 2011 na Universidade Nova de Lisboa ocorrerão as Jornadas do Instituto de Estudos sobre o  Modernismo. O tema deste ano será «Modernismos e Modernistas». Pesquisadores consagrados apresentarão ao público interessado as suas investigações sobre o Modernismo português. Haverá espaço para debate e serão apresentados aspectos inéditos de autores que modificaram o curso da literatura portuguesa como: Fernando Pessoa e Almada Negreiros. As Jornadas constituem no dizer da  Professora Doutora Teresa Rita Lopes - directora do IEMo - um "abrir do laboratório" para que todos os estudiosos e interessados no Modernismo português possam conhecer e interagir com as pesquisas realizadas no Instituto de Estudos sobre o Modernismo. Serão também realizadas duas exposições, uma de fotografias de Claire Xavier inspiradas no Livro do Desassossego, outra de Pessoas em pasta de papel de Rinoceronte. O público poderá também assistir a uma encenação da peça O Marinheiro
Fonte: aqui

As respostas de MCS




O Marco já respondeu ao desafio :) Anda a ler “Winesburg, Ohio”, Sherwood Anderson e “Histórias para uma noite de calmaria”, Tonino Guerra. E tal como o prof. Eduardo Lourenço, um dia há-de reler. Para já, lê. E muito... Ora, espreitem...


imagem: Sherwood Anderson on the steps of "Rosemont"


Vamos às compras [pavilhões A39 e A41]


A poesia vai acabar, os poetas

vão ser colocados em lugares mais úteis.

Por exemplo, observadores de pássaros

...(enquanto os pássaros não

acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao

entrar numa repartição pública.

Um senhor míope atendia devagar

ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum

poeta por este senhor?» E a pergunta

afligiu-me tanto por dentro e por

fora da cabeça que tive que voltar a ler

toda a poesia desde o princípio do mundo.

Uma pergunta numa cabeça.

— Como uma coroa de espinhos:

estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

Manuel António Pina

sábado, maio 28

O que se pode dizer...




O que se pode dizer pode ser dito claramente; e aquilo de que não se pode falar tem de ficar no silêncio.

Ludwig Wittgenstein

sexta-feira, maio 27

a noite pede música

...amor é...


...mudar de passeio, mudar de cidade, mudar de sentidos, mudar de céu, mudar de vida...

...por uma tarte de limão!

[bom fim-de-semana ;)]

As respostas de Bípede Falante


As respostas da querida Bípede Falante deixaram-me uma urgência:
ir a correr comprar Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar...

É  - só - o livro que «leu dez vezes e que seguirá lendo e relendo até o livro gastar. O que não será um problema porque eu tenho um segundo exemplar guardadinho para esse dia ahahahaha, e que ninguém chame a polícia ou um analista, que o caso é de amor e não de obsessão». 
Percebem, agora, porque não posso ir sossegada... de fim-de-semana?

As respostas de Prof. Funes


O provável dono da maior biblioteca tentada e não lida do mundo cujo único encanto [e mais dois ou três atributos, vá...] é escolher ler as "Obras completas de Jorge Luís Borges" até ao fim dos seus dias, respondeu às 10 perguntas sobre livros... AQUI 

quinta-feira, maio 26

... a evolução...


[fabuloso :) obrigada MCS]

a noite pede música



[ ...na data do seu aniversário... Miles Davis...]

Rabos de Lagartixa


O primeiro livro que li deste autor foi Últimas Tardes com Teresa. Queria muito ler este - Rabos de Lagartixa. Alguém adivinhou :) e cá está ele, acabadinho de chegar da feira do livro!

Entrevista com Juan Marsé AQUI

[S] hort [M] essage [S] ervice de utilidade pública


[...já o li; já o ofereci.
 hoje - dizem-me - é livro do dia (metade do preço)
na feira do livro, acabadinha de inaugurar...]

Ingo Schulze

Não imaginava que houvesse um...




«A ideia de promover uma festa para aproximar e mobilizar as pessoas contra o isolamento nasceu em 1990, através de um grupo de amigos que criou a associação «Amigos de Paris» (Paris d'amis). O sucesso da iniciativa foi notório, e a sua internacionalização deu-se a partir de 2003. Desde então, todos os anos mais cidades e países têm vindo a aderir a este evento. Esta iniciativa tem lugar na última semana do mês de maio [ dia 28]  e visa combater a apatia e fomentar o convívio entre pessoas que vivem ou trabalham na mesma zona. É uma grande oportunidade para os cidadãos se mobilizarem, criando um espaço de encontro e de socialização. Conhecer os vizinhos ajuda à coesão social, a uma melhor vida em conjunto e cria novos laços de solidariedade entre as pessoas.»

imagem:J. Pedro de Martins


Capitán Salgari


[...por Fernando Savater...aqui ...]

quarta-feira, maio 25

Perguntas difíceis...


