domingo, 23 de setembro de 2007

H2O

"Não percebo o interesse de andar à procura de água em Marte. Ainda se fosse vinho..." balbuciou o homem com a voz entaramelada, olhando com ar melancólico para a garrafa quase vazia.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O conto que se segue obteve o 3º prémio no 1º Concurso Nautilus de FC, e foi publicado no nº 72 (Junho 99) do fanzine Somnium, CLFC, SP, Brasil. Em Janeiro de 2002 apareceu no site E-nigma, editado por Jorge Candeias. Na altura em que os diversos canais apresentam as novas grelhas, achei que também devia dar a minha contribuição para a temática audio-visual.

Ascensão e Queda da Telenovela

Nota prévia: O presente trabalho foi preparado no âmbito da disciplina Television: Sociology and Technology do mestrado em Politica y Mass-Media leccionado na Universidad Camilo Torres, Florida, Confederación de Norte-América. A tradução para publicação na "Revista de Multimédia Ecran" foi feita pelo autor.


Segundo alguns autores, como Oliveira (1987), as origens da telenovela ("soap" na terminologia anglo-saxónica) devem procurar-se nos rádio-romances, muito populares na década de 50 (antes da expansão generalizada da televisão), geralmente patrocinados por marcas de detergentes, e estes por sua vez nos romances por fascículos (inícios do século XX). A este ponto de vista opõem-se fortemente Santos e Andrade (1989) que, baseando-se numa análise multidimensional da especificidade dos meios de informação utilizados, demonstram magistralmente que o sucesso da telenovela é uma função muito forte da identificação visual entre os diversos sectores socio-culturais do público tele-espectador e os personagens da novela.
A tendência para o alargamento do espaço ocupado pelas telenovelas tinha começado nos anos 70, e prolongou-se pelos 80. As sondagens mostravam que o público gostava de saber todos os pormenores, mesmo os mais irrelevantes, da vida dos actores, confundindo estes muitas vezes com os personagens que interpretavam.
Pereira (1984) mostrou que 73,9 por cento das conversas em locais de trabalho e transportes públicos tinham como tema a novela em exibição diária. Favorecida ao mesmo tempo pelo poder político, por razões que Aguiar (1988) analisa exaustivamente, eram frequentes, no fim da década de 80, novelas que se prolongavam durante anos, com três horas de exibição diárias.
No ano 2002 surgiu o conceito de "telenovela total", desenvolvido por Ayrton (2001, 2002), um MacLuhanista dissidente. Este autor opõe-se às teses que consideram como factores determinantes na evolução do género a ascensão do Brasil ao grupo dos "5 maiores" e a passagem da população hispânica nos EUA acima dos 50 por cento, propondo antes uma teoria baseada em argumentos pós-jungianos.
O número de horas foi aumentando até que, em 2006, a BBC/Globo/CBS mostrava, simultaneamente em 4 canais diferentes, 24 horas por dia, a vida dos 4 personagens principais da novela. Os satélites retransmissores tinham circuitos de atraso que sincronizavam a transmissão com a hora local dos países para onde a novela era enviada. Desta forma, os espectadores podiam acompanhar, em tempo real, a vida do seu personagem favorito. Houve alguma oposição da Sociedade Contra a Invasão da Privacidade dos Cidadãos, mas a acção que moveu contra aquela multinacional foi rejeitada pelo Tribunal de Haia.
