terça-feira, 12 de junho de 2012
Primavera com chuviscos, Primavera com sol, Primavera à chuva, Primavera dentro de portas. Em quatro dias, houve Primavera para todos os gostos e, em quatro dias, naquele festival, o mundo pareceu pequeno. As estatísticas equilibram a diferença entre portugueses e estrangeiros (50/50), mas os nossos ouvidos (permeáveis à diferença?) escutavam sempre mais espanhol, inglês, alemão, italiano, francês, sueco. Quarenta nacionalidades, dizem os números. Um mundo no Parque da Cidade e no Porto inteiro.
Houve falhas, claro, no primeiro Optimus Primavera Sound. O atraso na reparação do palco, que ditou o cancelamento do concerto de Death Cab For Cutie, a astronómica fila que se formou no penúltimo dia para conseguir a entrada nos concertos de lotação limitada na Casa da Música e Hard Club, mais opções na restauração. Para o ano será melhor, e terá café, diz a organização, e não temos razão para não acreditar. "Foi a primeira edição para todos." E que bom que é ver este festival nascer e crescer. Rivalizará com o de Barcelona? O futuro dirá.
Até viver na Baixa foi diferente. Por estar na única mesa com portugueses num almoço no Café Santiago, por entrar na farmácia da Rua da Conceição e ouvir uma polifonia de "portunhol" e "portunglês", por me verem com a pulseira do festival e, automaticamente, arriscarem um "hello" em vez de um "olá". Numa altura em que somos vítimas de uma desenfreada campanha de marketing em torno do dito desporto-rei, talvez fosse altura de desviar os olhos das quatro linhas e perceber o que pode potenciar o país, a cidade, o português. Estivemos no primeiro Primavera — já nada vai ser como dantes e para o ano há mais.
Amanda Ribeiro
Fotos:Paulo Pimenta
Houve falhas, claro, no primeiro Optimus Primavera Sound. O atraso na reparação do palco, que ditou o cancelamento do concerto de Death Cab For Cutie, a astronómica fila que se formou no penúltimo dia para conseguir a entrada nos concertos de lotação limitada na Casa da Música e Hard Club, mais opções na restauração. Para o ano será melhor, e terá café, diz a organização, e não temos razão para não acreditar. "Foi a primeira edição para todos." E que bom que é ver este festival nascer e crescer. Rivalizará com o de Barcelona? O futuro dirá.
Até viver na Baixa foi diferente. Por estar na única mesa com portugueses num almoço no Café Santiago, por entrar na farmácia da Rua da Conceição e ouvir uma polifonia de "portunhol" e "portunglês", por me verem com a pulseira do festival e, automaticamente, arriscarem um "hello" em vez de um "olá". Numa altura em que somos vítimas de uma desenfreada campanha de marketing em torno do dito desporto-rei, talvez fosse altura de desviar os olhos das quatro linhas e perceber o que pode potenciar o país, a cidade, o português. Estivemos no primeiro Primavera — já nada vai ser como dantes e para o ano há mais.
Amanda Ribeiro
Fotos:Paulo Pimenta
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Festival Primavera Sound Parque da Cidade
Porto , 07 08 e 09 Junho 2012
Fotos:Paulo Pimenta
Vamos por partes. Este conceito que de alguma forma o Optimus Primavera Sound acentua, uma espécie de ‘Constrói o teu próprio Festival’, faz com que o grau de subjetividade inerente a uma análise possua, desde logo, um índice elevado. A não ser que duas pessoas, por exemplo, combinem com alguma dose de inflexibilidade e o máximo de consenso, é difícil que haja muitos ‘sósias concertinos’; a curiosidade está em saber quais as intersecções entre aquilo que os espectadores presenciaram no Festival, fazendo para o efeito um cruzamento de dados, o que talvez se venha a demonstrar como uma missão interessante, mas muito pouco possível. Eis um… ‘Festival Puzzle’.
O Porto há muito merecia uma realização desta estirpe musical, até porque a cidade tem uma cena artística que só os ‘cus de chumbo’ e ‘opinadores de sofá’ desconhecem. Desde as realizações do Festival Imperial (de boa memória com Beck e Smashing Pumpkins no seu auge, para além de Nick Cave) e da desistência da Música no Coração em apostar no Super Bock Super Rock, após o malogrado ano de ausência dos Depeche Mode, o espaço ficou em aberto, desde então. Na verdade, na Invicta, os concertos isolados que se inscrevem no segmento musical mais indie nunca deixaram de ter fãs e apreciadores e até uma certa regularidade de realização.