[... e sem-se-ver lá nos vai lançando desafios... :) cá está ;)]

1 - Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
- Existem vários. Há livros de que sinto saudades.
2 - Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
 - Quando, às primeiras páginas, não gosto de um livro, não insisto.
3 - Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
 - Mas isto é lá pergunta que se faça!
4 - Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
- Muitos. Muitíssimos.
É uma conta-corrente...não param de entrar livros e não há modo de ganhar mais tempo...
5- Que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?
A cena que me ocorre, agora, é a de Noites Brancas, do Dostoiévski .
6- Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
 - Tinha o hábito de ler tudo... adorava ler, tal como hoje. Li, inclusivamente, o que não era ajustado à minha idade e que a minha mãe me tirava, quando dava conta, como o livro do Erico Veríssimo, Olhai os Lírios do Campo...e O Amor de Perdição, do Camilo, que li até ao fim, banhada em lágrimas. Tinha 14 anos.
Li todas as histórias de Os irmãos Grimm, nomeadamente O Flautista de Hamelin, que adorava. Tinha um livro que trazia o disco... ;Tom Sawyer ; O meu pé de laranja Lima; O gato malhado e a andorinha sinhá; O gato das botas... - que saudades - enfim, continuando...Os Cinco e Os Sete de Enid Blyton; Carlota...de Gretha Stevns. Há um livro – que contava a lenda de Guilherme Tell – cujas imagens recordo muitas vezes. A maça pousada na cabeça do seu filho, ele coagido a disparar a besta. A minha ânsia e a minha emoção quando ele acerta em cheio no fruto e, depois, explica porque levava duas setas...essa história marcou-me bastante.
Ainda, muita banda desenhada que adorava! [adoro] Desde Patinhas, Peninha, Zé Carioca, Pateta. Mafalda, Tin-Tin e, claro, Asterix - todos - onde aprendi muita História.
Todas as histórias da minha absolutamente querida Sophia – A Menina e o Mar, O Cavaleiro da Dinamarca, O Rapaz de Bronze...Matilde Rosa Araújo e alguns poemas do Sidónio Muralha que ainda hoje sei de cor, como por exemplo, o Bichinho de conta...
E, é verdade! As Crónicas do Fernão Mendes Pinto em BD...onde havia um jogo engraçado como o nome do cronista: Fenão, Mentes? Minto...:)
7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?
Nunca levei nenhum livro que tivesse achado chato até ao fim... são muito poucos...os que comecei e não terminei.
8. Indica alguns dos teus livros preferidos.
TANTOS! [Segue a lista ao sabor do imediato] Os Maias, Eça de Queirós [e todos];Para Sempre, Vergílio Ferreira [e todos]; Sinais de Fogo, Jorge de Sena; De Profundis Valsa Lenta, José Cardoso Pires [e outros] Reduto Quase Final, Dinis Machado; Longos Dias Têm 100 Anos, Agustina Bessa-Luís [e outros]; A Costa dos Murmúrios, Lídia Jorge [e outros]; Ficções, Borges [e outros]; O Homem sem Qualidades, Musil; O Idiota, Fiódor Dostoiévski [e outros]; Os dados estão lançados, Jean-Paul Sartre; Ondas, da Virginia Woolf [e outros]; Menina e Moça, Bernardim Ribeiro; Senhor Palomar, Calvino; O Monte dos Vendavais, Emily Brontë; A Montanha Mágica, Tomas Mann; Viagem ao Fim da Noite, Céline; Golpe de Misericordia, Marguerite Yourcenar [e outros]; O Ano da Morte de Ricardo Reis, Saramago [e outros]; Tratado das paixões da alma, do António Lobo Antunes [e outros]; O Segredo de Joe Gould, Joseph Michell [obrigada Teresa. Sempre]; As Horas, Michael Cunningham; Somos o Esquecimento que Seremos, Héctor Abad Faciolince; O desaparecido, Franz Kafka [e outros]; O Véu Pintado, Somerset Maugham; A volta ao dia em oitenta mundos,Cortázar; Os homens esquecidos de deus, Cossery;  O Amor nos Tempos de Cólera, Garcia Marquez; A Peste, Albert Camus; Assim Falou Zaratustra, Nietzsche; O Desespero Humano, Kierkegaard... - isto é demoníaco :) - 
É angustiante porque ...faltam tantos...e biografias – vício –e poesia, início...
9. Que livro estás a ler neste momento?
A Praia, Cesare Pavese e Adoecer, Hélia Correia. Este último está mesmo no fim.
A seguir, à minha espera na feira do livro, Por este Mundo Acima, Patrícia Reis.
10. Indica dez amigos para o Meme Literário:

a noite pede música



[ ...e hoje, à última da hora, lá fui eu...obrigada... a quem fez acontecer...]

