terça-feira, maio 31
A Sociologia é um desporto de combate
Amanhã, no Anfiteatro 1 da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, às15h30, apresentação do filme “A Sociologia é um desporto de combate”. A entrada é livre.
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Sabes de onde veio o teu nome?
Sabes de onde veio o teu nome?
Chegou ao mundo como o tigre e a esmeralda, cumpriu a
imensa viagem
pelos rios e pelas perguntas,
atravessou feridas e penínsulas, chegou tão devagar
como uma mulher ou uma espiga. Andou ardendo
pelas raízes, pelas algas, pela tristeza e pelo barro,
voltou cheio de paz e está agora dançando entre as minhas
pálpebras.
[...]
Joaquim Pessoa in NOMES, Litexa Editora, 2002
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Etiquetas: Joaquim Pessoa
As respostas do Carlos Azevedo
Entre outros, anda a ler "Os dias da Revolução" da Alexandra Lucas Coelho. Releu inúmeras vezes e continuará a reler "A Gravidade e a Graça", de Simone Weil e jamais conseguiu esquecer a cena final de Everyman, de Philip Roth. As últimas linhas: «He went under feeling far from felled, anything but doomed, eager yet again to be fulfilled, but nonetheless, he never woke up. Cardiac arrest. He was no more, freed from being, entering into nowhere without even knowing it. Just as he'd feared from the start.» As respostas do Carlos AQUI
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segunda-feira, maio 30
Sempre o mar fascinará
O mar tem o encanto das coisas que não se calam de noite, que para a nossa vida inquieta são uma autorização para dormir, uma promessa de que não vai tudo cair no nada, como a luz para as crianças que se sentem menos sós enquanto ela brilha. O mar não está separado do céu, como está a terra, o mar está sempre em harmonia com as cores, impressiona-se com os seus mais delicados cambiantes. Brilha ao sol e parece todas as noites morrer com ele. E depois de ele ter desaparecido, continua a lamentá-lo, a conservar um pouco de recordação luminosa, face à terra uniformemente escura. É o momento dos seus reflexos melancólicos e tão doces que, olhando-os, se sente o seu coração desfazer-se. Quando a noite está prestes a cair e o céu escurece sobre a terra enegrecida, o mar continua a luzir levemente, não se sabe por que mistério, por que brilhante resquício do dia submerso sob as águas.
O mar refresca a nossa imaginação porque não faz pensar na vida dos homens, mas alegra a nossa alma porque, tal como ela, é aspiração infinita e impotente, ímpeto incessantemente quebrado, lamento eterno e doce. Ele encanta-nos, como a música, que não traz em si, como a linguagem, vestígios das coisas, que nada nos diz dos homens, mas imita os movimentos das nossas almas. Erguendo-se com as vagas, caindo com elas, o nosso coração esquece as suas próprias fraquezas e consola-se numa harmonia íntima entre a sua tristeza e a do mar, que confunde o seu destino e o das coisas.
in ”Os Prazeres e os dias“, Marcel Proust (Tradução de Manuel João Gomes, Ed. Estampa)
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Sophia
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Enquanto dormes
Enquanto dormes constrói-me um rosto de luz, no limbo do teu sonho. Toca-o e acorda-me. Caminha comigo, peço-te, na inquietação daquele rosto, e nesta alegria suspensa na solidão.
Há séculos que te esperava para fugirmos. E não sabia que a fuga era possível pelas estradas de giestas em direcção ao mar. Dorme e consente que o meu coração escute o teu. Quero arder contigo, nesta eternidade feita de pontes atravessadas, kms nocturnos e segundos de asfaltos.
Al Berto
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domingo, maio 29
Modernismos e Modernistas
Fonte: aqui
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As respostas de MCS
O Marco já respondeu ao desafio :) Anda a ler “Winesburg, Ohio”, Sherwood Anderson e “Histórias para uma noite de calmaria”, Tonino Guerra. E tal como o prof. Eduardo Lourenço, um dia há-de reler. Para já, lê. E muito... Ora, espreitem...