O “Optimus Primavera Sound”, cujos palcos se desmontam por esta altura e com a promessa de realização no mesmo local em 2013, é uma prova cabal de que a cidade tem condições para acolher eventos musicais desta envergadura. Quem foi ao magnífico cenário do Parque da Cidade, aquele enclave verde, balizado entre a Avenida da Boavista e a Circunvalação, e com a frente marítima mano-a-mano como horizonte, percebeu que algo de muito (a) sério estava mesmo a acontecer.
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E que dizer da música propriamente dita? À parte o risco dos considerandos, no dia a que podemos chamar de ‘tronco comum’, quinta-feira, os Suede foram uma aposta segura; de resto, a banda liderada por Brett Anderson revelou toda a maturidade e conseguiu ao longo de quase uma hora e meia cativar o público. Certo é que Yann Tiersen, mas especialmente The Drums e Mercury Rev, estiveram também em muito bom plano. Quanto a The Rapture, só é plausível dizer-se que, não obstante lhes estar reservada uma hora para dissertar a amálgama de ritmos funk, rock e eletrónica, fizeram muita mossa no seio dos peregrinos do indie. A sensação de que algo de incontornável aconteceria nos dias seguintes ficou ali plasmada, bem como nos comentários das hostes quando batiam em retirada.
Da segunda jornada primaveril brotaram pétalas musicais como os Linda Martini que, face ao horário que lhes estava reservado, cumpriram em pleno a tarefa de aquecer os motores do programa de sexta-feira. Em seguida, no Palco Club, assistiu-se a um dos concertos do evento, sem qualquer margem para dúvidas! Os Other Lives demonstraram um virtuosismo e talento multi-instrumental só ao alcance dos eleitos, desde os primeiros acordes de “As I Lay My Head Down” que isso se percebeu, num misto de espanto e de confirmação dos dotes ao vivo daquilo que já se tinha apreciado na internet. São uma banda de outro horário e de outro campeonato, algo que a muito breve trecho teremos oportunidade de constatar.
Rufus Wainright apresentou-se acompanhado da sua banda suporte e, com uma simpatia cativante e tom animado, o autor de “Poses” conseguiu desfilar um par de canções em muito bom nível, pautando a actuação por uma das mais conseguidas da noite e, em abono da verdade, em todo o festival.
Por seu turno, os Flaming Lips, com o seu revivalismo de pop/rock psicadélico, proporcionaram ao público um concerto em versão de agência de viagens ‘Psicotrópicos’. Wayne Coyne foi o comandante de uma trupe que, mais do que um concerto, ultrapassou esse conceito e concedeu um grande espectáculo cénico, bem ao jeito de uns Pink Floyd ou de uns Genesis à época de Peter Gabriel nas fileiras. “Do You Realize” fica para a posteridade como um momento épico. Ninguém há-de esquecer as cheerleaders, os confettis, os balões, ou o gongo enfeitado por luzes à boa moda de uma feira popular. E aquele momento em que o vocalista da banda se converte em “Homem Zorb” e rola por cima da multidão numa bola gigante feita habitat temporário ficará por muito tempo registado nas mentes. À mesma hora os elementos de uma banda com os lábios de cor mais enegrecida faziam também estragos e dos bons no Palco Club.
Entretanto, o alinhamento ditava para a 01:00 os concertos dos The Walkmen e dos Beach House, em simultâneo, de resto um dos grandes dilemas do Festival. Os primeiros tomaram conta do Palco Primavera e, mesmo não tendo nada para provar, passaram com distinção no exame. Cá mais em cima, no Palco Club, vulgo “tenda”, a animação era total, Victoria Legrand e Alex Scally vieram comprovar o primeiro erro de planeamento da organização, e para o corrigir bastaria ter invertido o local de actuação das bandas. É uma questão de afinação da parceria, a Ritmos deveria ter informado os congéneres da organização que os Beach House são já um fenómeno de popularidade entre nós, para quem aprecia estes sons. Conclusão: o palco mostrou-se ínfimo para a quantidade de interessados em ver como com uma base eletrónica se consegue música etérea e perfeita para uma expedição no tempo.