...never fails...

Não foi só o que escreveste


Não foi só o que escreveste, é o que está dentro do que escreveste. O que está à volta e, também, o que está para trás. Estou certa de que compreendes.
Já na esplanada mais próxima, quis domar-me. Olhei à volta, tentando imaginar os teus cubanos em cada pessoa ao meu redor. Imaginar ameniza qualquer tempestade.
Só retive o sorriso feio de um homem bonito e o encantamento de uma criança com uma minúscula aranha na mesa ao meu lado. E pensei no séquito de animais que te rodeiam. Depois, enquanto bebia o café, pensei ainda no futuro do que escreveste. E sorri.
Deu-me para te ler, em vez de trabalhar e, agora, estou aqui, literalmente a ver passar os eléctricos, sem vontade de fazer o que tenho de fazer.
Às vezes não há forma de fugir das tempestades que se fazem cá dentro e nos levam à esplanada mais próxima. Como se tratasse de um reboliço de palavras impeditivas.
Tinha mesmo de te escrever. Para o dia continuar.
Tinha a carta cá dentro. Talvez fosse isso a incomodar-me. É que tenho muitas cartas cá dentro, como se fosse um marco atulhado e esquecido. Que as cartas que vou escrevendo e não chegam ao destino são infinitas. Também já te disse que gosto de escrever cartas, não disse?

Hoje, quando voltei a ler sobre o teu filme sobre o que sentes quando vais ao cinema, sobre os bastidores da história que estás a viver, a aprender e a escrever, nessa tentativa de decalcar a realidade ou não, comovi-me. Mas tu comoves-me com frequência. A questão não é essa. Foram todos os outros filmes que se acenderam com as tuas palavras. A magia e a ilusão da vida. Com as luzes todas apagadas. Como se o mundo inteiro fosse uma sala de cinema.
A cores e a preto e branco, músicas de uns, diálogos de outros. Pessoas reais, que amo, e outras inventadas, em que acredito, todas a dialogarem. A dizeram coisas novas e antigas...

... amanhã ...

Informação aqui

legendas [faz de conta]


[...mas também há dias bons...]

Italo Calvino em Faro



A HORA DOS CLÁSSICOS” - Ciclo Literário


Leia e venha discutir as leituras!

27 de Maio, às 18 horas, na Biblioteca Municipal de Faro

terça-feira, maio 24

Só sei que tinha o poder de uma criança


Na minha juventude antes de ter saído

da casa dos meus pais disposto a viajar

eu conhecia já o rebentar do mar

das páginas dos livros que já tinha tido

Chegava o mês de maio era tudo florido

o rolo das manhãs punha-se a circular

e era só ouvir o sonhador falar

da vida como se ela houvesse acontecido

e tudo se passava numa outra vida

e havia para as coisas sempre uma saída

Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer


Só sei que tinha o poder duma criança

entre as coisas e mim havia vizinhança

e tudo era possível era só querer
 
Ruy Belo

a noite pede música

Conversas...


[...a ouvir com muita atenção! na próxima quinta-feira... com o jornalista Alfredo Mendes e não só...
a não perder!]

Novos caminhos para a BD



[obrigada, Cristina]

Bob Dylan

non-stop em Serralves

[S] hort [M] essage [S] ervice


[faz o favor de ser feliz.

Policarpo Quaresma e Lamartine Babo no Teatro São João

«Do outro lado do Atlântico chegam-nos duas criações de Antunes Filho – encenador que participou activamente do movimento de renovação cénica do Brasil desde os anos 1960 – que nos proporcionam um mergulho na cultura e na identidade brasileiras: Policarpo Quaresma, adaptação da obra-prima de Lima Barreto, e Lamartine Babo, espectáculo sobre um dos maiores compositores de música popular do Brasil. Os dois espectáculos tratam, cada um a seu modo, do Rio de Janeiro, cidade que protagonizou decisivas transformações nos costumes e na vida política do Brasil.

