Espero, aguardo, vejo o tempo passar, lento e tranquilo como apenas o tempo se pode dar ao luxo de o fazer. Quero estrangula-lo, bater-lhe, feri-lo, causar-lhe dor, fazer-lhe seja o que for que o obrigue a apressar-se e a carregar-me de volta ali, ao calor daquele abraço, à simplicidade daquele sorriso.
Uns segundos de paz. Um café quente, um abraço apertado e uma voz que me diga que tudo vai ficar bem. Não interessa se é mentira. Interessa que alguém acredite nisso. Eu... eu não sei se acredito já.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
Passagem
Noite gélida de final de ano, aquela mítica noite em que quase todo o planeta sequencialmente irradia em fogos de artificio e promessas vãs de mudar pequenas coisas em si mesmo e no seu redor, álcool e festa. Ele caminha sozinho pelas ruas do bairro alto, pelas onze da noite. Já não é a primeira vez que faz isto neste dia supostamente especial. Ele não liga muito a datas, na verdade. Mas mesmo sem ligar, não consegue não ser arrastado pela aura avassaladora de auto-avaliação... ou auto-comiseração, não consegue ter exactamente a certeza de qual, a linha que as separa, se existe, é ténue demais para ele conseguir diferenciar. O mero facto de reconhecer tal efeito já é algo novo, um progresso, uma pequena e insignificante vitória pessoal que nunca ninguém irá notar, mas que para ele alterou por completo o seu mundo.
Sobe a familiar Atalaia, pára no ultimo bar. Entra, tira o casaco longo de cabedal e pousa-o em cima do balcão. Do outro lado um sorriso surge na cara do barman ao reconhecê-lo. Em tempos ele fora ali uma presença diária. Hoje é um sempre bem-vindo amigo da casa, mas que raramente aparece. Abraça o barman, deseja-lhe um bom ano, pede um café e um shot de vodka. Entra para a sala do fundo com as bebidas, tira um cigarro do maço e lembra-se um momento antes de o acender que já não é permitido fumar aqui. Guarda-o novamente, engole dum trago a vodka e doutro o café. Nem valia a pena ter-se sentado. Levanta-se de volta, leva novamente a chávena e o copo para cima do balcão e acena um adeus ao pegar no casaco. Não demorou mais de cinco minutos dentro do bar, mas não está disposto a ficar ali sentado, sozinho, a olhar o nada.
Desce a rua e vira na direcção da Misericórdia na primeira rua, parando por segundos a meio da outra, uma mão esticada em jeito de cumprimento, escondendo na palma uma nota de 20€. Nota recolhida no cumprimento, recebe de volta um abraço, sente algo a ser colocado no seu bolso direito, segue caminho. Dois amigos a abraçarem-se na passagem de ano. Quem ligaria a tal? E no entanto o gesto escondia imensamente mais.
Apanhou um táxi, seguiu caminho até uma zona diferente da cidade, entrou num outro bar, este escondido na cave de um qualquer edifício. Não costumava ir ali. Não era um cliente regular, mas hoje em dia ele não era cliente regular em local algum. Entrou, deixou-se revistar e passar pelo detector de metais. Não reclamou ao ter que responder que tinha piercings em locais não visíveis, daí o alarme. Desejou um bom ano aos seguranças, mera educação, e entrou. Lá dentro foi recebido pelas ondas possantes dos graves de uma faixa de industrial sua conhecida. Pagou a entrada, largou o casaco no bengaleiro, guardando apenas um par de notas de 20 consigo, a cigarreira e o isqueiro. A pista ainda se encontrava praticamente vazia. Não encheria antes da 1 da manhã provavelmente. Não importava. O que realmente importava era poder ingerir algum veneno, descontrair, tentar não pensar demais. Aqui, o ambiente mais leve, menos cheio de pessoas deixava-o mais calmo, mais solto.
Pediu uma vodka tónica, sem gelo, e ficou encostado a um pilar próximo da pista, olhando o infinito sem ver nada à sua frente. Não estava a pensar em nada também, apenas a sentir a musica mudar à sua volta, e as ondas de som a ecoarem no seu corpo, varrendo-o vezes sem conta. Quase como estar numa praia e sentir as ondas a virem beijar o seu corpo uma por uma.
Despertou dos seus sonhos acordados quando alguém lhe estendeu um copo de pé alto com um liquido leve e borbulhante. Não estava a espera de receber uma bebida. Aliás, ele nem se lembrava que estava ali. Apanhou o copo, esboçou um educado sorriso, sem ter sequer olhado para quem lhe estendia o copo. Virou-se na direcção dela por fim, a rapariga que estava ao balcão.
"Bom ano!" O sorriso aberto naqueles carnudos lábios vermelhos era belo de observar.
"Bom ano..." Ele apenas elevou um dos cantos dos lábios, e tornou a baixar o olhar, sem tocar no espumante.
"Anda brindar com o resto do pessoal, 'tás aí sozinho para quê?"
Ele seguiu-a ate junto do grupo de talvez umas vinte pessoas, entre clientes e empregados, que brindavam ao novo ano, sorrisos nos rostos. Levantou o seu copo, juntou-se por momentos à multidão naquela singela celebração em conjunto, unidos apesar de desconhecidos naquele momento partilhado.
Virou costas à multidão.