Materializou-se assim a coincidência entre espectáculo e vida real. "Life is show and show is life" era o motto do departamento de produção de "A vida de Antonio, Brigitte, Cristina e Dave", os ABCD como eram familiarmente conhecidos por centenas de milhões de espectadores. Antonio (mexicano, hispano-índio, 32 anos) podia ser observado vinte e quatro horas por dia no Canal 17; os Canais 23 e 25 davam conta de todos os acontecimentos nas vidas de Brigitte (francesa, loira, 38 anos) e Cristina (brasileira, de ascendência japonesa, 29 anos); e o Canal 29 apresentava Dave (americano, negro, 35 anos). Algumas regiões tiveram necessidade de legislar contra a existência de televisores de pulso nos locais de trabalho.
O mercado televisivo era no entanto um mercado muito volátil. Cerca de dois anos após o início da "telenovela total", os índices de audiência começaram a dar sinais de enfraquecer. Os produtores eram naturalmente perfeitos conhecedores dos códigos do género, compilados anos antes por Baresi (2004). Assim, sabendo que o coeficiente de empatia público/personagens, verificadas certas condições, tende para um máximo quando estas são colocadas numa situação difícil, fizeram com que Brigitte sofresse um acidente doméstico de que resultaram algumas queimaduras de 3º grau, internamento numa clínica, cirurgia plástica, várias semanas de recuperação.
O índice WATCH ponderado (obtido de 6 em 6 horas com base num universo fixo, corrigido por flutuações demográficas) subiu 3 pontos, mas recomeçou a descer.
Foi necessário então provocar um acidente de automóvel no qual Dave sofreu várias fracturas expostas, com a necessidade subsequente de três intervenções cirúrgicas. Embora as sondagens spot mostrassem que as cenas hospitalares traziam um aumento de audiência pontual, o índice apenas atenuou a sua descida.
Quando foi concluído, sem sombra de dúvida, que se estava perante uma vaga de fundo, uma reunião ao mais alto nível teve lugar secretamente na BBC/Globo/CBS. Depois de uma apreciação dos índices de audiência, a decisão de terminar o programa foi unânime. Entre uma proposta de um fim gradual (fazendo desaparecer os personagens um a um, o que poderia reforçar momentaneamente a audiência em relação aos sobreviventes) e outra de um final súbito e mais dramático, foi aprovada a segunda, por 7 votos contra 2. Para concretizar o final, foi feita uma simulação da espectacularidade de um acidente aéreo e de um aquático, sendo escolhido o segundo, dado o muito maior impacto emocional dos destroços e corpos a boiar, sangue a espalhar-se na água, etc. Foi assim decidido que os quatro personagens principais iriam a bordo de um iate e que este explodiria, presumivelmente devido a um curto-circuito (Anon., 2008).
E foi o que ocorreu, 3 dias após esta reunião. A explosão do iate, mostrada em simultâneo pelos 4 canais da "telenovela total", bateu o record absoluto de audiência. A publicidade exibida atingiu preços astronómicos (Watch, 2008). À data em que escrevemos este texto, prossegue ainda a batalha jurídica entre a SPAT (Sociedade Protectora dos Artistas de Televisão) e a BBC/Globo/CBS.
Alguns autores, como Kellog (2011), consideram que os acontecimentos descritos constituem o climax do género, argumentando que o máximo de empatia implica um meio bidimensional, e que a holovisão, com a introdução da tridimensionalidade, constitui um processo de reprodução "demasiado real". Outros opinam que estes argumentos são semelhantes aos utilizados várias décadas atrás quando da introdução da cor no cinema. Prosseguem entretanto as investigações (muito activas, segundo consta, na Confederação do Pacífico Ocidental) sobre a introdução do cheiro em produções holovisivas, com a intenção de, a médio prazo, se chegar ao espectáculo totalmente sensorial. Estes desenvolvimentos demasiado recentes estão todavia fora do âmbito do presente trabalho.