Dos Wilco é preciso falar com respeito e deferência, são uma banda experiente, com um lote de músicos virtuosos, para além de Jeff Tweedy, vocalista e compositor, seria quase criminoso não falar em Nels Cline, um guitarrista de eleição, e no baterista Glenn Kotche. Se existisse um ranking para os melhores nas respectivas posições, estes figurariam em posições cimeiras. O concerto dos de Chicago foi uma oferenda de competência em palco.
M83 revelaram-se demolidores em palco, numa estrutura ainda mais poderosa do que aquela que haviam apresentado no Hard Club, há escassos meses atrás. Uma hora de concerto sem concessões, saíram aplaudidos de forma efusiva e cientes do dever cumprido.
Ao terceiro dia, conforme as escrituras, uma bênção dos céus, e logo de generosidade desmedida e contínua, banhou os fiéis. Sublime recorte de ironia foi ter no programa os Veronica (water) Falls quase a abrir e os Washed Out quase a fechar. Sem dúvida que a chuva deixou mácula, bem como o cancelamento dos Death Cab for Cutie. Mas para os estoicos de outras realizações festivaleiras, com os de Paredes de Coura à cabeça, não foi o suficiente para demover os interessados. É quase um adágio dizer-se pelas bandas do Porto que “sempre que decorre a Feira do Livro… chove!”. É uma verdade insofismável, mas também não é menos certo o facto de Junho ser na generalidade dos meses um daqueles em que menos chove na Invicta, são por demais conhecidas as orvalhadas de S. João e apenas isso.
Dentro do roteiro que traçámos, as possibilidades são mesmo múltiplas, e das espreitadelas mais ou menos fugazes, quedámo-nos o tempo suficiente pelos Veronica Falls, aquando da primeira e impiedosa bátega. A banda formada em Londres foi tributária da escolha de muitos que se protegiam da chuva, mas que facilmente se enamoraram da tonalidade sonora que povoou o espaço. My Bloody Valentine, Galaxie 500 e Velvet Underground estão no naipe de influências e isso percebe-se, mas nota-se que também eles estão para outros voos.
Desde logo o hit “Lord Let It Rain On Me” fazia todo o sentido. Na verdade, os Spiritualized foram das bandas mais penalizadas pela chuva, mas ainda assim, uma pequena multidão de fãs (in)vestidos das funções de animadores da ‘causa primaveril’ e de indumentária a rigor, impermeáveis e até guarda-chuvas (inusitado objecto para um festival) tocaram ainda cerca de uma hora e, por curiosidade, tiveram do som mais límpido que se ouviu no Optimus Primavera Sound. Jason Pierce, “Mr. Spaceman”, e os apaniguados deverão regressar em breve para nova apresentação de “Sweet Heart Sweet Light”. O final com “Come Together” deu mote de convite para a próxima incursão em terras lusas.
Palco Optimus “nas boxes”, tempo para recuperar forma física, que já se contabilizam mais de 20 horas de pé: 10 na quinta e outro tanto na sexta. Próxima estação...Palco ATP, 22 horas. Lee Ranaldo veio repetir uma boa dose de temas tocados no ‘Diamante’ da Rotunda da Boavista, no Porto, desta feita não em tons acústicos, mas mais elétricos e com banda a acompanhar. E valeu a pena, mesmo sem desfrutar de um copo de tinto que os “Douro Boys” serviam pelas redondezas. Lee ainda se queixou, não com total firmeza, do som dos Afghan Whigs, também eles e o público muito entusiasmados no Palco Primavera, deu para perceber. Ranaldo fez desfilar os temas durante uns bons 60 minutos e até teve tempo para arriscar uma versão de “Thank You For Sendig Me An Angel” dos Talking Heads.