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Vamos às compras [pavilhões A39 e A41]
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
...(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina
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sábado, maio 28
sexta-feira, maio 27
As respostas de Bípede Falante
As respostas da querida Bípede Falante deixaram-me uma urgência:
ir a correr comprar Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar...
É - só - o livro que «leu dez vezes e que seguirá lendo e relendo até o livro gastar. O que não será um problema porque eu tenho um segundo exemplar guardadinho para esse dia ahahahaha, e que ninguém chame a polícia ou um analista, que o caso é de amor e não de obsessão».
Percebem, agora, porque não posso ir sossegada... de fim-de-semana?
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As respostas de Prof. Funes
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quinta-feira, maio 26
a noite pede música
[ ...na data do seu aniversário... Miles Davis...]
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Rabos de Lagartixa
O primeiro livro que li deste autor foi Últimas Tardes com Teresa. Queria muito ler este - Rabos de Lagartixa. Alguém adivinhou :) e cá está ele, acabadinho de chegar da feira do livro!
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Etiquetas: Juan Marsé
[S] hort [M] essage [S] ervice de utilidade pública
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Etiquetas: Oliver Sacks, SMS
Não imaginava que houvesse um...
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quarta-feira, maio 25
Perguntas difíceis...
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a noite pede música
[ ...e hoje, à última da hora, lá fui eu...obrigada... a quem fez acontecer...]
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Não foi só o que escreveste
Não foi só o que escreveste, é o que está dentro do que escreveste. O que está à volta e, também, o que está para trás. Estou certa de que compreendes.
Já na esplanada mais próxima, quis domar-me. Olhei à volta, tentando imaginar os teus cubanos em cada pessoa ao meu redor. Imaginar ameniza qualquer tempestade.
Só retive o sorriso feio de um homem bonito e o encantamento de uma criança com uma minúscula aranha na mesa ao meu lado. E pensei no séquito de animais que te rodeiam. Depois, enquanto bebia o café, pensei ainda no futuro do que escreveste. E sorri.
Deu-me para te ler, em vez de trabalhar e, agora, estou aqui, literalmente a ver passar os eléctricos, sem vontade de fazer o que tenho de fazer.
Às vezes não há forma de fugir das tempestades que se fazem cá dentro e nos levam à esplanada mais próxima. Como se tratasse de um reboliço de palavras impeditivas.
Tinha mesmo de te escrever. Para o dia continuar.
Tinha a carta cá dentro. Talvez fosse isso a incomodar-me. É que tenho muitas cartas cá dentro, como se fosse um marco atulhado e esquecido. Que as cartas que vou escrevendo e não chegam ao destino são infinitas. Também já te disse que gosto de escrever cartas, não disse?
Hoje, quando voltei a ler sobre o teu filme sobre o que sentes quando vais ao cinema, sobre os bastidores da história que estás a viver, a aprender e a escrever, nessa tentativa de decalcar a realidade ou não, comovi-me. Mas tu comoves-me com frequência. A questão não é essa. Foram todos os outros filmes que se acenderam com as tuas palavras. A magia e a ilusão da vida. Com as luzes todas apagadas. Como se o mundo inteiro fosse uma sala de cinema.
A cores e a preto e branco, músicas de uns, diálogos de outros. Pessoas reais, que amo, e outras inventadas, em que acredito, todas a dialogarem. A dizeram coisas novas e antigas...
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Italo Calvino em Faro
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terça-feira, maio 24
Só sei que tinha o poder de uma criança
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Etiquetas: Ruy Belo
non-stop em Serralves
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Etiquetas: eventos
Policarpo Quaresma e Lamartine Babo no Teatro São João
Adaptação do romance escrito há precisamente um século por Lima Barreto, um dos mais destacados escritores libertários brasileiros, Policarpo Quaresma projecta-nos contra o pano de fundo da instauração da república no Brasil, no final do séc. XIX. Nele se encena o trágico trajecto de um inesquecível anti-herói da literatura brasileira, personagem erigida em símbolo pela sua devoção à causa nacional. Ao conjugar linguagens como as da commedia dell’arte, do circo, do teatro de revista, das operetas e do cinema dos Irmãos Marx, Antunes Filho transforma a sucessão de decepções desse Quixote brasileiro num viscontiano ballet cénico, imageticamente transbordante.
