O bom da vida é que as surpresas
sempre estão à espreita a dois passos antes de qualquer esquina, e, para o bom
aprendiz, basta estar atento para seguir acumulando experiências e lições de
vida com o passar dos anos. Muito mais do que o futebol (que muitos definem
como uma representação lúdica do viver), a vida em si é a verdadeira caixinha
de surpresas. Algumas assustadoras, outras preocupantes, claro, o fato é que podemos
aprender e absorver ensinamentos com todas as espécies de surpresas que o andar
da vida nos oferece. Mas óbvio que preferimos sempre as boas e positivas ou, no
mínimo, aquelas que ensinam sem grandes dores.
Dia desses fui alvo do estalar de
uma dessas surpresas específicas, manifestada durante um prosaico e
despretensioso passeio de mãos dadas com minha esposa pelos corredores
atribulados de um centro de compras da região, motivados pela necessidade de
buscarmos in loco a inspiração
necessária para a aquisição dos presentes natalinos com os quais desejamos
regalar a lista dos entes queridos presenteáveis, seguindo à risca a tradição. Andávamos
a esmo vislumbrando as lojas e as gentes quando, em determinado momento,
detectei um olhar mais atento e fixo da esposa sobre minha pessoa. O que havia?
O que em mim lhe havia chamado a atenção? Meu cabelo desgrenhado? Não, não
deveria ser isso, pois, conforme o costume, ela não perde tempo em externar seu
desagrado relativo ao crescimento desordenado de minhas cada vez mais escassas
madeixas. Não haveria de ser o cabelo. O que seria, então? Seguimos, eu com a
dúvida, ela com os olhares.
Mais adiante, ela voltou a me
olhar fixamente, os olhos brilhando, uma luz cintilante iluminava sua face, que
na minha repousava. Teria ela sido possuída de súbito por uma irresistível
sensação natalina que lhe embevecia a alma, lhe reativava e resgatava uma
profunda paixão semelhante àquela dos primeiros anos de relação? Assim, de
repente, sob a trilha sonora dos pequeninos sinos de Belém a bater? Aqueles olhos em mim estariam a revelar um
processo de redescobrir no outro os sentimentos mais doces e ternos que às
vezes deixamos sufocar devido ao atribular do cotidiano? Olhei de volta a ela,
sorrindo, e inquiri: “Que foi, amor”? Ao que ela respondeu: “Fica mais prá trás
um pouquinho, pra eu poder ver as vitrines, por favor”.
Lição advinda da surpresa: nos
shoppings, deixe sempre a esposa (namorada, companheira, noiva) andar no lado junto
às vitrines. Não lhes atrapalhe a vista de encantamentos interpondo a imagem de
sua cara batida. E deixe-as felizes. Simples assim.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 24 de dezembro de 2018)