Os Kings of Convenience fizeram jus ao nome e tiveram a conveniência de substituir a islandesa Björk, o grande e já há muito anunciado cancelamento do Festival, que no entanto continua a ser enigmático, isto se quisermos ser benévolos. Na verdade, a senhora vai apresentar-se na majestosa e gravítica Cidade da Cultura de Santiago de Compostela, no próximo dia 22, ficou a saber-se por uns ‘inconvenientes’ prospectos que nos foram entregues à entrada do ‘Primavera Sound’. Algo ficou por explicar. Voltemos aos Kings of Convenience, eles que em regime de duo conseguiram cativar muitas das cerca de 23.000 pessoas que encheram o recinto neste dia. A “Bossa Nova” dos noruegueses significa empatia e comunhão com o público, e, significava, numa outra acepção, o resultado de dores nas costas para os indefectíveis do Festival. Mas Erlend Øye e Eirik Glambek deram o seu melhor, primeiro em dueto e depois com a banda e o efeito entre os emissores e receptores musicais foi positivamente o de um boomerang.
Os Saint Etienne apresentaram-se com algum fulgor, Sarah Cracknell chegou num vestido branco cintilante que terá provocado algumas crises oftalmológicas temporárias, estamos certos (a pose de diva de cinema é talvez explicável pelo facto de o pai ter sido o primeiro assistente realização de Stanley Kubrick). Cultivam a música de dança e a pop mais alternativas, uma ou outra incursão pelo synthpop e uma boa pitada de indie-rock, os ingleses pautam as atuações por uma pose glam e por um volume poderoso.
Os Washed Out não o fizeram por menos, numa saltada à “tenda” compreenderam-se idênticas afinidades entre os músicos e a audiência. Por fim, The XX por quem quase todos esperavam. Os britânicos são excelentes músicos, é já um cliché dizê-lo, mas a atitude contida, quase tântrica, que já nos tinham dado a conhecer na Casa da Música, repetiram-na para uma multidão que os apreciou até com tiques de fã inveterado, e histeria em alguns casos, como alguém comentou com propriedade ao nosso lado “são músicas fatalmente introspectivas e melodicamente irrepreensíveis!”. Eis-nos no segundo dilema do Festival: The XX são demasiado grandes para o Palco Club, dá para subscrever a ideia. Mas acho que face à experiência, planam bem melhor numa sala do que no Palco Optimus. Se fosse possível a requisição, os Massive Attack ou os ‘Bajo Fondo’ seriam óptimas sugestões para o cair do pano.
Ontem, ainda deu melhor para compreender o quanto os que nos visitam por esta altura, sobretudo do outro lado da fronteira e das Ilhas Britânicas, vêm transportados apenas pelo prazer da música pela música, no concerto que Jeff Mangum deu na sala Suggia, da Casa da Música, às 16 horas. Um ritual de bem tocar e de bem saber ouvir. Esta é a principal marca distintiva entre o Optimus Primavera Sound e alguns Centros Comerciais ao ar livre disfarçados de Festivais de Música.
Em jeito de balanço, um evento musical marcado pela presença de uma miríade jovem e cosmopolita nunca antes vista, mesmo numa cidade que acolhe o maior número de estudantes do Programa Erasmus no nosso país, e algo só comparável ao Euro 2004 noutros domínios. Cenário ideal do Parque da Cidade, pouca fauna ‘gruhê’, condições de higiene e limpeza em bom nível, pede-se para o próximo ano comida vegetariana disponível na Praça da Alimentação e uma maior dose de afinação da parceria organizativa para que os espaços reservados às bandas estejam calibrados em função da sua valia. Em discurso directo: Esqueçam a ambição da maior dimensão do Primavera Sound no Porto. Assim está quase perfeito. A múltipla oferta é de aplaudir. A Ilusão da oferta nada acrescenta. Por outras palavras, dilemas do Porto, sim… obrigado. ‘Quadrilemas’ de Barcelona: não, obrigado!
Porto , 07 08 e 09 Junho 2012
Fotos:Paulo Pimenta
Vamos por partes. Este conceito que de alguma forma o Optimus Primavera Sound acentua, uma espécie de ‘Constrói o teu próprio Festival’, faz com que o grau de subjetividade inerente a uma análise possua, desde logo, um índice elevado. A não ser que duas pessoas, por exemplo, combinem com alguma dose de inflexibilidade e o máximo de consenso, é difícil que haja muitos ‘sósias concertinos’; a curiosidade está em saber quais as intersecções entre aquilo que os espectadores presenciaram no Festival, fazendo para o efeito um cruzamento de dados, o que talvez se venha a demonstrar como uma missão interessante, mas muito pouco possível. Eis um… ‘Festival Puzzle’.
