A história
contrafactual oferece possibilidades infinitas, com a vantagem,
quanto a nós, sobre outro tipo de narrativas especulativas, pelo
facto de as coordenadas serem mais reconhecíveis.
E se a Guerra Fria
tivesse degenerado, com um conflito nuclear em solo europeu entre os
Estados Unidos e a União Soviética? E se, em consequência da
desarticulação política dos estados do Velho Continente, a
História houvesse tomado um rumo distinto, não tendo sequer
ocorrido a revolução portuguesa em 25 de Abril de 1974? Eis os
pressupostos da série Ermal,
da autoria de Miguel Santos.
No Hemisfério Sul,
na capital de uma “província ultramarina”, os colonos
portugueses e os que, vindos da Europa, conseguiram escapar,
reorganizam-se por acção dos Capitães de Maio, um grupo de
militares que tem para si a missão de assegurar a subsistência da
nova cidade-estado. Esta não é mencionada, mas será Luanda –
agora com o nome de “Cidadela”. Este reduto do antigo império
colonial português tem de defrontar os colectivistas do exército
proletário, entretanto tomado de assalto pela cupidez – o petróleo
está ali à mão... –, o que levará a dissensões no seu seio.
Tina, uma guerrilheira grávida e destemida, dirá a um tuga: “Uns
turras são pela tirania, outros não.”
Dos Capitães de
Maio sobressai o ‘Cid’, nome de guerra em homenagem a Rodrigo
Díaz de Bívar, o Campeador castelhano contra os mouros, no século
XI. Este Cid da Cidadela, de tez morena e com verbo fácil e
cultivado, está em missão com o fim de captar o auxílio de um
grupo armado não alinhado, como aliados contra os totalitários. Com
a Cidadela envolvida por forças hostis, o inimigo do inimigo aliado
pode ser.
A paisagem é a
savana, e os bichos são os carros de combate, ou o que dentro deles
evolui, não faltando mercenários e peões a falar o africânder (os
sul-africanos) e o castelhano (os cubanos). As imagens dessa
movimentação de homens e armas, evocaram a este leitor a célebre
batalha do Cuito Cuanavale, o maior combate terrestre a ter lugar
após a II Guerra Mundial, tão avassalador quanto inconclusivo,
deixando marcas nos contendores, em especial nos que não tinham
ligação àquele solo. Mas isto é a imaginação a funcionar, pois
se não houve 25 de Abril, também não se deu a descolonização e
muito menos se realizou tão fantástica refrega…
Sementes no
Deserto é o terceiro livro
desta série, depois de Quando a Guerra Fria Aqueceu
e Terra e Sangue.
São nítidas as qualidades
narrativas: os diálogos, fluentes, rápidos e vivos, quando existem;
e quando tal não sucede, a concepção das vinhetas, com recurso a
vários planos (veja-se a operação militar, a páginas 26-28),
alcança um bom dinamismo – um dos aspectos mais fortes desta BD,
em que é visível o gosto de contar uma história original com
vivacidade.
Ermal
– Sementes no Deserto
texto e desenhos:
Miguel Santos
edição:
Escorpião Azul, 2019
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