Adaptação do romance escrito há precisamente um século por Lima Barreto, um dos mais destacados escritores libertários brasileiros, Policarpo Quaresma projecta-nos contra o pano de fundo da instauração da república no Brasil, no final do séc. XIX. Nele se encena o trágico trajecto de um inesquecível anti-herói da literatura brasileira, personagem erigida em símbolo pela sua devoção à causa nacional. Ao conjugar linguagens como as da commedia dell’arte, do circo, do teatro de revista, das operetas e do cinema dos Irmãos Marx, Antunes Filho transforma a sucessão de decepções desse Quixote brasileiro num viscontiano ballet cénico, imageticamente transbordante.
Por seu turno, Lamartine Babo é um “musical dramático” – e artesanal, nos antípodas dos plastificados musicais de franchising. Encenado por Emerson Danesi, companheiro de estrada de Antunes Filho no Centro de Pesquisa Teatral, o espectáculo é atravessado pelas canções do compositor carioca Lamartine Babo, ícone de criatividade e irreverência, célebre pelas suas marchas carnavalescas e pelos hinos compostos para clubes de futebol.
Com Policarpo Quaresma e Lamartine Babo, Antunes Filho aprofunda a vasta investigação sobre a identidade brasileira iniciada com o já lendário Macunaíma, espectáculo de 1978 que marcou um ponto de viragem na cena teatral do Brasil. E perfaz a sua trilogia dedicada ao Rio de Janeiro, iniciada com A Falecida Vapt-Vupt, encenação da “tragédia carioca” de Nelson Rodrigues que o TNSJ apresentou em 2009.»
Fonte: AQUI
 
[...obrigada Philippe...]

As palavras [são por vezes um clarão no dia calcinado]


Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo

As palavras identificam-se com o asfalto negro

o tropel das nuvens

a espessura azul das árvores acesas pelos faróis

o rumor verde

As palavras saem de um ferida exangue

de teclas de metal fresco

de caminhos e sombras

da vertigem de ser só um deserto

de armas de gume branco

Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos

e há palavras como giestas vivas

Matrizes primordiais matéria habitada

forma indizível num rectângulo de argila

quem alimenta este silêncio senão o gosto de

colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?

As palavras vêm de lugares fragmentários

de uma disseminação de iniciais

de magmas respirados

de odor de gérmen de olhos

As palavras podem formar uma escrita nativa

de corpos claros

Que são as palavras? Imprecisas armas

em praias concêntricas

torres de sílex e de cal

aves insólitas

As palavras são travessias brancas faces

giratórias

elas permitem a ascensão das formas

elevam-se estrato após estrato

ou voam em diagonal

até à cúpula diáfana

As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado


Que enfrentam as palavras? O espelho

da noite a sua impossível

elipse

Saem da noite despedaçadas feridas

e são signos do acaso pedras de sol e sal

e da sua língua nascem estrelas trituradas


António Ramos Rosa [de Gravitações,1984]

segunda-feira, maio 23

Palma [s] ...


[gosto dele. que é como quem diz, dos filmes dele]

a noite pede música

Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou


Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou cego

seguindo as mãos - sim, toco as palavras nas suas superfícies

e utensílios.


A primeira palavra que os olhos viram, agora que a recordo,

parecia uma imagem - sim, um som desenhado como um fóssil

(falo de fóssil, mesmo

que ele demore muito a aparecer no que digo),

um som do tamanho de um azulejo: agora que me lembro que era uma palavra


que brilhava nos meus olhos ao vê-la

(ver uma palavra era uma planta muito diferente,

um oxigénio muito difícil de se respirar).


Sim, agora vejo que falo, embora possas pensar que sigo pelo tacto a escrita.

Sim, eu leio e decifro. E agora sei que oiço as coisas devagar.


Daniel Faria, Poesia, Quasi Edições, 2003

domingo, maio 22

Por este mundo acima


[é já amanhã, às 18.30, em Lisboa.
valter hugo mãe apresenta POR ESTE MUNDO ACIMA de Patrícia Reis.. Ora marque aí na agenda sff.]

a noite pede música

Fado Azul


[...é já dia 31 de Maio, no Casino da Figueira...FADO AZUL...de Helena Sarmento... a não perder!]

Cada homem...


Cada homem deve inventar o seu caminho.

Creativity...

Santa Rita de Cássia


Eu gosto tanto de biografias como de hagiografias. Foi ao ler estas últimas que aprendi que o dia dos santos se comemora no dia da sua morte. Hoje, em diversos pontos do país e do mundo, os crentes católicos comemoram o dia de Santa Rita de Cássia.