O Porto há muito merecia uma realização desta estirpe musical, até porque a cidade tem uma cena artística que só os ‘cus de chumbo’ e ‘opinadores de sofá’ desconhecem. Desde as realizações do Festival Imperial (de boa memória com Beck e Smashing Pumpkins no seu auge, para além de Nick Cave) e da desistência da Música no Coração em apostar no Super Bock Super Rock, após o malogrado ano de ausência dos Depeche Mode, o espaço ficou em aberto, desde então. Na verdade, na Invicta, os concertos isolados que se inscrevem no segmento musical mais indie nunca deixaram de ter fãs e apreciadores e até uma certa regularidade de realização.
O “Optimus Primavera Sound”, cujos palcos se desmontam por esta altura e com a promessa de realização no mesmo local em 2013, é uma prova cabal de que a cidade tem condições para acolher eventos musicais desta envergadura. Quem foi ao magnífico cenário do Parque da Cidade, aquele enclave verde, balizado entre a Avenida da Boavista e a Circunvalação, e com a frente marítima mano-a-mano como horizonte, percebeu que algo de muito (a) sério estava mesmo a acontecer.
/>
E que dizer da música propriamente dita? À parte o risco dos considerandos, no dia a que podemos chamar de ‘tronco comum’, quinta-feira, os Suede foram uma aposta segura; de resto, a banda liderada por Brett Anderson revelou toda a maturidade e conseguiu ao longo de quase uma hora e meia cativar o público. Certo é que Yann Tiersen, mas especialmente The Drums e Mercury Rev, estiveram também em muito bom plano. Quanto a The Rapture, só é plausível dizer-se que, não obstante lhes estar reservada uma hora para dissertar a amálgama de ritmos funk, rock e eletrónica, fizeram muita mossa no seio dos peregrinos do indie. A sensação de que algo de incontornável aconteceria nos dias seguintes ficou ali plasmada, bem como nos comentários das hostes quando batiam em retirada.
Da segunda jornada primaveril brotaram pétalas musicais como os Linda Martini que, face ao horário que lhes estava reservado, cumpriram em pleno a tarefa de aquecer os motores do programa de sexta-feira. Em seguida, no Palco Club, assistiu-se a um dos concertos do evento, sem qualquer margem para dúvidas! Os Other Lives demonstraram um virtuosismo e talento multi-instrumental só ao alcance dos eleitos, desde os primeiros acordes de “As I Lay My Head Down” que isso se percebeu, num misto de espanto e de confirmação dos dotes ao vivo daquilo que já se tinha apreciado na internet. São uma banda de outro horário e de outro campeonato, algo que a muito breve trecho teremos oportunidade de constatar.
Rufus Wainright apresentou-se acompanhado da sua banda suporte e, com uma simpatia cativante e tom animado, o autor de “Poses” conseguiu desfilar um par de canções em muito bom nível, pautando a actuação por uma das mais conseguidas da noite e, em abono da verdade, em todo o festival.
Por seu turno, os Flaming Lips, com o seu revivalismo de pop/rock psicadélico, proporcionaram ao público um concerto em versão de agência de viagens ‘Psicotrópicos’. Wayne Coyne foi o comandante de uma trupe que, mais do que um concerto, ultrapassou esse conceito e concedeu um grande espectáculo cénico, bem ao jeito de uns Pink Floyd ou de uns Genesis à época de Peter Gabriel nas fileiras. “Do You Realize” fica para a posteridade como um momento épico. Ninguém há-de esquecer as cheerleaders, os confettis, os balões, ou o gongo enfeitado por luzes à boa moda de uma feira popular. E aquele momento em que o vocalista da banda se converte em “Homem Zorb” e rola por cima da multidão numa bola gigante feita habitat temporário ficará por muito tempo registado nas mentes. À mesma hora os elementos de uma banda com os lábios de cor mais enegrecida faziam também estragos e dos bons no Palco Club.
