Ozimândias era o apelido grego conferido ao faraó egípcio
Ramsés II, que comandou o Egito durante mais de 60 anos (um dos mais longos reinados),
de 1279 a 1213 a.C. Poderosíssimo, dizia-se filho de deuses, deitava e rolava,
mandava e era obedecido. Botou abaixo os monumentos que evocavam a memória e os
feitos de seus antecessores e usou as pedras para erigir dezenas de monumentos
novos em homenagem a si mesmo. Muitos deles (a maioria em fragmentos) ainda
podem ser visitados pelos turistas, especialmente em Tebas e no Vale dos Reis.
A pergunta que grita ao vento desde os desertos do Egito,
no entanto, é: passados três milênios, o que restou de todo o poder, da glória,
do esplendor, da empáfia, da arrogância e da soberba de Ozimândias? Pó. Restou
o pó das estátuas quebradas, dos monumentos pela metade fustigados pela areia,
pelo vento e pelo sol. Restou a sombra benfazeja que as agora meia-estátuas
proporcionam aos camelos que cruzam o deserto. Restou o silêncio da imponência
perdida servindo de pano de fundo para as selfies de viajantes que pouco ou
nada sabiam de sua existência antes de pisarem ali, e que de novo a esquecerão
nas brumas da memória assim que seguirem adiante. Pobre Ozimândias! Não
imaginava que a soberba jamais resiste ao tempo.
O poeta inglês Percy Bysshe Shelley (1792 – 1822)
imortalizou seu espanto com a derrocada da arrogância pela passagem do tempo,
representada por Ramsés II e suas estátuas caídas, compondo o soneto intitulado
“Ozimândias”, que diz assim (na tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos): “Ao
vir de antiga terra, disse-me um viajante:/ Duas pernas de pedra, enormes e sem
corpo,/ Acham-se no deserto. E jaz, pouco distante,/ Afundando na areia, um
rosto já quebrado,/ De lábio desdenhoso, olhar frio e arrogante:/ Mostra esse
aspecto que o escultor bem conhecia/ Quantas paixões lá sobrevivem, nos fragmentos,/
A mão que as imitava e ao peito que as nutria/ No pedestal estas palavras
notareis:/ “Meu nome é Ozimândias, e sou Rei dos Reis:/ Desesperai, ó Grandes,
vendo as minhas obras!”/ Nada subsiste ali. Em torno à derrocada/ Da ruína
colossal, a areia ilimitada/ Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada.”
A areia é o senhor do tempo, Ozimândias. Glória, poder,
soberba e arrogância afundam inexoravelmente nela, mais dia, menos dia. Assim
nos ensinam os artistas como Shelley e os arquitetos e escultores de três mil
anos atrás, cujas obras, elas sim, mesmo amputadas, permanecem e se fazem ver,
para nos lembrar que, no final, voltamos
todos ao pó que nos molda e iguala.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 28 de novembro de 2016)