Por seu turno, Lamartine Babo é um “musical dramático” – e artesanal, nos antípodas dos plastificados musicais de franchising. Encenado por Emerson Danesi, companheiro de estrada de Antunes Filho no Centro de Pesquisa Teatral, o espectáculo é atravessado pelas canções do compositor carioca Lamartine Babo, ícone de criatividade e irreverência, célebre pelas suas marchas carnavalescas e pelos hinos compostos para clubes de futebol.
Com Policarpo Quaresma e Lamartine Babo, Antunes Filho aprofunda a vasta investigação sobre a identidade brasileira iniciada com o já lendário Macunaíma, espectáculo de 1978 que marcou um ponto de viragem na cena teatral do Brasil. E perfaz a sua trilogia dedicada ao Rio de Janeiro, iniciada com A Falecida Vapt-Vupt, encenação da “tragédia carioca” de Nelson Rodrigues que o TNSJ apresentou em 2009.»
Fonte: AQUI
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Etiquetas: teatro
As palavras [são por vezes um clarão no dia calcinado]
As palavras identificam-se com o asfalto negro
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde
As palavras saem de um ferida exangue
de teclas de metal fresco
de caminhos e sombras
da vertigem de ser só um deserto
de armas de gume branco
Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas
Matrizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta este silêncio senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?
As palavras vêm de lugares fragmentários
de uma disseminação de iniciais
de magmas respirados
de odor de gérmen de olhos
As palavras podem formar uma escrita nativa
de corpos claros
Que são as palavras? Imprecisas armas
em praias concêntricas
torres de sílex e de cal
aves insólitas
As palavras são travessias brancas faces
giratórias
elas permitem a ascensão das formas
elevam-se estrato após estrato
ou voam em diagonal
até à cúpula diáfana
As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado
Que enfrentam as palavras? O espelho
da noite a sua impossível
elipse
Saem da noite despedaçadas feridas
e são signos do acaso pedras de sol e sal
e da sua língua nascem estrelas trituradas
António Ramos Rosa [de Gravitações,1984]
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segunda-feira, maio 23
Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou
seguindo as mãos - sim, toco as palavras nas suas superfícies
e utensílios.
A primeira palavra que os olhos viram, agora que a recordo,
parecia uma imagem - sim, um som desenhado como um fóssil
(falo de fóssil, mesmo
que ele demore muito a aparecer no que digo),
um som do tamanho de um azulejo: agora que me lembro que era uma palavra
que brilhava nos meus olhos ao vê-la
(ver uma palavra era uma planta muito diferente,
um oxigénio muito difícil de se respirar).
Sim, agora vejo que falo, embora possas pensar que sigo pelo tacto a escrita.
Sim, eu leio e decifro. E agora sei que oiço as coisas devagar.
Daniel Faria, Poesia, Quasi Edições, 2003
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domingo, maio 22
Por este mundo acima
[é já amanhã, às 18.30, em Lisboa.
valter hugo mãe apresenta POR ESTE MUNDO ACIMA de Patrícia Reis.. Ora marque aí na agenda sff.]
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Santa Rita de Cássia
Uma santa recente na minha vida - comparada com Santa Teresa ou São Francisco ou Santo Agostinho - e cuja vida me fascina. Tanto que há três anos, fui lá, a Cássia. Uma terrinha "no coração verde" de Itália...imensamente serena, apesar de Assis ser feita de uma paz que nunca tinha experimentado.
Na imagem, vemos o interior da basílica de Santa Rita de Cássia. Projecto original de Monsenhor Chiapetta, modificado por G. Calori e G. Martinenghi. A colocação da primeira pedra data de 20 de junho de 1937. O interior da igreja - belíssimo - «em cruz grega, é constituído por uma cúpula central e quatro absides. Vê-se, pelas paredes, em painéis de mármore branco, a Via-Sacra de Pellini. O grande púlpito em Noz, bem visível, é do escultor Emilio Monti, enquanto ao centro da basílica, sobre o pavimento, está o brasão de Pio XII em mármore de diversas cores. O conjunto dá uma impressão de grande vivacidade. É uma igreja cheia de luz e cores, mas com um tom místico. [...] A cúpula e a restante composição é contínua, cobrindo uma superfície de 300 m2 pintada como um verdadeiro afresco, assinado por Luigi Montanarini».