Entretanto, o alinhamento ditava para a 01:00 os concertos dos The Walkmen e dos Beach House, em simultâneo, de resto um dos grandes dilemas do Festival. Os primeiros tomaram conta do Palco Primavera e, mesmo não tendo nada para provar, passaram com distinção no exame. Cá mais em cima, no Palco Club, vulgo “tenda”, a animação era total, Victoria Legrand e Alex Scally vieram comprovar o primeiro erro de planeamento da organização, e para o corrigir bastaria ter invertido o local de actuação das bandas. É uma questão de afinação da parceria, a Ritmos deveria ter informado os congéneres da organização que os Beach House são já um fenómeno de popularidade entre nós, para quem aprecia estes sons. Conclusão: o palco mostrou-se ínfimo para a quantidade de interessados em ver como com uma base eletrónica se consegue música etérea e perfeita para uma expedição no tempo.
Dos Wilco é preciso falar com respeito e deferência, são uma banda experiente, com um lote de músicos virtuosos, para além de Jeff Tweedy, vocalista e compositor, seria quase criminoso não falar em Nels Cline, um guitarrista de eleição, e no baterista Glenn Kotche. Se existisse um ranking para os melhores nas respectivas posições, estes figurariam em posições cimeiras. O concerto dos de Chicago foi uma oferenda de competência em palco.
M83 revelaram-se demolidores em palco, numa estrutura ainda mais poderosa do que aquela que haviam apresentado no Hard Club, há escassos meses atrás. Uma hora de concerto sem concessões, saíram aplaudidos de forma efusiva e cientes do dever cumprido.
Ao terceiro dia, conforme as escrituras, uma bênção dos céus, e logo de generosidade desmedida e contínua, banhou os fiéis. Sublime recorte de ironia foi ter no programa os Veronica (water) Falls quase a abrir e os Washed Out quase a fechar. Sem dúvida que a chuva deixou mácula, bem como o cancelamento dos Death Cab for Cutie. Mas para os estoicos de outras realizações festivaleiras, com os de Paredes de Coura à cabeça, não foi o suficiente para demover os interessados. É quase um adágio dizer-se pelas bandas do Porto que “sempre que decorre a Feira do Livro… chove!”. É uma verdade insofismável, mas também não é menos certo o facto de Junho ser na generalidade dos meses um daqueles em que menos chove na Invicta, são por demais conhecidas as orvalhadas de S. João e apenas isso.
Dentro do roteiro que traçámos, as possibilidades são mesmo múltiplas, e das espreitadelas mais ou menos fugazes, quedámo-nos o tempo suficiente pelos Veronica Falls, aquando da primeira e impiedosa bátega. A banda formada em Londres foi tributária da escolha de muitos que se protegiam da chuva, mas que facilmente se enamoraram da tonalidade sonora que povoou o espaço. My Bloody Valentine, Galaxie 500 e Velvet Underground estão no naipe de influências e isso percebe-se, mas nota-se que também eles estão para outros voos.
Desde logo o hit “Lord Let It Rain On Me” fazia todo o sentido. Na verdade, os Spiritualized foram das bandas mais penalizadas pela chuva, mas ainda assim, uma pequena multidão de fãs (in)vestidos das funções de animadores da ‘causa primaveril’ e de indumentária a rigor, impermeáveis e até guarda-chuvas (inusitado objecto para um festival) tocaram ainda cerca de uma hora e, por curiosidade, tiveram do som mais límpido que se ouviu no Optimus Primavera Sound. Jason Pierce, “Mr. Spaceman”, e os apaniguados deverão regressar em breve para nova apresentação de “Sweet Heart Sweet Light”. O final com “Come Together” deu mote de convite para a próxima incursão em terras lusas.
Palco Optimus “nas boxes”, tempo para recuperar forma física, que já se contabilizam mais de 20 horas de pé: 10 na quinta e outro tanto na sexta. Próxima estação...Palco ATP, 22 horas. Lee Ranaldo veio repetir uma boa dose de temas tocados no ‘Diamante’ da Rotunda da Boavista, no Porto, desta feita não em tons acústicos, mas mais elétricos e com banda a acompanhar. E valeu a pena, mesmo sem desfrutar de um copo de tinto que os “Douro Boys” serviam pelas redondezas. Lee ainda se queixou, não com total firmeza, do som dos Afghan Whigs, também eles e o público muito entusiasmados no Palco Primavera, deu para perceber. Ranaldo fez desfilar os temas durante uns bons 60 minutos e até teve tempo para arriscar uma versão de “Thank You For Sendig Me An Angel” dos Talking Heads.