Uma santa recente na minha vida - comparada com Santa Teresa ou São Francisco ou Santo Agostinho - e cuja vida me fascina. Tanto que há três anos, fui lá, a Cássia. Uma terrinha "no coração verde" de Itália...imensamente serena, apesar de Assis ser feita de uma paz que nunca tinha experimentado.

Na imagem, vemos o interior da basílica de Santa Rita de Cássia. Projecto original de Monsenhor Chiapetta, modificado por G. Calori e G. Martinenghi. A colocação da primeira pedra data de 20 de junho de 1937. O interior da igreja - belíssimo - «em cruz grega, é constituído por uma cúpula central e quatro absides. Vê-se, pelas paredes, em painéis de mármore branco, a Via-Sacra de Pellini. O grande púlpito em Noz, bem visível, é do escultor Emilio Monti, enquanto ao centro da basílica, sobre o pavimento, está o brasão de Pio XII em mármore de diversas cores. O conjunto dá uma impressão de grande vivacidade. É uma igreja cheia de luz e cores, mas com um tom místico. [...] A cúpula e a restante composição é contínua, cobrindo uma superfície de 300 m2 pintada como um verdadeiro afresco, assinado por Luigi Montanarini».

[...de resto - querida Sónia - claro que há rosas no inverno...e o que mais me encanta é que, até tu, acreditas nisso :)]

porque sim



[...porque está quase a chegar e eu quero ver...]

sexta-feira, maio 20

Experimento então esta liberdade nova:


Experimento então esta liberdade nova: Que desejas tu saber se é verdadeiro e que modo de verdade interessa à tua interior coisa verdadeira? — O amor, respondi eu, o amor. Desejo saber a verdade do amor, respondi eu, segundo a verdade do amor.


Não está mal, pensei bem dentro de mim, enquanto andava de um lado para o outro dos dias, não está mal para começar.

Era então o amor. O amor queima as mãos, disse a minha pequena sabedoria, e as vísceras. A ciência também queima as mãos. E o medo também. Tudo queima as mãos. Precisas escolher o teu fogo.

Escolho o fogo do amor, respondi eu. E experimentei esta nova liberdade.

Estou no centro dos meus poderes — disse. — Estou no meu crime.

Que coisa era o amor para que eu o amasse assim? O amor é escrever-me, transcrever-me, traduzir-me, colocar-me. É pegar em mim, e pôr-me ao mesmo tempo dentro e fora de mim; e reconhecer outra pessoa, trazê-la, rescrevendo-a, e pô-la dentro e fora de si, e tudo se encontrar. E o tempo? O tempo no tempo. E o lugar? O lugar no lugar.

Mas isso mata — pensei eu.

Sim, isso mata — respondi. — Isso queima as mãos, e mata verdadeiramente.

Experimentei esta nova liberdade, e vi que era a loucura que eu esperara como quando se está sem casa e se faz a gente arquitecto, para construir uma casa e dizer: Eis a minha casa. Edificar a casa era queimar as mãos, coisa realmente mortal. E, depois de haver casa, podia-se entrar nela com a nossa morte.

Herberto Helder

Exercício Corporal III in Poesia Toda , 1953–1980, Assírio e Alvim, 1981

imagem: Lucia Messeguer

Never Simple.

a noite pede música

Filipa Leal na Comunidade de Leitores da Almedina

“A Cidade Líquida e Outras Texturas”, “O Problema de Ser Norte” e a “Inexistência de Eva” (todos da Deriva Editores) são os livros de FILIPA LEAL que vão pairar na tertúlia da Comunidade de Leitores da Almedina do Arrábida Shopping, no próximo sábado, dia 21 de Maio, pelas 17 horas. Nesta sessão do ciclo “Porto de Partida”, vai ser possível assistir, também, à leitura de poemas feita pela própria autora. A entrada é livre.