[...de resto - querida Sónia - claro que há rosas no inverno...e o que mais me encanta é que, até tu, acreditas nisso :)]
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Etiquetas: coisas minhas, Santa Rita de Cássia
sexta-feira, maio 20
Experimento então esta liberdade nova:
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Filipa Leal na Comunidade de Leitores da Almedina
Filipa Leal encara o Porto como “mais do que um porto de partida” e sim “um porto de chegada.” A escritora explica que nunca partiu “verdadeiramente: escrevi um dia que somos uma espécie de aves com raízes, isto porque nunca partimos verdadeiramente de nós próprios. É aqui que regresso sempre, e também é aqui que regresso quando ando à procura de mim. Como escrevi n’«A Cidade Líquida e Outras Texturas», “Demoro-me/ No ventre desta cidade/ que nenhum navio abandonou/ porque lhe faltou a água para a partida“.
Apesar de nenhum dos livros apresentados na sessão pretender ser um “retrato do Porto”, Filipa Leal confessa que “nele encontramos certamente as ruas de que sou feita quando ele me fez”.
A também jornalista deixa um desafio a todos aqueles que queiram participar na sessão: ela servirá para mostrar “a poesia como lugar onde nos podemos reunir”.
NOTA BIOGRÁFICA
Filipa Leal (Porto, 1979) formou-se em Jornalismo na Universidade de Westminster, Londres, e concluiu o Mestrado em Literatura (Estudos Portugueses e Brasileiros) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Fez uma passagem pela Rádio Nova, e foi editora do suplemento «Das Artes, Das Letras» no jornal O Primeiro de Janeiro. Actualmente, é jornalista no Diário Câmara Clara (RTP2) e colaboradora da Casa Fernando Pessoa. Depois de um ano de formação no Balleteatro do Porto, começou a participar, em 2003, em espectáculos de poesia no Teatro do Campo Alegre (Porto), ciclo Quintas de Leitura, e desde então tem feito leituras em diversos locais do país (Centro Cultural de Belém, Casa das Artes de Famalicão, Palácio de Belém, Fundação Eugénio de Andrade, entre outros). Publicou vários livros de poesia, de que se destaca «A Cidade Líquida e Outras Texturas» (publicado também em Espanha, pela editora Sequitur) e «A Inexistência de Eva» (Deriva editores). Está representada em antologias em Itália, Croácia, Colômbia e Galiza, e um dos seus poemas foi musicado pelo Bando dos Gambozinos para o álbum «Com Quatro Pedras na Mão». Foi finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa (Correntes d’Escritas) em 2011, com o livro «A Inexistência de Eva».
Desviado, na íntegra, DAQUI
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quarta-feira, maio 18
A Sociedade é a imagem do Homem
Escrito/editado por Marta 2 Terráqueos
Etiquetas: Teixeira de Pascoaes
Coisas que só eu sei
[...] O cetim arrependeu-se da aspereza com que recebera os atenciosos olhares daquela incógnita, que principiava a fazer-se valer como tudo aquilo que apenas se conhece por uma face boa. O cetim juraria, pelo menos, que aquela mulher não era estúpida. E, seja dito sem tenção ofensiva, já não era insignificante a descoberta, porque é mais fácil descobrir um mundo novo que uma mulher ilustrada. É mais fácil ser Cristóvão Colombo que Emílio Girardin. O cetim, ouvida a resposta do veludo, ofereceu-lhe o braço, e gostou da boa vontade com que lhe foi recebido.