Os Kings of Convenience fizeram jus ao nome e tiveram a conveniência de substituir a islandesa Björk, o grande e já há muito anunciado cancelamento do Festival, que no entanto continua a ser enigmático, isto se quisermos ser benévolos. Na verdade, a senhora vai apresentar-se na majestosa e gravítica Cidade da Cultura de Santiago de Compostela, no próximo dia 22, ficou a saber-se por uns ‘inconvenientes’ prospectos que nos foram entregues à entrada do ‘Primavera Sound’. Algo ficou por explicar. Voltemos aos Kings of Convenience, eles que em regime de duo conseguiram cativar muitas das cerca de 23.000 pessoas que encheram o recinto neste dia. A “Bossa Nova” dos noruegueses significa empatia e comunhão com o público, e, significava, numa outra acepção, o resultado de dores nas costas para os indefectíveis do Festival. Mas Erlend Øye e Eirik Glambek deram o seu melhor, primeiro em dueto e depois com a banda e o efeito entre os emissores e receptores musicais foi positivamente o de um boomerang.
Os Saint Etienne apresentaram-se com algum fulgor, Sarah Cracknell chegou num vestido branco cintilante que terá provocado algumas crises oftalmológicas temporárias, estamos certos (a pose de diva de cinema é talvez explicável pelo facto de o pai ter sido o primeiro assistente realização de Stanley Kubrick). Cultivam a música de dança e a pop mais alternativas, uma ou outra incursão pelo synthpop e uma boa pitada de indie-rock, os ingleses pautam as atuações por uma pose glam e por um volume poderoso.
Os Washed Out não o fizeram por menos, numa saltada à “tenda” compreenderam-se idênticas afinidades entre os músicos e a audiência. Por fim, The XX por quem quase todos esperavam. Os britânicos são excelentes músicos, é já um cliché dizê-lo, mas a atitude contida, quase tântrica, que já nos tinham dado a conhecer na Casa da Música, repetiram-na para uma multidão que os apreciou até com tiques de fã inveterado, e histeria em alguns casos, como alguém comentou com propriedade ao nosso lado “são músicas fatalmente introspectivas e melodicamente irrepreensíveis!”. Eis-nos no segundo dilema do Festival: The XX são demasiado grandes para o Palco Club, dá para subscrever a ideia. Mas acho que face à experiência, planam bem melhor numa sala do que no Palco Optimus. Se fosse possível a requisição, os Massive Attack ou os ‘Bajo Fondo’ seriam óptimas sugestões para o cair do pano.
Ontem, ainda deu melhor para compreender o quanto os que nos visitam por esta altura, sobretudo do outro lado da fronteira e das Ilhas Britânicas, vêm transportados apenas pelo prazer da música pela música, no concerto que Jeff Mangum deu na sala Suggia, da Casa da Música, às 16 horas. Um ritual de bem tocar e de bem saber ouvir. Esta é a principal marca distintiva entre o Optimus Primavera Sound e alguns Centros Comerciais ao ar livre disfarçados de Festivais de Música.
Em jeito de balanço, um evento musical marcado pela presença de uma miríade jovem e cosmopolita nunca antes vista, mesmo numa cidade que acolhe o maior número de estudantes do Programa Erasmus no nosso país, e algo só comparável ao Euro 2004 noutros domínios. Cenário ideal do Parque da Cidade, pouca fauna ‘gruhê’, condições de higiene e limpeza em bom nível, pede-se para o próximo ano comida vegetariana disponível na Praça da Alimentação e uma maior dose de afinação da parceria organizativa para que os espaços reservados às bandas estejam calibrados em função da sua valia. Em discurso directo: Esqueçam a ambição da maior dimensão do Primavera Sound no Porto. Assim está quase perfeito. A múltipla oferta é de aplaudir. A Ilusão da oferta nada acrescenta. Por outras palavras, dilemas do Porto, sim… obrigado. ‘Quadrilemas’ de Barcelona: não, obrigado!
João Fernando Arezes
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