Filipa Leal encara o Porto como “mais do que um porto de partida” e sim “um porto de chegada.” A escritora explica que nunca partiu “verdadeiramente: escrevi um dia que somos uma espécie de aves com raízes, isto porque nunca partimos verdadeiramente de nós próprios. É aqui que regresso sempre, e também é aqui que regresso quando ando à procura de mim. Como escrevi n’«A Cidade Líquida e Outras Texturas», “Demoro-me/ No ventre desta cidade/ que nenhum navio abandonou/ porque lhe faltou a água para a partida“.
Apesar de nenhum dos livros apresentados na sessão pretender ser um “retrato do Porto”, Filipa Leal confessa que “nele encontramos certamente as ruas de que sou feita quando ele me fez”.
A também jornalista deixa um desafio a todos aqueles que queiram participar na sessão: ela servirá para mostrar “a poesia como lugar onde nos podemos reunir”.
NOTA BIOGRÁFICA
Filipa Leal (Porto, 1979) formou-se em Jornalismo na Universidade de Westminster, Londres, e concluiu o Mestrado em Literatura (Estudos Portugueses e Brasileiros) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Fez uma passagem pela Rádio Nova, e foi editora do suplemento «Das Artes, Das Letras» no jornal O Primeiro de Janeiro. Actualmente, é jornalista no Diário Câmara Clara (RTP2) e colaboradora da Casa Fernando Pessoa. Depois de um ano de formação no Balleteatro do Porto, começou a participar, em 2003, em espectáculos de poesia no Teatro do Campo Alegre (Porto), ciclo Quintas de Leitura, e desde então tem feito leituras em diversos locais do país (Centro Cultural de Belém, Casa das Artes de Famalicão, Palácio de Belém, Fundação Eugénio de Andrade, entre outros). Publicou vários livros de poesia, de que se destaca «A Cidade Líquida e Outras Texturas» (publicado também em Espanha, pela editora Sequitur) e «A Inexistência de Eva» (Deriva editores). Está representada em antologias em Itália, Croácia, Colômbia e Galiza, e um dos seus poemas foi musicado pelo Bando dos Gambozinos para o álbum «Com Quatro Pedras na Mão». Foi finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa (Correntes d’Escritas) em 2011, com o livro «A Inexistência de Eva».

Desviado, na íntegra, DAQUI

a noite pede música



[obrigada JD]

quarta-feira, maio 18

A cinza da batalha...

A cinza da batalha
dissolvida em fragor,
depois levada
na garupa do tempo,
no vento das suas crinas

não será mais
                       eu sei

do que a minha alma,
morta para a tua glória,
dispersa no seu próprio esquecimento.

Carlos de Oliveira

a noite pede música



[...saudades...do mar...]

A Sociedade é a imagem do Homem



O aperfeiçoamento da Humanidade depende do aperfeiçoamento de cada um dos indivíduos que a formam. Enquanto as partes não forem boas, o todo não pode ser bom. Os homens, na sua maioria, são ainda maus e é, por isso, que a sociedade enferma de tantos males. Não foi a sociedade que fez os homens; foram os homens que fizeram a sociedade.


Quando os homens se tornarem bons, a sociedade tornar-se-á boa, sejam quais forem as bases políticas e económicas em que ela assente. Dizia um bispo francês que preferia um bom muçulmano a um mau cristão. Assim deve ser. As instituições aparecem com as virtudes ou com os defeitos dos homens que as representam.