Saiu do edifício, puxou um charro já feito, o ultimo, acendeu-o, caminhou por uns metros pela berma da estrada, nenhum destino em especial em mente, caminhando pelo mero prazer de caminhar.
Parou por um segundo, olhou por cima do ombro direito, vendo não a rua deserta, mas o ano que deixava para trás. Os restantes encontravam-se preocupados a efectuar um balanço de tudo o que se passara, mas ele... ele sorriu, deu um passo em frente e perguntou em voz alta no silêncio da noite, lançando o desafio a quem quer que quisesse ouvir:
- O que se segue?
Não havia muito a analisar. Havia imenso a viver, isso sim.
Terminou de fumar, voltou para dentro. Pediu uma vodka e olhou em volta.
"Tempo de viver..."
Sobe a familiar Atalaia, pára no ultimo bar. Entra, tira o casaco longo de cabedal e pousa-o em cima do balcão. Do outro lado um sorriso surge na cara do barman ao reconhecê-lo. Em tempos ele fora ali uma presença diária. Hoje é um sempre bem-vindo amigo da casa, mas que raramente aparece. Abraça o barman, deseja-lhe um bom ano, pede um café e um shot de vodka. Entra para a sala do fundo com as bebidas, tira um cigarro do maço e lembra-se um momento antes de o acender que já não é permitido fumar aqui. Guarda-o novamente, engole dum trago a vodka e doutro o café. Nem valia a pena ter-se sentado. Levanta-se de volta, leva novamente a chávena e o copo para cima do balcão e acena um adeus ao pegar no casaco. Não demorou mais de cinco minutos dentro do bar, mas não está disposto a ficar ali sentado, sozinho, a olhar o nada.
Desce a rua e vira na direcção da Misericórdia na primeira rua, parando por segundos a meio da outra, uma mão esticada em jeito de cumprimento, escondendo na palma uma nota de 20€. Nota recolhida no cumprimento, recebe de volta um abraço, sente algo a ser colocado no seu bolso direito, segue caminho. Dois amigos a abraçarem-se na passagem de ano. Quem ligaria a tal? E no entanto o gesto escondia imensamente mais.
Apanhou um táxi, seguiu caminho até uma zona diferente da cidade, entrou num outro bar, este escondido na cave de um qualquer edifício. Não costumava ir ali. Não era um cliente regular, mas hoje em dia ele não era cliente regular em local algum. Entrou, deixou-se revistar e passar pelo detector de metais. Não reclamou ao ter que responder que tinha piercings em locais não visíveis, daí o alarme. Desejou um bom ano aos seguranças, mera educação, e entrou. Lá dentro foi recebido pelas ondas possantes dos graves de uma faixa de industrial sua conhecida. Pagou a entrada, largou o casaco no bengaleiro, guardando apenas um par de notas de 20 consigo, a cigarreira e o isqueiro. A pista ainda se encontrava praticamente vazia. Não encheria antes da 1 da manhã provavelmente. Não importava. O que realmente importava era poder ingerir algum veneno, descontrair, tentar não pensar demais. Aqui, o ambiente mais leve, menos cheio de pessoas deixava-o mais calmo, mais solto.
Pediu uma vodka tónica, sem gelo, e ficou encostado a um pilar próximo da pista, olhando o infinito sem ver nada à sua frente. Não estava a pensar em nada também, apenas a sentir a musica mudar à sua volta, e as ondas de som a ecoarem no seu corpo, varrendo-o vezes sem conta. Quase como estar numa praia e sentir as ondas a virem beijar o seu corpo uma por uma.
Despertou dos seus sonhos acordados quando alguém lhe estendeu um copo de pé alto com um liquido leve e borbulhante. Não estava a espera de receber uma bebida. Aliás, ele nem se lembrava que estava ali. Apanhou o copo, esboçou um educado sorriso, sem ter sequer olhado para quem lhe estendia o copo. Virou-se na direcção dela por fim, a rapariga que estava ao balcão.
"Bom ano!" O sorriso aberto naqueles carnudos lábios vermelhos era belo de observar.
"Bom ano..." Ele apenas elevou um dos cantos dos lábios, e tornou a baixar o olhar, sem tocar no espumante.
"Anda brindar com o resto do pessoal, 'tás aí sozinho para quê?"
Ele seguiu-a ate junto do grupo de talvez umas vinte pessoas, entre clientes e empregados, que brindavam ao novo ano, sorrisos nos rostos. Levantou o seu copo, juntou-se por momentos à multidão naquela singela celebração em conjunto, unidos apesar de desconhecidos naquele momento partilhado.
Virou costas à multidão.
Saiu do edifício, puxou um charro já feito, o ultimo, acendeu-o, caminhou por uns metros pela berma da estrada, nenhum destino em especial em mente, caminhando pelo mero prazer de caminhar.
Parou por um segundo, olhou por cima do ombro direito, vendo não a rua deserta, mas o ano que deixava para trás. Os restantes encontravam-se preocupados a efectuar um balanço de tudo o que se passara, mas ele... ele sorriu, deu um passo em frente e perguntou em voz alta no silêncio da noite, lançando o desafio a quem quer que quisesse ouvir:
- O que se segue?
Não havia muito a analisar. Havia imenso a viver, isso sim.
Terminou de fumar, voltou para dentro. Pediu uma vodka e olhou em volta.
"Tempo de viver..."
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