- « Belo, me chamas tu !… É realmente uma leviandade que te não faz honra !… Se eu levantasse esta sanefa de seda, que me faz bonita, ficavas como aquele poeta espanhol que soltou uma exclamação de terror na presença de um nariz… que nariz não seria, santo Deus !… Não sabes essa história ? »
- «Não, meu anjo ! »
- « Meu anjo !… Que graça ! Pois eu ta conto. Como o poeta se chama não sei, nem importa. Imagina tu que és um poeta, fantástico como Lamartine, vulcânico como Byron, sonhador como MacPherson e voluptuoso comoVoltaire aos 60 anos. Imagina que o tédio desta vida chilra que se vive no Porto te obrigou a deixar no teu quarto a pitonissa descabelada das tuas inspirações, e vieste por aqui dentro a procurar um passatempo nestes passatempos alvares de um baile de Carnaval. Imagina que encontravas uma mulher extraordinária de espírito, um anjo de eloquência, um demónio de epigrama, enfim, uma destas criações miraculosas que fazem rebentar uma chama improvisa no coração mais de gelo, e de lama, e de toucinho sem nervo. Ris ? Achas nova a expressão, não é assim ? Um coração de toucinho parece-te uma ofensa ao bom senso anatómico, não é verdade ? Pois, meu caro dominó, há corações de toucinho estreme. São os corações, que resumam óleo em certas caras estúpidas… Por exemplo… Olha este homem redondo, que aqui está, com as pálpebras em quatro refegos, com os olhos vermelhos como os de um coelho morto, com o queixo inferior pendente, e o lábio escarlate e vidrado como o bordo de uma pingadeira, orvalhada de banha de porco… Esta cara não te parece um grande rijão ? Não crês que este baboso tenha um coração de toucinho ? »
- « Creio, creio ; mas fala mais baixo que o desgraçado está gemer debaixo do teu escalpelo… »
- « És tolo, meu cavalheiro ! Ele entende me lá !… É verdade, aí vai a história do espanhol, que tenho que fazer… »
- « Então queres deixar-me ? »
- « E tu ?… Queres que eu te deixe ? »
- « Palavra de honra que não ! Se me deixas, retiro-me… »
- « És muito amável, meu querido Carlos… »
- « Conheces-me ? ! »
- « Essa pergunta é ociosa. Não és tu Carlos ! »
- « Já falaste comigo na tua voz natural ? »
- « Não ; mas começo a falar agora. »
E com efeito falou. Carlos ouviu um som de voz sonora, metálica e insinuante. Cada palavra daqueles lábios misteriosos saía vibrante e afinada como a nota de uma tecla. Tinha aquele não-sei-quê que só escuta nas salas onde falam mulheres distintas, mulheres que obrigam a gente a prestar fé aos privilégios, às prerogativas, aos dons muito peculiares da aristocracia do sangue. Todavia, Carlos não se recordava de ter
ouvido semelhante voz, nem semelhante linguagem.
« Uma aventura de romance ! » dizia ele lá consigo, enquanto o dominó-veludo, conjecturando o enleio em que pusera o seu entusiasta companheiro, continuava a fazer gala do mistério, que é de todas as alfaias aquela que mais alinda a mulher ! Se elas pudessem andar sempre de dominó ! Quantas mediocridades em inteligência rivalizariam com Jorge Sand ! Quantas fisionomias infelizes viveriam com a fama da mulher de Abal el-Kader !