Teixeira de Pascoaes, in A Saudade e o Saudosismo


imagem: Teixeira de Pascoaes por António Carneiro

Coisas que só eu sei


[...] O cetim arrependeu-se da aspereza com que recebera os atenciosos olhares daquela incógnita, que principiava a fazer-se valer como tudo aquilo que apenas se conhece por uma face boa. O cetim juraria, pelo menos, que aquela mulher não era estúpida. E, seja dito sem tenção ofensiva, já não era insignificante a descoberta, porque é mais fácil descobrir um mundo novo que uma mulher ilustrada. É mais fácil ser Cristóvão Colombo que Emílio Girardin. O cetim, ouvida a resposta do veludo, ofereceu-lhe o braço, e gostou da boa vontade com que lhe foi recebido.
- «Conheço » diz ele « que o teu contacto me espiritualiza, belo dominó… »
- « Belo, me chamas tu !… É realmente uma leviandade que te não faz honra !… Se eu levantasse esta sanefa de seda, que me faz bonita, ficavas como aquele poeta espanhol que soltou uma exclamação de terror na presença de um nariz… que nariz não seria, santo Deus !… Não sabes essa história ? »
- «Não, meu anjo ! »
- « Meu anjo !… Que graça ! Pois eu ta conto. Como o poeta se chama não sei, nem importa. Imagina tu que és um poeta, fantástico como Lamartine, vulcânico como Byron, sonhador como MacPherson e voluptuoso comoVoltaire aos 60 anos. Imagina que o tédio desta vida chilra que se vive no Porto te obrigou a deixar no teu quarto a pitonissa descabelada das tuas inspirações, e vieste por aqui dentro a procurar um passatempo nestes passatempos alvares de um baile de Carnaval. Imagina que encontravas uma mulher extraordinária de espírito, um anjo de eloquência, um demónio de epigrama, enfim, uma destas criações miraculosas que fazem rebentar uma chama improvisa no coração mais de gelo, e de lama, e de toucinho sem nervo. Ris ? Achas nova a expressão, não é assim ? Um coração de toucinho parece-te uma ofensa ao bom senso anatómico, não é verdade ? Pois, meu caro dominó, há corações de toucinho estreme. São os corações, que resumam óleo em certas caras estúpidas… Por exemplo… Olha este homem redondo, que aqui está, com as pálpebras em quatro refegos, com os olhos vermelhos como os de um coelho morto, com o queixo inferior pendente, e o lábio escarlate e vidrado como o bordo de uma pingadeira, orvalhada de banha de porco… Esta cara não te parece um grande rijão ? Não crês que este baboso tenha um coração de toucinho ? »
- « Creio, creio ; mas fala mais baixo que o desgraçado está gemer debaixo do teu escalpelo… »
- « És tolo, meu cavalheiro ! Ele entende me lá !… É verdade, aí vai a história do espanhol, que tenho que fazer… »
- « Então queres deixar-me ? »
- « E tu ?… Queres que eu te deixe ? »
- « Palavra de honra que não ! Se me deixas, retiro-me… »
- « És muito amável, meu querido Carlos… »
- « Conheces-me ? ! »
- « Essa pergunta é ociosa. Não és tu Carlos ! »
- « Já falaste comigo na tua voz natural ? »
- « Não ; mas começo a falar agora. »

E com efeito falou. Carlos ouviu um som de voz sonora, metálica e insinuante. Cada palavra daqueles lábios misteriosos saía vibrante e afinada como a nota de uma tecla. Tinha aquele não-sei-quê que só escuta nas salas onde falam mulheres distintas, mulheres que obrigam a gente a prestar fé aos privilégios, às prerogativas, aos dons muito peculiares da aristocracia do sangue. Todavia, Carlos não se recordava de ter
ouvido semelhante voz, nem semelhante linguagem.
« Uma aventura de romance ! » dizia ele lá consigo, enquanto o dominó-veludo, conjecturando o enleio em que pusera o seu entusiasta companheiro, continuava a fazer gala do mistério, que é de todas as alfaias aquela que mais alinda a mulher ! Se elas pudessem andar sempre de dominó ! Quantas mediocridades em inteligência rivalizariam com Jorge Sand ! Quantas fisionomias infelizes viveriam com a fama da mulher de Abal el-Kader !
- « Então quem sou eu ? » prosseguiu ela. « Não me dirás ?… Não dizes… Pois então, tu és Carlos, e eu sou Carlota… Fiquemos nisto, sim ? »
- « Enquanto eu não souber o teu nome, deixa-me chamar-te de « anjo » . »
- « Como quiseres ; mas sinto dizer-te que não és nada original ! Anjo !… É um apelido tão safado como Ferreira, Silva, Souza, Costa… et cetera. Não vale a pena questionarmos : baptiza-me à tua vontade. Ficarei sendo o teu « anjo de Entrudo ». E a história ?…
Imagina que te possuías de um amor impetuoso por essa mulher, que fantasiaste linda, e insensivelmente lhe
curvaste o joelho, pedindo-lhe uma esperança, um sorriso afectuoso através da máscara, um aperto convulsivo de mão, uma promessa, ao menos, de se mostrar um, dois, três anos depois. E essa mulher, cada vez mais sublime, cada vez mais literata, cada vez mais radiosa, protesta eloquentemente contra as tuas instâncias, declarando-se muito feia, indecentíssima de nariz, horrível até, e, como tal, pesa-lhe na consciência matar as tuas cândidas ilusões, levantando a máscara. Tu que a não crês, instas, suplicas, abrasaste num ideal que toca as extremas do ridículo, e estás capaz de lhe dizer que te abolas o crânio com um tiro de pistola, se ela não levanta a cortina daquele mistério que te dilacera uma por uma as fibras do coração.Chamas-lhe Beatriz, Laura, Fornarina, Natércia, e ela diz-te que se chama Custódia, ou Genoveva para te aguar a poesia desses nomes, que, na minha humilde opinião, são completamente fabulosos. O dominó quer fugir-te ardilosamente, e tu não lhe deixas um passo livre, nem um dito espirituoso a outro, nem um lançar de olhos para as máscaras, que a fixam como quem sabe que está ali uma rainha, envolta naquele manto negro. Por fim, a tua perseguição é tal que a desconhecida Desdémona finge assustar-se, e sai
contigo ao salão do teatro para levantar a máscara. Arfa-te o coração na ansiedade de uma esperança : sentes o júbilo do cego de nascimento, que vai ver o sol ; estremeces como a criança a quem vão dar um bonito, que ela não viu ainda, mas imagina ser quanto o seu coração infantil ambiciona neste mundo… Ergue-se a máscara !… Horror !… Vês um nariz… Um narizpleonasmo, um nariz homérico, um nariz maio que o do duque de Choiseul, onde cabiam três jesuítas a cavalo !… Recuas !… Sentes despregar-se-te o
coração das entranhas, coras de vergonha e foges desabridamente… »
- « Tudo isso é muito natural. »
- « Pois não há nada mais artificial, meu caro senhor. Eu lhe conto o resto,que é o mais interessante para o mancebo que faz do nariz de uma mulher o termómetro de avaliar-lhe a temperatura do coração. Imagina, meu jovem Carlos, que saíste do teatro depois, e entraste na Águia de Ouro a comer ostras, segundo o costume dos elegantes do Porto. E quando pensavas, ainda aterrado, na aventura do nariz, te aparecia o fatídico dominó, e se assentava ao teu lado, silencioso e imóvel, como a larva das tuas asneiras, cuja memória procuravas delir na imaginação com os vapores do vinho… Perturba-se-te a digestão, e sentes contracções no estômago, que te ameaçam com o vómito. A massa enorme daquele nariz figura-se-te no prato em que tens a ostra, e já não podes levar à boca um bocado do teu apetitoso manjar sem um fragmento daquele fatal nariz à mistura. Queres transigir com o silêncio do dominó ; mas não podes. A inexorável mulher aproxima-se de ti, e tu, com um sorriso cruelmente sarcástico, pedes-lhe que te não entorne com o nariz o copo de vinho. Achas isto natural, Carlos ?”
- “Há aí crueldade de mais… O poeta devia ser mais generoso com a desgraça, porque a missão do poeta é a indulgência não só para as grandes afrontas, mas até para os grandes narizes.”

