A vinheta inicial de A
Odisseia de Astérix (1981) –
um dos melhores álbuns de Uderzo a solo –, mostra a luta pela
sobrevivência travada pelos habitantes silvestres da floresta
gaulesa. Uderzo está ali no seu esplendor artístico de autor de BD
humorística e de inspiração animalista, no espectáculo cruento
que a natureza constantemente nos dá, dulcificado pela matriz dos
comics americanos,
onde bebeu: de Walt Disney e seus colaboradores a Milton Caniff, o
criador de Terry e os Piratas e
Steve Canyon, este
último não despiciendo para a a BD de aviação Tanguy e
Laverdure (1959), com texto de
Jean-Michel Charlier, o excelso argumentista de Fort Navajo
(Tenente Blueberry).
A
grande influência, porém, e porque exercida pessoalmente, foi a de
Edmond Calvo (1892-1957), um prodigioso animalista, a quem chamaram o
“Walt Disney francês”. A sua obra mais reconhecida, La
Bête Est Morte! – La Guerre Mondiale chez les Animaux,
publicado imediatamente após a Libertação, trouxe-lhe o
reconhecimento do próprio Disney. Os
mestres excepcionais detectam-se sempre nos díscípulos de génio.
Neste Uderzo de 1981, sexagenário já entrado, temos a impressão de
Calvo é visivel. Aliás, é-o desde 1946, quando aos 19 anos, após
vencer um concurso, publica o primeiro álbum – um feito para a
época –, Les Aventures de Clopinard, le Dermier des
Gognards, um perneta
sobrevivente da batalha de Waterloo...
O
êxito incomparável de Astérix o Gaulês não existiria sem o
talento de Uderzo, sem a inteligência da caracterização
psicológica daquelas figuras caricaturais, quase disneyescas. Sim,
Goscinny era o espírito crítico, a audácia do subtexto, o génio
da ironia; mas só com Uderzo e Astérix é que Goscinny é
completamente Goscinny. Encontraram-se em 1951, e tiveram
praticamente uma década de afinação, até apresentarem, em 1958,
uma obra que faria jus àquela chancela de dream team,
como lhe chamou o hergéfilo Jacques Langlois, Uderzo &
Goscinny: Humpá-pá o
Pele Vermelha, nas páginas da
revista Tintin, que em
muito antecipava o tom de Astérix: na América do Norte do século
XVIII, a tribo dos Shavashavah é confrontada com a invasão de
forças europeias, francesas e inglesas, com as quais tem de lidar.
Aldeias a que não falta um chefe patusco, invasores alienígenas...
Humpá-pá intrépido, menos experiente que o pequeno gaulês, tem
também o seu perceiro, cómico e desajeitado como Obélix, o
cavaleiro Humberto de Massa Folhada (ou Escalpe Duplo, como lhe
chamavam os índios, por causa da peruca) porém trinca-espinhas, ao
contrário do fabricante de menires.
No
ano seguinte, na revista Pilote,
Uderzo desdobra-se entre a BD realista de Tanguy e
Laverdure e outra de teor
humorístico, Astérix o Gaulês,
em benefício da qual abandonará a primeira. Curiosamente, é
substituído por um expoente da “Escola de Marcinelle” (da
revista Spirou), Jijé,
que dará à série dos pilotos-aviadores uma rugosidade que o traço
suave de Uderzo não permitia.
Após
a morte de Goscinny, Uderzo foi muito criticado por os seus álbuns a
solo não alcançarem o nível dos anteriores, algo que é excessivo.
O Grande Fosso e As
Mil e Uma Noites de Astérix são
outros títulos ao melhor nível da dupla.
(publicado no Sol)
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