- « Então quem sou eu ? » prosseguiu ela. « Não me dirás ?… Não dizes… Pois então, tu és Carlos, e eu sou Carlota… Fiquemos nisto, sim ? »
- « Enquanto eu não souber o teu nome, deixa-me chamar-te de « anjo » . »
- « Como quiseres ; mas sinto dizer-te que não és nada original ! Anjo !… É um apelido tão safado como Ferreira, Silva, Souza, Costa… et cetera. Não vale a pena questionarmos : baptiza-me à tua vontade. Ficarei sendo o teu « anjo de Entrudo ». E a história ?…
Imagina que te possuías de um amor impetuoso por essa mulher, que fantasiaste linda, e insensivelmente lhe
curvaste o joelho, pedindo-lhe uma esperança, um sorriso afectuoso através da máscara, um aperto convulsivo de mão, uma promessa, ao menos, de se mostrar um, dois, três anos depois. E essa mulher, cada vez mais sublime, cada vez mais literata, cada vez mais radiosa, protesta eloquentemente contra as tuas instâncias, declarando-se muito feia, indecentíssima de nariz, horrível até, e, como tal, pesa-lhe na consciência matar as tuas cândidas ilusões, levantando a máscara. Tu que a não crês, instas, suplicas, abrasaste num ideal que toca as extremas do ridículo, e estás capaz de lhe dizer que te abolas o crânio com um tiro de pistola, se ela não levanta a cortina daquele mistério que te dilacera uma por uma as fibras do coração.Chamas-lhe Beatriz, Laura, Fornarina, Natércia, e ela diz-te que se chama Custódia, ou Genoveva para te aguar a poesia desses nomes, que, na minha humilde opinião, são completamente fabulosos. O dominó quer fugir-te ardilosamente, e tu não lhe deixas um passo livre, nem um dito espirituoso a outro, nem um lançar de olhos para as máscaras, que a fixam como quem sabe que está ali uma rainha, envolta naquele manto negro. Por fim, a tua perseguição é tal que a desconhecida Desdémona finge assustar-se, e sai
contigo ao salão do teatro para levantar a máscara. Arfa-te o coração na ansiedade de uma esperança : sentes o júbilo do cego de nascimento, que vai ver o sol ; estremeces como a criança a quem vão dar um bonito, que ela não viu ainda, mas imagina ser quanto o seu coração infantil ambiciona neste mundo… Ergue-se a máscara !… Horror !… Vês um nariz… Um narizpleonasmo, um nariz homérico, um nariz maio que o do duque de Choiseul, onde cabiam três jesuítas a cavalo !… Recuas !… Sentes despregar-se-te o
coração das entranhas, coras de vergonha e foges desabridamente… »
- « Tudo isso é muito natural. »
- « Pois não há nada mais artificial, meu caro senhor. Eu lhe conto o resto,que é o mais interessante para o mancebo que faz do nariz de uma mulher o termómetro de avaliar-lhe a temperatura do coração. Imagina, meu jovem Carlos, que saíste do teatro depois, e entraste na Águia de Ouro a comer ostras, segundo o costume dos elegantes do Porto. E quando pensavas, ainda aterrado, na aventura do nariz, te aparecia o fatídico dominó, e se assentava ao teu lado, silencioso e imóvel, como a larva das tuas asneiras, cuja memória procuravas delir na imaginação com os vapores do vinho… Perturba-se-te a digestão, e sentes contracções no estômago, que te ameaçam com o vómito. A massa enorme daquele nariz figura-se-te no prato em que tens a ostra, e já não podes levar à boca um bocado do teu apetitoso manjar sem um fragmento daquele fatal nariz à mistura. Queres transigir com o silêncio do dominó ; mas não podes. A inexorável mulher aproxima-se de ti, e tu, com um sorriso cruelmente sarcástico, pedes-lhe que te não entorne com o nariz o copo de vinho. Achas isto natural, Carlos ?”
- “Há aí crueldade de mais… O poeta devia ser mais generoso com a desgraça, porque a missão do poeta é a indulgência não só para as grandes afrontas, mas até para os grandes narizes.”
Camilo Castelo Branco, in Coisas que só eu sei, Biblioteca Editores Independentes, 12.19 - Sociedade Editora de Livros de Bolso
[Coisas que só eu sei foi originalmente publicado em 1853, no jornal O Portuense, em que Camilo colaborou regularmente até 1853]
[este delicioso livro de bolso tem dois contos. O primeiro é este. 73 páginas que se lêem num ápice...]
Escrito/editado por Marta 0 Terráqueos
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segunda-feira, maio 16
Não nos deixeis cair na curiosidade dos outros
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Etiquetas: Nuno Rocha Martins
a noite pede música
[... por aí não sei...mas por aqui está uma lua magnífica...]
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Todas as palavras
As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.
Manuel António Pina
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: Manuel António Pina
Dia Internacional dos Museus
[ Dia Internacional dos Museus. no Porto. mas há iniciativas por todo o país. Rede Potuguesa de Museus]
Escrito/editado por Marta 0 Terráqueos
Etiquetas: eventos