Camilo Castelo Branco, in Coisas que só eu sei, Biblioteca Editores Independentes, 12.19 - Sociedade Editora de Livros de Bolso

[Coisas que só eu sei foi originalmente publicado em 1853, no jornal O Portuense, em que Camilo colaborou regularmente até 1853]

[este delicioso livro de bolso tem dois contos. O primeiro é este. 73 páginas que se lêem num ápice...]



imagem: James Ensor

segunda-feira, maio 16

Não nos deixeis cair na curiosidade dos outros



Não nos deixeis cair na curiosidade dos outros,

Na piedade dos outros ou, pior, de nós mesmos.

Livrai-nos de sermos eternamente jovens,

Mas também nados-velhos, mortos-vivos.

Livrai-nos sobretudo de nos jactarmos.

Não nos deixeis cair nas ciladas

Daqueles que só se desculpam ou nunca se desculpam.

Não nos deixeis cair na tentação de corrigir a vida

Quando tantas coisas nos morrem

E morrem às nossas mãos ou pela nossa memória.

Livrai-nos de falarmos em nome dos outros,

Dai-nos cada dia a lembrança de também sermos outros

E não nos perdoeis nunca se o esquecermos.


Nuno Rocha Martins, Últimos Poemas, Quasi, 2009

imagem: Jeremy Reed

[obrigada Sofia M]

a noite pede música



[... por aí não sei...mas por aqui está uma lua magnífica...]

Todas as palavras


As que procurei em vão,

principalmente as que estiveram muito perto,

como uma respiração,

e não reconheci,

ou desistiram e

partiram para sempre,

deixando no poema uma espécie de mágoa

como uma marca de água impresente;

as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te

nem foram capazes de dizer-me;

as que calei por serem muito cedo,

as que calei por serem muito tarde,

e agora, sem tempo, me ardem;

as que troquei por outras (como poderei

esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?

as que perdi, verbos e

substantivos de que

por um momento foi feito o mundo.

E também aquelas que ficaram,

por cansaço, por inércia, por acaso,

e com quem agora, como velhos amantes sem

desejo, desfio memórias,

as minhas últimas palavras.

Manuel António Pina

Dia Internacional dos Museus


[ Dia Internacional dos Museus. no Porto. mas há iniciativas por todo o país. Rede Potuguesa de Museus]