REFERÊNCIAS

Aguiar, V. (1988), "O poder e a comunicação social - simbiose ou parasitismo?", Editora Problemas e Soluções, Lisboa, Portugal.
Anon. (2008), Actas do julgamento SPAT vs BBC/Globo/CBS, p. 3125-3157, Tribunal Internacional de Haia, Holanda.
Ayrton, F. A. (2001), "The total soap opera concept", International Journal of Mass-Media Studies, 27, p. 361-384.
Ayrton, F. A. (2002), "Total Soap Opera - The Life Show", Art & Science Press, S. Francisco, U.S.A.
Baresi, D. (2004), "Television - Syntax, Semantics, Semiotics", World University Press, Amsterdam, Nederlands.
Kellog, W. (2011), "SPAT vs BBC/Globo/CBS - incident or end of an era?", Sociometrics and Mediatics Journal, 32, p. 315-332.
Oliveira, P. A. (1987), "As origens da telenovela", tese de doutoramento, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade de Lisboa-Sintra, Portugal.
Pereira, J. P. (1984), "Análise estatística do público da telenovela", 2º Congreso Latino-Americano de Comunicacion y Publicidad, Buenos Aires, Argentina.
Santos A. e L. Andrade (1989), "Telenovela - relação biunívoca entre argumento e público", Relatório de progresso do Projecto Integrado sobre Atividade Mediática, Escola de Engenharia Social, Universidade de São Paulo, Brasil.
Watch (2008), Worldvision Yearbook.

sábado, 15 de setembro de 2007

Intermezzo Gastronómico

Passou junto ao que anos atrás se designava por "loja dos 300" e entre a diversa mercadoria exposta à porta, chamou-lhe a atenção uma caixa com letras que diziam "Ventilador de sobremesa". Percebeu do que se tratava - a foto da ventoinha ao lado das letras não deixava lugar a dúvidas - e pensou "Isto deve ser o resultado de uma tradução de cantonês para português feita por alguém que não sabe muito bem nem uma língua nem a outra". E esqueceu o assunto.
À hora do costume foi com os colegas do costume almoçar à tasca do costume. No final da refeição a D. Rosa, esposa do proprietário, veio à mesa anunciar: "Sobremesa temos mousse, pudim flan, melão e uvas." E sem pensar, ele disparou: "Não tem ventiladores?"
A face incrédula da D. Rosa e a gargalhada colectiva dos seus colegas impediram-no de se concentrar e descobrir a razão daquela estúpida pergunta.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

As "correntes" parecem estar (outra vez) na moda. O Luis Ene meteu-me numa: "10 Livros que Não Mudaram a Minha Vida".
Visto que 1) não era preciso rezar a São Judas Tadeu; e 2) não havia ameaças à integridade física de quem interrompesse a corrente, resolvi alinhar.
E saiu isto:

A Lista de Todas as Listas

Produzia listas de forma obsessiva. Ao princípio era um hobby, mas cedo se tornara a sua actividade principal, dominante, exclusiva. Fazia listas de tudo: de livros, filmes, discos, cidades, países, actores, políticos, receitas de cozinha, animais, plantas, monumentos e de cada classe segundo vários critérios: os maiores, os mais pequenos, os melhores, os piores, os mais antigos, em suma, tudo o que fosse comparável podia ser (e era) objecto de uma lista.
Quando foi desafiado para escrever a lista dos "10 Livros que Não
Mudaram a Minha Vida", sorriu. Foi à "Lista de Todas as Listas", mas
quando acabou de percorrê-la (o que lhe levou bastante tempo como é
fácil de calcular) verificou que nunca tinha feito uma lista dos livros
que não tinham mudado a sua vida. Era obviamente necessário corrigir essa falta.
Mas não se preocupou grandemente: a Lista de Todas as Listas era um "work in progress" e logo descobriu uma forma de fácilmente lhe acrescentar o que lhe tinha sido pedido. Como tinha a "Lista de todos os livros que já li" e a "Lista dos livros que mudaram a minha vida", bastaria subtrair a segunda da primeira, et voilá!
Foi então à procura das duas listas mencionadas, mas aí surgiu um problema: o sistema de catalogação que usava na "Lista de Todas as Listas" deixava muito a desejar (entre outras razões porque ele estava sempre a introduzir-lhe modificações...): atribuia números às listas e havia depois uma "Lista de localização de listas" que fazia corresponder locais de arquivo a esses números. Mas essa Lista de localização de listas tinha sido deslocalizada pelo que, com muita pena, não lhe foi possível responder ao desafio que lhe fora lançado. Nem a "Lista dos blogues para continuar correntes" conseguiu encontrar...
Maior do que a intensidade da sua obsessão pela feitura de listas, era a sua total e completa ausência de sentido de arrumação!